Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:201/09.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:CRIAÇÃO LÍQUIDA DE POSTOS DE TRABALHO
CONTRATO SEM TERMO
ÓNUS DE PROVA
PROVA PERICIAL
CONTENCIOSO DE MERA ANULAÇÃO
Sumário:i) Se as justificações das correcções sindicadas não são contemporâneas do Relatório Inspectivo, sendo apenas convocadas em sede de recurso, tal não permite a sua valoração e atendibilidade por consubstanciarem fundamentação a posteriori.

ii) Da letra do artigo 17.º do EBF dimana que, à data, os requisitos da concessão do benefício fiscal consistiam em terem sido admitidos por contrato sem termo, trabalhadores com idade inferior a 30 anos e que essa admissão tenha operado a criação líquida de postos de trabalho.

iii) Regra geral, o contrato de trabalho não está sujeito a forma escrita.

iv)Não preceituando a lei laboral a exigência de forma escrita para os contratos sem termo, então, ainda que a prova da admissão mediante contrato sem termo tenha de ser inequívoca, não pode circunscrever-se, exclusivamente, à apresentação do aludido contrato, ou de uma adenda com a mesma formalidade, sob pena inclusive de o Direito Tributário se tornar mais exigente que o próprio direito que rege as relações laborais e bem assim subverter a ratio que subjaz à substancialidade da relação e do respectivo vínculo.

v) Assim, utilizando o normativo 17.º do EBF, a expressão “trabalhadores admitidos por contrato sem termo”, e não exigindo enquanto requisito formal e para efeitos probatórios a redução a escrito, ter-se-á de concluir que a prova pode ser efectuada por outros meios probatórios que não, apenas e redutoramente, pela outorga de um contrato escrito ou ulterior adenda.

vi) Enferma de erro de direito sobre os requisitos da prova a decisão de reclamação graciosa que indefere o benefício fiscal da criação líquida de postos de trabalho com fundamento na falta de apresentação de contrato sem termo reduzido a escrito ou documento equivalente vinculativo para todas as partes no contrato.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que a sociedade T………. Express ……………….(Portugal), Transitários, Transportes e Serviços Complementares, S.A., deduziu contra o despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa que visou o acto de liquidação n.º ……………..231, emitido pela AT, na sequência da entrega da declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2004, dela recorre para este Tribunal, pretendendo a sua revogação e a substituição por outra decisão que mantenha a decisão da Reclamação Graciosa e a liquidação ora posta em crise.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes e doutas conclusões: «

a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial parcialmente procedente com a respetiva anulação da liquidação de IRC de 2004 e decidiu as custas a cargo da Entidade Demandada (80%) e Impugnante (20%).

b. A sentença proferida pelo tribunal a quo considerou que a prova do contrato de trabalho sem termo pode ser efectuada mediante outros meios probatórios que não a existência do contrato de trabalho reduzido a escrito, uma vez que a legislação laboral não obriga a tal (cfr. artigo 102° do Código do Trabalho), e considerou que tal foi feito remetendo para a perícia efectuada (cfr. facto provado n°6).

c. Com efeito, determinou a “respetiva anulação”, o que conduziu à procedência parcial da impugnação judicial.

d. Não pode a Fazenda Pública, com o devido respeito, que é muito, conformar-se com o assim decidido, pois ao contrário do propugnado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, dir-se-á como se entende que a Recorrida não logrou demonstrar a verificação, in casu, dos pressupostos legalmente exigidos à atribuição do benefício fiscal decorrente da criação liquida de postos de trabalho, previsto no artigo 17° do EBF.

e. Se bem compreendemos a decisão proferida pelo Tribunal a quo, este entendeu que a Impugnante fez prova dos contratos de trabalho sem termo referentes aos trabalhadores constantes da lista do anexo 1 da resposta ao quesito 4 da prova pericial e devem os mesmos ser considerados para efeitos do benefício previsto no artigo 17.° do EBF (facto provado n.° 6).

f. Salvo o devido respeito, a Fazenda Pública entende que não foi realizada a prova dos contratos de trabalho sem termo pois não resulta da prova pericial nem da sentença os factos e fundamentação que levaram a tal conclusão.

g. Pelo que entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado os contratos de trabalho sem termo em causa, e ao ter decidido em sentido contrário violou a norma prevista do artigo 74° n°1 da LGT, na medida em que tal prova não foi feita pela Impugnante.

h. Ainda que assim não se entenda, importa salientar que a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, não consubstancia um aumento efetivo do número de trabalhadores, nem tão pouco de postos de trabalho.

i. O cumprimento condição legal - “criação líquida de postos de trabalho” - exige a verificação do acréscimo efetivo do número global de trabalhadores jovens (idade não superior a 30 anos) admitidos na empresa, em determinado exercício e por contrato sem termo. (cfr. Acórdão STA, de 11/10/2006, rec. 0723/06; Acórdão STA, de 25/02/2009, rec. 0916/08; Acórdão TCA SUL, de 1/02/2011, proc. 03881/10).

j. Realmente, para que os encargos inerentes à criação de empregos para jovens fiquem abrangidos pelo benefício fiscal referido, é necessária a criação líquida de postos de trabalho em determinado exercício, sendo que a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, de trabalhadores já vinculados à impugnante, não consubstancia um aumento efetivo de número de trabalhadores, nem tão pouco de postos de trabalho.

k. Na verdade, julgamos que a lei, ao prever muito claramente a «criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo», induz determinadamente a interpretação de que o benefício fiscal do artigo 17.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, de majoração de custos, suportados com os trabalhadores admitidos, dedutíveis ao lucro tributável em IRC, obedece à condição sine qua non de um aumento efetivo do número de trabalhadores jovens admitidos ao serviço da entidade empregadora no respetivo período, o que quer dizer que só haverá aquele benefício fiscal no exercício em que houver um real aumento do número global de trabalhadores jovens admitidos na empresa (para o que evidentemente não concorre, por si só, a simples transmutação em “definitivos” de trabalhadores provisórios).

l. Efetivamente, a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo concretiza tão-somente uma alteração do estatuto jurídico dos trabalhadores, não criando, logo por definição, novos postos de trabalho, por consequência não operando a criação, líquida ou ilíquida, de quaisquer postos de trabalho.

m. Portanto, o conceito legal de criação líquida de postos de trabalho, aplicável à situação presente, corresponde à diferença positiva, em determinado exercício, entre o número de contratações efetuadas, de trabalhadores com idade não superior a 30 anos, e o número de saídas de trabalhadores da mesma faixa etária, fazendo-se a aferição dessa diferença no final de cada exercício e dos autos não ficou demonstrado esse aumento de contratações.

n. Estamos, deste modo, a dizer que os trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto, com não mais de 30 anos, relativamente aos quais os respetivos contratos se converteram em contratos sem termo, não devem ser considerados elegíveis para efeitos do benefício fiscal a que se refere o artigo 17.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

o. E, então, havemos de convir, a finalizar, que a condição legalmente prescrita, de “criação líquida de postos de trabalho”, não pode dar-se por cumprida, unicamente e sem mais, pela celebração de contratos sem termo com trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto.

p. O cumprimento daquela condição legal exige a verificação de acréscimo efetivo do número global de trabalhadores jovens admitidos na empresa em determinado exercício, por contrato sem termo.

q. Aplicando tal entendimento ao caso dos autos concluímos, face à factualidade assente e descrita na Reclamação Graciosa, não estarem reunidos os pressupostos legais para a impugnante poder usufruir do benefício fiscal em causa, pois, não está demonstrada a passagem dos contratos a termo certo a contratos sem termo e que não ocorreu um aumento global do número de trabalhadores.

r. Pois, o número de trabalhadores é o mesmo, verificou-se foi uma alteração no vínculo jurídico que eles mantinham com a ora Recorrida.

s. Ora, como decorre dos autos a impugnante não logrou refutar as conclusões apuradas no âmbito da Reclamação Graciosa ou demonstrar a verificação no caso em apreço os requisitos de aplicabilidade do art.° 17° do EBF.

t. Pelo exposto, face aos elementos constantes dos autos, e pelas razões e fundamentos invocados pela AT na Reclamação graciosa, nas informações citadas na contestação e, ainda em concordância com o entendimento seguido no Acórdão do TCA SUL, de 18/02/2016, proc. n° 05619/12 e no Acórdão do STA, de 23/09/2009, proc. n° 0248/09, afigura-se-nos não se mostrarem verificados no caso em apreço os requisitos de aplicabilidade do art.° 17° do EBF.

u. Não se vislumbrando, assim, nenhuma ilegalidade na decisão da Reclamação Graciosa, referente à dedução relativa a benefício fiscal decorrente da criação líquida de postos de trabalho previsto no artigo 17.° do EBF, pelo que deve a mesma permanecer, por legal, no ordenamento jurídico-tributário, e consequentemente a liquidação de IRC de 2004.

v. Face ao exposto, entende a Fazenda Pública que a decisão recorrida ao decidir como decidiu, enferma de vício de violação de lei - a norma prevista no art.° 17° do EBF - razão pela qual se impõe a sua anulação.

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO

A COSTUMADA JUSTIÇA.»

A recorrida apresentou contra-alegações, nas quais apresenta as seguintes e doutas conclusões: «

A. A sentença sub judice não merece qualquer censura, afigurando- se integralmente correto o julgamento da matéria de facto e a respetiva subsunção ao direito aplicável efetuada pelo Mma. Juiz a quo.

B. O n.° 1 do artigo 640.° do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 140.°, n.° 3 do CPTA) impõe que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve a recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: 1) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; 2) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;3) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

C. Nas alegações de recurso e respetivas conclusões, não logrou a Recorrente observar, no âmbito do presente Recurso, o ónus de impugnação especificada que lhe é imposto pela lei, máxime pelas normas resultantes do disposto na alínea a) e, especialmente, na alínea b), no citado n.° 1 do artigo 640.° do Código de Processo Civil.

D. Na verdade, em lugar algum das alegações ou conclusões da Recorrente se indica um meio de prova, nem se contesta a que serviu de base à decisão (Pericial) que considerou provados os factos: conversão dos contatos a termo em sem termo e criação liquida de postos de trabalho que, por si só, impusesse conclusão diferente daquela que foi adotada na sentença recorrida;

E. Também não se vislumbra qualquer indicação dos concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados.

F. A Recorrente opta por impugnar a decisão sob recurso através da mera alegação de discordância com a decisão.

G. Desde logo, a Recorrente (“AT”) vem agora, em sede de recurso, alegar a impossibilidade de subsumir à noção de “criação líquida de postos de trabalho’’, constante do então artigo 17.° do EBF, a conversão de contrato de trabalho a termo em contrato por tempo indeterminado.

H. Entendimento, esse, contrário ao sustentado pela própria Recorrente, na ficha doutrinária com o n.° de processo 2691/2007 junta aos autos como Doc. 5, onde fez verter o seguinte teor: “uma vez que os contratos com termo não relevam para efeitos do artigo 17.° do EBF, quando estes se transformam em contratos sem termo podem entrar, a partir do respetivo exercício, para a aferição da criação líquida de postos de trabalho, desde que todos os outros requisitos de acesso ao benefício estejam preenchidos”.

I. Está amplamente fundamentado nos autos que a douta apreciação do Tribunal, a letra do artigo 17.°, n.°1, do EBF deixa claro que a majoração dos encargos por posto de trabalho e a sua consideração como gasto depende, somente, da "criação líquida de postos de trabalho” para "jovens” ou "desempregados de longa duração” que sejam "admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado”.

J. O legislador não faz quaisquer referências, direta ou indiretamente, à necessidade de o posto de trabalho ser criado ab initio por tempo indeterminado.

K. Pois, a ratio do benefício fiscal contido no artigo 17.° do EBF é incentivar a criação - a final - de postos de trabalho por tempo indeterminado, seja ab initio seja por conversão.

L. Existe clara contradição no alegado pela Recorrente com as Conclusões pois se reconhece a existência de contrato - resultantes de conversão com termo - e que o requisito legal é serem admitidos mais trabalhadores - o que foi considerado provado, designadamente, no relatório pericial - para contrato sem termo,

M. Torna-se obvio que a partir do mesmo momento em que passam (mais) contratos a sem termo há acréscimo quanto a estes (o que sucede aliás, em detrimento dos precários/sem termo que com a cessação/transformação do contrato passam obviamente a ser menos), cumprindo-se o desiderato legislativo, pretendido com este incentivo fiscal: proporcionar um quadro laboral - mais - estável.

N. reiterando o que acima foi dito, em matéria de incidência e de benefícios fiscais, entre outros aspetos, vigora o princípio da legalidade tributária (cfr. artigo 8.°, n.°1, da LGT).

O. Por outro lado, a interpretação das normas fiscais segue as regras e princípios gerais de direito, em especial os que estão no artigo 9.° do Código Civil, por remissão do artigo 11.°, n.° 1, da LGT.

P. Não tendo a Recorrente questionado, até à prolação da decisão, o aumento líquido de postos de trabalho verificado nos termos do disposto no artigo 17.° do EBF, mas apenas a prova necessária da conversão do contrato laboral a termo em contrato por tempo indeterminado entre a ora Recorrida e os seus colaboradores identificados nos autos e elencados na Douta Sentença, cfr. fls 8 e 9, estes são elegíveis para o apuramento do benefício constante daquela norma.

Q. Considerando que o benefício constante do, então, artigo 17.° do EBF se encontra dependente da celebração de contrato sem termo com trabalhadores de idade não superior a 30 anos, de acordo com o entendimento expresso pela própria ("AT”), a aqui Recorrente, na ficha doutrinária Processo n.° 2691/2007, "uma vez que os contratos com termo não relevam para efeitos do artigo 17.° do EBF, quando estes se transformam em contratos sem termo podem entrar, a partir do respetivo exercício, para a aferição da criação líquida de postos de trabalho, desde que todos os outros requisitos de acesso ao benefício estejam preenchidos” (cit., negrito nosso).

R. Ademais, importa referir não terem existirem quaisquer dúvidas de que a convolação dos contratos de trabalho foi devidamente comprovada (Perícia realizada) através de documentos que vinculam externamente a entidade, em consonância com a ficha doutrinária com o n.° de Processo 1979/2008.

S. Neste sentido, atente-se no acolhimento desta posição pela Mm. a Juiz na apreciação da factualidade dada como provada e vertida na parte final do decisório.

T. No Acórdão proferido no Processo n.° 607/11, de 19-10-2011 (ASCENSÃO LOPES) "O preceito [artigo 17.° do EBF] já foi objecto de interpretação por este STA noutros arestos. Pretende-se a criação líquida de postos de trabalho, que se concretiza no aumento global do número de trabalhadores da empresa (neste sentido os Ac. Deste STA de, 3 de Fevereiro de 2010, proferido no Proc. n° 248/09, de 11/10/2006 tirado no recurso 0723/06, e de 25/2/09, no recurso. n° 916/08, todos disponíveis no site da DGSI.
Sendo que quando “(...) a sentença recorrida não foi sequer atacada no segmento que foi decisivo para o julgamento de procedência da impugnação no qual afirmou o ónus da Administração Fiscal de demonstrar a inexistência de contratos sem termo.” o que se verifica, também, nos presentes autos deve a Sentença persistir.

U. Neste sentido, o processo n.° 68/2017-T, de 05/01/2018, sustenta: “Em primeiro lugar, é necessário que haja “criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado. "Portanto é necessário, em primeiro lugar, que, num determinado ano, sejam celebrados contratos de trabalho sem termo (sendo que é considerada como contratação sem termo a conversão de contratos a termo em contratos sem termo) com “jovens" ou com “desempregados de longa duração", correspondendo ambos a categorias que a lei define”.

V. Entendimento igualmente sufragado nas decisões arbitrais do CAAD proferidas no âmbito do processo n.° 249/2018-T, de 25/03/2019, e do processo n.° 639/2018-T, de 07/06/2019.

W. Resulta do artigo 72.° da Lei Geral Tributária (“LGT”) que são admitidos no procedimento tributário todos os meios de prova.

X. Resultaram da prova produzida pela Recorrida que a contratação de trabalhadores por contrato sem termo se concretizou mediante a conversão, nos termos legais, dos contratos com termo celebrados com os trabalhadores que contribuíram para a Criação Liquida de Postos de Trabalho.

Y. Bem andou, pois, a sentença recorrida ao admitir o custo com a criação de postos de trabalho para dedução ao lucro tributável da Recorrida, do período de tributação de 2004, com todos os legais efeitos, designadamente a restituição à aqui Recorrida de todos os montantes pagos a este título, acrescidos de juros indemnizatórios devidos pelo pagamento efectuado indevidamente

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., Venerados Desembargadores,

deve o presente recurso ser julgado integralmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida qua tale na ordem jurídica, posto que não se mostra inquinada de quaisquer dos vícios que lhe vem assacados pela ora recorrente ("AT”)

com o que se fará a

Costumada JUSTIÇA

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, emitiu mui douto parecer no qual conclui que deve ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.


II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cf. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, a questão central a resolver reconduz-se a indagar se a impugnante, ora recorrida, logrou fazer prova da admissão de trabalhadores mediante contrato sem termo, enquanto pressuposto do benefício fiscal da criação líquida de postos de trabalho.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: «

1. A Impugnante é uma empresa que se dedica à actividade de transporte expresso de mercadorias (cfr. acordo e processo administrativo).

2. No âmbito da sua actividade a Impugnante procedeu à entrega da declaração de IRC, Modelo 22, referente ao exercício de 2004 (cfr. acordo e processo administrativo).

3. Na sequência do mencionado no facto provado anterior a Administração Tributária procedeu à emissão da liquidação n°…………….231 (cfr. acordo e processo administrativo).

4. A 24 de Maio de 2007, a Impugnante apresentou reclamação graciosa invocando erro na referida auto liquidação do imposto (cfr. prova documental documento n°2 junto com a petição inicial).

5. Por meio do ofício n°004006 datado de 19 de Janeiro de 2009, foi a Impugnante notificada do indeferimento da reclamação graciosa, nos seguintes termos:(cfr. prova documental documento n°1 junto com a p.i).

«Texto no original»

6. O Relatório Pericial tem o seguinte teor: (cfr. prova documental fls 233 e seguintes dos autos em suporte de papel).

«Texto no original»

7. A presente impugnação judicial deu entrada no Tribunal a 6 de Fevereiro de 2009 (cfr. carimbo aposto na p.i).

B) Dos Factos Não Provados:

Não se detecta a alegação de factos essenciais relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados.

C) Da Motivação:

Para convicção do Tribunal, na delimitação da matéria de facto supra provada, foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente e no seu conjunto.
Designadamente nos documentos não impugnados juntos aos autos, referidos nos “factos provados”, com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como à posição das partes sobre a matéria alegada.».

B.DE DIREITO

Como se apreende dos elementos dos autos e do probatório, a questão a resolver consiste em saber se a impugnante, aqui recorrida, reúne os pressupostos de que depende, ou dependia, o benefício fiscal da criação líquida de postos de trabalho, prevista no art.º 17.º do EBF, que tinha a seguinte redacção:
“1 - Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
3 - A majoração referida no nº 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.”

Para efeitos de subsunção normativa no citado preceito legal e concessão do aludido benefício fiscal, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
a) Criação líquida de postos de trabalho;
b) Admissão mediante contratos sem termo;
c) Trabalhadores com idade não superior a trinta anos.

No caso em apreço, embora a Recorrente pretenda introduzir na discussão o conceito de “criação líquida de postos de trabalho”, a verdade é que, como salienta a recorrida nas contra-alegações tal discussão nunca antes foi trazida aos autos, nem integrou a fundamentação da impugnada decisão de reclamação graciosa da autoliquidação de IRC/2004, que indeferiu à impugnante a correcção dos valores da autoliquidação assentes no benefício fiscal da criação líquida de postos de trabalho.

Com efeito, se atentarmos no segmento da informação que sustenta a impugnada decisão de indeferimento da reclamação graciosa que agora importa, ali se refere:
«5. Para a generalidade dos colaboradores não apresentou Contrato Sem Termo e/ ou documentos vinculativos para todas as partes do contrato.
3.6. – Face ao exposto, a inexistência de meio de prova, não permite aferir de forma inequívoca o início dos contratos sem termo.
A este respeito, é oportuno referir:
Nos termos dos artigos 14.º e 74.º da LGT e também artigo 6.º do EBF, cabe ao SP provar os pressupostos ou revelar os pressupostos de que depende a usufruição do benefício fiscal. Assim, cabendo à entidade empregadora provar a existência de contrato sem termo para efeitos do benefício fiscal, é relevante que esta tenha a cautela de reduzi-lo a escrito. Deste modo, o contribuinte deve munir-se dos elementos necessários que comprovem a existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado e o momento do seu início. Exige-se também que os elementos de prova sejam vinculativos, pelo menos, para as duas partes do contrato.

Deste modo, a questão que se coloca é comprovar o início de “Contrato sem Termo”. Exige-se que esta prova seja escrita e vinculativa para todas as partes do contrato. Conforme se descreve, esse meio de prova não foi apresentado».

Ainda na referida informação, já em apreciação da resposta ao projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, consigna-se:
«…não comprovou a sucessão de contrato a termo certo, porque não apresentou renovações do contrato inicial (…).
Também não apresentou comunicação escrita de início do “Contrato Sem Termo”, vinculativa para as duas partes do Contrato.
Deste modo, não comprovou de forma inequívoca a admissão dos colaboradores por Contrato Sem Termo.
Face ao apurado, não apresentou o meio de prova que permite ajuizar quanto ao início de Contrato sem Termo. Esta falta não permite apurar o limite temporal de 5 anos, estabelecido para o benefício fiscal».

Como claramente se apreende da contestação, nomeadamente dos seus artigos 19.º a 26.º, a questão controvertida quanto à desconsideração do beneficio fiscal do art.º 17.º do EBF (que a sentença julgou procedente), reconduzia-se à falta de prova de que os contratos a termo certo se tenham convertido em contratos sem termo, porquanto, e, nomeadamente, “não existe adenda ao contrato assinada pelas duas partes, nem sequer existe uma comunicação de conversão em contrato sem termo, assinada pela entidade patronal e assinada pelo trabalhador a dizer que tomou conhecimento da conversão do contrato a termo certo num contrato sem termo”.

Assim, como questão nova aferida aos requisitos do benefício em causa, a criação líquida de postos de trabalho não pode ser conhecida no recurso – cf. Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 29/10/2014, tirado no proc. º 0833/14, em cujo sumário doutrinal se deixou consignado: «Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre».

E como questão que não integra a fundamentação do acto impugnado (decisão de indeferimento da reclamação graciosa da autoliquidação de IRC/2004), não se presta, em contencioso de mera anulação – como é o da impugnação judicial – à aferição da legalidade do acto, que deverá restringir-se ao expressado fundamento da falta de prova da admissão de trabalhadores mediante contratos sem termo.

Com interesse e, a propósito, veja-se o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 03/02/2011, tirado no proc.º 049/10, em cujo sumério doutrinal se deixou vertido: «No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação».
Assim balizadas as coisas, a questão que importa conhecer e dirimir no recurso restringe-se à da prova da admissão de trabalhadores mediante contratos sem termo enquanto requisito do benefício fiscal contemplado no art.º 17.º do EBF.

Em causa, em concreto, encontram-se duas situações:
a) Um conjunto de trabalhadores da impugnante que exerciam funções ao abrigo de contrato de trabalho a termo e que, nos exercícios em causa, alegadamente passaram a exercer funções ao abrigo de contrato de trabalho por tempo indeterminado;
b) Um conjunto de trabalhadores que foram transferidos, em tais exercícios, de uma outra empresa, adquirida pela impugnante, para a ora impugnante no âmbito de acordos de cessão de posição contratual.

O objecto do recurso restringe-se ao que foi decidido na sentença relativamente à situação referida em a), uma vez que relativamente à situação referida em b) – contratação de novos trabalhadores efectuada mediante cessão de posição contratual num contrato já existente que se mantém – a sentença entendeu não se mostrarem preenchidos os requisitos de aplicabilidade do art.º 17.º do EBF.

Delimitado o objecto do recurso às situações compreendidas em a), escreveu-se na sentença recorrida:
«(…) é ao sujeito passivo de imposto que compete fazer a prova dos pressupostos da sujeição ao regime de determinado benefício fiscal, enquanto facto impeditivo da tributação-regra (art.º 74.º, n.º 1 da LGT).

E a prova do contrato de trabalho sem termo pode ser efectuada mediante outros meios probatórios que não a existência de contrato de trabalho reduzido a escrito, uma vez que a legislação laboral não obriga a tal (cf. art.º 102.º do Código do Trabalho), o que foi tido em consideração na perícia efectuada (cf. facto provado n.º 6).».

Porém, face à matéria objecto da perícia e aos concretos quesitos formulados (cf. fls.233 dos autos), a perícia apresenta-se manifestamente impertinente porque, na parte em que a Mmª juiz a quo fundou o seu juízo conclusivo, respeita a matéria jurídica e não se refere a factos, para cuja percepção ou apreciação sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.

Como preceitua o art.º 388.º do Cód. Civil, “A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem…”

Ora, a questão colocada na perícia foi a seguinte: «É ou não verdade que atendendo à documentação anexa aos autos, ou outra que V. Exa. possa vir a considerar relevante, reunia a Autora condições para usufruir do benefício fiscal previsto no, então vigente, artigo 17.º do EBF (hoje 19.º), no montante de € 411.608,03?»

Resposta da Senhora Perita: «Atendendo à documentação analisada, a Autora reunia condições para usufruir do benefício fiscal da criação líquida de postos de trabalho para jovens nas condições previstas no Estatuto dos Benefícios Fiscais (artigo 17.º)».

Ora, não podia a Mmª juiz a quo concluir, como fez, pela verificação do requisito controvertido da admissão de trabalhadores mediante contratos sem termo no exercício em causa, apoiada na questão jurídica que foi objecto da perícia e cuja resposta contém a decisão da própria causa.

Neste ponto haverá que dar razão à recorrente quando sustenta que o juízo conclusivo da sentença quanto à verificação do requisito da admissão de trabalhadores mediante contratos sem termo no exercício em causa não está factualmente suportado no probatório.

Resta saber se a ausência de prova a tal respeito na impugnação deve ser valorada contra a recorrida.

Como a sentença também refere, compete ao sujeito passivo, nos termos do art.º 74.º da LGT, fazer a prova dos pressupostos de que depende o benefício fiscal a cujo direito se arroga. E como bem acrescenta, a prova do contrato de trabalho sem termo pode ser efectuada mediante outros meios probatórios que não a existência do contrato de trabalho reduzido a escrito, uma vez que a legislação laboral a tanto não obriga, conforme artigos 102.º e 103.º da aplicável Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.

Tem sido esse o entendimento deste Tribunal, expressado em diversos arestos de que se destaca o Ac. de 06/24/2021, tirado no proc.º 587/10.0BELRS, em que se deixou vertido:
«
Aqui chegados, impõe-se a seguinte questão: não obstante a lei laboral não impor a sua redução a escrito, deverá o Direito Tributário exigir que a prova se concatene, exclusivamente, com essa outorga, implementando-a como uma formalidade ad probationem?

Ajuizamos que a resposta à questão terá de ser negativa, conforme bem evidenciou o Tribunal a quo, porquanto ainda que a prova da admissão mediante contrato sem termo tenha de ser inequívoca, a verdade é que não pode circunscrever-se à apresentação do aludido contrato, ou de uma adenda com essa formalidade, sob pena inclusive de o Direito Tributário se tornar mais exigente que o próprio direito que rege as relações laborais e bem assim subverter a ratio que subjaz à substancialidade da relação e do respetivo vínculo.

Ajuíza-se, neste concreto particular, que a prova da existência do contrato de trabalho pode ser feita através de prova testemunhal ou qualquer meio probatório, face ao consignado nos artigos 392.º e 376.º do CC, e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

É certo que as normas de benefícios fiscais merecem tratamento autónomo porque são normas antissistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto.

Razão pela qual, devem respeitar o princípio de interpretação estrita ou declarativa, fundado precisamente na sua natureza excecional ou antissistemática, mas a verdade é que a letra da lei utiliza a expressão “trabalhadores admitidos por contrato sem termo”, não implementando enquanto requisito formal e para efeitos probatórios a redução a escrito, mormente, uma adenda ao contrato a termo certo, logo, ajuíza-se que a prova pode ser efetuada por outros meios probatórios que não, apenas e redutoramente, pela outorga de um contrato escrito ou ulterior adenda com a mesma formalidade.» (fim de cit.).

A ser assim, não sendo controvertido que a impugnante juntou no procedimento de reclamação graciosa, nomeadamente, cópia dos contratos de trabalho elegíveis e cópia dos recibos de vencimento auferidos no exercício fiscal de 2004 por parte dos trabalhadores elegíveis e cópia das listagens da segurança social de Janeiro a Dezembro dos anos de 2000 a 2004, conforme informação/despacho transcrito no ponto 5. do probatório, a decisão de indeferir o benefício fiscal assente na falta de apresentação dos contratos sem termo reduzidos a escrito e/ou documentos vinculativos para todas as partes do contrato, enferma de manifesto erro sobre os requisitos da prova e esse erro de direito inquinou o juízo probatório da administração tributária.

Nestas circunstâncias e dado estarmos num contencioso de mera anulação (ou de controlo da legalidade), não cabe indagar se os elementos probatórios com que a impugnante instruiu a reclamação graciosa sempre eram idóneos à demonstração do pressuposto da admissão de trabalhadores mediante contratos sem termo no período considerado, uma vez que o erro de direito sobre os requisitos dessa prova compromete a legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que por tal motivo invalidante não pode manter-se na ordem jurídica.

A sentença é, pois, de confirmar embora com a presente fundamentação, sendo de negar provimento ao recurso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 05 de Junho de 2025

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Vital Lopes


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Ângela Cerdeira


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Rui A. S. Ferreira