Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1043/15.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/23/2021
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:NULIDADE DA DECISÃO SUMÁRIA
CONHECER EM SUBSTITUIÇÃO
Sumário:I- Será de julgar procedente a nulidade da decisão sumária da relatora por preterição do contraditório, nos termos do art. 655º, nº 2 do CPC), podendo conhecer em substituição valendo a reclamação como pronúncia sobre a questão decidenda (de não admissibilidade do recurso), de modo a evitar a prática de actos inúteis e sem que haja prejuízo de quaisquer garantias - já que o prazo de reclamação (10 dias) é superior ao previsto no art. 655º do CPC (5 dias).
II- Das conclusões recursivas verifica-se que a Recorrente se insurge quanto ao mérito do vício de nulidade prevista no art.º 133.º n.º 2, alínea b) do CPA91, conjugada com o art.º 12.º da Lei 56/2012, de 08/11, omitindo, como impõe o art. 639º, nº 1, do CPC, qualquer referência ao erro de julgamento sobre a verificação da excepção dilatória de caducidade do direito de acção, ao abrigo do art. 89º, nº 1, al. h) do CPTA que justificou a decisão de absolvição da instância.
III- O tribunal de recurso não pode olvidar o efeito do caso julgado que porventura já se tenha formado a montante sobre qualquer decisão ou segmento decisório, o qual prevalece sobre o eventual interesse na melhor aplicação do direito, nos termos claramente enunciados no nº 5 do art. 635º do CPC.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

A Freguesia da Estrela (ora Reclamante) veio reclamar para a Conferência da decisão sumária da relatora que, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, al. b, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi art. 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), decidiu não conhecer do recurso interposto por si interposto da Sentença de 29.06.2020.

Na presente reclamação formulou as seguintes conclusões:

“ A) Foi a Recorrente e ora Reclamante confrontada com a decisão sumária da Exma. Juíza Relatora por via do qual, nos termos do artigo 652.º n.º 1, al. h) do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA decidiu “julgar findo o recurso, por não haver que conhecer do seu objeto”,
B) Fundamenta a Exma. Juíza Relatora que «compulsadas as respetivas alegações de recurso supratranscritas, verifica-se que as mesmas não cumprem o disposto no artigo 639.º, n.º 1 do CPC, desde logo, porque a Recorrente “não conclui de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração da decisão” recorrida, nem teve em atenção o disposto no n.º 2 do mesmo artigo» – fls. 6 da decisão sumária. Vejamos.

C) Ao contrário do decidido no Despacho reclamado, as Alegações de Recurso e bem assim as conclusões são bem claras e sintéticas.

D) O recorrente impugnou a decisão referente ao segmento decisório referente à apreciação do pedido impugnatório que tem por objeto o contrato de concessão de uso privativo de domínio público assinado em 03.12.2013 pela ora Recorrida e pela contrainteressada;

E) O Recorrente imputou a tal segmento decisório – leia-se à decisão! – um claro erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, bem como uma contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão – leia-se, fundamentação que levou a que se considerasse estar-se diante uma situação de anulabilidade (e, leia-se, o que se fez foi contestar o raciocínio da Sentença e não apreciar o mérito!) e por consequência ter-se decidido (mal) dar como verificada uma exceção de caducidade do direito de ação

F) Bastará analisar as alegações e conclusões do recorrente para se perceber quais as normas violadas, qual o sentido defendido por este quanto às normas que constituem fundamento jurídico da decisão e como entende que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.
G) Ainda que assim não entendesse – o que apenas se concebe, sem conceder -, deveria a Exma. Juíza Relatora ter convidado o Recorrente a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões nos termos do artigo 639.º, n.º 3 do CPC.

H) Neste sentido leia-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 738/03.0TBSTR.E1.S3, de 29.10.2019 “

I) O poder dever previsto no artigo 639.º, n.º 3 do CPC foi, tendo por base a imputação que é feita ao Recorrente por parte da Exma. Juíza Relatora, foi claramente violado, tendo, portanto, sido violado, também, o princípio do pro actione porquanto ao não se ter interpretado e aplicado as normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal criou-se, assim, uma situação de denegação de justiça.

J) Não é verdade que a Recorrente não se tenha preocupado “minimamente em rebater a asserção e o decidido na decisão recorrida, no tocante às causas que determinaram procedência da exceção”, como indicado no despacho de que se reclama.

K) O que o Recorrente fez foi contraditar o raciocínio que o tribunal ad quo fez, demonstrando-se que o vício não era gerador de anulabilidade mas sim de nulidade razão pela qual deveria a decisão do segundo segmento decisório, isto, é, a decisão ser revogada!

L) E nem se diga, como consta da decisão sumária que o Recorrente se preocupou “sobretudo em justificar que, do ponto de vista substancial, em concreto aquela contrato impugnado era nulo, o que deveria ter sido declarado pelo Tribunal a quo e vem peticionado no presente recurso”.

M) Tal não corresponde à verdade.

N) O que o Recorrente fez foi contestar o raciocínio do Tribunal ad quo e utilizando a mesma metodologia, demonstrar que se tivesse interpretado corretamente a relação, nomeadamente, entre os artigos 12.º e 18.º, n.º 2 da Lei n.º 56/2012 chegaria a uma conclusão e, portanto, a uma decisão completamente inversa à que acabou por chegar.

O) Se se interpõe recurso de uma determinada decisão e de um segmento decisório, se selhe imputam vícios, a saber, de erro de julgamento, de facto e de direito, vício de contradição insanável de fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e se peticiona a revogação da decisão recorrida, apenas se pode concluir que o Recorrente recorreu da sentença e portanto insurgiu-se quanto à decisão da verificação da caducidade e da exceção.
P) Face a tudo quanto exposto, havia e há que conhecer do objeto do recurso interposto, porquanto o Recorrente interpôs recurso do segmento decisório, imputou à sentença os vícios que decidiu imputar e, a final, pediu a revogação da sentença. E não houve qualquer apreciação do mérito. Houve sim um contraditar, utilizando a metodologia da Sentença recorrida, dos fundamentos e decisão a que o Tribunal ad quo chegou!

Q) A decisão sumária, violou de forma flagrante os princípios antiformalistas que a jurisprudência tem vindo a adotar, como seja, o caso o do “pro actione” e “in dúbio pro favoratitate instancie” (vide a este propósito o Acórdão proferido pelo TCA Norte, Proc. n.º 00378/17.7, de 11.01.2019) e bem assim o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 268.º, n.º 4 da CRP.

R) A decisão sumária violou, ainda, de forma flagrante o disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC, que dispõe que: “Se entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso, o relator, antes de proferir decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias”, como entre outros, decidido em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2017.

S) A decisão sumária, de que ora se reclama, é nula, nomeadamente, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, porquanto, é ambígua e obscura (porquanto, nomeadamente, ora diz uma coisa e o seu contrário) que torna decisão ininteligível, é nula porque incumpriu com o disposto no artigo 655.º, n.º 1 ex vi artigo 195.º, n.º 1 do CPC do CPC e violou o artigo 639.º, n.º 3 do CPC ex vi artigo 195.º, n.º 1 do CPC e é inconstitucional porquanto viola o artº 268º/4 da CRP.

T) Caso não considerem existir as referidas nulidades, o que não se concede, certo é que se verifica padecer a decisão da Exma. Juíza Relatora de um erro de julgamento, porquanto, jamais se pode verificar ter existido qualquer exceção de caso julgado!
U) Termos em que, deverá a decisão sumária ser revogada e, nessa sequência, ser proferido acórdão em conferência, nos termos do artigo 652.º, n.º 4 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, que, ao abrigo do princípio do pro actione e do pro favoratite instancie, conheça do objeto do recurso e bem assim decida pela revogação da sentença (e claro está da decisão de absolvição da instância no seguimento da verificação da exceção de caducidade porquanto jamais se poderia ter decidido de tal forma porquanto estamos diante de uma situação de nulidade e não de anulabilidade – como se demonstrou ad nauseum) proferida pelo Tribunal ad quo.

A contraparte pronunciou-se no sentido de ser indeferida a presente reclamação.

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Com dispensa de vistos, mas enviada cópia do projecto de Acórdão às Juízes Desembargadoras, vem o processo submetido à conferência para decisão.

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II - Do mérito da decisão reclamada

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator, nos termos, in casu, das disposições conjugadas dos art.s 643.º, n.º 4 e 652.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 145.º, n.º 3, do CPTA.
Por Sentença proferida em 29.06.2020, o TAC de Lisboa, decidiu absolver o Réu / Recorrido da instância, dos pedidos impugnatórios formulados pela Recorrente (ao abrigo do art. 89º, nº 1, al. h) do CPTA.

A Autora, ora Reclamante, não se conformando com a sentença proferida veio dela interpor recurso.
Foi proferida decisão pela Relatora de não conhecimento do objecto do recurso.
Inconformado, veio a Recorrente / Reclamante apresentar a presente Reclamação.

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Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pela Recorrente em sede da reclamação que recaiu sobre o despacho de não conhecimento do recurso.

Recapitulando as conclusões apresentadas pela Reclamante em sede de Alegação de recurso jurisdicional:
1ª. Constitui objeto do presente recurso, na vertente de delimitação positiva, constitui o objeto dos presentes autos de recurso o segmento decisório da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, relativamente ao Pedido impugnatório que tem por objeto o contrato de concessão de uso privativo de domínio público assinado em 03.12.2013 pela ora Recorrida e pela contrainteressada, mais especificamente, quanto à interpretação que o douto Tribunal faz de um dos vícios imputados pela Recorrente ao contrato, ou seja, o vício de nulidade prevista no art.º 133.º n.º2 b) do CPA91, conjugada com o art.º 12.º da Lei 56/2012, de 08/11.
2ª. Ademais, e como delimitação negativa, não constituem objecto do presente recurso os pedidos que foram considerados improcedentes, e respetivamente fundamentação, a saber, o relativo ao pedido impugnatório do despacho de concordância e autorização de 14.06.2013 do vereador da Câmara Municipal da entidade ora Recorrida exarado na INF/../DMAU/13 bem como, ao segmento decisório relativo ao pedido impugnatório que tem por objecto o contrato de concessão de uso privativo de domínio público assinado em 03.12.2013 pela Recorrida e pela contrainteressado, apenas no que diz respeito ao primeiro vício invocado pela Recorrida, ou seja, o vício de desvio de poder.
19. Salvo o devido respeito – que é muito – entende a ora Recorrente existir quanto à sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no que diz respeito ao segmento decisório que fizemos menção na delimitação positiva, um claro erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, vício de contradição insanável de fundamentação e entre fundamentação e decisão, não havendo outra solução que não seja a revogação da decisão recorrida, razão que motiva a ora Recorrente em vir junto desse Venerando Tribunal Central Administrativo Sul.

3ª. Erro de julgamento de facto esse derivado do facto de não se ter dado como provados dois factos relevantes: o dia 08.11.2012, data em que foi publicada a Lei n.º 56/2012, e o dia 29.09.2013 em que se realizaram as eleições autárquicas.

4ª. Estes são factos com grande relevância, porquanto entre o dia 08.11.2012 e o dia 29.09.2013 a eficácia plena da Lei n.º 56/2012, estava condicionada, deixando-o de estar a partir do dia 29.09.2013, data a partir do qual, subsumindo-se a presente factualidade ao artigo 18.º, n.º 2 da Lei n.º 56/2012, se verifica terem os efeitos previstos na presente adquirido a sua eficácia plena, a saber, operou-se, naquela data, sem quaisquer dúvidas, a transferência legal das competências previstas no artigo 12.º, facto este que “determina” a transição do pessoal adequado aos serviços – cfr. artigo 16.º da referida Lei - e “implica” a afetação dos recursos financeiros previstos no artigo 17.º da Lei n.º 56/2012.

5ª. Verificando-se ter existido um claro erro de julgamento de facto, outra solução não existe que não seja a revogação da sentença.

6ª. Além do referido erro de julgamento de facto verifica-se ainda padecer a sentença de um claro erro de julgamento de direito.

7ª. Isto porquanto, resulta claro da interpretação da Lei n.º 56/2012, no seu todo, que o Legislador quis apenas e somente condicionar a eficácia dos efeitos da referida Lei a uma só condição: à realização das eleições autárquicas conforme previsto no artigo 18.º.
8ª. De nenhuma outra condição nem qualquer tipo de ato, seja de que natureza for, fez o legislador depender a eficácia plena dos efeitos da lei e portanto a transferência ope legis de competências previstas no artigo 12.º da referida Lei.

9ª. Se o Legislador assim o tivesse pretendido teria previsto claramente uma norma transitória como o fez por exemplo no Decreto-Lei n.º 57/2019, de 30 de Abril e em concreto no artigo 11.º ao prever que “Até à celebração do auto de transferência de recursos referido no n.º 1 do artigo 6.º, as competências atribuídas às freguesias nos termos do n.º 1 do artigo 2.º continuam a ser asseguradas pelos municípios”. O que não o fez no caso em crise.

10ª. Padece assim a sentença recorrida de um claro erro de julgamento de direito devendo, por consequência, ser, também, neste âmbito revogada.

11ª. Ademais, é igualmente imputável à sentença ora recorrida o vício de contradição insanável na fundamentação.

12ª. Porquanto, se por um lado se afirma, a fls. 19 da Sentença recorrida que “Desta norma [artigo 18.º, n.º 2 da Lei n.º 56/2012, de 08/11] apenas decorre que a transferência de competências não pode ter lugar antes de 29/09/2013 (data das eleições autárquicas de 2013), mas a lei não define data concreta em que as competências do artigo 12.º passam a ser exercidas pelas freguesias” – assumindo-se portanto que as competências foram transferidas mas não há é data definida a partir da qual as competências transferidas possam ser exercidas - por outro, a fls. 20 da Sentença recorrida, refere-se que “as competências previstas no artigo 12.º não se podem transferir ope legis para as freguesias” – ou seja, nega-se que tenha ocorrido a transferência de competências (pressuposto para o exercício) quando anteriormente se havia dito que a lei não define “a data concreta em que as competências do artigo 12.º passam a ser exercidas pelas freguesias”.

13ª. Ademais, é igualmente imputável à sentença ora recorrida o vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, porquanto da afirmação do Tribunal a fls. 19 a saber “a lei não define a data concreta em que as competências do artigo 12.º passam a ser exercidas pelas freguesias” resultaria não a conclusão a que o Tribunal acabou por chegar – isto é, de que não teria havido uma transferência de competências ope legis – mas sim a conclusão precisamente contrária, o que implicaria portanto, considerar verificar-se claramente uma situação de incompetência absoluta.
14ª. Termos em que face a tudo quanto dito resulta claro que deveria o Tribunal ad quo ter concluído pela verificação da nulidade prevista no artigo 133.º, n.º 2, alínea b) do CPA91, conjugada com o artigo 12.º da Lei n.º 56/2012, de 08/11”.

Termina pedindo que seja julgado procedente o presente Recurso, “REVOGANDO a Sentença Recorrida, substituindo esta por uma outra de acordo com a qual se declare nulo o contrato de concessão celebrado em 03.12.2013, nos termos e com os fundamentos acima expostos, com as demais consequências legais”.

Através da decisão reclamada decidiu-se julgar findo o recurso, não se conhecendo do seu objecto, em virtude de o recorrente jurisdicional não ter atacado os fundamentos que conduziram à verificação do pressuposto da verificação da caducidade do direito de acção, nos termos do art. 89º, nº 1, al. h) do CPTA, o que conduziu à absolvição da instância.
A decisão reclamada, na sua parte relevante, apresenta o seguinte teor:

Apreciando;

Veio a Autora / ora Recorrente interpor recurso da Decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente a excepção de caducidade de direito de acção de impugnação do contrato de concessão celebrado em 03.12.2013, identificado no ponto 5 da matéria de facto, absolvendo o Réu da Instância.

Como os Tribunais superiores têm abundantemente decidido, as conclusões do recurso assumem a importante finalidade de delimitar o objecto do recurso, ou seja, as questões sobre as quais impende sobre o Tribunal de recurso o dever de conhecer e de decidir, sob pena de omissão ou de excesso de pronúncia.

Por isso, assumem a relevância de revelar a matéria objeccto de reapreciação judicial, assim como as respetivas razões ou fundamentos por que se pede essa reapreciação e a prolação de decisão judicial diferente daquela que foi proferida.

Na decisão recorrida o Tribunal a quo em sede de saneamento decidiu da “excepção de caducidade do direito de acção” com o seguinte discurso fundamentador, que se transcreve em parte:
“(…) 2. [Pedido impugnatório que tem por objeto o contrato de concessão de uso privativo de domínio público assinado em 03/12/2013 pela entidade demandada e pela contrainteressada descrito em 5), dos factos provados].
De acordo com o artigo 41.º do CPTA quem não é parte no contrato deve intentar a ação de anulação dentro do prazo de seis meses contados desde o conhecimento do clausulado.
Provou-se que a autora tomou conhecimento do clausulado do contrato em 05/09/2014 [cf. ponto 8) dos factos provados].
Assim, o prazo de 6 meses terminou dia 06/03/2015 [cf. artigo 279.º do CC].
A caducidade só é interrompida com a remessa a tribunal da petição inicial, a qual ocorreu em 04/05/2015 [cf. ponto 9), dos factos provados], isto é, depois do termo do prazo de caducidade.
A autora defende que este prazo não é aplicável porque o contrato é nulo e não anulável.
O contrato de concessão de direito privativo de uso de domínio público é um contrato objeto passível de ato administrativo [cf. artigo 27.º Regime Jurídico Do Património Imobiliário Público], pelo que é aplicável o regime de invalidade previsto para o ato com o mesmo objeto [artigo 285.º do CCP].
São os seguintes os vícios que a autora imputa ao contrato descrito em 5) dos factos provados: i) desvio de poder e ii) nulidade prevista no artigo 133.º, n.º 2, alínea b), do CPA91, conjugada com o artigo 12.º da Lei 56/2012, de 08/11.
(i) Como supra explicado – para onde se remete expressamente – inexiste norma aplicável que sancione com a nulidade o “desvio de poder”, pelo que quanto a este vício a propositura da ação depende do prazo de caducidade previsto no artigo artigos 41.º do CPTA.
(ii) Por outro lado, a autora defende que a celebração do contrato descrito em 5) dos factos provados representa uma invasão pela entidade demandada da sua esfera de competências, logo o contrato seria nulo por força do disposto no artigo 133.º, n.º 2, alínea b), do CPA91.
Como supra referido para que se considere inaplicável o prazo de caducidade a pretensão impugnatória da autora há-de, em abstrato, de ser subsumível a um comportamento que a lei administrativa sancione com a nulidade. Saber se em concreto se verifica a causa de nulidade é uma questão respeitante ao mérito. Assim, em relação ao vício de incompetência absoluta cabe à autora indicar qual a lei atributiva de competência que o contrato violou, sob pena de não o fazendo ser-lhe aplicável ao pedido de impugnação do contrato o prazo de caducidade previsto no artigo 41.º do CPTA.
A autora defende que na data em que o contrato foi celebrado (03/12/2013) encontrava-se em vigor o artigo 12.º, n.º 1, alíneas a), c), d) e g), da Lei 56/2012, de 08/11, pelo que cabia na sua esfera de competências «a) Gerir e assegurar a manutenção de espaços verdes;” (…) «c) Manter e conservar pavimentos pedonais;» (…) «d) Assegurar a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros;» (…) «g) Atribuir licenças de utilização/ocupação da via pública, licenças de afixação de publicidade de natureza comercial, quando a mensagem está relacionada com bens ou serviços comercializados no próprio estabelecimento ou ocupa o domínio público contíguo à fachada do mesmo, licenças de atividade de exploração de máquinas de diversão, licenças para recintos improvisados e licenças de atividades ruidosas de caráter temporário que se encontrem previstas nos regulamentos municipais e nos termos aí consagrados, e cobrar as respetivas taxas aprovadas em Assembleia Municipal;».
Ocorre, porém, que nem em 03/12/2013 estava em vigor o 12.º do da Lei 56/2012, de 08/11, nem do mesmo decorre que a competência para a celebração do contrato descrita em 5), dos factos provados, pertença à autora.
O artigo 18.º, n.º 2, da Lei 56/2012, de 08/11, determina que «Os efeitos previstos na presente lei têm a sua eficácia plena na sequência das próximas eleições autárquicas.».
Desta norma apenas decorre que a transferência de competências não pode ter lugar antes de 29/09/2013 (data das eleições autárquicas de 2013), mas a lei não define a data concreta em que as competências do artigo12.º passam a ser exercidas pelas freguesias.
(…)
Ora, a deliberação da Assembleia Municipal da entidade demandada excluiu da transferência de competências os espaços onerados com concessão, de onde decorre que no que fiz respeito ao espaço abrangido pelo contrato descrito em 5), dos factos provados, era inaplicável ao tempo da sua celebração a norma atributiva de competência que a autora invoca para sustentar a nulidade prevista no artigo 133.º, n.º 2, alínea b), do CPA91 – cf. ponto 6), dos factos provados.
À data da referida deliberação já o contrato de concessão tinha sido celebrado, pelo que dos termos conjugados dos artigos 12.º, 13.º e da deliberação descrita em 6), dos factos provados, decorre que não é aplicável o disposto no artigo 12.º da Lei 56/2012, de 08/11.
Assim, ao pedido impugnatório que tem por objeto o contrato descrito em 5) dos factos provados, é aplicável o prazo de caducidade de três previsto no artigo 41.º, n.º 2, do CPTA.
Como supra referido a petição inicial foi remetida a tribunal depois de esgotado o referido prazo, pelo que a entidade demandada deve ser absolvida da instância quanto a esse pedido [cf. artigo 89.º, n.º 1, alínea h), do CPTA, aplicável ex vi artigo 5.º, n.º 1, do CPTA].”
Tendo decidido, a final, absolver o Réu, Município de Lisboa, da instância, por procedência da excepção de caducidade do direito de acção.
Compulsadas as respectivas alegações de recurso supratranscritas, verifica-se que as mesmas não cumprem o disposto no artigo 639º, nº1, do CPC, desde logo, porque a Recorrente “não conclui de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração da decisão” recorrida, nem teve em atenção o disposto no nº 2 do mesmo artigo.

Com efeito, a recorrente jurisdicional não se preocupou minimamente em rebater a asserção e o decidido na decisão recorrida, no tocante às causas que determinam procedência da excepção de caducidade do direito de acção, nos termos do art. 89º, nº 1, alínea h) do CPTA e artigo 41º, nº 2 do mesmo Código, procurando minimamente demonstrar o erro de que padeceria tal juízo, tendo ignorado por completo a decisão recorrida e os respectivos fundamentos, nesta parte, designadamente quanto à insusceptibilidade do vício ser gerador de nulidade. Preocupando-se sobretudo em justificar que, do ponto de vista substancial, em concreto aquele contrato impugnado era nulo, o que deveria ter sido declarado pelo Tribunal a quo e vem peticionado no presente recurso.
Importa ter presente que no caso estamos na presença de um recurso jurisdicional, onde se pretende um julgamento de 2º grau, ou seja, a revisão de uma anterior decisão, a qual constitui assim o objecto daquele primeiro.
Na fase de recurso o que importa é apreciar se a sentença proferida deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º nº 2 do CPTA e 639º nº 1 e 635º do CPC (ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA), às que integram o objecto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas suas respetivas conclusões (sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso) e simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal a quo (vide, neste sentido António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pp. 119 e 156).
É que os recursos jurisdicionais são meios judiciais de refutar o acerto da decisão judicial, tendo o recorrente de alegar e concluir os fundamentos porque considera a decisão recorrida sofre dos vícios que lhe imputa e que conduzem à sua anulação ou revogação. Sendo pela alegação e conclusões que se fixa o conteúdo do recurso. Alegações em que a parte deverá expor as razões por que ataca a decisão recorrida e conclusões em que procederá à indicação resumida dos fundamentos por que pede a revogação, alteração ou a anulação da decisão recorrida (cfr. artigo 639º do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA).
Posto isto, temos que em parte alguma das conclusões de Recurso a Recorrente se insurge quanto ao decidido relativamente à absolvição da instância face à verificação da caducidade do direito de acção de impugnação do contrato de concessão celebrado pelo Recorrido em 03.12.2013, por qualquer dos vícios invocados serem insusceptíveis de gerar o desvalor de nulidade.
Logo, tendo nesta parte a decisão recorrida transitado em julgado não pode o Tribunal ad quem “renascer” a apreciação do mérito do pedido impugnatório, em conformidade com o art. 635º, nº 5 do CPC, segundo o qual “[o]s efeitos do recurso na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso, nem pela anulação do processado.”
Das conclusões recursivas verifica-se que a Recorrente se insurge quanto ao mérito do vício de nulidade prevista no art.º 133.º n.º 2, alínea b) do CPA91, conjugada com o art.º 12.º da Lei 56/2012, de 08/11, omitindo qualquer referência ao erro de julgamento sobre a verificação da excepção dilatória de caducidade do direito de acção, que justificou a decisão de absolvição da instância, como impõe o art. 639º, nº 1, do CPC.

Ora, o tribunal de recurso não pode olvidar o efeito do caso julgado que porventura já se tenha formado a montante sobre qualquer decisão ou segmento decisório, o qual prevalece sobre o eventual interesse na melhor aplicação do direito, nos termos claramente enunciados no nº 5 do art. 635º do CPC. No caso sub iudice o pressuposto da verificação de caducidade do direito de acção, nos termos do art. 89º, nº 1, al. h) do CPTA, que conduziu à absolvição da instância.

Trata-se da manifestação do princípio da proibição da reformatio in peiuscf. neste sentido Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, CPC anot., vol. III, tomo I, 2.ª ed., p. 42.

Se o recorrente, aparentemente inconformado com uma decisão jurisdicional, não ataca os seus fundamentos e o decidido, essa revisão não se apresenta minimamente viável [neste sentido, cfr. o acórdão STA, de 11-1-94, proferido no âmbito do recurso nº 33.468, e também o acórdão deste TCA Sul, de 4-5-2006, proferido no âmbito do recurso nº 4.756/2000].
De todo o exposto, porque este tribunal superior não se encontra vinculado à decisão proferida pelo tribunal a quo que admitiu o recurso, atento o preceituado no art. 652º, nº 1 alínea j) do CPC ex vi art. 1.º do CPTA, não se irá tomar conhecimento do objecto do recurso.

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Na Reclamação ora apresentada, o Reclamante suscita ainda a nulidade da decisão reclamada, por preterição do contraditório nos termos dos artigos 655º, nº . 2, 195º, nº 1 do CPC, bem como por ser ambígua e obscura, o que constitui nulidade dos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.

Quanto à violação do contraditório (art. 655º, nº 2, do CPC), efectivamente tem a Recorrente toda a razão, tendo sido preterida tal formalidade essencial, para a decisão, uma vez que importava que a parte se pronunciasse sobre as questões que conduziram ao não conhecimento do recurso, em conformidade com o disposto no art. 3º, nº 3 do CPC.

O que, em conformidade com o disposto no art. 195º do CPC determina a nulidade da decisão reclamada.

Pelo que fica prejudicada a apreciação da nulidade da decisão sumária (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC).

Donde, há que julgar procedente a nulidade por preterição do contraditório, e conhecer em substituição valendo a reclamação como pronúncia sobre a questão decidenda (de não admissibilidade do recurso), de modo a evitar a prática de actos inúteis e sem que haja prejuízo de quaisquer garantias - já que o prazo de reclamação (10 dias) é superior ao previsto no art. 655º do CPC (5 dias).

Apreciando;

Da presente reclamação insiste a Recorrente que “impugnou a decisão referente ao segmento decisório referente à apreciação do pedido impugnatório que tem por objecto o contrato de concessão de uso privativo de domínio público assinado em 03.12.2013 pela ora Recorrida e pela contra-interessada (F)

Acrescenta: “ O Recorrente imputou a tal segmento decisório – leia-se decisão– um claro erro de julgamento, quer de facto como de direito, bem como uma contradição insanável da fundamentação e a decisão – leia-se a fundamentação que levou a que se considerasse estar-se perante uma situação de anulabilidade (e leia-se o que fez foi contestar o raciociocínio da sentença e não apreciar o mérito) e por consequência ter-se decidido (mal) dar como verificada uma excepção de caducidade de direito de acçao (E).

Ora, relendo as conclusões de recurso supra transcritas em parte alguma a Recorrente refere que o Tribunal a quo errou ao qualificar o aludido vício de anulabilidade ou que não deveria ter sido intentada a acção no prazo de 6 meses, como decidiu a sentença recorrida que acima se transcreve e motivou a decisão de absolvição da instância, nomeadamente, quando aí se alude:

“….À data da referida deliberação já o contrato de concessão tinha sido celebrado, pelo que dos termos conjugados dos artigos 12.º, 13.º e da deliberação descrita em 6), dos factos provados, decorre que não é aplicável o disposto no artigo 12.º da Lei 56/2012, de 08/11.
Assim, ao pedido impugnatório que tem por objeto o contrato descrito em 5) dos factos provados, é aplicável o prazo de caducidade de três previsto no artigo 41.º, n.º 2, do CPTA.
Como supra referido a petição inicial foi remetida a tribunal depois de esgotado o referido prazo, pelo que a entidade demandada deve ser absolvida da instância quanto a esse pedido [cf. artigo 89.º, n.º 1, alínea h), do CPTA, aplicável ex vi artigo 5.º, n.º 1, do CPTA].”

Tanto assim é que a Reclamante no ponto 6 da presente reclamação requer a este Tribunal que “ nos termos do art. 652º, nº 4 do CPC ex vi art. 1º do CPTA, que ao abrigo do princípio pro actione e do favoratite instancie, conheça do objecto do recurso e bem assim decida pela revogação da sentença (e claro está da decisão de absolvição da instância no seguimento da verificação da exceção de caducidade porquanto jamais se poderia ter decidido de tal forma porquanto estamos diante duma situação de anulabilidade e não de nulidade”.

O ora peticionado e que a Reclamante refere agora que “leia-se”, não constava das alegações de recurso. Em parte alguma se alude ao erro de julgamento quanto à excepção de caducidade ou de não absolvição da instância.

O que reforça as razões constantes da decisão reclamada.

Tanto mais que o Tribunal a quo teve o cuidado de antes de entrar na apreciação da aludida excepção precisar na decisão recorrida (p.18):

“…Como supra referido para que se considere inaplicável o prazo de caducidade a pretensão impugnatória da autora há-de, em abstrato, de ser subsumível a um comportamento que a lei administrativa sancione com a nulidade. Saber se em concreto se verifica a causa de nulidade é uma questão respeitante ao mérito. Assim, em relação ao vício de incompetência absoluta cabe à autora indicar qual a lei atributiva de competência que o contrato violou, sob pena de não o fazendo ser-lhe aplicável ao pedido de impugnação do contrato o prazo de caducidade previsto no artigo 41.º do CPTA.

Atenta a decisão reclamada que aqui se acompanha e reitera, então ter-se de julgar findo o recurso por não se poder conhecer do seu objecto.

III. Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente a nulidade, por preterição do contraditório, da decisão sumária da relatora e conhecer, em substituição, valendo a reclamação como pronúncia, julgar findo o recurso por não ser possível o conhecer do seu objecto.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 23 de Setembro de 2021

(A Relatora consigna e atesta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, que os Juízes Desembargadoras Catarina Vasconcelos e Sofia David, que integram a presente formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente acórdão).

Ana Cristina Lameira