Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 625/14.7BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 10/24/2024 |
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Relator: | TERESA COSTA ALEMÃO |
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Descritores: | SENTENÇA OU DOCUMENTO SUPERVENIENTE PRAZO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA INTEMPESTIVIDADE INIMPUGNABILIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO CONVOLAÇÃO |
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Sumário: | I - O art. 70.º, n.º 1 do CPPT dispõe que a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º do mesmo Código.
II- Não pode ser considerada “sentença superveniente” para os efeitos do n.º 4 do art. 70.º do CPPT, a sentença proferida em processo-crime, ainda que com factos comuns ao procedimento/processo tributário. III - Só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a extemporaneidade da reclamação ainda que não consequencie a extemporaneidade da impugnação conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido. IV - A Administração Tributária tem o poder-dever, à luz do disposto no art.º 52º do CPPT, de proceder à convolação do procedimento de reclamação em procedimento de revisão do acto de liquidação sempre que na data em que aquela é apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tibutária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO E......, Lda., com os demais sinais nos autos, veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 17 de Novembro de 2019, que julgou a impugnação improcedente, a qual tinha sido deduzida, na sequência das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e recurso hierárquico, apresentados contra a liquidação adicional de IVA n.° ........59, no valor de € 89.682,76, relativa ao quarto trimestre de 2008. O Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes: «A) - O Tribunal a quo julgou improcedente o pedido de anulação da liquidação do IVA e juros compensatórios, relativa ao quarto trimestre de 2008, em virtude de ter atendido à exceção da intempestividade da dedução da presente impugnação judicial decorrente da intempestividade na dedução da reclamação graciosa. B) - Procedência da exceção da intempestividade da reclamação graciosa que se consubstancia no facto do Tribunal a quo entender que a douta sentença proferida no processo 1219/10.1 IDLSB não constitui documento superveniente, nos termos do n° 4 do artigo 70° do CPPT. C) - Entendimento do Tribunal a quo que, no entanto, viola o disposto no n° 4 do artigo 70° do CPPT. D) - Assim e tal como assim melhor resulta da douta sentença proferida no processo 1219/10.2IDLSB, a qual constitui o documento oito junto com a p.i. desta impugnação judicial, a mesma consubstancia um documento superveniente, na medida em que, embora tendo sido proferida num processo de inquérito instaurado em 2010, contudo, a sentença propriamente dita apenas foi proferida em 14 de fevereiro de 2013 e por sua vez a respetiva certidão só foi emitida em 22 de março de 2013. E) - Além disso, constando da douta sentença proferida no processo 1219/10.2IDLSB, factos provados e não provados suscetíveis de servir de fundamento ao pedido de anulação da liquidação do IVA do quarto trimestre e 2008, tal circunstância confere à referida sentença a natureza de documento superveniente para efeitos de reclamação da mencionada liquidação do IVA e por conseguinte é a partir desta data que se conta o prazo para ter sido reclamada a liquidação do IVA do quarto trimestre de 2008. F) - Acresce referir que o documento oito junto com a p.i. da impugnação judicial não foi utilizado como caso julgado material, sem prejuízo, no entanto, de existir conexão e relevância em sede do Tribunal Tributário quanto aos factos provados e não provados no Tribunal Criminal, tendo em conta que a liquidação de IVA de 2008 é a mesma que é escrutinada pelo Tribunal Criminal e pelo Tribunal Tributário. G) - De tudo o exposto resulta que a douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do n° 4 do artigo 70° do CPPT. Termos em que deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e em consequência ser anulada a douta sentença recorrida, ordenando-se a baixa do processo à primeira instância para ser proferida nova sentença que se pronuncie sobre o mérito do pedido.» **** **** **** Assim, atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida sofre de erro de julgamento por ter julgado a impugnação improcedente com fundamento na inimpugnabilidade da liquidação em virtude da intempestividade da reclamação graciosa. **** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. **** II.1. De facto A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto: « 1. Em 16/02/2009 a segunda Impugnante apresentou declaração periódica de IVA referente ao período 2008/12T - cfr. doc. 1 junto com a petição inicial a fls. 11 e 12 dos presentes autos. 2. Em 21/04/2009 a segunda Impugnante apresentou declaração de substituição da declaração referida em 1 - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial a fls. 13 e 14 dos presentes autos. 3. Em 14/10/2009 a segunda Impugnante apresentou segunda declaração de substituição da declaração referida em 1. - cfr. doc. 3 junto com a petição inicial a fls. 15. 4. Os Impugnantes foram acusados da prática de um crime de abuso de confiança fiscal - cfr. doc. 5 junto com a petição inicial a fls. 17 a 24 dos presentes autos. 5. Os Impugnantes foram absolvidos da prática do crime referido em 4., por sentença proferida em 14/02/2013 no processo n.° 1219/10.2IDLSB, tendo a mesma transitado em julgado em 18/03/2013 - cfr. doc. 8 junto com a petição inicial a fls. 27 a 35 dos presentes autos. 6. Em 24/10/2009 foi emitida sobre a segunda Impugnante a liquidação adicional de IVA n.° ........59 com o valor de 89.682,76€, a qual tinha como prazo limite de pagamento 31/12/2009 - cfr. fls. 60 do processo administrativo junto aos presentes autos. 7. Em resultado do não pagamento da liquidação referida em 6. foi emitida, em 25/01/2010 a correspondente certidão de dívida para instauração de processo de execução fiscal - cfr. fls. 60v. do processo administrativo junto aos presentes autos. 8. No mesmo dia referido em 7. foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança coerciva do montante constante da liquidação referida em 6., o qual obteve o n.° de processo 3107201001009540 - cfr. fls. 67 do processo administrativo junto aos presentes autos. 9. O primeiro Impugnante foi revertido para o processo de execução fiscal referido em 8. - cfr. fls. 67 a 70 do processo administrativo junto aos presentes autos. 10. O primeiro Impugnante foi citado para o processo de execução fiscal em 03/09/2010 - cfr. fls. 33 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos. 11. Os Impugnantes apresentaram, em 16/04/2013, reclamação graciosa da liquidação referida em 6. - cfr. fls. 7 a 9 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos. 12. A reclamação referida em 11. foi objecto de despacho de indeferimento datado de 31/10/2013 com fundamento na intempestividade na apresentação da reclamação - cfr. fls. 53 a 55 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos. 13. A decisão referida em 12. foi remetida ao mandatário dos Impugnantes através de carta registada com aviso de recepção, tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado em 08/11/2013 - cfr. fls. 56 a 58 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos. 14. A decisão referida em 12. foi remetida aos Impugnantes através de carta registada - cfr. fls. 59 a 62 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos. 15. Da decisão referida em 12. os Impugnantes apresentaram, em 13/11/2013 recurso hierárquico - cfr. fls. 3 a 10 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos. 16. O recurso hierárquico referido em 15. foi objecto de decisão de indeferimento com os mesmos fundamentos mobilizados na decisão da reclamação referidos em 12 - cfr. fls. 52 a 57 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos. 17. A decisão referida em 16. foi remetida ao mandatário dos Impugnantes através de carta registada com aviso de recepção, tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado em 27/01/2014 - cfr. fls. 59 a 61 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos. 18. A decisão referida em 16. foi remetida aos Impugnantes através de carta registada - cfr. fls. 62 a 67 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos. 19. A presente acção foi apresentada em 20/03/2014.» Quanto aos factos não provados, deixou consignado que “Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados.” **** Em matéria de convicção, expôs o Tribunal a quo que: «A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo de administrativo apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.» ***** A sentença recorrida julgou a impugnação improcedente, com os seguintes fundamentos: “(…) é de concluir que os Impugnantes pretendem mobilizar a autoridade do caso julgado relativamente à matéria de facto dada como provada e não provada no processo n.° 1219/10.2IDLSB para a liquidação impugnada nos presentes autos, enquanto fundamento para a ilegalidade da mesma por erro nos pressupostos de facto. E nessa decorrência configurar a decisão proferida no processo n.° 1219/10.2IDLSB como superveniente nos termos do artigo 70°, n.° 4 do CPPT. No entanto, tal intenção dos Impugnantes não será de acolher. Desde logo porque o objecto do processo n.° 1219/10.2IDLSB - cfr. 4. e 5. dos factos provados - se consubstancia em aferir se os Impugnantes haviam ou não praticado o crime de abuso de confiança fiscal, não tendo o mesmo como objecto a análise da legalidade da liquidação ora impugnada, que nos termos do artigo 4°, n.° 1 alínea a), b), 5°, 49°, n.° 1 alínea a) subalínea i) compete aos Tribunais Tributários de Primeira Instância a efectivar em sede de processo de impugnação judicial nos termo do artigo 97°, n.° 1 alínea a) do CPPT. O que implica que o processo n.° 1219/10.2IDLSB em momento algum possa, nos termos da lei, decidir, regular ou apreciar a legalidade de liquidações de índole tributária. Pelo que o conteúdo decisório de tal processo não possa ser transposto ou ser acolhido em sede de impugnação judicial de liquidação de tributos por tal questão ser de competência exclusiva em razão da matéria dos Tribunais Tributários. Por outro lado, em virtude da insusceptibilidade da decisão sobre a matéria de facto ser transponível para o âmbito da análise da legalidade da liquidação ora impugnação. (…) Assim, tendo em consideração o que supra afirmámos, impõe-se a conclusão que a Sentença proferida no processo n.° 1219/10.2IDLSB não pode ser qualificada como sentença superveniente para efeitos de mobilização do conteúdo normativo do artigo 70°, n.° 4 do CPPT, pois lhe falta a dimensão de materialidade necessária para que a mesma se possa erguer como fundamento de reclamação graciosa, visto que a mesma não resolve nenhuma questão sem a qual o fundamento da reclamação graciosa apresentada pelos impugnantes não já existisse, nem obstaculizava a que os Impugnantes mobilizassem o argumentário que apresentaram tanto na reclamação graciosa de 11. dos factos provados. Nem os Impugnantes lograram demonstrar a materialidade de tal superveniência, como é seu ónus (…) Assim, atento tudo quanto supra expusemos relativamente à questão que vimos a abordar e tendo em consideração o conteúdo de conteúdo de 5., 6., 9., 10. e 11. dos factos provados é de se concluir que a reclamação graciosa constante de 11. dos factos provados foi intempestivamente apresentada. Estando assente a intempestividade na apresentação da reclamação graciosa apresentada pelos Impugnantes nos termos de 11. dos factos provados, impõe-se retirar os devidos efeitos legais de tal intempestividade na apresentação de tal meio de impugnação administrativo. E o entendimento sobre tal matéria encontra-se já estabilizado e uniformizado na jurisprudência superior da jurisdição Tributária, à qual aderimos na íntegra e em reserva. (…) Assim, sendo, nos termos supra expostos, de considerar a reclamação graciosa que precedeu a dedução da presente acção como intempestiva, outra solução não resta ao presente Tribunal se não a de, seguindo os ensinamentos constantes dos arestos cujos excertos supra transcrevemos, determinar a improcedência da presente acção com fundamento na inimpugnabilidade da liquidação objecto dos presentes autos.” Ou seja, apreciou a legalidade do objecto imediato da impugnação – as decisões do recurso hierárquico e da reclamação graciosa – e chegou à conclusão de que as mesmas, ao terem concluído pela intempestividade da apresentação da reclamação graciosa, não sofriam de qualquer vício e, assim sendo, julgou a impugnação improcedente por inimpugnabilidade do acto de liquidação, não tendo apreciado o mérito da mesma nem, de resto, fixado qualquer factualidade a ele inerente. A Recorrente entende que a sentença fez uma errada interpretação do n.º 4 do art. 70.º do CPPT, já que a sentença proferida no processo 1219/10.1 IDLSB constitui para os efeitos da referida norma documento superveniente, devendo a reclamação graciosa ser considerada tempestiva. Vejamos, pois. No caso concreto, não é controvertida a factualidade assente, mas apenas as consequências jurídicas dela retiradas, nomeadamente, quanto à tempestividade da reclamação graciosa intentada contra o acto de liquidação de IVA do quarto trimestre de 2008, o qual tinha prazo limite de pagamento de 31-12-2009 (cfr. ponto 6. do probatório). A reclamação graciosa foi apresentada em 16-04-2013 (cfr. ponto 11. dos factos provados). Dispõe o artigo 70.º do CPPT que: “1 - A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º 2 - Revogado. 3 - Revogado. 4 - Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n.º 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto. 5 - Se os fundamentos da reclamação graciosa constarem de documento público ou sentença, o prazo referido no número anterior suspende-se entre a solicitação e a emissão do documento e a instauração e a decisão da acção judicial. 6 - A reclamação graciosa é apresentada por escrito no serviço periférico local da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação, podendo sê-lo oralmente mediante redução a termo em caso de manifesta simplicidade. 7 - A reclamação graciosa pode igualmente ser enviada por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos em portaria do Ministro das Finanças.” O art. 102.º n.º 1 a) do CPPT preceitua que “A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes: a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte; (…)” Dada a evidência do não cumprimento do prazo previsto no n.º 1 do art. 70.º acima transcrito (o prazo limite de pagamento da liquidação é de 31-12-2009 e a reclamação foi apresentada em 16-04-2013, há, então, que começar por analisar a relevância da sentença proferida no processo 1219/10.2IDLSB, transitada em julgado em 18-03-2013 (pontos 4. e 5. do probatório), na qual os Impugnantes foram absolvidos do crime de abuso de confiança fiscal, para os efeitos do n.º 4 do art. 70.º, nomeadamente, para início da contagem do prazo de 120 dias, então previsto para reclamar graciosamente. E, desde já se adianta que tal documento não tem a virtualidade que lhe aponta a Recorrente. Pronunciando-se sobre a norma em análise – art. 70.º n.º 4 do CPPT –, foi proferido Acórdão pelo STA, em 10-03-2021, no processo 0279/19.4BEVIS, no qual ficou consignado, nomeadamente, o seguinte: “ (…) Esta consubstancia uma típica norma, destinada a salvaguardar situações limite, esporádicas, pouco comuns e frequentes, de superveniência de elementos, documentais ou judiciais (exigentemente, sentenças), relacionados com a esfera jurídico-tributária, privativa, de qualquer contribuinte, com capacidade para alicerçar um pedido de ilegalidade, em particular, do ato tributário de liquidação, por razões, fundamentos, inexistentes, não operacionais, nas datas, normais, regra, para acionamento do procedimento de reclamação graciosa. Trata-se de uma solução equivalente à de outros ramos do direito, destinada a cobrir a ocorrência de situações excecionais, em que, de um ponto de vista subjetivo, importa, ainda, assegurar tutela (administrativa e/ou contenciosa) ao conhecimento posterior, superveniente, de certos e determinados elementos, potencialmente, relevantes, alargando-se, em conformidade, o prazo normal/inicial, disponibilizado, por lei, para o exercício daquela. Em todos os casos deste cariz, nunca se pretende dar cobertura ao não exercício atempado dos direitos dos interessados na declaração de ilegalidade dos atos, pela via de virem a colher os frutos de lides operadas por outros…”. A sentença proferida no processo-crime, ainda que tivesse factualidade comum à da liquidação de IVA impugnada, nunca poderia fundamentar o alargamento do prazo de impugnação, fosse ele gracioso ou judicial, na medida em que essa factualidade já era conhecida à data da liquidação, não constituindo a decisão que sobre ela tenha sido tomada força de caso julgado para o procedimento ou processso tributário. Neste sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in RGIT anotado, 4.ª Ed. 2010, págs. 400 e 401: “(…) Infere-se do regime previsto neste artigo [47.º] que existe uma opção legislativa no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (art. 212.º, n.º 3, da CRP) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais. Assim, em sintonia com essa opção legislativa, deve entender-se que não se justificará a suspensão de processos tributários de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) para aguardar decisões que sejam proferidas em processos criminais sobre factos que relevem para as decisões daqueles processos. Por outro lado, quando estiver em causa a averiguação de factos que relevem para a fixação da matéria tributável, a formulação de um juízo pelo tribunal tributário não depende da decisão que for proferida em processo criminal sobre a mesma matéria, pois, enquanto no processo criminal as dúvidas sobre a matéria de facto são valoradas a favor do arguido, no processo de impugnação judicial, havendo indícios de irregularidades de escrita, o ónus da prova da veracidade desta cabe ao contribuinte (art. 100.º, n.º 2, do CPPT). Para além disso, apesar da maior exigência probatória do processo criminal para dar como provados factos integradores de infracção que é corolário do princípio in dubio pro reo, não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial às decisões proferidas em processo criminal (…) Sendo assim, independentemente de o tribunal tributário poder e dever aproveitar provas produzidas em processo criminal, não se pode justificar que se aguarde que nesse processo seja proferida decisão com trânsito em julgado, pois nenhuma relevância é legalmente atribuída a esse trânsito no processo de impugnação judicial.” A referência à impugnação judicial na anotação transcrita pode ser transposta, com as devidas adaptações, para a reclamação graciosa. Na verdade, o que interessa reter é que são diferentes a exigências probatórias no processo-crime e no processo ou procedimento tributários, não havendo base legal para se considerar que a decisão no processo-crime, ainda que transitada, poderia abrir novos prazos para impugnação de actos tributários já consolidados na ordem jurídica, quando é o próprio legislador que dá prioridade ao procedimento e processo tributários na análise da legalidade dos actos de liquidação. Tanto basta para concluir que a sentença proferida no processo-crime com o n.º 1219/10.2IDLSB não pode ser considerada como documento superveniente para os efeitos do n.º 4 do art. 70.º do CPPT. E, assim sendo, é por demais evidente que a reclamação graciosa, apresentada em 16-04-2013, é intempestiva – tal como decidiu a sentença recorrida. E como é referido no Acórdão do TCA Norte, de 11-10-2017, proc. n.º 01584/09.3BEPRT “I. Só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a extemporaneidade da reclamação ainda que não consequencie a extemporaneidade da impugnação conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido. (…)”. No entanto, aqui chegados, e como também tem sido recorrentemente decidido pela jurisprudência, impunha-se à AT o poder-dever de averiguar da possibilidade, e a isso proceder caso fosse tempestiva, da convolação da reclamação no pedido de revisão do acto tributário, a que se refere o art. 78.º da LGT. Com efeito, no Acórdão do STA, proferido no proc. n.º 01377/14, de 17-01-2018, ficou ali impressivamente consignado o seguinte: “Não obstante, é legalmente possível e viável convolar esse procedimento de reclamação em procedimento de revisão previsto no art.º 78º da LGT, segundo o qual a liquidação pode ser objecto de revisão oficiosa no prazo de quatro anos (se o tributo tiver sido pago, como é o caso) com fundamento em erro imputável aos serviços. Com efeito, constitui jurisprudência pacífica e reiterada desta Secção do STA que a Administração Tributária tem o poder-dever, à luz do disposto no art.º 52º do CPPT, de proceder à convolação do procedimento de reclamação em procedimento de revisão do acto de liquidação sempre que na data em que aquela é apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada. E a tal dever não obsta a intempestividade da reclamação, pois que, para o efeito, apenas é relevante a tempestividade do meio procedimental adequado - cfr. acórdãos de 6/10/2005, no proc. nº 0653/05, de 7/10/2009, nos procs. nº 0474/09, 0475/09 e 0476/09, de 02/11/2011, no proc. nº 0329/11, e de 14/12/2011, no proc. nº 0366/11. No mesmo sentido se pronuncia JORGE LOPES DE SOUSA ("Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado", 6ª ed. vol. I, p. 463.), salientando que em face do princípio da colaboração recíproca da administração tributária e dos contribuintes, de onde emerge, como corolário mínimo, que estes não percam direitos substantivos por meras razões formais, «será de efectuar a convolação quando o contribuinte utiliza um meio procedimental que, em princípio, é adequado, mas a utilização ocorre fora do prazo legal e há outro meio procedimental - com prazo mais longo, que ainda possa ser utilizado para, mesmo de forma menos intensa, dar alguma satisfação à pretensão do contribuinte. Embora numa situação deste tipo não se esteja perante um absoluto «erro na forma de procedimento», parece que, por mera interpretação declarativa (e, seguramente, se pode enquadrar a situação neste conceito, já que se está perante uma situação em que o meio escolhido não é, no momento em que foi utilizado, o que o contribuinte deveria utilizar, havendo, consequentemente um erro na forma de procedimento que deveria ter sido utilizada. Assim, por exemplo, se o contribuinte apresenta contra um acto de liquidação uma reclamação graciosa fora do prazo legal de 120 dias previsto no art.º 70º, nº 1, do CPPT, mas ainda está em tempo para pedir a revisão oficiosa prevista no art.º 78º da LGT, em vez de uma decisão de indeferimento da reclamação graciosa deverá ser, depois de constatada a intempestividade, efectuada a convolação do requerimento em que é pedido a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa». Perante a violação de um tal poder vinculado para a administração tributária, impõe-se anular o acto que constitui o objecto imediato desta impugnação (acto de indeferimento, por extemporaneidade, da reclamação), o qual deve ser substituído, no procedimento, por acto que proceda à convolação em pedido de revisão oficiosa, tendo em conta que na data em que a reclamação foi apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão podia ser pedida e ordenada.” Regressando ao caso concreto, e verificando-se que o prazo limite de pagamento da liquidação ocorreu em 31-12-2009, em 16-04-2013, data da apresentação da reclamação graciosa, ainda não tinha decorrido o prazo de 4 anos, previsto no art. 78.º n.º 1 da LGT, o que significa que nada obstava à convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão. E, assim sendo, tal como decidido no Acórdão que vimos citando, também aqui, perante a violação do poder vinculado para a administração tributária, impõe-se anular os actos que constituem o objecto imediato desta impugnação (actos de indeferimento, por extemporaneidade, da reclamação e do recurso hierárquico), os quais devem ser substituídos, no procedimento, por acto que proceda à convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa, tendo em conta que na data em que a reclamação foi apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão podia ser pedida e ordenada. O recurso obtem, deste modo, provimento com a anulação dos actos impugnados. ***** III. DECISÃO Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e anulando o acto de indeferimento, por extemporaneidade, do procedimento de reclamação e do procedimento de recurso hierárquico, que o confirmou, os quais devem ser substituídos por acto que proceda à convolação da reclamação graciosa em procedimento de revisão oficiosa.
Custas pela Recorrida, com dispensa de taxa de justiça em sede de recurso uma vez que não contra-alegou (art. 527.º CPC).
Lisboa, 24 de Outubro de 2024
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