Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:907/23.7BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:03/21/2025
Relator:TIAGO AFONSO LOPES DE MIRANDA
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO (FUNÇÃO JURISDICIONAL),
LESÃO DO DIREITO A OBTER DECISÃO JUDICIAL EM TEMPO RAZOÁVEL NA VERIFICAÇÃO POSTERIOR DE CRÉDITOS NUM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA.
Sumário:I – Importa proceder à destrinça entre duas esferas jurídicas distintas: por um lado, o perímetro de actuação funcional do administrador judicial, cuja responsabilidade, de natureza pessoal e subjectiva, encontra o seu fundamento legal no preceituado no artigo 59.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; por outro lado, as exigências constitucionais e convencionais que impõem ao Estado Português assumir a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes da violação do postulado estruturante do ordenamento jurídico que é o direito fundamental a uma decisão judicial mediante um processo equitativo e em tempo razoável.

II – Daqui decorre que não é por a excessiva demora do processo de insolvência se ter verificado exclusiva ou essencialmente na fase do processo a cargo do Administrador da Insolvência, que o Estado Português deixa de ser responsável pelos danos a que essa demora der causa.

III – A doutrina, originada na jurisprudência do TEDH, de que se presume a ocorrência de um dano não patrimonial indemnizável inerente à ofensa do direito humano a obter uma decisão definitiva em tempo razoável, não implica a presunção de quaisquer factos históricos e concretos, de cariz subjectivo, susceptíveis – entre outros – de serem alegados e qualificados como danos não patrimoniais, designadamente padecimentos psíquicos. Desses factos históricos não estava, o Autor, dispensado de fazer prova.

IV - O dano do protelamento de uma decisão judicial definitiva sobre os montantes a receber num processo de insolvência da entidade patronal não se confunde com o protelamento do recebimento desses montantes, embora a não ocorrência deste outro protelamento releve para a quantificação da indemnização daquele dano moral segundo um juízo de equidade.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I - Relatório
ANTÓNIO ………………., residente na Rua da ……………n.° 230, ……….. 2200-………......, interpôs recurso de apelação da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 26/06/2024, que julgou improcedente a acção administrativa que move contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, pedindo a condenação deste a paga-lhe um uma indemnização por danos morais causados pela demora irrazoável na emissão da decisão que pôs termo ao processo de insolvência nº 1043/13.0TBABT e respectivos apensos, em que apresentou pedido de verificação posterior de créditos laborais.”.

O Pedido totalmente improcedente é o seguinte:
«2. Condenar-se o Estado Português a pagar ao A.:
a) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a € 10.800,00 (Dez mil e oitocentos euros), pela duração do processo nº 1043/13.0TBABT e respectivos apensos;
b) Uma indemnização de €1.200,00 (mil e duzentos euros) por cada ano de duração do presente processo sobre a morosidade, agora instaurado, após o decurso de dois anos, até ao seu termo, também a título de danos morais;
c) Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre as verbas em a) a c);
3. E a todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado.
4. Deve condenar-se o Estado a pagar uma sanção pecuniária compulsória de quinhentos euros por dia, por cada despacho, decisão do tribunal ou acto dos funcionários que ultrapasse os prazos legais, ou caso o processo dure mais de dois anos, incluindo liquidação de honorários.»

A sentença recorrida conclui nos seguintes termos:
«Como consequência da não verificação de violação, pelo Demandado, do preceituado nos artigos 6.°, § 1 da CEDH e 20.°, n.° 1 e 4 da CRP no que concerne à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável nos autos de Proc. n.° 1043/13.0TBABT e respectivos apensos e, bem assim, do não cumprimento de um dos pressupostos legais de que depende a responsabilidade civil extracontratual do Estado, improcede igual e necessariamente todo o demais peticionado pelo Autor, uma vez que os demais pedidos formulados assentam na mesma causa de pedir que, como já se concluiu, não merece acolhimento por este Tribunal, precisamente porque não foi violado o direito do Autor à obtenção de decisão em prazo razoável.
Em todo o caso, diga-se ainda que o pedido constante do ponto 2., alínea b) do petitório sempre teria que improceder, considerando que não decorreram ainda dois anos desde a data da interposição da presente acção.
Improcede assim, na sua totalidade, a presente acção.»

As alegações de recurso terminam com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
1 - É de rejeitar o entendimento segundo o qual não podem ser imputados ao Estado os períodos de tramitação do processo de insolvência subtraídos à sua esfera de actuação, por ser o administrador da insolvência o responsável pela realização de diligências, designadamente pela liquidação do activo, afastando a responsabilização do Estado pela delonga imputável àquele;
2 - Para afastar esse ponto de vista tem que se tomar em consideração que o Administrador da Insolvência é um colaborador da justiça, pois é nomeado pelo Tribunal, a sua remuneração fixa é determinada pela mesma entidade e adiantada pelos cofres do Estado;
3 - O Administrador Judicial tem que entregar, regularmente, relatórios ao Juiz do processo para controle por parte deste, assim como acerca da evolução do estado da liquidação, bem como necessita de autorização expressa do Tribunal para a prática de determinados actos, pelo que se verifica um controle da legalidade da actuação do Administrador, por parte do Juiz, ao longo de todo o processo e, consequentemente, do Estado;
4 - O que está em causa é a falta da prática de actos dentro dos prazos legais e com a celeridade exigível, sendo que compete ao Estado a criação de instrumentos e mecanismos que permitam a eficácia do sistema judicial, incluindo as entidades que colaboram com o mesmo, nomeadamente os administradores da insolvência;
5 - Não podem restar dúvidas que o Administrador Judicial, no caso das insolvências, actua no exercício de prorrogações de poder público, e é pago pelo Estado, os seus relatórios são controlados pelo Tribunal e os seus actos fiscalizados em termos de legalidade, pelo Juiz, ou seja, exercem uma função própria do Estado;
6 - Os Administradores Judiciais, no âmbito das suas actuações no processo de insolvência, incluindo a liquidação, adoptam prerrogativas de poder público, e, como tal, as suas omissões e irregularidades praticadas no âmbito daquele tipo de processo, encontram-se abarcados pelo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas;
7 - A doutrina também considera que o protelamento do processo pode ter a sua génese em qualquer colaborador judiciário, por não ter praticado os actos que lhe competiam dentro do prazo legal, sendo a responsabilidade ao Estado (Cfr. Carlos Alberto Cadilha, a pág. 240, do Regime Extracontratual do Estado);
8 - A actuação dos administradores judiciais deve ser equiparada à dos agentes de execução, tendo-se considerado nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 25-102010 e Tribunal da Relação de Guimarães, de 25-10-2012, que os actos ilícitos cometidos na respectiva actuação implicam a responsabilidade civil do Estado, à semelhança do que sucede com os notários (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12-01-2015);
9 - Por seu turno, Irineu Barreto, na obra “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, Ed. 2010, defende que “Incumbe aos Estados organizar o seu sistema judiciário de modo a que as suas jurisdições possam garantir a cada um o direito de obter uma decisão definitiva sobre as suas contestações (...)" e ainda que “o facto do processo estar sujeito ao princípio do dispositivo, não dispensa os juízes da obrigação de assegurar o respeito das exigências do artigo 6°, em matéria de prazo razoável”;
10 - No caso concreto, para além dos atrasos imputáveis ao Administrador há que contar, também, com aqueles resultantes dos actos praticados pelos Magistrados e pelo Tribunal;
11 - É entendimento jurisprudencial que as normas de direito interno respeitantes à responsabilidade civil do Estado Juiz, devem ser objecto de interpretação conforme a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e devem ser aplicadas tomando em consideração a jurisprudência do TEDH;
12 - Este Tribunal, no caso Cipolletta c. Itália, reconheceu a violação do artigo 6° n° 1 e 13, da CEDH, devido à duração excessiva dum processo de “liquidação administrativa” de uma empresa através dum administrador, à semelhança do que sucede no direito Português;
13 - Nesse caso, o TEDH defendeu que, independentemente de qualquer diferença na classificação que o direito nacional confira ao procedimento de insolvência comum ou à “liquidação administrativa”, em qualquer dos casos, a recuperação depende de um terceiro elemento, o administrador, que irá verificar a existência de reclamações e proceder a pagamentos, acabando o Estado Italiano por ser condenado por um processo que durou 25 anos no pagamento duma indemnização de €24.000,00;
14 - Sendo que, nesse processo estava em causa um modelo de liquidação ainda mais afastado do sistema judicial Português, uma vez que no caso dos autos, o processo moroso constitui uma insolvência comum, em que a liquidação corre por apenso ao processo principal, no âmbito do qual o Tribunal tem poder de gestão processual, de conformação e supervisões dos actos do juiz;
15 - Assim, por maioria de razão, se num caso tão atípico como o do Cipolletta contra Itália, o TEDH considerou ter sido violado o artigo 6° da CEDH, e responsabilizou o Estado Italiano, no caso sub judice, também deve ser responsabilizado o Estado Português, ainda que parte da delonga tenha ocorrido num apenso principalmente tramitado pelo Administrador Judicial, que não deixa de ser um agente colaborador da Justiça;
16 - No caso concreto encontram-se preenchidos os requisitos do facto ilícito por violação do prazo razoável, da culpa, por deficiente resposta da máquina da justiça, na sua globalidade, para além de que a presunção de culpa não foi ilidida, existindo danos e ocorrendo o nexo de causalidade;
17 - O Tribunal errou ao dar como não provada a existência de dano não patrimonial, considerando que os danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na actuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respectiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso.
18 - Não tendo sido feita prova em contrário, tal dano presume-se.
19 - Tendo em conta as bitolas seguidas pelo TEDH e pela jurisprudência nacional, para este tipo de processos onde está em causa o recebimento de créditos laborais, deve ter-se em conta o valor razoável de indemnização de € 10.800,00, formulado, se afigura justo, também em sede de equidade;
20 - Além disso, todos os demais pedidos formulados na p.i. devem ser julgados procedentes;
21 - Deste modo, a decisão sub judice deve ser revogada no sentido apontado no presente recurso e conclusões;
22 - Mostram-se violados, nomeadamente, os preceitos contidos nos artigos 9° e 20°, n° 4, da CRP; 496°, do CC; 6° da CEDH e 4° do RRCEDP.»

O Estado, representado pelo Ministério Público, respondeu à alegação dos Recorrentes sustentando a total improcedência do recurso e concluindo nos seguintes termos:
«Assim, e em conclusão:
1 - O art.° 6° da CEDH não foi violado porque no caso dos autos o A./Recorrente, credor reclamante no processo de insolvência, recebeu o montante a que tinha direito menos de um ano e meio após o início do processo de insolvência e, em face disso, não se pode considerar que a justiça não tenha agido num prazo razoável.
O que deve ser considerado, no âmbito da aplicação do art.° 6.° da CEDH, é o prazo que a justiça demora para resolução do assunto do particular;
2 - Sem prescindir, o Estado não pode ser responsável pelos períodos de tempo em que a tramitação processual do processo de insolvência está entregue ao administrador da insolvência no âmbito das suas atribuições e nem sequer pelos períodos em que, estando a tramitação do processo atribuída ao tribunal, o processo não andou por motivo imputável ao Administrador de Insolvência, sendo da responsabilidade exclusiva do administrador qualquer atraso verificado nesses períodos.
O art.° 6° da CEDH não foi violado por não ser imputável ao Estado qualquer atraso;
3 - Uma vez que enquanto o processo esteve entregue ao Estado não se verificou qualquer atraso, não se pode dizer que tenha existido qualquer conduta ilícita por parte do Estado;
4 - Não se pode considerar ilícita a demora do processo quando esta é imposta por circunstâncias estranhas ao mesmo, como a realização de diligências para obtenção de melhor preço pelos bens apreendidos e/ou a instauração de injunções e execuções para cobrança de créditos da insolvência;
5 - Por estar excluída a aplicação do art.° 6.° da CEDH, não existe qualquer presunção da existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial;
6 - Diga-se, sem prescindir, que ainda que fosse aplicável a presunção do art.° 6.° a CEDH, e não é, no caso concreto tal presunção foi ilidida, porquanto ficou cabalmente demonstrado que o alegado atraso da acção não prejudicou o Autor, uma vez que o crédito que reclamou na insolvência e a que tinha direito foi-lhe pagos menos de ano e meio após o processo de insolvência e, perante isso, é manifesto que a continuação do processo de insolvência para além desse prazo com vista a satisfação dos demais credores em nada prejudicou o A/Recorrente;
7 - Diga-se ainda - e por a presente Acão ter sido instaurada contra o Estado - que o Estado assumiu um relevante papel na anulação dos danos sofridos pelos trabalhadores com a insolvência da empresa onde trabalhavam, quer através do pagamento do subsídio de desemprego, quer através do adiantamento dos créditos que os trabalhadores reclamaram de insolvência e que lhes foram pagos através do Fundo de Garantia Salarial;
8 - E é precisamente a circunstância de o A ter recebido um adiantamento por parte do Estado (do FGS) que levou a que este recebesse aquilo a que tinha direito num curto espaço de tempo, e que não tivesse tido qualquer prejuízo pelo facto de a liquidação - a cargo do AI - ter tomado mais de três anos;
9 - Foi a tempestiva intervenção do Estado que permitiu que o A/Recorrente não sofresse qualquer dano, e que impediu que se verificasse qualquer nexo de causalidade entre a alegada demora do processo e o inverificado prejuízo dos AA.
10 - A ideia de pretender agora ir buscar de novo dinheiro ao Estado por força de um atraso que não é imputável ao Estado e que em nada prejudicou o autor, caso tivesse base legal - e não tem - constituiria um abuso de direito e uma violação do art.° 334.° do Cód. Civil;
11 - No plano da responsabilidade civil por parte do Estado ficou por provar o facto, a ilicitude, a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano;
12 - O Tribunal “a quo” fez uma corretã apreciação crítica da prova produzida e uma corretã aplicação do direito;
13 - Não foi violada qualquer lei nem qualquer norma.

Além de responder ao recurso, o Réu requereu a ampliação do mesmo, nos termos do artigo 636.° n.°s 1 e 2 do CPC, nos seguintes termos:
«no caso de não ser acolhida a matéria de facto e/ou de direito que fundamentou a sentença, e/ou, de não ser reconhecido o total acerto desta, deve manter-se inalterada a absolvição do Estado do pedido, nos termos do art.° 636° do CPC, com base nos fundamentos expostos e nas seguintes conclusões, com vista à integral apreciação da defesa.
1 - O que deve ser considerado, no âmbito da aplicação do art.° 6.° da CEDH, é o prazo que a justiça demora para resolução do assunto do particular;
O art.° 6° da CEDH não foi violado porque no caso dos autos o A/Recorrente, credor reclamante no processo de insolvência, recebeu o montante a que tinha direito menos de um ano e meio após o início do processo de insolvência e, em face disso, não se pode considerar que a justiça não tenha agido num prazo razoável.
2 - A demora do processo decorre da necessidade de cobrar créditos a terceiros, de superar dificuldades com a legalização de imóveis e de obter melhores valores com a venda dos mesmos, o que constitui o objectivo do processo, não podendo por isso qualificar-se como ilícita tal demora;
3 - Ainda que fosse aplicável a presunção do art.° 6.° a CEDH, e não é, no caso concreto tal presunção foi ilidida, porquanto ficou cabalmente demonstrado que o alegado atraso da acção não prejudicou o Autor, uma vez que o crédito reclamado na insolvência a que tinha direito foi pago menos de ano e meio após o processo de insolvência e, perante isso, é manifesto que a continuidade do processo com vista a satisfação dos demais credores, em nada prejudicou o A/Recorrente;
4 - O Estado assumiu um relevante papel na anulação dos danos sofridos pelos trabalhadores com a insolvência da empresa onde trabalhavam, quer através do pagamento do subsídio de desemprego, quer através do adiantamento dos créditos que os trabalhadores reclamaram de insolvência e que lhes foram pagos através do Fundo de Garantia Salarial;
4 - E é precisamente a circunstância de o A ter recebido um adiantamento por parte do Estado (do FGS) que levou a que tivesse recebido aquilo a que tinha direito num curto espaço de tempo, e que não tivessem tido qualquer prejuízo pelo facto de a liquidação - a cargo do AI - ter tomado mais de três anos;
6 - Foi a tempestiva intervenção do Estado que permitiu que os A/Recorrente não sofresse qualquer dano, e que impediu que se verificasse qualquer nexo de causalidade entre a alegada demora do processo e o inverificado prejuízo do A.
7 - No plano da responsabilidade civil por parte do Estado ficou por provar o facto, a ilicitude, a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano;
8 - A pretensão do A/Recorrente, de demandar o Estado por força de um atraso que não é imputável ao Estado e que em nada o prejudicou, caso tivesse base legal - e não tem -, sempre constituiria um abuso de direito, e uma violação do art.° 334.° do Cód. Civil;
Assim, com os fundamentos já referidos na douta sentença proferida ou com base nos presentes, deve manter-se inalterada a decisão proferida de absolvição do Estado do pedido,
Termos em que e nos mais de Direito, deve o recurso interposto ser julgado improcedente»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 36º nº 2 do CPTA, cumpre apreciar e decidir.

II- Âmbito do recurso e questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Nas suas conclusões, o recorrente apenas ataca a sentença na parte em que esta se debruçou sobre e julgou improcedente o pagamento de uma indemnização pela demora injustificada verificada na decisão que pôs termo ao processe de insolvência Nº 1043/13.0TBABT.
Quanto ao mais que era pedido e que a sentença recorrida julgou também improcedente, designadamente o pedido de uma indemnização de 1000 € por cada ano, após dois, em que os presentes autos pendessem de decisão final; e o pedido de cominação de uma sanção pecuniária compulsória por dia de atraso em quaisquer actos processuais praticados e a praticar nestes autos, o Recorrente nada mais diz se não que tais pedidos também devem proceder.
Nesta parte, assim, não ensaia qualquer critica à bondade do decidido em 1ª Instância, em rigor, não impugna o decidido, pois não aduz qualquer fundamentação para a pretensão de revogação da sentença.
Com assim, julgamos que a sentença, por parte do Autor, apenas é objecto de apelação na parte do seu dispositivo que julgou improcedente o pagamento de uma indemnização pela demora verificada no processo de insolvência sobredito e seus apensos.
Significa isto que, no que toca ao mais pedido, a sentença recorrida transitou em julgado.
Assim:
As questões colocadas a este Tribunal são as seguintes:
Do recurso:
1ª Questão
A sentença recorrida errou no julgamento de facto ao dar por nãao provados os factos A a C, i.e:
A. Em consequência da duração do processo, o Autor sentiu-se triste, nervoso e angustiado;
B. A duração do processo provocou no Autor ansiedade, tristeza e nervosismo;
C. E mais do que isso, medo em relação ao futuro?


2ª Questão
A sentença recorrida erra no julgamento de direito, violando, entre o mais, o artigo 6º da CEDH, na medida em que absolve o Réu Estado do pedido com fundamento em que a demora da decisão que pôs termo ao processo não pode ser imputável ao Tribunal, pois apenas se deu na parte da sua tramitação que é responsabilidade exclusiva do administrador da insolvência, estando, até, legalmente prevista, no CIRE, a responsabilização deste pelos danos causados por facto ilícito que, nessa actividade, ocorrer e lhe for imputável?

Se for positiva e determinante da procedência do recurso a resposta a estas questões, haverá que considerar o pedido da ampliação do recurso.

Por fim, se for o caso, haverá que julgar das consequências da procedência do recurso para a sorte da acção, na parte não consolidada na ordem jurídica pelo trânsito em julgado da sentença recorrida, na parte não impugnada (cf. supra).

III – Apreciação do Recurso
Atenta a enorme extensão, na sentença recorrida, da discriminação dos factos provados, dá-se aqui a mesma por reproduzida.
Como factos relevantes e não provados, foram discriminados os seguintes, com a seguinte fundamentação:
«A. Em consequência da duração do processo, o Autor sentiu-se triste, nervoso e angustiado;
B. A duração do processo provocou no Autor ansiedade, tristeza e nervosismo;
C. E mais do que isso, medo em relação ao futuro.»
*
(…)
Já no que concerne aos factos considerados não provados, relativos aos invocados danos morais do Autor, para a respectiva prova em nada contribuiu a prova testemunhal produzida nos autos, não tendo a mesma sido apta a convencer o Tribunal quanto à verificação de tais danos.
Com efeito, os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência final revelaram-se imprecisos e genéricos, dos mesmos não resultando de modo convincente os danos do Autor.
A este propósito, foi inquirida nos autos Maria …………….., colega de trabalho do Autor no hotel insolvente, a qual referiu que apenas o viu uma vez desde o fecho do hotel, mais referindo desconhecer se o Autor tinha créditos e se os reclamou, nunca tendo conversado sobre o processo de insolvência. Nada daqui resultou, portanto, que contribuísse para prova dos danos morais em causa.
Já quanto à testemunha Palmira ………………, também colega de trabalho do Autor no hotel insolvente, apesar de a mesma ter referido que já depois do fecho do hotel falou com o Autor e que este se mostrava muito triste e angustiado por o processo não se resolver, não ficou o Tribunal convicto quanto à espontaneidade e credibilidade destas declarações, uma vez que as mesmas foram prestadas de modo completamente desenquadrado relativamente à questão que concretamente foi colocada à testemunha. Com efeito, o que lhe foi perguntado foi se o Autor tinha expectativa de receber mais do que os 8.000,00 EUR que tinha recebido do Fundo de Garantia Salarial e não qual o estado de espírito dele face à duração do processo.
Para além do mais, esta testemunha limitou-se a apresentar declarações genéricas e não contextualizadas quanto à situação do Autor, não sendo, de resto, corroborada por qualquer outro depoimento testemunhal que pudesse reforçar as suas afirmações.»
Vista a decisão recorrida em matéria de facto, apreciemos as questões acima enunciadas e vejamos o que concluir dessa apreciação quanto ao mérito do recurso e da ampliação do mesmo, requerida pelo Recorrido, e consequências disso para o objecto da acção.

1ª Questão
A sentença recorrida errou no julgamento de facto ao dar por não provados os factos A a C, i.e:
A. Em consequência da duração do processo, o Autor sentiu-se triste, nervoso e angustiado;
B. A duração do processo provocou no Autor ansiedade, tristeza e nervosismo;
C. E mais do que isso, medo em relação ao futuro?

Essencialmente, o Recorrente alega que estes factos deviam ter sido dados como provados pois “tais danos presumem-se”, conforme jurisprudência do TEDH e dos próprios tribunais superiores nacionais.
Contudo, julgamos que a doutrina, originada na jurisprudência do TEDH, de que se presume a ocorrência de um dano não patrimonial indemnizável inerente à ofensa do direito humano a obter uma decisão definitiva em tempo razoável, não implica a presunção de quaisquer factos históricos e concretos, de cariz subjectivo, susceptíveis – entre outros – de serem alegados e qualificados como danos não patrimoniais, designadamente padecimentos psíquicos. Desses factos históricos não estava, o Autor, dispensados de fazer prova.
Como assim, é negativa, a resposta a esta questão.

2ª Questão
A sentença recorrida erra no julgamento de direito, violando, entre o mais, o artigo 6º da CEDH, na medida em que absolve o Réu Estado do pedido com fundamento em que a demora da decisão que pôs termo ao processo não pode ser imputável ao Tribunal, pois apenas se deu na parte da sua tramitação que é responsabilidade exclusiva do administrador da Insolvência, estando, até, legalmente prevista, no CIRE, a responsabilização deste danos causados por facto ilícito que, nessa actividade, ocorrer e lhe for imputável?

Sobre a presente questão jurídica já se pronunciou este Tribunal, no sentido positivo, insto é, no de que a responsabilidade do Administrador da insolvência não afasta a do Estado, em acórdão que subscrevemos como adjunto e em cujo sentido não vemos por que inflectir, em face do desta feita alegado pelos recorrentes.
Referimo-nos ao acórdão de 24 de Janeiro de 2025, tirado no processo nº 379/22.3CELRA, em que outros trabalhadores da mesma insolvente accionavam a responsabilidade extracontratual do Estado por danos morais sofridos com a lesão do respectivo direito a uma decisão final em tempo razoável, no mesmo processo 652/11.6TBABT.
Passamos a transcrever esse aresto na parte que para aqui releva, aplicando ao caso sub judices, mutatis mutandis, tudo o ali discorrido.
«10. Pela decisão apelada, como sabemos, foi a presente acção julgada totalmente improcedente, em consequência do que foi o Réu absolvido dos pedidos.
11. Examinando a fundamentação de direito vertida na sentença recorrida, assoma evidente que o juízo de improcedência da presente acção mostra-se estribado, em jeito de síntese, no entendimento nuclear de que, pese embora o processo tenha durado mais de 10 anos desde que os Autores se constituíram intervenientes, apenas é imputável ao Estado uma delonga responsabilizante de 1 mês e 11 dias na liquidação e de 2 anos e 10 meses na reclamação de créditos, períodos temporais que estão dentro dos limites tidos por razoáveis pela jurisprudência, soçobrando, dessa sorte, a alegação de violação de direito a uma decisão em prazo razoável, consequentemente, não havendo lugar a qualquer indemnização.
12. Dissentem os Recorrentes do assim decidido, invocando erro de julgamento de direito, por violação da normação contida “(…) no artigo 6°, n° 1 do CEDH, e 20°, n° 2 e 14°, da CRP e 2°, n° 1 do CPC. (…)”.
13. Realmente, os Recorrentes apregoam que a sentença recorrida incorreu em erro ao imputar a morosidade processual exclusivamente ao Administrador da Insolvência, desconsiderando a natureza urgente do processo falimentar e o prazo legal de um ano para liquidação da massa, conforme preceituado nos artigos 9º e 169º do CIRE.
14. Clamam ainda que o processo de insolvência em apreço ultrapassou manifestamente o prazo razoável, tendo a fase de liquidação se prolongado por aproximadamente nove anos [2012-2021], com diversos atrasos em seus apensos, destacando-se que a sentença de verificação e graduação de créditos só foi proferida em Janeiro de 2017, cerca de seis anos após o início do processo.
15. Apregoam ainda que não é aceitável o entendimento segundo o qual não podem ser imputados ao Estado os períodos de tramitação do processo de insolvência subtraídos à sua esfera de actuação, por ser o administrador da insolvência o responsável pela realização de diligências, designadamente pela liquidação do activo, afastando a responsabilização do Estado pela delonga imputável àquele.
16. Em tais termos, pugnam pela revogação da sentença recorrida, com o reconhecimento da responsabilidade civil extracontratual do Estado pela violação do direito fundamental à prestação jurisdicional em prazo razoável, constitucionalmente assegurado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, considerando que o processo insolvencial, por sua natureza urgente, não deveria ultrapassar três anos de tramitação, tendo o excesso temporal causado significativos prejuízos profissionais, económicos e psicológicos aos recorrentes.
17. Espraiadas as considerações pertinentes da constelação argumentativa do Recorrente, adiante-se, desde já, que o presente recurso irá vingar, embora não com a projecção pretendida.
18. Na verdade, a teia argumentativa desenvolvida pelo Tribunal Recorrido revela-se manifestamente desprovida de substrato persuasivo bastante, desde logo, por manifesta fragilidade jurídica da premissa perfilhada segundo a qual se deverá imputar única e exclusivamente ao administrador de insolvência a responsabilidade pelos alegados atrasos processuais verificados no período em que este exerceu as suas funções, eximindo assim o Estado de qualquer responsabilidade durante o referido lapso temporal.
19. Realmente, importa proceder à devida destrinça entre duas esferas jurídicas distintas: por um lado, o perímetro de actuação funcional do administrador judicial, cuja responsabilidade, de natureza pessoal e subjectiva, encontra o seu fundamento legal no preceituado no artigo 59.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; por outro lado, a materialização de um dos pilares basilares do Estado de Direito Democrático, consubstanciado na administração da Justiça em tempo consentâneo com as exigências constitucionais e convencionais, em cuja denegação compete ao Estado Português assumir a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes da inobservância deste postulado estruturante do ordenamento jurídico. (1)
20. No contexto assinalado, é possível antever a formulação de pretensões indemnizatórias com fundamentos atinentes à violação de deveres funcionais – caso em que será de aplicar o regime de responsabilidade civil pessoal para o administrador judicial previsto no artigo 59º do CIRE - e/ou à violação do direito à emanação de decisão judicial em prazo razoável - hipótese em que será de aplicar o regime de responsabilidade extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº. 67/2007, de 31.12.
21. No caso vertente, emerge com meridiana clareza que a questão nuclear da presente lide não se prende com a materialidade da actuação do Administrador de Insolvência, nem com a sua cadência temporal específica, mas sim com a morosidade processual considerada na sua globalidade, tendo em conta a especificidade do processo de insolvência, os seus objectivos e a arquitectura processual delineada pelo legislador português.
22. Do quanto exposto, resulta axiomático e insusceptível de contestação que a hipótese vertente não configura violação dos deveres funcionais do Administrador de Insolvência, consubstanciando, em verdade, questão intrínseca ao funcionamento do aparelho judicial, considerado na sua essência como administração da Justiça e, consequentemente, exigente de um padrão mínimo de funcionamento em concretização de uma das mais relevantes dimensões do Estado de Direito.
23. No contexto assinalado, afigura-se inelutável reconhecer in casu a responsabilidade do Estado pela morosidade na administração da justiça na sua máxima amplitude, compreendendo não apenas a tramitação processual conduzida pelo Magistrado e pela Secretaria Judicial, mas também aquela sob a égide do Administrador da Insolvência, considerando sua qualidade de auxiliar e servidor da justiça.
24. Com efeito, mesmo nas situações em que o Administrador da Insolvência assume protagonismo na condução do processo insolvencial, subsiste inalterado o poder-dever do Tribunal de fiscalizar a legalidade da sua actuação e de assegurar a tutela jurisdicional efectiva em prazo razoável.»
Como assim, é positiva a resposta a esta questão, e assim, embora os tempos de tramitação do processo directa e exclusivamente dependentes do tribunal não tenham excedido os limites do tido por razoáveis, nem por isso deixa de ter ocorrido o facto ilícito da morosidade excessiva da decisão que pôs termo ao processo de insolvência lato sensu considerado.
O recurso do Autor, portanto, merece provimento.

Do pedido de ampliação do recurso:
A ampliação do recurso, nos termos do artigo 636º nº 1 do CPC destina-se a que o tribunal ad quem se pronuncie sobre fundamentos da acção ou da defesa em que o Recorrido tiver decaído, ou seja, fundamentos que o tribunal da primeira instancia julgou improcedentes. Consequentemente, tal pedido tem forçosamente de concluir pela revogação da sentença na parte em que o Recorrido tiver decaído.
No seu pedido de ampliação do recurso, o Réu não explicita objecto quejando, pelo contrário, insiste apenas na confirmação da sentença, sem distinção, sendo até redundante em relação à contra-alegação.
Em suma, o pedido de ampliação do recurso não tem objecto, pelo que só pode improceder.

Consequências do recurso para a sorte da lide e apreciação do objecto da acção nos termos do artigo 149º nº 2 d CPTA.
Quid juris, portanto, quanto à sorte da acção?
Podemos, afirmar que, da resposta positiva à 1ª questão do Recurso – a do recurso stricto sensu – incluindo a sua fundamentação, resulta que, da trilogia de requisitos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual do Estado nos termos da conjugação dos artigos 12º, 7º, n.ºs 1, 3 e 4, 9º e 10º da Lei n.º 67/2007 – a saber, facto ilícito, relação de causalidade adequada entre o facto ilícito e um dano patrimonial e ou um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, mereça a tutela do Direito, e a culpa do agente ou do serviço na ocorrência do facto – um já podemos ter por adquirido, a saber, o facto ilícito objectivamente imputável ao Estado.
Atento o disposto no artigo 149º nº 2 do CPTA, a ter sido produzida, na 1ª instância, como era devido, toda a prova que fosse necessário fazer quanto a todos os factos alegados e provados ou, se não alegados, susceptíveis de serem considerados conforme o artigo 5º do CPC, cumpre apreciar, desde agora, se estão reunidos os demais pressupostos da responsabilidade extracontratual do Réu, isto é, o dano – neste caso um dano não patrimonial – em nexo de causalidade adequada com o facto ilícito, e a culpa de agente ou serviço do Estado. Num segundo momento, reunidos aqueles, haverá que quantificar a indemnização devida pelo Réu.
Entretanto, e para tal efeito, cumpre, nos termos do artigo 662º nº 1 do CPC, densificar o facto provado 94º (“No dia 24.07.2015, o Fundo de Garantia Salarial requereu a respectiva sub-rogação nos direitos de trabalhadores da insolvente, incluindo do aqui Autor António ……………….., ao qual pagou a quantia de 8.417,27 EUR”) aditando-lhe o seguinte:
“94º-A - O aqui Autor accionou o Fundo de Garantia Salarial, por força do despedimento do hotel do Turismo de ..... e, em 11.06.2015, logrou receber do mesmo, por conta do crédito reclamado de €17.349,46, a quantia de €8.417,27”, que já sabia ser superior ao máximo que lhe poderia vir a caber no rateio final”.
Este facto foi alegado pelo Réu em contestação (artigos 63º, 66º e 69º) como facto impeditivo da pretensão indemnizatória do Autor e não foi impugnado, designadamente na réplica, além de que está, obviamente, documentado no processo de insolvência.
Não se torna necessário produzir contraditório, uma vez que não há provas a produzir e o direito foi discutido nos articulados.
Em sujeição à jurisprudência do TEDH, a jurisprudência nacional tem vindo a julgar que, uma vez provado o facto ilícito, residindo a ilicitude em violação do nº 1 do artigo 6º da CEDH, se presume que tal violação deu causa a danos não patrimoniais, inerentes e quantificáveis em função do tempo excessivo de pendência do processo – entre o mais também tido por relevante, inclusive o tempo total da pendência do processo, a relevância do processo para a esfera jurídica do lesado e o valor em causa.
Assim sendo, a ocorrência de danos morais e a sua relação causal adequada com a demora ilícita da decisão final não resulta comprometida só por se não ter provado que o Autor sofreu ansiedade e angustia e aborrecimentos por via da incerteza prolongada sobre qual seria o desfecho da acção.
O Recorrido, porém, em sede de contestação, alegou uma suposta elisão da sobredita presunção da ocorrência de danos morais, designadamente porque se provou que o autor recebeu, logo em 11.06.2015, antes do termo do período tido por razoável para a pendência do processo de insolvência em 1ª instância, por pagamento do Fundo de Garantia Salarial, 8 417,27 €, quantia superior à que, por força da validação do rateio final, lhe poderia vir a caber.
E na verdade, tal é o que decorre dos factos provados, designadamente os factos 94) e 94-A).
Estes factos não são indiferentes para a quantificação, com recurso à equidade, do valor por ano (cf. infra) da indemnização devida ao Autor pela demora irrazoável da decisão mediante a qual ficou a saber quanto lhe cabia de facto e definitivamente receber do seu crédito laboral. Contudo não chegam para elidir a presunção sobredita, já que o dano sub juditio não consiste propriamente na demora em receberem o que lhes era devido, mas sim na demora da decisão judicial que definiu os termos e os limites do seu direito a receber.
Também o facto de a decisão final se suceder, quanto ao Autor, a um pedido de verificação ulterior de créditos conforme artigo 146º do CIRE, apresentado em 13.05.2014 (cf. facto provado 387) cuja iniciativa (já fora do prazo da reclamação de créditos) dependeu apenas do Autor, releva para a quantificação da demora e do valor anua, mas não obsta à ocorrência qualitativa do mesmo.
O Recorrido alega, na contestação, que, atento o facto de o Autor estar de facto pago do que lhe veio a caber receber, desde 2015, seria abuso do direito vir peticionar judicialmente uma indemnização pela demora de uma decisão que nada acrescentou ao já recebido.
Tal excepção assenta em falácia, pois o direito lesado, do Autor, não foi o direito a receber o seu credito laboral na insolvência, mas o direito a obter, nesse processo, uma decisão final em tempo razoável. Improcede, portanto. Também aqui se trata de um facto que pode relevar para a quantificação da indemnização, mas não afasta a lesão do direito indemnizando.
A culpa, essa, é “du service” (artigo 7º nºs 3 e 4 da lei nº 767/2007 de 31/12) e decorrência da própria ilicitude.
Enfim, ante a procedência do recurso, e o mais que acima vai apreciado em substituição, a acção deve proceder, faltando quantificar q indemnização.
É o que passamos a fazer:
Nos termos do artigo 566º nº 3 do CC, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites do que tiver por provado”.
Tal é o que sempre ocorre com os danos não patrimoniais.
Atentas as balizas segregadas pela jurisprudências nacional e do TEDH, conforme mais detidamente se expõe na sentença recorrida, pode dizer-se que tudo o que excedeu 3 anos desde o dies a quo do tempo processo, foi excessivo.
Quanto ao tempo do processo, incluindo o não excessivo, cumpre dizer que in casu nos parece que o dies a quo da medida da pendência do processo é o da apresentação da Petição Inicial da acção de verificação ulterior de créditos, pois a prática desse acto estava na disponibilidade do Autor – diferentemente do que sucedeu quanto à reclamação de créditos, que teve de ser praticada num prazo resultante da tramitação do processo de insolvência. Já o dies ad quod, não o vemos na data do despacho de encerramento da insolvência, ou da sua notificação ao Autor, mas sim naquela em que se pode considerar validada a proposta de rateio final (artigo 148º nº 4 do CIRE)
O Autor apresentou o pedido de verificação ulterior de créditos laborais em 13.05.2014.
Conforme parágrafo 209 dos facos provados, em 10.03.2023foi proferido despacho no sentido de ser efectuado pagamento ao Instituto da Segurança Social, mais tendo sido consideradas prejudicadas as restantes reclamações dos credores – relativamente à proposta de rateio final – “visto que, em face do despacho anterior, inexistia qualquer valor a ratear”; e conforme paragrafo 210), no dia 13.03.2023, a secretaria notificou os intervenientes do despacho;
Este despacho, tem o sentido de validação da proposta de rateio final.
Note-se que para o direito lesado do Autor não releva a decisão de encerramento da insolvência, que lhe é indiferente, mas a validação da proposta de rateio final, que encerra definitivamente a controvérsia sobre o direito objecto da acção de verificação ulterior de créditos por ele instaurada.
Assim, o tempo total de espera da decisão que fixou definitivamente o valor a pagar ao autor por conta dos respectivos créditos laborais reclamados na insolvência cifra-se em 8 anos e 10 meses, sendo de cinco anos e dez meses o excesso, relativamente aos três anos consensualmente reputados como limite do razoável em primeira instância.
A jurisprudência, tanto do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como do Supremo Tribunal Administrativo, tem consolidado valores compensatórios per anum de excesso na ordem dos 1 000 € a 1 500 €.
Estes valores não são mais do que um ponto de partida referencial para um juízo de equidade concreto e individualizado.
In casu, considerando que o Autor não esteve, no período do excesso de pendência, privado de qualquer porção da parte dos créditos reclamados que, a final, se verificou caber-lhe, pois já tinha recebido valor superior logo em 2015, isto é, no ano seguinte à instauração da acção de insolvência, por um lado, e considerando, por outro, que não se provou que tenha sofrido de ansiedade e de angústia ou aborrecimentos em consequência da demora na decisão que validou o rateio final do activo pelos credores graduados, julgamos equitativo um valor de 100 € (cem) por cada um dos cinco anos e o valor de 80 € pela parte do sexto ano (cinco meses) de tempo excessivo de pendência do processo até á validação do rateio final, o que perfaz 580 €.
Sobre este valor não incidem juros, se não desde o trânsito em julgado da decisão que puser termo a esta acção, uma vez que vão determinados actualisticamente segundo juízos de equidade.

Conclusão
Do exposto resulta:
A procedência do recurso;
A improcedência do pedido de ampliação do recurso feito pelo Recorrido;
A procedência parcial da acção, na parte sob recurso, havendo que condenar o Réu Estado a pagar ao Autor uma indemnização de 580 €, em singelo, mas acrescido de qualquer valor de imposto que possa vir a incidir sobre tal quantia, pelo dano moral inerente à ofensa do seu direito a obter uma decisão final em tempo razoável no processo de insolvência nº 1043/13.0TBABT.

IV – Custas
Há que repartir a responsabilidade pelas custas da acção e do recurso consoante os decaimentos numa e noutro (artigo 527º do CPC).
No recurso inicial decaiu totalmente o Réu/recorrido; mas na ampliação decaiu o Recorrente. Como assim, quanto ao recurso fixa-se o decaimento das partes em 50% para cada uma.
Na acção: o Autor pretendia uma indemnização de 10 800 €. Os restantes valores eram meramente hipotéticos, pelo que vão aqui desconsiderados para efeitos de decaimento. O Autor apenas obteve o valor de 580, pelo que fixamos o decaimento em 94,5% para o Autor e 5,5 % para o Réu Estado.

V- Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central julgar procedente o recurso, improcedente o pedido de ampliação do recurso e julgar parcialmente precedente, nos termos acabados de especificar, a acção.
Custas do recurso, por Recorrente e Recorrido, na proporção de 50%; e da acção pelo Réu e Autor, nas proporções de 5,5% e 94,5%, respectivamente.
Lisboa, 21/3/2025

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Maria Clara Alves Ambrósio
Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa
(1) Sublinhado nosso.