Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1253/21.6 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/30/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:ATO DE APREENSÃO
TRANSFORMAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
FACTO SUPERVENIENTE
CÔMPUTO DO PRAZO
INTRODUÇÃO IRREGULAR NO CONSUMO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - A verificação da exceção da caducidade do direito de ação, impede o início da respetiva lide e a discussão, nesta sede, de qualquer questão jurídica, ainda que de conhecimento oficioso.
II - O juiz não deve orientar-se por uma preconcebida solução jurídica do caso, antes deve assegurar a recolha de todos os factos que se mostrem relevantes em função das diversas soluções plausíveis da questão de direito.
III - Em processo contraordenacional tributário a impugnação de atos de apreensão praticados por autoridades administrativas segue o regime preceituado no artigo 143.º do CPPT, devendo ser apresentada junto do Tribunal Tributário da área da apreensão, no prazo de quinze dias a contar do levantamento do auto de notícia.
IV - A decisão que indefira a revogação da apreensão, na sequência da apresentação de requerimento do interessado por ocorrência de factos supervenientes, sendo um ato de natureza administrativa que afeta imediatamente a esfera jurídica do lesado, é contenciosamente impugnável, através do processo de impugnação previsto no artigo 143.º do CPPT, aplicado analogicamente e com as necessárias adaptações.
V - Assim, se o ato impugnado não é o próprio ato de apreensão, mas sim o ato ulterior que negou a sua revogação, por facto superveniente, o dies a quo do prazo dos quinze dias circunscreve-se à data da notificação desse mesmo ato de indeferimento.
VI - No âmbito da impugnação do ato que indefere o pedido de revogação da apreensão por factos supervenientes, o ónus da prova circunscreve-se na esfera jurídica da Recorrente, porquanto não tendo sido impugnado o ato de apreensão, compete, ora, à Recorrente provar que ocorreram factualidades supervenientes que determinam, per se, o levantamento da apreensão.
VII - Coadunando-se a situação fática com a introdução irregular no consumo consubstanciada no artigo 109.º, nº3, alínea d), do RGIT, porquanto foi constatada a transformação de veículo, com inerente reclassificação fiscal e repercussão ao nível do imposto devido, e fundando-se, designadamente, o indeferimento da pretensão na falta de regularização declarativa da situação (artigo 73.º, nº8, do RGIT), tal implica uma expressa concretização e refutação por parte da Recorrente.
VIII - A Recorrente está impossibilitada de usar a viatura no estado em que a mesma se encontra, porquanto desconforme com o certificado de matrícula e as caraterísticas de registo do veículo.
IX - A reposição da situação ex ante, ou seja, a modificação do veículo por forma a que o mesmo regresse ao seu estado primitivo, para além de consubstanciar crime de desobediência-para o qual foi, expressamente, advertida e resulta do auto de notícia-, traduz uma clara dissipação de prova.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

F…, SA., (doravante Recorrente ou F…) veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, através da qual julgou verificada a exceção da caducidade do direito de ação por manifesta intempestividade da apresentação da impugnação da apreensão e, por consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido, com as demais consequências legais.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“(a) Na fundamentação da sentença, o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e, entre o mais, especificando os fundamentos decisivos para a sua convicção (cfr. artigo 607.º, n.º4 do CPC), o que o Tribunal a quo omitiu, dando como provados factos, sem fazer qualquer referência à forma como o fez.

(b) Verifica-se, ainda, uma absoluta falta de descriminação dos factos não provados, que igualmente acarreta a nulidade da Sentença, por integrar a previsão da al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

*

(c) A decisão recorrida – na senda do despacho impugnado – considera, no fundo, que a ora Recorrente terá perdido a oportunidade de impugnar a decisão de apreensão da viatura em crise, não o tendo feito, nos termos do art.º 143 do CPPT, no prazo de 15 dias, contado, pasme-se, do acto de apreensão.

(d) A presente impugnação, recai sobre o despacho proferido em 19/08/2021, de indeferimento do pedido de levantamento da apreensão, que recaiu sobre o Requerimento apresentado em 22/07/2021, e não sobre a apreensão, propriamente dita, a que o Tribunal a quo faz referência, como dies ad quem para a apresentação em juízo da impugnação.

(e) Em causa não está, no entanto, a legalidade da apreensão à data em que foi efectuada; Mas sim a verificação de um facto que lhe é superveniente: o pagamento do valor correspondente à liquidação de ISV que venha a ser considerado devido.

(f) E essa questão está, aliás, num plano indiscutível, na medida em que o fundamento do despacho – impugnado, proferido em 19.08.2021 - é tão somente a necessidade de “conservação da prova”.

(g) Summum ius, summa iniuria: Não faz qualquer sentido que, alterada a situação de facto que motivou a apreensão (carência de garantia de pagamento do imposto liquidado e/ou caução) - agora transmutada na afirmação, sem qualquer sustentação fáctica ou sequer argumentativa de que a apreensão se mantém necessária como meio de conservação de prova – que a Arguida não pudesse requerer e ver deferido o levantamento da apreensão, o que constitui, de forma ostensiva, uma negação do acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva.

(h) De facto, tal entendimento ventilado na decisão recorrida não permitiria – como de resto veda! – impugnar a decisão de manter a apreensão, mesmo após o pagamento da dívida tributária que lhe deu primitivamente fundamento, deixando o Particular totalmente desprotegido face à ilegalidade da actuação da AT.

(i) De resto, a sentença proferida é manifestamente incompaginável com o despacho proferido em 15/02/2022, em que o Tribunal ordenou à Recorrente que «Para aquilatar mais fundadamente acerca das questões suscitadas, promovo se notifique a requerente para, no prazo concedido, informar e demonstrar que pagamentos foram por si efectuados, relativamente ao âmbito dos autos e a que título, designadamente, tendo em conta o invocado nos artigo 6.º a 12.º da p.i. // Mais se promove que a requerente informe se já foi prestada caução.».

(j) Não faz qualquer sentido onerar a parte com a prova dos « pagamentos [que] foram por si efectuados, relativamente ao âmbito dos autos e a que título, designadamente, tendo em conta o invocado nos artigo 6.º a 12.º da p.i.», o que esta fez, e para que «informe se já foi prestada caução.», vindo depois, julgar «verificada a exceção da caducidade do direito de ação», em que resulta que o Tribunal a quo determinou a prática pela parte de actos, então, absolutamente inúteis.

*

(k) O fundamento do despacho – o despacho impugnado – não é outro que não o da necessidade da apreensão como “meio de obtenção de prova”, e não, como bem notar, de garantia de pagamento de qualquer quantia liquidada ou a liquidar!

(l) Dito isto, e como muito bem – nesse aspecto… - refere a sentença recorrida, é admitida a apreensão de bens que tenham sido objeto da contra ordenação tributária, desde que a apreensão seja necessária para efeitos de prova ou garantia do pagamento da prestação tributária, coima ou custas, podendo ser efetuada no momento do levantamento do auto de notícia, pela entidade competente (artigo 59.º do RGIT), ou ordenada no decurso do processo contra ordenacional pela entidade competente para a aplicação da coima (cfr. artigo 52.º, n.º 2 do RGIT); Mas nada disto ocorre e é manifesto que não ocorre, constituindo a apreensão uma pura punição, contra legem, acto arbitrário impróprio de um Estado de Direito.

(m) A ora Recorrente, na impugnação, alegou que : «23°. Em 22 de Julho de 2021, a ora impugnante solicitou o levantamento da apreensão da viatura 65-0T-30, com base no fundamento de que foi paga coima, para cujo pagamento a mesma foi notificada em 07/07/2021 (…) // 24.º Em 19.08.2021, foi proferida nova decisão pela AF (Doc. 1); // 25º; A qual, agora, considera que: «Ora, como é do conhecimento da requerente, a apreensão da viatura mantem-se como um meio de obtenção de prova das características da mesma que permite identificar quais os factos que estiveram na origem da adulteração dessas características e da sua posterior apreensão, devendo manter-se até regularização da transformação através do processamento da DAV e correção do respetivo documento único/certificado de matricula.», constituindo obscuro mistério a razão pela qual tal facto não foi levado ao probatório.

(n) Os factos alegados nos artigos 23º, 24º e 25º da Petição Inicial, estão provados por via do próprio processo instrutor e maxime, decorrem do documento nº 1 junto com aquele articulado, pelo que se impõe o respectivo aditamento à matéria de facto, devendo os mesmos ser julgados provados.

(o) Vistos os factos provados, há que concluir que a própria decisão impugnada é nula, por falta de fundamentação, relativamente à inexistência de demonstração da necessidade da apreensão como “meio de obtenção de prova”, reconduzida à própria fórmula legal, tabelar.

(p) Esta necessidade da apreensão justificada como “meio de obtenção de prova”, é uma afirmação para lá de bizarra, quando existe um auto de notícia relativo à viatura apreendida por alegadas irregularidades no incumprimento do regime fiscal relativo à transformação do veículo, que respalda todos os factos relevantes que possam, porventura, depender de prova a fazer pela A.T.

(q) Portanto, objectivamente: a A.T. nada prova, nem sequer alega, para manter a apreensão; Mas pretender mantê-la para demonstrar o que está evidenciado no auto de notícia que os seus inspectores elaboraram!

(r) Este “fundamento”, segundo o qual «a apreensão da viatura mantem-se como um meio de obtenção de prova», é só bizarro, não está, sequer, fundamentado, nem foi (nem podia ser, uma vez que há um auto de notícia relativo à viatura apreendida por alegadas irregularidades no incumprimento do regime fiscal relativo à transformação do veículo, que respalda todos os factos relevantes) sequer perfunctoriamente, demonstrado pela A.T.!

(s) Destarte, o fundamento do despacho – o despacho impugnado – que mantém a apreensão, não é outro que não o da necessidade da apreensão como “meio de obtenção de prova” (e não, como bem notar, de garantia de pagamento de qualquer quantia liquidada ou a liquidar!) pelo que sendo essa a questão a decidir, não é minimamente compreensível que o Tribunal a quo não tenha levado tal facto ao probatório, omitindo decisão sobre o teor da impugnação, numa situação que redunda na pura omissão de pronúncia.

(t) Sem conceder, da mesma forma, foi expressamente alegado pela Recorrente, que o pagamento da dívida (impugnada) relativa à liquidação de ISV, está garantido pela penhora de um crédito de IVA, dívida esta, resultante da liquidação, que não obstante impugnada, encontra-se liquidada, pelo que o valor em causa, relativamente à coima a aplicar em processo-contraordenacional (dependente do insucesso da impugnação da liquidação) é, objectivamente, irrisório.

(u) Note-se, ainda, que a ora Recorrente peticionou, no requerimento decidido pelo despacho impugnado que « seja fixado valor para prestação de garantia de pagamento da coima a aplicar em caso de improcedência da impugnação apresentada pela F. relativamente à liquidação de ISV.», pelo que, perante tal pedido, sobre o qual Recorrida nem se dignou emitir pronúncia, escudando-se na suspensão do processo de contra-ordenação face à impugnação da liquidação de ISV, nos termos do art.º 55º do RGIT, é manifesto inexistir necessidade de apreensão para garantia de qualquer crédito ( o que, repita-se, não é o fundamento da decisão impugnada!).

(v) Assim, sempre a decisão impugnada, e agora, a Sentença recorrida, viola, de forma clamorosa, o ónus da prova que sobre a A.T nos termos do art.º 74º do RGIT, quer relativamente ao critério de necessidade para efeitos de prova ou de garantia da prestação tributária, coima ou custas (que não está em causa no despacho impugnado, insista-se) quer quanto à pretensa necessidade da apreensão como “meio de obtenção de prova”, o que determina, só por si, a procedência da impugnação.

Nestes termos, deve o presente recurso merecer provimento, sendo o Despacho recorrido revogado por Acórdão que julgue procedente a impugnação deduzida pela ora Recorrente,

Assim se fazendo sã e serena JUSTIÇA!”

***

O Recorrido devidamente notificado apresentou contra-alegações, concluindo como segue:

“I - De acordo com o entendimento do douto Tribunal, com base na factualidade dada como provada, foi em 3/12/2019 que, foi levantado o auto de notícia e realizada a apreensão de viatura, sendo a partir dessa data que deve iniciar a contagem do sobredito prazo de 15 dias para a impugnar nos termos previstos no artigo 143.º do CPPT.

E, portanto, face ao que supra foi expendido teremos que concluir pela intempestividade da ação, à semelhança do determinou a decisão recorrida que, julgou verificada a exceção da caducidade do direito de ação por manifesta intempestividade da apresentação da impugnação da apreensão.

II – Neste sentido, a decisão recorrida selecionou a factualidade relevante para a decisão da causa, pelo que subsidiariamente e apenas por dever de defesa se conclui que, contrariamente ao que a recorrente defende não se verifica qualquer nulidade da decisão impugnada por falta de fundamentação do acto de apreensão que, ocorreu após modificação da viatura de marca JEEP, indevidamente modificada pela recorrente.

III – O despacho proferido pelo Director da Alfândega de Peniche em 19/08/2021, sobre o requerimento apresentado pela impugnante em 22/07/2021, não corresponde ao acto de apreensão, efetuada pelo autuante no momento do levantamento do auto de notícia.

IV - As decisões de apreensão podem ser objecto de impugnação judicial autónoma, a deduzir no prazo de 15 dias a contar do levantamento do auto de notícia tributária (n.º s 1 e 7 deste artigo e n.º 6 do art. 73.º do RGIT).

V - Note-se que assim sendo, a impugnação interposta nos termos do art.º 143.º do CPPT é intempestiva.

VI – Caso assim não entendam V. Exas, importa referir que o processo se encontra suspenso nos termos do art.º 55 do RGIT, correndo termos impugnação da liquidação de ISV no TAF de Leiria - a impugnação judicial 119/20.1BELRA que visa apreciar a legalidade da liquidação de ISV – à qual (apesar de não ser esta a questão principal) sobrevém a falta de pagamento da coima que não se encontra regularizada, mesmo após notificação para proceder à regularização de forma voluntária, acrescendo o facto de que a decisão proferida no âmbito do referido processo 119/20.1 BELRA virá a constituir caso julgado no processo de contra-ordenação.

VII – Ainda assim, no que respeita à completa regularização da sua situação jurídico-fiscal, soçobra ainda o incumprimento da situação declarativa da recorrente, o que impede a desapreensão da viatura, a manter enquanto meio de prova – art.º 73.º do RGIT.”

VIII – Em resumo, a apreensão da viatura deve manter-se para efeitos de prova ou, ainda, de garantia da prestação tributária, coima (ou custas) que não se encontra paga, contrariamente ao que a recorrente alude.

IX - Por outro lado, tal como refere a recorrente, acresce que o fundamento do despacho – impugnado, proferido em 19.08.2021 – no exercício do dever de pronúncia é, a confirmação da necessidade de “conservação da prova”, não sendo a impugnação o meio próprio para o atacar.

X - Ora, pretendendo a requerente usar a viatura, não o poderia fazer no estado em que a mesma se encontra, transformada, modificada, sem ter regularizado a sua situação declarativa; pelo que, ou teria que repor a viatura no seu estado primitivo sob pena de dissipação de prova, ou teria que efectuar as necessárias diligências, além do mais declarativas, o que como se observou, não pretende fazer.

XI - Nesta senda, dando por reproduzidas as alegações supra conclui-se que não assiste razão à recorrente no que respeita a toda a factualidade, sem prejuízo da manifesta intempestividade da sua impugnação.

Termos em que V. Exas de direito doutamente decidirão, mantendo a decisão impugnada.”

***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso.

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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão (artigo 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT).

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A. Em 3/12/2019, a Alfândega de Peniche na sequência de ação de fiscalização emitiu auto de noticia Apreensão de Mercadoria e Nomeação de Depositário em nome de F…, S.A, e procedeu à apreensão do veículo ligeiro de mercadorias matrícula 65-OT-30. – (cfr. fls. 77 a 79 dos autos).

B. Em 15/01/2020 a Alfândega de Peniche notificou a ora Impugnante, mediante carta registada com aviso de receção, da instauração de processo de contraordenação, para pagamento voluntário da coima e apresentação de defesa. - (cfr. fls. 82 e 83 dos autos).

C. Com data de 31/03/2020 a impugnante requereu à Alfândega de Peniche o levantamento da apreensão da viatura matrícula 65-OT-30, por ser um meio necessário ao exercício da sua atividade. – (cfr. fls. 194 dos autos).

D. Em 28/05/2020 a Alfândega de Peniche notificou a Impugnante da decisão de manutenção da apreensão realizada. – (cfr. fls. 195 a 212 dos autos).

E. Em 26/01/2021 deu entrada na à Alfândega de Peniche requerimento da Impugnante a solicitar o levantamento da apreensão da viatura matrícula 65-OT-30, por se tratar de um meio necessário ao exercício da sua atividade. – (cfr. fls. 270 a 273 dos autos).

F. Em 11/02/2021 a Alfândega de Peniche emitiu pronúncia sobre o requerido na alínea antecedente no sentido da manutenção do ato de apreensão. – (cfr. fls. 277 a 289 dos autos).

G. Em 22/07/2021 a Impugnante reiterou junto da Alfândega de Peniche o pedido de levantamento da apreensão da viatura 65-OT-30. – (cfr. fls. 290 a 294 dos autos).

H. Em 19/08/2021 a Alfândega de Peniche endereçou à impugnante oficio de notificação de indeferimento do pedido de levantamento da apreensão. – (cfr. fls. 35 a 39 dos autos).

I. Em 06/09/2021 foi remetida à Alfândega de Peniche a petição inicial da presente impugnação. – (cfr. fls. 1 a 3 dos autos).

***

Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

A. A 3 de dezembro de 2019, a Alfândega de Peniche na sequência de ação de fiscalização emitiu auto de notícia “Apreensão de Mercadoria e Nomeação de Depositário” em nome de “F…, S.A”, e procedeu à apreensão do veículo ligeiro de mercadorias matrícula 65-OT-30, dele se extratando, designadamente, o seguinte:

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

(cfr. fls. 77 a 79 dos autos).

C. A 31 de março de 2020, a sociedade denominada de “F…, S.A” requereu à Alfândega de Peniche o levantamento da apreensão da viatura matrícula …-…-…, por ser um meio necessário ao exercício da sua atividade, dele se extratando, designadamente, o seguinte:

“(…)

«Imagem no original»

(cfr. fls. 194 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

D. A 28 de maio de 2020, a Alfândega de Peniche notificou a sociedade denominada de F…, S.A da decisão de manutenção da apreensão realizada, dela resultando, designadamente o seguinte: “(…)

«Imagem no original»

«Imagem no original»

(…)

(cfr. fls. 195 a 212 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).

E. A 26 de janeiro de 2021, deu entrada na Alfândega de Peniche novo requerimento da sociedade denominada de F…, S.A a solicitar o levantamento da apreensão da viatura matrícula 6…-…-…, por se tratar de um meio necessário ao exercício da sua atividade, dele se extratando, designadamente, o seguinte:

“(…)

«Imagem no original»

«Imagem no original»

(cfr. fls. 270 a 273 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).

F. A 11 de fevereiro de 2021, a Alfândega de Peniche emitiu pronúncia sobre o requerido na alínea antecedente no sentido da manutenção do ato de apreensão, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

(…)

(…)

(…)

(cfr. fls. 277 a 289 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).

G) A 22 de julho de 2021 a sociedade denominada de “F…, S.A”, apresentou novo requerimento junto da Alfândega de Peniche peticionando o levantamento da apreensão da viatura 6…-…-…, e com o teor que infra se descreve:

«Imagem no original»

(cfr. fls. 290 a 294 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).

H) A 19 de agosto de 2021, o Diretor da Alfândega de Peniche, prolatou despacho de indeferimento relativamente ao requerimento constante na alínea antecedente, consubstanciado na informação instrutora e com o teor que, ora, se transcreve:

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

(cfr. fls. 35 a 39 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).

***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

J) A 03 de dezembro de 2019, a sociedade denominada de “F…, S.A”, foi objeto de procedimento inspetivo nº 503/2019, credenciado pela Ordem de Serviço OI201900388, visando averiguar o cumprimento das disposições legais relativas à transformação de veículos ligeiros de mercadorias sujeitos a ISV, tendo resultado as seguintes conclusões:

«Imagem no original»

«Imagem no original»

(cfr. fls. dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

K) A 13 de janeiro de 2020, foi prolatado Ofício nº AP/0137/2020, pelo Diretor da Alfândega de Peniche, endereçado à sociedade denominada de “F…, S.A”, com o seguinte teor:

«Imagem no original»

(cfr. fls. dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

L) De Ofício nº 503371, do Diretor da Alfândega de Peniche, datado de 05 de julho de 2021, endereçado à sociedade denominada “F…, S.A”, e subordinado ao assunto “Processo de Redução de Coima nº 1020/2021, referente a infração tipificada no artigo 111.º A do RGIT, foi a mesma notificada do seguinte:

«Imagem no original»

(cfr. fls. 337 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

M) A 15 de julho de 2021, e em resultado do ofício constante na alínea antecedente, a sociedade denominada “F…, S.A”, procedeu ao pagamento da quantia de €25,00 (cfr. fls. 338 dos autos);

N) A 19 de agosto de 2021, foi expedido, mediante carta registada com aviso de receção o ofício nº 4159, da Alfândega de Peniche, endereçado ao Mandatário da sociedade denominada de “F…, S.A”, tendente à notificação do despacho evidenciado em H), o qual foi recebido a 20 de agosto de 2021 (cfr. talão de expedição postal e aviso de receção a fls. 301 e 302 dos autos);

***

III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo TAF de Leiria que julgou verificada a exceção da caducidade do direito de ação por manifesta intempestividade da apresentação da impugnação da apreensão e, por consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido, com as demais consequências legais.

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, face ao exposto e ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre analisar:

- Se a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia;

- Se o Tribunal a quo incorreu na prática de atos inúteis ao ter requerido esclarecimentos atinentes ao pagamento e depois julgado verificada a exceção da caducidade do direito de ação;

- Se padece de erro de julgamento de facto, na medida em que deveriam ter sido aditadas ao probatório realidades alegadas no articulado inicial e suportadas por prova documental;

- Se existe erro de julgamento por inexistir a sentenciada caducidade do direito de ação, porquanto existiu um erro na apreciação do âmbito objetivo da lide;

- Julgando-se a ação tempestiva, julgar em substituição, e apreciar:

- Se o despacho reclamado padece de falta de fundamentação;

- A AT não cumpriu o ónus probatório que sobre si impedia;

- Se estão reunidos os pressupostos para ser decretado o levantamento da apreensão, por facto superveniente.

Vejamos, então.

Comecemos pela nulidade por falta de fundamentação.

A Recorrente alega que na fundamentação da sentença, o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e, entre o mais, especificando os fundamentos decisivos para a sua convicção, o que o Tribunal a quo omitiu, determinando, assim, nulidade da Sentença, em ordem ao preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Vejamos, então.

Dispõe o artigo 123.º, nº2, do CPPT que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”

Mais preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que:

“ 1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Dir-se-á, neste âmbito, que esta norma corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

De convocar, ainda neste particular, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Quanto à falta de fundamentação de facto, a Doutrina (2) tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (3)”.

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que vêm discriminados os fundamentos de facto. Com efeito, o Tribunal a quo, de forma clara fixou factualidade que reputou relevante para efeitos de apreciação da exceção da caducidade do direito de ação, relevando, expressamente, essa valoração utilizando a seguinte menção: “para efeitos da sua apreciação importa ter presente a seguinte factualidade:” fazendo depois uma enumeração por alíneas, da A) à I), delas constando, manifesta e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade.

É certo que inexiste uma indicação autonomizada de factualidade não provada, no entanto, no caso vertente, tal em nada determina a nulidade da decisão recorrida, na medida em que analisando o teor da decisão recorrida, concretamente, a fundamentação que esteou a procedência da exceção, nada permite retirar que o Tribunal a quo tenha valorado determinada factualidade como não provada e sem qualquer fundamentação atinente a essa fixação, conducente, por isso, a uma nulidade por falta de fundamentação. Ademais, encontramo-nos perante uma decisão que julgou verificada uma exceção, donde de forma.

Note-se que, a admitir-se que há outros factos relevantes para a decisão, o que haverá, então, é um erro de julgamento sobre a irrelevância desses factos, ou seja, se a factualidade constante no acervo probatório, se afigura insuficiente para dirimir o litígio tal a suceder, redunda, quando muito, em erro de julgamento e não em nulidade da decisão por falta de fundamentação.

No atinente à motivação da matéria de facto, tendo em consideração que não ocorreu qualquer produção de prova testemunhal, é suficiente a indicação externada no correspondente facto, a qual faz menção ao documento atinente ao efeito com a devida alocação às fls. correspondentes do processo físico.

Com efeito, pese embora, inexista um item perfeitamente autonomizado para o efeito, perceciona-se, com nitidez, a factualidade reputada relevante para a lide e o respetivo meio probatório atinente ao efeito.

Como já evidenciado anteriormente, é jurisprudência unânime e pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação gera nulidade, dado que a fundamentação obscura, incongruente, deficiente ou escassa não integra tal vício, constituindo apenas uma mera irregularidade, que pode dar lugar à sua revogação ou mesmo anulação, sendo caso disso.

Em face de todo o exposto, conclui-se que inexiste a arguida nulidade por falta de fundamentação de facto.

Atentemos, ora, na nulidade por omissão de pronúncia.

A Recorrente sustenta que, o fundamento do despacho que mantém a apreensão, não é outro que não o da necessidade da apreensão como “meio de obtenção de prova”, pelo que sendo essa a questão a decidir, não é minimamente compreensível que o Tribunal a quo não tenha levado tal facto ao probatório, omitindo decisão sobre o teor da impugnação, numa situação que redunda na pura omissão de pronúncia.

Vejamos.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (4).

Ora tendo presente os considerandos supra expendidos, dimana inequívoco que a decisão recorrida não padece da arguida nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que -e se bem interpretamos as alegações da Recorrente- tendo decidido pela caducidade do direito de ação estava, naturalmente, vedada a apreciação do mérito, mormente, a questão atinente ao exame dos pressupostos de manutenção da apreensão, concretamente, a densificação da necessidade e da própria ratio.

Com efeito, a verificação da exceção da caducidade do direito de ação, impede o início da respetiva lide e a discussão, nesta sede, de qualquer questão jurídica, ainda que de conhecimento oficioso, daí que tendo o Tribunal a quo decidido pela caducidade do direito de ação tenha decretado a absolvição do pedido sem conhecer-e bem-de qualquer outra questão decidenda (5).

In fine, e no concernente à factualidade a integrar o probatório não se vislumbra o alcance das suas alegações, não só porque a questão não se encontra minimamente substanciada, como o teor da alínea se coaduna e circunscreve ao despacho impugnado e já contemplado em H). De todo o modo, a existir um deficit ou mesmo erro na fixação de facto, redunda, quando muito, em erro de julgamento e não em nulidade por omissão de pronúncia.

Neste particular, convoque-se o doutrinado no Aresto do Supremo Tribunal de Justiça, prolatado no processo nº 7095/10, datado de 23 de março de 2017, o qual, claramente, evidencia que “ [o] não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. (…) O mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.”

E, por assim, ser improcede, também, a arguida nulidade da decisão por omissão de pronúncia.

Prosseguindo.

Atentemos, ora, na questão atinente à prática de atos inúteis.

A Recorrente advoga, neste particular, que a sentença proferida é manifestamente incompaginável com o despacho proferido a 15 de fevereiro de 2022, porquanto não faz qualquer sentido onerar a parte com a prova dos pagamentos efetuados e de eventual, caução e depois julgue verificada a exceção da caducidade do direito de ação, determinando, assim, a prática de atos absolutamente inúteis.

De facto, não é lícito realizar no processo atos inúteis, em conformidade com o plasmado no artigo 130.º do CPC, aplicável ex vi, artigo 2.º, alínea e), do CPPT, no entanto no caso vertente a alegação supra expendida em nada pode configurar a prática de atos inúteis, na medida em que o aludido despacho mais não representou que a anuência com uma promoção da DMMP, nada obstando a que o julgador, ulteriormente e após ponderação de demais elementos, decida pela verificação da aludida exceção.

Note-se, ademais, que estando o Juiz balizado e adstrito à descoberta da verdade material e norteado pelo princípio do inquisitório, e sendo o processo um encadeado de atos processuais que carecem de ser realizados mediante uma ordem e cadência, visando a obtenção de uma decisão que materialmente analise a(s) questão(ões) decidendas, não é exigível que o mesmo faça uma prognose absoluta e incontestável. Logo se, à data, afigurou plausível para a decisão da causa e em ordem à decisão de mérito aquilatar do promovido pela DMMP em nada configura a prática de atos inúteis proibidos por lei, ainda que, a final, venha a percecionar e ajuizar que a ação é intempestiva.

Ademais, o juiz “[n]ão deve orientar-se por uma preconcebida solução jurídica do caso, antes deve assegurar a recolha de todos os factos que se mostrem relevantes em função das diversas soluções plausíveis da questão de direito. Na verdade, não é de excluir que, apesar de o concreto juiz entender que basta um determinado enunciado de factos provados ou não provados para que a ação proceda e considere outras soluções dependentes do apuramento de outros factos. Em tais circunstâncias, melhor será que o juiz, de forma previdente, use um critério mais amplo, inscrevendo na matéria de facto provada e não provada todos os elementos que possam ter relevo jurídico, evitando ou reduzindo as anulações de julgamento decretadas ao abrigo do art. 662.º, nº2, al. c), in fine (6).”

E por assim ser, improcede, igualmente, a aludida questão.

Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto.

A Recorrente requer o aditamento à matéria de facto da factualidade alegada nos artigos 23.º a 25.º da p.i., convocando, para o efeito, o processo instrutor e o documento 1 junto com a p.i.

De relevar, ab initio, que apenas quanto à evidência do documento 1, se encontram preenchidos os requisitos do artigo 640.º do CPC, na medida em que não são permitidos recursos genéricos, sendo insuficiente uma alusão conclusiva e sem qualquer densificação para o processo administrativo instrutor.

Mas a verdade é que, ainda assim, compulsado o teor dos convocados artigos, não se aquiesce, de todo, o alcance do aludido aditamento por complementação, porquanto a factualidade atinente aos mesmos já se encontra refletida no probatório.

Com efeito, o artigo 23.º da p.i. respeita ao requerimento apresentado em 22 de julho de 2021, enquanto que os artigos 24.º e 25.º concernem à decisão proferida a 19 de agosto de 2021, realidades que se encontram contempladas nas alíneas G) e H) do probatório. É certo que não constava o teor de tais documentos, no entanto, tal realidade face à alteração consignada por este Tribunal e ao abrigo dos seus poderes de cognição, resulta prejudicada.

Face ao supra expendido, e inexistindo qualquer outra impugnação da matéria de facto realizada e que cumpra os requisitos contemplados no citado artigo 640.º do CPC, a mesma considera-se devidamente estabilizada.

***

Aqui chegados, importa, então, apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar verificada a exceção da caducidade do direito de ação.

A Recorrente alega que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a presente impugnação recai sobre o despacho proferido em 19 de agosto de 2021, que indeferiu o pedido de levantamento da apreensão, que, por seu turno, recaiu sobre o requerimento apresentado em 22 de julho de 2021, e não sobre a apreensão, propriamente dita, a que é feita referência e computada como dies a quo do prazo para apresentação em juízo da impugnação em contenda.

Sustentando, assim, que não está em causa a discussão da legalidade da apreensão à data em que foi efetuada, mas sim a verificação de um facto que lhe é superveniente, concretamente, o pagamento do valor correspondente à liquidação de ISV.

Advogando, in fine, que a insusceptibilidade de discussão da manutenção da apreensão face a factos supervenientes constituiria, em rigor, uma clara violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, e uma inequívoca denegação de justiça.

Dissente a Recorrida propugnando pela manutenção da decisão recorrida, na medida em que a 3 de dezembro de 2019, foi levantado o auto de notícia, e realizada a apreensão de viatura logo, como bem ajuizado pelo Tribunal a quo, é a partir dessa data que se deve iniciar a contagem do prazo de quinze dias para a impugnação de apreensão, em ordem ao consignado no artigo 143.º do CPPT.

Mais refutando, neste particular, que o despacho proferido pelo Diretor da Alfândega de Peniche a 19 de agosto de 2021, não corresponde ao ato de apreensão, e só este pode ser objeto de impugnação nos termos do artigo 73.º, nº6 do RGIT e 143.º, nºs 1 e 7 do CPPT, sendo, por isso, intempestiva a presente ação.

O Tribunal a quo esteou o juízo da intempestividade relevando, desde logo, que “[e]m regra, é admitida a apreensão de bens que tenham sido objeto da contra ordenação tributária, independentemente do seu valor e de os seus proprietários serem ou não responsáveis pela infração, desde que a apreensão seja necessária para efeitos de prova ou garantia do pagamento da prestação tributária, coima ou custas, podendo ser efetuada no momento do levantamento do auto de notícia, pela entidade competente (artigo 59.º do RGIT), ou ordenada no decurso do processo contra ordenacional pela entidade competente para a aplicação da coima (cfr. artigo 52.º, n.º 2 do RGIT).”

Substanciando, depois, que ”[n]os processos de contra-ordenações tributárias, aduaneiras e não aduaneiras, é possível proceder à apreensão de bens que tenham constituído objecto da infracção (art. 73.°, n.4 1, do RGIT). (…) As decisões de apreensão podem ser objecto de impugnação judicial autónoma, a deduzir no prazo de 15 dias a contar do levantamento do auto de notícia, no caso de ela ser feita nesse momento, ou da notificação da decisão que a ordena durante o processo de contra-ordenação tributária (n.º s 1 e 7 deste artigo e n.º 6 do art. 73.º do RGIT). Uma vez que este processo de apreensão está previsto no CPPT, ele é regulado por este diploma e, por isso, o prazo de impugnação é contado nos termos do art. 279.º do CC, por força do disposto no n.º 1 do art. 20.º daquele Código. Trata-se, assim, de um regime de contagem de prazo diferente do que se prevê no art. 60.º, n.º 1, do RGCO para a impugnação de decisões administrativas de aplicação de coimas e sanções acessórias, que se suspende aos sábados, domingos e feriados, ao contrário do que sucede com o regime do CPPT. É competente para o conhecimento desta impugnação judicial o tribunal tributário da área onde a apreensão ocorrer, que pode não ser o competente para apreciação do recurso judicial da decisão de aplicação de coima e das decisões proferidas no processo contra-ordenacional ou do processo de outro tipo com o qual esteja conexionada a apreensão (n.º 3).”.

Materializando, depois, por reporte ao acervo fático dos autos que: “[n]o caso vertente, conforme se encontra provado nos autos, em 3/12/2019, foi levantado o auto de noticia e realizada a apreensão, sendo a partir desta data que se iniciava a contagem do sobredito prazo de 15 dias para a impugnar nos termos previstos no artigo 143.º do CPPT.” Concluindo, assim, “[v]isto que apenas em 06/09/2021 foi apresentada a presente impugnação contra o ato de apreensão, foi largamente ultrapassado o prazo legal para o efeito e por isso, tal como defende a Fazenda Pública na sua contestação, a presente impugnação é intempestiva.”

Apreciando.

Comecemos por convocar o regime jurídico atinente à impugnação de apreensão.

Preceitua o normativo 73.º do RGIT, sob a epígrafe de “apreensão de bens” e na parte que, ora, releva, o seguinte:

“1 - A apreensão de bens que tenham constituído objeto de contraordenação pode ser efetuada no momento do levantamento do auto de notícia ou no decurso do processo pela entidade competente para a aplicação da coima, sempre que seja necessária para efeitos de prova ou de garantia da prestação tributária, coima ou custas.(…)

6 - Quando a apreensão tiver por objeto bens móveis sujeitos a registo, serão igualmente apreendidos os respetivos documentos identificativos.

7 - O interessado pode requerer ao tribunal tributário competente a revogação da decisão que determinou a apreensão de bens com fundamento em ilegalidade.

8 - Autuadas as infrações previstas no presente diploma em matéria de imposto sobre os veículos e de imposto único de circulação, há lugar à apreensão ou imobilização imediata do veículo, bem como à apreensão dos documentos que titulem a respetiva circulação, até ao cumprimento das obrigações tributárias em falta.”

No concernente ao meio processual de impugnação e às suas especificidades esclarece JORGE LOPES DE SOUSA (7), que a mesma deve ser efetuada mediante a impugnação consignada no artigo 143.º do CPPT, doutrinando, designadamente, que:

“Embora no art.º3.º, alínea b) do RGIT se preveja a aplicação subsidiária do RGCO, parece dever entender-se que a impugnação de actos de apreensão praticados por autoridades administrativas em processo de contra-ordenacional tributário deverá ser efectuada através do processo especial para impugnação de actos desse tipo previsto no art.º143.º do CPPT.

Com efeito, para além de ser este, na perspectiva legislativa, o meio processual mais adequado, a que se deve dar preferência por força do preceituado no n.º2 do art.º97.º da LGT, a aplicação deste processo de impugnação em matéria contra-ordenacional tributária é pressuposta no n.º6 daquele art.º143.º, ao estabelecer os efeitos da decisão no processo contra-ordenacional.

Por outro lado, este n.º6 não foi revogado pela Lei n.º15/2001, de 5 de Junho que aprovou o RGIT.

Assim, apesar de no RGIT existirem meios de impugnação de decisões administrativas proferidas em processo contra-ordenacional tributário (art.º80.º) e de a esse diploma ser aplicável subsidiariamente, em regra, o RGCO [art.3.º, al.b), do RGIT], à impugnação de apreensões aplica-se o regime daquele art.º143.º do CPPT, ficando afastada, nesta matéria, a aplicabilidade subsidiária dos artºs 55.º e 85.º do RGCO”.

Face aos considerandos supra expendidos, importa, então, chamar à colação o citado artigo 143.º, do CPPT, o qual sob a epígrafe de “impugnação de apreensão” preceitua, designadamente, que:

“1 - É admitida a impugnação judicial dos atos de apreensão de bens praticados pela administração tributária, no prazo de 15 dias a contar do levantamento do auto.

2 - A impugnação da apreensão de bens reveste-se sempre de carácter urgente, precedendo as diligências respetivas a quaisquer outros atos judiciais não urgentes.

3 - É competente para o conhecimento da impugnação o tribunal tributário de 1.ª instância da área em que a apreensão tiver sido efetuada.

4 - Tem legitimidade para a impugnação prevista neste artigo o proprietário ou detentor dos bens apreendidos(…).”

Ora, da interpretação conjugada dos citados normativos resulta que em processo contraordenacional tributário a impugnação de atos de apreensão praticados por autoridades administrativas segue o regime preceituado no artigo 143.º do CPPT, devendo ser apresentada junto do Tribunal Tributário da área da apreensão, no prazo de quinze dias a contar do levantamento do auto de notícia.

Mas, como visto, a Recorrente não controverte este entendimento o que advoga, em sua defesa, é que o ato que impugna é o despacho que manteve a apreensão, não sindicando a legalidade do ato à data da realização, mas sim a ocorrência de factos supervenientes que legitimam a sua alteração e levantamento.

Donde, a questão que se impõe e à qual cumpre dar resposta é a seguinte: é possível impugnar o ato que indefere o pedido de revogação da apreensão, por ocorrência de factos supervenientes?

E, desde já, avançamos que entendemos que a resposta é afirmativa, sob pena de a assunção da imutabilidade do ato inicial de apreensão -independentemente de ocorrerem ou não quaisquer alterações de facto, entenda-se a ocorrência de causas supervenientes- coartar, efetivamente, a tutela jurisdicional ao lesado.

Neste conspecto, importa chamar à colação o entendimento de JORGE LOPES DE SOUSA (8), extratando-se no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“O meio processual previsto neste art. 143.º destina-se a impugnar actos de apreensão, no prazo de 15 dias a contar do levantamento do auto, com fundamento em ilegalidade.

Situação diferente é a de o acto de apreensão ser legal, por ela ser permitida pela lei no momento em que foi efectuada e estarem reunidos os requisitos formais e de competência necessários, mas a apreensão dever ser levantada posteriormente, por causas supervenientes.

A apreensão deverá ser entendida como uma medida cautelar adoptada pela administração tributária, como se referiu na anotação 8 a este artigo, e, por isso, deverá ser-lhe aplicado, durante o procedimento tributário, o regime previsto no art. 84.º do CPA, ao abrigo da alínea d) do art. 2.º do CPPT, designadamente a possibilidade de revogação prevista no n.º 3 daquele artigo.

A forma para o interessado obter a revogação, no caso de a administração tributária não tomar a iniciativa de a concretizar, será a apresentação de um requerimento no procedimento tributário formulando essa pretensão.

A decisão que indefira a revogação da apreensão, como acto de natureza administrativa que afecta imediatamente a esfera jurídica do interessado, não poderá deixar de ser contenciosamente impugnável, por força do disposto no art . 268 .°, n. º 4, da CRP.

Esta impugnação parece dever efectuar-se através do processo de impugnação previsto neste artigo, aplicado analogicamente, com as necessárias adaptações. Entre estas adaptações incluir-se-á, naturalmente, a de o prazo de 15 dias previsto no n. º 1 se contar da notificação do despacho da autoridade administrativa que indeferir o requerimento .

A assim não se entender, não havendo meio processual especial para concretizar esta impugnação, quando não se tratar de apreensão em processo contra-ordenacional, será utilizável a acção administrativa especial, uma vez que não está em causa a apreciação da legalidade de acto de liquidação (art . 97.º, n. º 2, do CPPT). (…) Entre as circunstâncias que poderão justificar uma revogação ou alteração da situação de apreensão será de ponderar, decerto, a eventualidade de demora excessiva do processo e a degradação do bem apreendido com o decurso do tempo.” (destaques e sublinhados nossos).

De chamar à colação, outrossim, o doutrinado por JOAQUIM FREITAS DA ROCHA (9) que a propósito da delimitação objetiva deste meio processual evidencia o seguinte: “[p]revê-se no art.º 143.º do CPPT um regime especificamente destinado a colocar em crise os atos administrativos de apreensão, o qual pode ser iniciado pelo proprietário ou detentor dos bens apreendidos, mediante processo intentado junto do Tribunal tributário de primeira instância da área em que a apreensão tiver sido efetuada, com fundamento em violação de qualquer direito ou interesse legalmente protegido relativo aos mesmos e com a finalidade de anulação ou revogação do ato intrusivo. Prevê-se também, por outro lado, no art.º 144.º, um regime mais abrangente, destinado a colocar em crise os demais atos de natureza cautelar levados a efeito pela AT, como as retenções de prestações ou a selagem de instalações, com os contornos similares ao primeiro, embora aqui o fundamento seja mais objetivista - qualquer ilegalidade. Além disso, salienta-se que neste segundo tipo impugnatório não existem efeitos suspensivos (…)” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, tendo presente os considerandos de direito supra expostos, importa, então, transpor os mesmos para o caso vertente e aferir se a questão em contenda é passível de qualificação como superveniente, como aduz a Recorrente, sendo, nessa medida, a ação tempestiva.

Vejamos, então.

Do acervo probatório dos autos resulta que:

A 22 de julho de 2021, a Impugnante, ora Recorrente, apresentou um pedido junto da Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo-Alfândega de Peniche, visando o levantamento da apreensão da viatura 65-OT-30, alegando, para o efeito, o pagamento da coima e das custas processuais do processo contraordenacional, sublinhando, assim, a regularização da situação tributária atenta a penhora do crédito de reembolso de IVA.

Na sequência da apresentação do aludido requerimento, foi prolatado despacho pelo Diretor da Alfândega de Peniche que indefere o pedido de levantamento da apreensão, porquanto, não se encontravam reunidos os pressupostos atinentes ao efeito, concretamente, a dívida respeitante à coima não se encontrar paga, subsistindo, outrossim, o incumprimento das obrigações tributárias subjacentes à infração e bem assim, por falta de acionamento dos meios de defesa regulados na lei e dentro do respetivo prazo.

Ora, face ao supra expendido, entende-se que, independentemente da bondade e do mérito concernente à verificação e preenchimento dos próprios pressupostos legais da revogação da apreensão, a verdade é que é indiscutível que a Recorrente alega a existência de factos supervenientes e que os mesmos, no seu entendimento, determinam o levantamento da apreensão da viatura.

Donde, assiste razão à Recorrente quando advoga que o ato impugnado não é o próprio ato de apreensão, mas sim o ato ulterior que negou a sua revogação, o qual, como visto, pode ser impugnado por esta via e meio processual, e cujo dies a quo do prazo dos quinze dias se circunscreve na data da notificação desse mesmo ato de indeferimento.

Face ao exposto, materializemos, então e em concreto, o prazo aplicável.

A Recorrente foi notificada do indeferimento do pedido de apreensão em 20 de agosto de 2021, logo o termo do prazo expirava a 06 de setembro de 2021, precisamente na data em que foi deduzida a impugnação sub judice.

Ora, face ao supra exposto, entende-se que assiste, efetivamente, razão à Recorrente quando propugna pela tempestividade do presente meio processual, não podendo, assim, manter-se a decisão recorrida que julgou verificada a exceção da caducidade do direito de ação, revogando-se, nessa medida, a decisão recorrida, por se considerar a presente ação tempestiva.

Aqui chegados, e por os autos conterem todos os elementos atinentes ao efeito importa, então, julgar em substituição a questão atinente à ilegalidade do ato impugnado.

***

A primeira questão que importa analisar prende-se com o vício formal do ato impugnado, concretamente, a falta de fundamentação do despacho impugnado.

Aduz, neste âmbito, que a decisão impugnada é nula, por falta de fundamentação, relativamente à inexistência de demonstração da necessidade da apreensão como “meio de obtenção de prova”, reconduzida à própria fórmula legal, tabelar.

Vejamos, então.

Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (10).

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente (11).

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto (12)”.

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.

Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09) (13)” (destaques nossos).

Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente.

In casu, compulsado o teor do ato impugnado verifica-se que, contrariamente ao sustentado pela Recorrente, o mesmo encontra-se fundamentado, de facto e de direito, permitindo ao destinatário percecionar quais as razões que motivaram o indeferimento do levantamento da apreensão do veículo automóvel.

Senão vejamos.

O despacho impugnado começa por fazer uma resenha fática da questão, relevando, desde logo, qual a ratio da apreensão da viatura, esclarecendo, nesse particular, que “[a] apreensão mantém-se como um meio de obtenção de prova das características da mesma que permite identificar quais os factos que estiveram na origem da adulteração dessas características e da sua posterior apreensão, devendo manter-se até regularização da transformação do processamento da DAV e correção do respetivo documento único/certificado de matrícula.”

Esclarecendo, depois, que no caso vertente face à adulteração do veículo automóvel, concretamente a implementação de uma segunda fila de bancos, aumentou a capacidade de dois lugares sentados, constante no certificado de matrícula, para quatro lugares sentados com sistema de retenção completos, mantendo-se, por isso, “[t]odos os pressupostos que levaram à apreensão da viatura, ou seja, a sua introdução irregular no consumo”.

Densifica, igualmente, que “[a]s obrigações fiscais subjacentes à infração não foram ainda cumpridas”, sendo que “[a] coima que a requerente diz ter liquidado respeita a um PRC e não à prática da infração associada à viatura que a requerente pretende que seja levantada a apreensão e que tem a matrícula 6…-…-3….”

Concluindo, in fine, que o requerimento é destituído quer de objeto, quer de fundamento legal.

Ora, atentando no seu teor, entende-se que o ato impugnado não padece da arguida falta de fundamentação formal, conseguindo-se apreender as razões subjacentes ao indeferimento do levantamento da apreensão, sendo, por isso, possível o seu escrutínio. Aliás, tal resulta inequívoco do teor das alegações da p.i. e bem assim do presente recurso.

Note-se que, se essa fundamentação está correta ou não, ou seja, se permite alicerçar o indeferimento do levantamento da apreensão, tal já redunda na fundamentação substancial, que não formal, donde no erro de julgamento e que será apreciada ulteriormente.

Improcede, assim, a arguida falta de fundamentação do despacho impugnado.

Analisemos, ora, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito atinente à revogação da apreensão, concretamente se as razões expendidas pela Recorrente-factos supervenientes- deveriam ter decretado o levantamento da apreensão ao invés da sua manutenção.

A Recorrente, sustenta que ocorreu um facto superveniente, no caso o pagamento do valor correspondente à liquidação de ISV e que motivou a apreensão (carência de garantia de pagamento do imposto liquidado e/ou caução).

Densificando, ainda, que não é defensável que a apreensão se mantenha como meio de conservação de prova, na medida em que existe um auto de notícia relativo à viatura apreendida por alegadas irregularidades no incumprimento do regime fiscal relativo à transformação do veículo, que respalda todos os factos relevantes que possam, porventura, depender de prova a fazer pela AT.

Adensando, ainda, que a manter-se a apreensão a mesma passa a assumir uma pura punição, contra legem, donde ato arbitrário impróprio de um Estado de Direito, até porque objetivamente a AT nada prova, nem sequer alega, para manter a apreensão.

In fine, sustenta, ainda, que foi expressamente alegado pela Recorrente, que o pagamento da dívida (impugnada) relativa à liquidação de ISV, está garantido pela penhora de um crédito de IVA, sendo que o valor em causa, relativamente à coima a aplicar em processo-contraordenacional é, objetivamente, irrisório.

Conclui, assim, que quer relativamente ao critério de necessidade para efeitos de prova ou de garantia da prestação tributária, coima ou custas, não foi feita prova pela AT, devendo, face à superveniência da factualidade invocada, ser levantada a suspensão decretada.

Em sentido dissonante propugna a Recorrida, sustentando, desde logo, que o processo se encontra suspenso nos termos do artigo 55.º do RGIT, face à pendência do processo nº 119/20.1BELRA junto do TAF de Leiria, referente à impugnação da liquidação de ISV, o qual visa apreciar a legalidade da liquidação de ISV, sobrevindo ainda falta de pagamento da coima mesmo após notificação para proceder à sua regularização de forma voluntária.

Sufraga, adicionalmente, que soçobra o incumprimento das obrigações tributárias, o que impede, per se, o levantamento da apreensão da viatura, em ordem ao consignado no artigo 73.º, nº8, do RGIT.

Apreciando.

Do teor do já convocado artigo 73.º, nº1, do RGIT, resulta que a apreensão pode ser feita sobre bens que tenham constituído objeto de contraordenação, no momento do levantamento do auto de notícia - e neste caso, pela própria entidade autuante - ou no decurso do processo pela entidade competente para a aplicação da coima, sempre -e desde- que seja necessária para efeitos de prova ou de garantia da prestação tributária, coima ou custas.

Consignando, por seu turno, no seu nº6 que no âmbito dos bens móveis sujeitos a registo, serão igualmente apreendidos os respetivos documentos identificativos, sendo que o nº8 preceitua que sendo as infrações autuadas em matéria, designadamente, de imposto sobre os veículos há lugar à apreensão ou imobilização imediata do veículo, bem como à apreensão dos documentos que titulem a respetiva circulação, até ao cumprimento das obrigações tributárias.

Feitos estes considerandos, importa, ora, fazer uma incursão em todo o procedimento que motivou a apreensão e aquilatar qual a infração tributária subjacente, por forma a apreciar a legalidade da manutenção da apreensão, à luz da aduzida superveniência.

Vejamos, então.

A 3 de dezembro de 2019, foi realizado, pela Autoridade Tributária e Aduaneira – Alfândega de Peniche, um procedimento de inspeção credenciado pela Ordem de Serviço OI201900388 com o objetivo de averiguar o cumprimento das disposições legais relativas à transformação do veículo com a matrícula nacional 6..-O…-3…, cujo certificado de matrícula emitido a 22 de agosto de 2014, em nome da Recorrente, respeita a veículo ligeiro de mercadorias, com capacidade para dois lugares sentados, incluindo o condutor.

No âmbito da aludida ação de inspeção foi constatado que, por um lado, a viatura não possuía antepara a dividir a zona de carga da zona dos passageiros, e por outro lado, possuía uma segunda fila de bancos para passageiros que aumentava a capacidade de dois lugares sentados, constante no certificado de matrícula, para quatro lugares com sistemas de retenção completos.

Ora, face a tal modificação do visado veículo, entendeu a AT que tal acarretaria a alteração da classificação fiscal do veículo para veículo ligeiro de passageiros, não tendo, contudo, sido preenchidas as formalidades previstas no n.º 4 do art.º 17.º do CISV, o que motivou ao abrigo do artigo 26.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), a cobrança a posteriori do montante de €23 674,68 respeitantes a ISV e €5 445,18 concernentes a IVA.

Sendo que no atinente a esse ato de liquidação adicional, a sua legalidade encontra-se a ser dirimida no âmbito do processo nº 119/20.1BELRA pendente no TAF de Leiria.

Em consonância e em resultado do supra exposto, foi levantado auto de notícia por prática de introdução irregular no consumo nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 109.º do RGIT, o que levou à sua apreensão, nos termos dos artigos 50.º e 51.º, ambos da LGT, e artigo 73.º, nº8 do RGIT.

Constando, designadamente, do aludido Auto de Notícia, Apreensão de Mercadoria e Nomeação de Depositário Idóneo, designadamente, o seguinte:

“(…) não pode utilizar, modificar, remover, alienar por doação, venda ou qualquer outra forma ou hipotecar, sem autorização da entidade competente da AT para regularização fiscal, sob pena de incorrer na prática dos crimes de “Desobediência” p.p. nos termos do artigo 348.º do Código Penal e de “Violação das garantias aduaneiras”, p.p. pelo artigo 98.º do RGIT, se não fizer inteira e completa entrega do mesmo no estado em que o recebeu e no prazo que lhe for designado.”

A Recorrente não apresentou qualquer impugnação contra o ato de apreensão, no entanto, a 31 de março de 2020, apresenta um primeiro pedido de levantamento de apreensão da viatura 6…-O…-3…, consubstanciado na necessidade de utilização da viatura face ao contexto pandémico e à declaração do Estado de Emergência, relevando, expressamente que: “a viatura será utilizada, única e exclusivamente, na área de exploração da pedreira. Será apenas utilizada como viatura de transporte de materiais e equipamentos de pequena dimensão e circulará unicamente com dois lugares de passageiros, ou seja, como veículo comercial.”

O qual foi indeferido a 26 de maio de 2020, face, desde logo, à circunstância da obrigação tributária não se encontrar paga, e por se manterem, outrossim, todos os pressupostos que levaram à apreensão da viatura, ou seja, a sua introdução irregular no consumo. Relevando, ainda de forma expressa, que “as obrigações ficais subjacentes à infração também não foram cumpridas, uma vez que o requerente não regularizou a sua situação tributária”, sublinhando, inclusive, a inércia na adoção do expediente processual atinente ao efeito.

Por seu turno, a 26 de janeiro de 2021, e após extinção do PEF 2127202001012436 apresentou novo pedido de levantamento da apreensão da viatura 6…-O…-… face à necessidade de utilização de todas as viaturas de que dispõe para o exercício da sua atividade, tendo sido mantida a apreensão da viatura, porquanto, por um lado, subsistia o PCO e, como tal, persistia a infração praticada enquanto se encontrasse suspenso o PCO, para liquidação do tributo, de acordo com o previsto no art.º 55.º do RGIT e bem assim porque a transformação de um qualquer veículo dependendo de regularização fiscal, fica sujeita, designada e particularmente, ao processamento de uma declaração complementar de veículo – DCV – artigo 17.º n.º 2 do Código do ISV.

Ulteriormente, a 22 de julho de 2021, a Recorrente apresenta um terceiro pedido de levantamento de apreensão invocando, desde logo, que a 19 de março de 2020, e tendo em conta a penhora do crédito de IVA, requereu ao SF de Ourém que fosse declarada a extinção do processo de execução fiscal, em virtude do pagamento, através da compensação efetuada, e bem assim que a 07 de julho de 2021, foi notificada para efetuar o pagamento das custas do processo contraordenacional o que realizou, razão pela qual conclui pelo levantamento da apreensão da viatura 6…-O…-….

O qual mereceu despacho de indeferimento datado de 19 de agosto de 2021, e que consubstancia o ato impugnado, e cujos fundamentos se coadunam, resumidamente, com o seguinte:

- “ a apreensão da viatura mantém-se como um meio de obtenção de prova das características da mesma, que permite identificar quais os factos que estiverem na origem da adulteração dessas características e da sua posterior apreensão, devendo manter-se até regularização da transformação através do processamento da DAV e correcção do respetivo documento único/certificado de matrícula”;

- “o proprietário/representante em causa deveria ter apresentado o formulário 1460.1 - PEDIDOS NO AMBITO DO IMPOSTO SOBRE VEÍCULOS, após a ocorrência dos factos geradores previstos na alínea b) do n.° 2 do art.° 5.° do CISV, conjugado com a alínea a) do n.° 1 do art.° 20.° do CISV, omissão que consubstancia a prática de introdução irregular no consumo nos termos da alínea d) do n.° 3 do art.° 109.° do RGIT”;

- “a dívida respeitante à coima não foi paga e subsiste enquanto se encontrar suspenso processo de contra-ordenação, por se encontrar impugnada a liquidação do tributo — conforme prevê o art.° 55.° do RGIT”

- “Até à presente data, mantêm-se todos os pressupostos que levaram à apreensão da viatura, ou seja, a sua introdução irregular no consumo.”

- “Ademais, o interessado, notificado que foi em tempo da decisão subjudice, não requereu ao tribunal competente, como poderia ter feito, a revogação da mesma decisão que determinou a apreensão da viatura através de auto de notícia e de apreensão com data de 3 de Dezembro de 2019.”

- “As obrigações fiscais subjacentes à infração não foram ainda cumpridas, pese embora a requerente venha dizer que pagou em 07/07/2021 determinado montante relativo a processo contra-ordenacional, conforme requerimento subjudice.

- “A coima que a requerente diz ter liquidado respeita a um PRC e não à prática da infração associada à viatura que a requerente pretende que seja levantada a apreensão e que tem a matrícula 6…-0…-….”

Ora, tendo presente todo o percurso que culminou no ato impugnado não se afigura que a pretensão da Recorrente possa lograr mérito.

Senão vejamos.

De relevar, ab initio, que no caso, como vimos, não nos encontramos perante uma impugnação do ato de apreensão, mas sim uma impugnação do ato que indefere o pedido de revogação da mesma por factos supervenientes, donde, o ónus da prova, contrariamente, ao sustentado pela Recorrente, circunscreve-se na sua esfera jurídica.

Com efeito, não tendo sido impugnado o ato de apreensão, compete, ora, à Recorrente provar que ocorreram factualidades supervenientes que determinam, per se, o levantamento da apreensão.

E a verdade é que se relativamente ao pagamento da liquidação de ISV, resulta provado que ocorreu a compensação com o crédito de IVA e ulterior extinção da execução fiscal, o mesmo não sucede quanto ao pagamento da coima -ressalvando-se que este foi o facto superveniente alegado no requerimento e que deu azo ao ato impugnado- visto que resultou, tão-só, provado que o pagamento efetuado pela Recorrente respeita a um processo de redução de coima e não à prática da infração associada à viatura que a mesma pretende o levantamento da apreensão, porquanto, como visto, a aludida infração encontra-se tipificada no artigo 119.º A do RGIT e não no artigo 109.º do mesmo diploma.

Mas, há, outrossim, que relevar -sendo essa a realidade mais premente- que, contrariamente ao alegado pela Recorrente, o despacho impugnado não se funda apenas e só na necessidade de obtenção/conservação da prova, importando, desde já, sublinhar que carece de relevância o aduzido em U), na medida em que o requerimento que deu azo à decisão impugnada nada contempla nesse e para esse efeito.

Com efeito, e conforme resulta expresso do ato impugnado e contemplado em H) do probatório, é feita expressa menção que a apreensão se deve manter até ao cumprimento das obrigações tributárias em falta.

Inversamente ao sustentado pela Recorrente o ato impugnado não se circunscreve apenas e só à conservação de prova -como, de resto, os dois antecedentes atos e conforme dimana expresso do probatório, ora, reformulado- porquanto convoca, para o efeito, o consignado no artigo 73.º, nº8, do RGIT, o qual, expressamente, consigna que há lugar à apreensão do veículo, bem como dos documentos que titulem a respetiva circulação até ao cumprimento das obrigações tributárias em falta.

Como visto, in casu, a situação fática coadunou-se com a introdução irregular no consumo consubstanciada no artigo 109.º, nº3, alínea d), do RGIT, porquanto foi constatada a transformação de veículo (veículo ligeiro de mercadorias para veículo ligeiro de passageiros) da qual resultou uma reclassificação fiscal com repercussão ao nível do imposto aplicável na regular introdução no consumo, aduzindo a AT que não foram cumpridas as obrigações tributárias declarativas que se coadunam com a realidade em contenda, mormente, as enunciadas no artigo 17.º do CISV.

E a verdade é que sobre o supra expendido a Recorrente nada diz, ou seja, aquando a apresentação do requerimento que motivou o despacho impugnado nada convoca a esse respeito, nada sustentando, nesse e para esse efeito, limitando-se a convocar a superveniência da coima e reiterar o pagamento do ISV e a consequente extinção do processo executivo, o mesmo sucedendo, de resto e ulteriormente, entenda-se em sede da p.i., na medida em que nada alega, esclarece ou refuta a esse nível.

Ora, se a AT propugna que inexiste a possibilidade de levantamento da apreensão e uso da viatura sem o aduzido cumprimento e regularização declarativa da situação, fundada na letra do artigo 73.º, nº8, do RGIT, e se a Recorrente quanto a essa realidade nada aduz que possa concretizar uma superveniência passível de acarretar o levantamento da apreensão, a mesma não pode senão manter-se.

Reitere-se, uma vez mais, que in casu, a análise se terá de circunscrever à ocorrência de factos supervenientes que permitam o levantamento da apreensão, e não à apreciação da legalidade do ato de apreensão, porquanto, como visto, quanto a esta a mesma encontra-se precludida por decurso do respetivo prazo de impugnação.

Note-se, ademais e neste concreto particular, que a Recorrente está impossibilitada de usar a viatura no estado em que a mesma se encontra, porquanto desconforme com o certificado de matrícula e as caraterísticas de registo do veículo. É certo que, em ordem a essa harmonização e conformidade, pode repor a situação ex ante, ou seja, modificar o veículo por forma a que o mesmo regresse ao seu estado primitivo, mas tal conduta, para além de consubstanciar crime de desobediência (14) -para o que foi, expressamente, advertida e resulta do auto de notícia-, traduz uma clara dissipação de prova, não podendo relevar, nesse e para esse efeito, o que foi atestado no auto de notícia.

Note-se, in fine, e sufragando os ensinamentos de RUI DUARTE MORAIS (15), as apreensões ocorridas a título cautelar, visam o alcance de diversas finalidades, mormente, a aquisição e conservação de prova, garantir o efetivo pagamento do imposto, garantir a prestação tributária, coimas e custas, e bem assim, impedir a continuidade da prática da atividade ilícita, pelo que não logra provimento a alegação concatenada com o caráter sancionatório aduzido em I), em nada constituindo ato arbitrário.

Como esclarece o Tribunal Constitucional no âmbito do processo nº 294/2008, de 29 de maio, a apreensão (16) “[é] também um meio de segurança dos bens que tenham servido ou estivessem destinados a servir a prática do crime, ou que constituam o seu produto, lucro, preço ou recompensa, como forma de garantir a execução da sentença penal, o que também justifica a conservação dos objectos apreendidos à ordem do processo até à decisão final. (…)

Vimos que a apreensão tem a dupla função de meio de obtenção de prova e de garantia patrimonial do eventual decretamento de perda de valores a favor do Estado (cfr. DAMIÃO DA CUNHA, Perda de bens a favor do Estado, Centro de Estudos Judiciários, 2002, pág. 26), e, nesse sentido, tem pleno cabimento que enquanto providência processual instrutória ela possa manter-se até à fase de julgamento e venha apenas a ser declarada extinta com a sentença final (absolutória ou condenatória), quando nela tenha sido entretanto fixado o destino a dar aos bens apreendidos.”

Ainda neste particular, importa relevar que carece de qualquer relevância, face a todo o expendido anteriormente, o aduzido na p.i. quanto à situação financeira da Requerente, e bem assim à alegada desproporcionalidade inerente à desvalorização anual do bem apreendido, sendo que quanto a esta violação do convocado princípio -designadamente na sua dimensão de adequação aos fins visados pela lei- importa ter presente que é, como visto e já devidamente explanado anteriormente, uma decorrência do princípio da legalidade em situações que acarretem a tributação adicional em sede de ISV.

Uma nota final, apenas para sublinhar que, in casu, atenta a delimitação da lide e o ato impugnado subjacente não cumpre tecer quaisquer considerandos atinentes a uma eventual substituição da garantia. Ademais, e contrariamente ao expendido pela Recorrente, reitere-se que no requerimento que subjaz ao ato impugnado, nada é requerido, nesse e para esse efeito.

Entende-se, assim, que o facto superveniente convocado pelo Recorrente não é, per se, suficiente para determinar a revogação da apreensão, estando a mesma legitimada, como visto, pela finalidade cautelar instrumental plasmada na lei, não padecendo, assim, o ato impugnado das ilegalidades que lhe são assacadas, nem colocando, tão-pouco, em causa as exigências constitucionais de proporcionalidade.

E por assim ser, improcede a pretensão de revogação do ato impugnado e levantamento da apreensão.

***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO jurisdicional interposto pela F..., revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a impugnação e manter o ato impugnado com todas as legais consequências.

Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.

LISBOA, 30 DE JUNHO DE 2022

(PATRÍCIA MANUEL PIRES)

(CRISTINA FLORA)

(LUÍSA SOARES)

_________________________________

(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2) Neste sentido Alberto dos Reis “Código de Processo Civil Anotado”: Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
(3) Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29 de junho de 2016.
(4) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
(5) Vide, designadamente, Acórdão do STA prolatado no âmbito do processo nº 01/18.2BEPDL, datado de 14.10.2020.
(6) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, CPC anotado, Almedina: 2019, Reimpressão, Vol. I, pág. 719
(7) Regime Geral das Infrações Tributárias – Anotado, Áreas Editora, 4ª edição, 2010, em anotação 12 ao artigo 73.º do RGIT.
(8) CPPT anotado e comentado, Áreas editora: 2011, Volume III, anotação 10 ao artigo 143.º, pp. 478 e 479.
(9) Tutela cautelar em matéria tributária, Escola de Direito da Universidade do Minho, anotação 10, disponível em http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/62334/1/Tutela%20cautelar%20MT.pdf
(10) cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
(11) neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
(12) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
(13) Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012
(14) Como doutrinado no Aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, prolatado no processo nº 12/19.0 de 24.06.2020, “[a apreensão (…) fundada em falta de seguro, apenas cessa quando for efectuada, perante a administração, prova da transferência da responsabilidade civil decorrente da utilização do veículo. II – Sem que tal aconteça, a ordem de não circulação dada ao condutor e depositário constituído do veículo continua legalmente válida, sendo a sua violação adequada ao preenchimento do crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b), do CP, se verificados os demais elementos do tipo.”
Vide, Manual de procedimento e processo tributário, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 310 e 311.
(15) Vide, Manual de procedimento e processo tributário, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 310 e 311.
(16) Não obstante nos encontrarmos no domínio da apreensão de saldos bancários, reputamos transponível para o caso vertente, face ao processo contraordenacional que lhe subjaz, ainda que com as devidas adaptações.