Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1562/24.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/16/2024
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
PRESSUPOSTOS
Sumário:Cabe ao requerente da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, alegar e demonstrar a verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, incluindo que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

M......... (doravante Recorrente, Requerente ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias contra o IRN – Instituto dos Registos e Notariado (doravante Requerido, Recorrido ou ER), peticionando a procedência da intimação e ordenando:

“A. Nos termos do disposto no artigo 110º, nº 3, al) a) do CPTA e tendo em consideração o caso em apreço que se caracteriza numa lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia, se possa encurtar o prazo fixado no nº 1 do referido artigo ou optar pela realização, no prazo de quarenta e oito horas, de uma audiência oral, no termos da qual o juiz decidirá de imediato;
B. Intime o I.R.N., I.P. para que profira de imediato a decisão no pedido de aquisição da nacionalidade, com caráter de urgência, atendendo o caráter excecionalíssimo do risco iminente de dano irreparável, relacionado como exercício do direito fundamental à nacionalidade, que requer a que seja proferida uma decisão de mérito incompatível com uma ação administrativa, bem como em respeito aos prazos processuais previstos no Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, e que,
C. Lavre de seguida o respetivo registo de nascimento por transcrição, averbando-se a aquisição da nacionalidade portuguesa.”
Para tanto, sustentou, em suma, que é cidadão brasileiro, nascido em 22 de março de 1989 e residente no Porto, em Portugal, sendo titular de autorização de residência que caduca em abril de 2024, e descendente de judeu sefardita português, tendo em 16 de setembro de 2020, solicitado à Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, pedido que foi distribuído à Conservatória do Registo Civil de Setúbal).
Alegou que,
· Foi violado o seu direito fundamental ao acesso à informação procedimental, regulado no art.º 268.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e concretizado nos art.ºs 82.º, 83.º e 85.º do CPA, porquanto: em 22.12.2021 solicitou à Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa informação sobre o andamento do procedimento, pedido a que, até à data, não foi dada resposta; também a Conservatória de Registo Civil de Setúbal apenas respondeu em 21.2.2022, quando o processo ali foi distribuído em 20.1.2022 e mais de 17 meses desde que foi formulado o pedido;
· Foram violados todos os prazos processuais previstos no artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, quanto à tramitação do procedimento de aquisição da nacionalidade por naturalização, bem como as normas do CPA, e os princípio da boa administração, legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 5.º, 3º, 10º e 11º do CPA 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, porquanto passados 3 anos e 5 meses a contar da data do pedido, o pedido de aquisição da nacionalidade do A. ainda não foi objeto de decisão, nem foi lavrado o registo;
· Encontra-se agora numa situação de desemprego por motivos alheios à sua vontade, tendo recebido proposta de trabalho que apenas pode aceitar se for titular da nacionalidade portuguesa por as funções em causa implicarem deslocações para outros países da Europa;
· Ocorre violação do princípio da confiança, de informação processual (direito fundamental previsto no artigo 268º da CRP), dos princípios da legalidade, da imparcialidade e da igualdade, e o seu direito à notificação, porquanto, não foi notificado da remessa do seu processo à mencionada Conservatória do Registo Civil de Setúbal e existem já processos com decisão entrados na mesma data na Conservatória dos Registos Centrais;
· A demora na análise e decisão do pedido de nacionalidade formulado pelo A. já lhe acarretou prejuízos e é violadora do seu direito fundamental à nacionalidade, nos termos do art. 4.º da CRP, porque se encontra em território nacional, sendo titular de uma autorização de residência que vai caducar no próximo mês de abril de 2024 e que caso não lhe seja concedida a nacionalidade, terá de renovar, o que praticamente é impossível face ao funcionamento deficiente da A.I.M.A.;
· A violação dos prazos processuais por parte da Administração constitui uma ameaça séria ao exercício, em tempo útil, de direitos conexos com o direito fundamental de aquisição da nacionalidade portuguesa do A., constituindo um verdadeiro obstáculo processual e violador de direitos fundamentais processuais do A., com a consequente repercussão no Direito Fundamental do mesmo à nacionalidade portuguesa;
· O direito do A. não corresponde a uma mera expectativa, mas a um direito fundamental, posto que o direito à nacionalidade corresponde a um direito fundamental, conforme disposto no artigo 26-º, n.º 1 da CRP, devendo ser interpretado como o direito a não ser privado da cidadania portuguesa, bem como no direito a aceder à cidadania portuguesa;
· O meio processual é idóneo e estão reunidos os pressupostos porquanto estamos perante um direito fundamental que merece tutela jurisdicional com caráter de celeridade, visando a imposição de uma conduta positiva por parte da Conservatória do Registo Civil de Setúbal, no sentido de tramitar o pedido de aquisição da nacionalidade do A. com carácter de urgência, face ao tempo já decorrido desde a data do pedido, proferindo a respetiva decisão de concessão da nacionalidade portuguesa por naturalização nos termos do artigo 6º, nº 7 da Lei da Nacionalidade, transcrevendo a certidão de nascimento e averbando a aquisição da nacionalidade nos termos em que foi requerida, posto que esperar 3 anos e cinco meses por uma decisão, não constitui, no âmbito dos pedidos de nacionalidade, um prazo razoável;
· O atraso na decisão faz incorrer a administração no incumprimento do dever de decisão, como resulta dos artigos 13º, 128º e 129º, todos do CPA;
· Caso não seja proferida decisão de mérito, de forma célere, ocorrerá a lesão grave e irreversível na esfera jurídica do A. a quem ainda não foi concedida a nacionalidade portuguesa, impedindo-o de exercer um direito fundamental que se encontra na sua esfera jurídica, mas que a administração ainda não concretizou ao fim de 3 anos e meio;
· O meio processual é a forma indispensável para assegurar, em tempo útil, o exercício de direitos fundamentais, como o é o direito à nacionalidade, face à situação específica do A., garantido pela Constituição no seu artigo 26º e pelas disposições legais e dos Tratados atrás referidos e o direito à igualdade e à não discriminação, garantidos pelo artigo 13º da Constituição da República Portuguesa;
· A administração deve adaptar-se e reorganizar-se para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável.

Por sentença de 12 de março de 2024, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa rejeitou liminarmente a petição, em suma, por considerar não preenchidos os pressupostos para admissão da intimação nos termos do artigo 109.º n.º 1 do CPTA, concretamente não ter sido alegada qualquer factualidade circunstanciada que permitisse apreciar a necessidade urgente concreta e, consequentemente, não estar suficientemente caraterizada a existência de um prejuízo, não tendo o Requerente satisfeito o ónus alegatório e demonstrado a indispensabilidade do recurso ao meio processual.

Inconformado, o A./Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:

“I. A situação do Recorrente carece de proteção urgente e célere, a qual é incompatível com a ação administrativa, sob pena de poder ficar previsivelmente e irremediavelmente comprometido o exercício em tempo útil dos direitos inerentes à nacionalidade portuguesa, não tendo a Requerida atentado devidamente no facto de estarmos perante um direito fundamental, que necessita, no caso concreto, de uma tutela urgente através de uma decisão de mérito, indispensável a assegurar o seu exercício em tempo útil, face ao perigo de lesão grave e irreversível, como alegado e comprovado;
II. Do recurso apresentado resulta provado a existência e violação de uma grave violação de um direito Liberdade e Garantia.
III. O Recorrente deu cumprimento ao ónus alegatório que contra si impende, fundamentando e provando a má atuação da administração;
IV. Por conseguinte, no caso concreto, através num juízo de prognose, conclui-se que o presente meio processual é adequado e idóneo, porquanto foram alegados factos concretos subjacentes à especial urgência da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, por forma a tutelar e pôr termo à lesão dos direitos fundamentais de cidadania e nacionalidade (cuja concessão não é automática, é certo, mas que a requerente entende ter direito) e em consequência, da sua situação especial decorrente da sua idade avançada, da sua esperança média de vida e do seu estado de saúde debilitado, e cujo reconhecimento e atribuição em tempo útil e a curto prazo por parte da entidade requerida é a única forma de permitir o seu exercício efetivo;
V. Considerando que o Recorrente reside em Portugal está constantemente a ser prejudicado em função de ainda não ter a nacionalidade portuguesa;
VI. Assim, não restam dúvidas que a Conservatória dos Registos Centrais e a Conservatória de Setúbal e em geral os serviços que analisam e decidem pedido de nacionalidade, têm violado reiteradamente todos os prazos processuais aos quais estão vinculados, pelo princípio da legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 3°, 10° e 11° do CPA;
VII. Normas de caráter adjetivo e, por isso, de aplicação imperativa;
VIII. Os serviços de registos têm violado reiteradamente todos os prazos processuais aos quais estão vinculados, pelo princípio da legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 3°, 10° e 11° do CPA;
IX. Este facto implica um perigo acrescido da lesão dos direitos da Requerente inerentes à titularidade da nacionalidade portuguesa, lesão alegada, comprovada e iminente, face à idade avançada da mesma, à sua esperança média de vida e estado de saúde fragilizado;
X. Requerendo-se a intimação do IRN, I.P., a decidir o processo do pedido de atribuição da nacionalidade portuguesa, formulado pela Requerente, nos termos do artigo 1°, n° 1, alínea d) da Lei da Nacionalidade, entrado em 12 de janeiro de 2023, lavrando o respetivo registo de nascimento, atendendo à reiterada violação dos prazos processuais que supra evidenciamos, como a Requerente o solicitou - com carater de urgência, sem ter obtido, até presente data, qualquer resposta, passados que são quase 3 meses desde a data em que formulou o pedido - prosseguindo a respetiva tramitação nos termos do artigo 41° do RNP, com respeito pelos prazos, diligenciando pela sua decisão e pela feitura do registo de nascimento;
XI. Pese embora o Requerente não ignore nem desconheça os constrangimentos nos serviços evidenciados pela entidade requerida (grave carência de meios), a verdade é que tal circunstancialismo é alheia à Requerente, pois que, a administração deve adaptar-se e reorganizar-se para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável.
Termos em que, admitindo-se o presente recurso, que V.Exas. revoguem a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, fazendo-se a habitual Justiça!”

O recurso foi admitido como de apelação, efeito meramente devolutivo e subida imediata nos próprios autos.

O Recorrido IRN IP, citado para os termos do recurso e da causa, apresentou resposta e contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões,
“I. É pressuposto da ação regulada nos artigos 109° a 111° do Código de Processo dos Tribunais Administrativos a existência de um direito, de uma liberdade ou de uma garantia, constituídos, e que a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, desse direito, liberdade ou garantia;
II. A pretensão do Recorrente não é passível de ser qualificada, para efeitos de análise e decisão do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, como urgente, nem este alega concretamente, nem comprova, a ocorrência de uma lesão atual, iminente e irreversível atingindo um direito fundamental, liberdade ou garantia de que seja titular;
III. O requerente de um pedido de concessão da nacionalidade portuguesa não é titular do direito a esta nacionalidade, mas apenas do direito de obter da entidade administrativa competente uma decisão sobre o seu pedido;
IV. O requerente de um pedido de reconhecimento da sua nacionalidade portuguesa, embora titular do direito de obter da entidade administrativa competente uma decisão sobre o seu pedido, não é titular do direito de a obter, nem quando pretende, nem dentro de um prazo pré-fixado;
V. Como, até ser proferida decisão favorável pela entidade administrativa competente, o requerente de um pedido de reconhecimento da sua nacionalidade portuguesa não é titular do direito a esta nacionalidade, o incumprimento dos prazos estabelecidos no Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (RNP) pelo IRN, IP não constitui uma violação daquele inexistente direito;
VI. Não merece proteção um direito que não existe, pelo que deve ser liminarmente indeferido o pedido, formulado numa ação proposta ao abrigo do artigo 109° do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, por um cidadão brasileiro residente em Portugal cujo processo de aquisição da nacionalidade portuguesa não foi decidido pela entidade administrativa competente dentro dos prazos estabelecidos no RNP;
VII. Verifica-se, deste modo, uma exceção dilatória inominada, por impropriedade ou inadequação do meio processual utilizado pela Requerente, nos termos do artigo 89°, n°s 1, 2 e 4 do CPTA e dos artigos 576°, n°s 1 e 2 e 577° do CPC, estes aplicáveis "ex vi” artigos 1° e 35° do CPTA;
VIII. A entidade administrativa competente para proferir uma decisão sobre aquisição ou atribuição da nacionalidade portuguesa está sujeita aos princípios mencionados no artigo 266°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa;
IX. A decisão da entidade administrativa competente relativamente a um processo não urgente de aquisição ou de atribuição da nacionalidade portuguesa que seja proferida antes que sejam analisados e decididos todos os demais pedidos anteriores, nas mesmas circunstâncias, viola o princípio da igualdade;
X. Os prazos estabelecidos no Regulamento da Nacionalidade para as entidades administrativas têm natureza meramente ordenadora, cuja inobservância não determina quaisquer efeitos processuais;
XI. O não cumprimento dos prazos ordenadores estabelecidos no Regulamento da Nacionalidade, derivado da insuficiência de meios humanos da Conservatória dos Registos Centrais face ao número de processos de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, deve ser qualificado como incumprimento não culposo de uma obrigação;
XII. O incumprimento não culposo dos prazos ordenadores estabelecidos no Regulamento da Nacionalidade não confere ao requerente de um pedido de aquisição ou de atribuição da nacionalidade portuguesa, que ainda mantenha interesse na decisão, o direito a ser indemnizado pelos eventuais prejuízos que a demora na decisão lhe tenha causado;
XIII. A decisão recorrida não merece reparo e deve ser mantida.
[…]
Em sede de recurso:
III – Deve ser mantida na ordem jurídica, a sentença que liminarmente rejeitou a intimação em causa, pelas razões supra aduzidas, negando-se, consequentemente, provimento ao presente recurso.
IV – Tudo com as legais consequências,
Termos em que se fará Justiça.”

O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Tendo em conta o exposto, a questão que a este Tribunal cumpre apreciar reconduz-se a saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por se encontrarem preenchidos os pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.


III. Fundamentação de facto

Não foram fixados factos na sentença recorrida.

IV. Fundamentação de direito

1. Do erro de julgamento

Decorre dos autos que a sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, entendendo, em suma, que o Recorrente “não deu satisfação ao ónus de alegação e prova que lhe estava acometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova no sentido de demonstrar a imprescindibilidade da tutela urgente a que recorreu para garantir os seus supostos direitos”, conforme exigido pelo n.º 1 do art.º 109.º do CPTA, não sendo “aplicável a prerrogativa prevista no artigo 110.°-A, n.° 1, do CPTA, pois considerando o pedido formulado, não é possível o recurso à tutela cautelar com idêntico objeto, para além de, não se verificar conforme se expôs, qualquer urgência”, na medida em que, visto que “a situação de urgência mede-se perante factos concretos da vida real que reclamem a decisão imediata do pedido”, “o requerente se bastou com alegações genéricas, abstratas, considerandos que não passam de juízos conclusivos, sem a necessária densificação das circunstâncias da especial urgência que lhe cabia demonstrar no âmbito do presente meio processual”. Concluiu, assim, que o Requerente não alegou “qualquer factualidade circunstanciada que permitisse apreciar a necessidade urgente concreta, pelo que, não está suficientemente caraterizada a existência de um prejuízo iminente e/ou consumado”.
Como emerge do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, “[a] intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.”.
Este meio processual assegura a proteção a título principal, urgente e sumária, de direitos, liberdades e garantias, que estejam a ser violados naquelas situações em que a rápida prolação de uma decisão que vincule a Administração (ou particulares) a adotar uma conduta positiva (facere) ou negativa (non facere) se revele como indispensável para acautelar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.
Enquanto pressupostos do recurso a este meio processual, encontram-se, um de índole positiva, qual seja a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão que imponha à Administração uma conduta positiva ou negativa como forma de assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, acudindo a lesões presentes e futuras, e um de índole negativa, traduzido na impossibilidade ou insuficiência, nas circunstâncias do caso, do decretamento de uma providência cautelar.
No que respeita ao primeiro pressuposto, exige-se que a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia. Cabendo ao requerente da intimação alegar e demonstrar a urgência na obtenção de uma decisão definitiva para a tutela dos direitos, liberdades e garantias que alega estarem a ser violados.
Como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição, Almedina, 2017, p. 883) “(...) é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adopção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício. À partida, o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspectos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”.
É que, como se dá nota na sentença recorrida, a defesa ou tutela dos direitos fundamentais, faz-se, por regra, através do recuso à ação administrativa, recorrendo-se à intimação apenas quando aquela via não é possível ou suficiente por se verificar “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de grave ameaça ou violação do direito, liberdade ou garantia em causa, que só possa ser reparada através do processo urgente de intimação.” (idem, ibidem, p. 883).
O segundo dos requisitos estatuídos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, refere-se à subsidiariedade da intimação, no sentido de que ou “se trata de uma situação de especial urgência das que o legislador tipificou como tal, ou o processo urgente não é necessário, sendo a forma de tutela mais adequada uma solução combinatória de ação principal e providência cautelar, o que decorre da especificidade ou da excecionalidade, mais do que da subsidiariedade, dos processos urentes.” (Anabela Costa Leão, Comentários à Legislação Processual Administrativa, Vol. II, 5.ª edição, 2020, AAFDL Editora, p. 673). Assim, a intimação é o meio adequado quando a tutela do direito, liberdade ou garantia lesado, ou em vias de o ser, não se compadece com a delonga de um processo não urgente, ainda que acompanhado de uma providência cautelar.
Isto posto, importa dar conta que no requerimento inicial o Recorrente, para justificar a urgência que é pressuposto do recurso à intimação, alega que foi incumprido o seu direito à informação quanto ao estado do seu processo e à notificação da remessa do processo para outra Conservatória e que o direito à nacionalidade é um direito fundamental, de tal forma que, não tendo sido cumpridos os prazos de decisão do seu pedido, opostamente a outras situações cujos pedidos foram apresentados na mesma data, foram violados o dever de decisão, os princípios da boa administração, legalidade, da boa-fé, colaboração, imparcialidade e igualdade, e, reunindo os requisitos para o deferimento da sua pretensão, não sendo proferida a decisão de forma célere ocorrerá a lesão grave e irreversível do seu direito à nacionalidade, sustentando que a sua autorização de residência vai caducar e que a sua renovação é impossível face ao funcionamento deficiente da A.I.M.A. e, ainda que, encontrando-se numa situação de desemprego por motivos alheios à sua vontade, apenas poderia aceitar uma proposta de emprego se fosse titular da nacionalidade portuguesa.
Em sede de recurso assenta a sua discordância quanto à decisão recorrida na invocação de que o direito à nacionalidade corresponde a um direito fundamental, conforme o disposto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, cuja proteção é enquadrável no objeto previsto no artigo 109.º do CPTA, e que o Tribunal não encontrou fundamentos de urgência porque não apreciou a violação reiterada e continuada pela requerida no cumprimento dos prazos legais, aduzindo ainda que teria dado cumprimento ao ónus alegatório porquanto reside em Portugal sendo constantemente prejudicado por não deter a nacionalidade portuguesa, sendo que os serviços têm violado reiteradamente os prazos processuais o que implica um perigo acrescido da lesão, comprovada e iminente, dos seus direito inerentes à titularidade da nacionalidade portuguesa, lesão alegada, face à sua idade, à sua esperança média de vida e estado de saúde fragilizado, de tal forma que o reconhecimento e atribuição em tempo útil e a curto prazo por parte da entidade requerida é a única forma de permitir o seu exercício efetivo.
No que respeita à invocada violação do direito à informação procedimental, por um lado, dos termos em que se mostra (alegada) a sua violação, ou seja, por referência ao pedido de informação relativa ao estado do procedimento administrativo e à ausência de notificação do ato de remessa do procedimento pela Conservatória dos Registos Centrais para a Conservatória de Registo Civil, não emerge o direito à decisão do pedido de aquisição de nacionalidade reclamado nos autos de tal forma que a questão da sua violação é inócua à sustentação do direito do Requerente – isto é, ainda que ocorra a violação do direito à informação procedimental naquelas duas vertentes, a proteção desse direito não se faz pelo deferimento da pretensão de decisão do pedido de aquisição de nacionalidade formulado nestes autos.
Por outro lado, a reparação deste direito à informação procedimental “pode (e deve) ter lugar através do meio processual específico e urgente previsto nos artigos 104.° e seguintes do CPTA (intimação para prestação de informações)” (fls. 7 da sentença). Isto é, se o Requerente entende que foi violado o seu direito à informação procedimental a que se reportam os artigos 268.º, n.º 1 da CRP e 82.º a 85.º do CPA, então a forma de obter a sua efetivação (judicial), para os invocados efeitos de saber em que fase se encontra o seu pedido de aquisição de nacionalidade ou de lhe ser comunicado o ato de remessa, então o meio processual, que lhe assegura uma tutela urgente e definitiva, é a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões a que se reportam os artigos 104.º e ss. do CPTA.
Donde, relativamente à garantia do direito à informação, não se preenche o requisito da indispensabilidade do recurso ao presente meio processual.
No que respeita à alegada violação do direito à nacionalidade, resultante do incumprimento dos prazos de decisão, como já decidiu este Tribunal Central Administrativo Sul em 3.10.2024, no processo 1796/24.0BELSB, em situação semelhante à dos autos, e na qual nos revemos, “[a] natureza do direito violado não permite, assim, por si, só o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não sendo, pois, suficiente, para o preenchimento dos pressupostos da intimação, a mera invocação pelo requerente de que é titular de um determinado direito com a natureza de direito, liberdade e garantia e que o mesmo foi ou está a ser violado pela Administração.
Por outro lado, importa ter presente que ao dever de decisão que impende sobre a Administração [artigo 13.º do CPA] não corresponde uma posição jurídica subjectiva dos particulares com a natureza de um direito, liberdade e garantia, o que significa que o incumprimento dos prazos procedimentais, na medida em que não contende com um direito com aquela natureza, não permite o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
O meio normal de reacção à inércia da Administração é a acção administrativa de condenação à prática do acto devido, apenas sendo legalmente admissível o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias quando tal seja indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia.
Assim, e na situação dos autos, o incumprimento do prazo de decisão do pedido de atribuição de nacionalidade não permite, por si só, o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo que, noutra perspectiva, tal incumprimento não consubstancia a urgência que integra o primeiro pressuposto do recurso à intimação”.
Acresce que quanto à alegação de que a falta de decisão determinará a lesão do seu direito à nacionalidade, na medida em que a autorização de residência vai caducar em abril de 2024 e que a sua renovação se mostraria impossível face ao funcionamento deficiente da A.I.M.A., importa recordar que o artigo 16.º, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, já na redação do Decreto-Lei n.º 109/2023, de 24 de novembro estabelecia que,
“8 - Os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, cuja validade expire a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores, são aceites, nos mesmos termos, até 30 de junho de 2024.
9 - Os documentos referidos no número anterior continuam a ser aceites, nos mesmos termos, após 30 de junho de 2024, desde que o seu titular faça prova de que já procedeu ao agendamento da respetiva renovação.”
Sendo que, o Decreto-Lei n.º 41-A/2024, de 28 de junho, alterou o referido normativo nos seguintes termos,
“8 - Os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, cuja validade expire a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores, são aceites, nos mesmos termos, até 30 de junho de 2025.
9 - Os documentos referidos no número anterior continuam a ser aceites, nos mesmos termos, após 30 de junho de 2025, desde que o seu titular faça prova de que já procedeu ao agendamento da respetiva renovação.”
Ou seja, bastando ao Requerente apresentar o pedido de renovação da autorização de residência, sem necessidade de aguardar pela decisão da AIMA sobre o mesmo, beneficia da extensão de validade da sua autorização de residência até 30.6.2025, o que significa que, considerando o disposto no artigo 15.º da CRP e 83.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, os direitos de livre circulação e ao exercício de atividade profissional que invoca não se mostram comprometidos, ou em perigo de lesão grave e iminente, pela ausência de decisão quanto ao seu pedido de nacionalidade.
Não se mostra, por isso, aceitável, face ao leque de direitos que lhe são reconhecidos pela autorização de residência de que é titular, que apenas possa aceitar a proposta de emprego se fosse titular da nacionalidade portuguesa. Acresce que, como se refere na sentença “[a]pesar do requerente ter apresentado documento no qual se manifesta a existência de uma oferta de trabalho - cfr. doc. n° 8 junto com o requerimento inicial - do mesmo não se infere as razões pelas quais se exige que o trabalhador tenha nacionalidade portuguesa, pelo que o Tribunal não pode ajuizar da existência de qualquer situação de necessidade de tutela, designadamente, do direito ao trabalho ou qualquer outro direito fundamental” e quanto às “alegações do requerente reconduzem à vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa como meio de facilitar a sua circulação no espaço da União Europeia” este não alega “que tal circulação está impossibilitada”.
Relativamente ao perigo acrescido da lesão decorrente da sua idade, esperança média de vida e estado de saúde fragilizado, que demandariam o reconhecimento do direito à nacionalidade em tempo útil e a curto prazo por parte da entidade requerida, é certo que nos Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.01.2023, 28.4.2023 e 9.5.2024, proferidos, respetivamente, nos processos n.º 2665/22.3BELSB, 3368/22.4BELSB e 2604/23.4BELSB, se entendeu, em situações em que estavam em causa a idade avançada dos Requerentes e/ou o seu estado de saúde manifestamente debilitado, que se impunha reconhecer o carácter urgente da apreciação dos pedidos.
Contudo, a situação dos autos não se identifica com as apreciadas em tais Acórdãos porquanto, não só no requerimento inicial, o recorrente nada alegou relativamente à sua “idade avançada”, “esperança média de vida” e “estado de saúde fragilizado”, a que apenas se refere nas conclusões das alegações, como, de acordo com os elementos que constam dos autos, o recorrente nasceu em 22.3.1989, pelo que tem 35 anos, idade que não é, de todo, avançada, nada concretizando que permita alcançar a conclusão de que enfrenta problemas de saúde que o debilitam, em termos que careça, com urgência, da decisão que reclama nos autos.
Considerando o exposto, acompanhando-se a sentença recorrida, não podemos deixar de concluir que aí se decidiu com acerto pela não verificação do pressuposto da indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão de mérito para proteção de um direito, liberdade ou garantia, porquanto sendo certo que “em situações de inércia decisória atinentes a procedimento que vise satisfazer direitos fundamentais é necessário que o requerente alegue factos que permitam ao Tribunal concluir que a inércia da administração está a ferir o referido direito fundamental de tal forma que o titular carece de uma tutela principal urgente, sob pena do exercício do próprio direito ficar irremediavelmente afetado”, no caso dos autos “as alegações apresentadas pelo requerente circunscrevem-se aos normais incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração há um tempo (demasiado) longo, relativamente à tramitação do seu pedido de aquisição de nacionalidade, para além de prejuízos eventuais e hipotéticos.” (fls. 7).
Ou seja, o recorrente não alegou quaisquer factos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que se arroga, de tal forma que não se encontrando preenchidos os pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, se impunha, como decidido, o indeferimento liminar do requerimento inicial.

2. Da condenação em custas

Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.

Mara de Magalhães Silveira
Lina Costa
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo