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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:921/20.4BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:04/21/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:TUTELA CAUTELAR;
FUMUS BONI IURIS;
ENCERRAMENTO LAR 3.ª IDADE.
Sumário:i) O tribunal a quo deu como não verificado o requisito do fumus boni iuris;
ii) Não havendo necessidade de prosseguir com a apreciação do requisito periculum in mora, inútil seria a produção de prova sobre tais aspetos, pois a não verificação do primeiro daqueles requisitos implica, desde logo, o não decretamento da providência cautelar requerida.
iii) Assim, tais factos, mesmo que provados, não assumiriam relevo para a decisão a proferir, porquanto sendo atinentes, designadamente, aos prejuízos decorrentes das despesas que a RECORRENTE alegou suportar com os empréstimos bancários que contratou para fazer face a obras e equipamentos para o estabelecimento em apreço, pois estes não foram, nem poderiam ser, determinantes, para a decisão proferida.
iv) Outra situação seria se o tribunal a quo tivesse prescindido da produção da prova e depois julgasse improcedente a providência cautelar requerida por não provada, designadamente, quanto ao periculum in mora.
v) No caso em apreço, a decisão recorrida, adequada e fundamentadamente, tal como se exige numa decisão cautelar, deu por não verificado o fumus boni iuris, pelo que, quer no momento em que prescindiu da prova testemunhal requerida, quer no momento em se pronunciou sobre os concretos vícios imputados ao ato suspendendendo, não é nula e não padece de erro quanto aos pressupostos de facto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

M..., ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 28.01.2021, que indeferiu a providência por si deduzida contra o Instituto de Segurança Social, I.P., tendo em vista a suspensão de eficácia da deliberação n.° 144/2020, de 10.09.2020, que ordenou o encerramento administrativo imediato do estabelecimento de apoio social (lar de idosos), propriedade da Requerente, ora Recorrente.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 574 e ss., ref. SITAF:

«(…)

I - Vem o presente recurso interposto do despacho que, nos termos do disposto no artigo 118.° n.° 3 do CPTA indeferiu a produção de prova requerida pela Autora, ora Recorrente, e da sentença proferida pelo T.A.F. de Leiria que indeferiu a pretensão cautelar de suspensão da eficácia da decisão final do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, IP, que ordenou o encerramento do estabelecimento da Recorrente de apoio social, por entender que "(...) os vícios invocados [pela recorrente] teriam mais chances de improceder do que proceder", "(...) improcedendo um dos requisitos positivos (fumus boni iuris) a pretensão cautelar não merece acolhimento, pelo que se julga improcedente o requerido." e com a qual a recorrente não se conforma.

II - São as seguintes as questões objecto do presente recurso:

a) Nulidade do despacho que indeferiu a produção de prova;

b) Factos essenciais que não foram julgados, não constando da fundamentação de facto da sentença e que deveriam ter sido julgados e ficar a constar dos factos provados e factos julgados erradamente como não provados que deveriam ter sido julgados como provados;

c) Erro de julgamento de direito ao nível da inverificação do requisito do fumus boni iuris;

III - a) Nulidade do despacho que indeferiu a produção de prova: Por despacho imediatamente antecedente à prolação da sentença recorrida de 28.01.2021, a Mma. Juíza a quo indeferiu, nos termos do disposto no artigo 118.° n.° 3 do CPTA, a produção de prova testemunhal, que tinha sido requerida pela Autora no Requerimento Inicial da providência cautelar, considerando que os autos dispunham de todos os elementos necessários à decisão a proferir.

IV - E assim decidiu porquanto, julgou improcedente um dos requisitos positivos (fumus boni iuris) - ficando à luz do disposto no artigo 120.° do CPTA prejudicado o conhecimento dos restantes requisitos - julgamento que fez, por entender que a deliberação suspendenda determinou o encerramento do estabelecimento ora Recorrente, com fundamento na "ausência de licenciamento", e firmando esse julgamento com base na prova documental emanada pela entidade Recorrida consubstanciada na deliberação suspendenda n.° 144/2020, de 2020.09.10, do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, IP., que profere a ordem definitiva de encerramento do lar, Relatório (informação n.° 154/UFC/NFES/2020 de 07.09.2020) e no projecto de Relatório (Informação n.° 88/UFC/NFES de 28.04.2020), bem como nos despachos que os instruem.

V - Sucede que, como adiante se concluirá, importa desde já evidenciar que, contrariamente ao decidido na sentença, que enferma de erro de julgamento de direito e de facto, o requisito positivo fumus boni iuris, previsto no artigo 120.° n.° 1 do CPTA mostra-se preenchido - para o que também se impunha a produção da prova testemunhal arrolada pela Recorrente no seu requerimento inicial.

VI - Com efeito, ora sumariamente, e adiante com o rigor devido, o acto administrativo suspendendo, fundamenta a ordem definitiva de encerramento do estabelecimento de apoio social como se transcreve: "A deliberação tomada tem por fundamento deficiências graves nas condições de instalação, segurança e funcionamento do estabelecimento, representando um perigo potencial para os direitos dos utentes e sua qualidade de vida, conforme se indica no relatório da Unidade de Fiscalização que se anexa."- e assim, em subsunção ao disposto no artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007 "...deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, que ponham em causa os direitos dos utentes ou a sua qualidade de vida"

VII - O acto administrativo suspendendo, acolheu assim, como verificadas e como fundamento, as "deficiências graves" que constavam no relatório da acção inspectiva [projecto de relatório - informação n.° 88/UFC/NFES] e do qual foi a ora Recorrente notificada para exercer o direito de audição.

VIII - Conforme aduzido no na sua resposta em sede de exercício do direito de audição, e no requerimento de providência cautelar, do elenco das alegadas "deficiências graves" apontadas no relatório da acção inspectiva [informação n.° 88/UFC/NFES] a Recorrente impugnou umas, por não existentes, e aceitou as demais relativamente às quais ali comunicou ter sanado algumas e iniciado as respectivas diligências sanar as restantes, conforme veio a sanar, para o que requereu [em sede de audiência prévia] que lhe fosse concedido pela Recorrida um prazo de 60 dias para o comprovar documentalmente, como requereu a audição de uma testemunha de modo a comprovar o aduzido ( cfr. facto assente em 9 da sentença proferida).

IX - Por seu turno a entidade, ora, Recorrida, no Relatório Final (informação n.° 154/UFC/NFES/2020 de 07.09.2020) entendeu ser dilatório e não essencial a realização da diligência complementar de junção de documentos, bem como a inquirição da testemunha arrolada (cfr. facto assente em 10 da sentença proferida).

X - Em momento algum - quer na pendência do processo administrativo, quer no julgamento da presente providência cautelar - foi dada à Recorrente a possibilidade de demonstrar e comprovar que as alegadas "deficiências graves" inexistem: umas porque, efectivamente, nunca existiram, as outras que foram suprimidas ainda na pendência do procedimento administrativo e posteriormente - conforme alegou sob os artigos 38.° a 56.° do seu requerimento de providência cautelar.

XI – E, não obstante, a decisão final de encerramento suspendenda fundamentou-se nas "deficiências graves" - sendo que, a prova testemunhal a produzir, era neste ponto, essencial e fundamental para provar a inexistência das alegadas "deficiências graves", nos termos alegados no seu requerimento de providência cautelar.

XII - No mais, a Recorrente alegou, no seu requerimento inicial, factos concretos tendentes a demonstrar que lhe assiste razão e que se mostram preenchidos os requisitos - fumus boni iuris e pericuium in mora - de que dependem o decretamento da providência requerida.

XIII - Se cabe à Recorrente o ónus da prova dos factos que alega, não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar com vista à demonstração dos pressupostos de que depende para a concessão da providência cautelar; Pelo que, não sendo possível a produção de prova documental sobre todos os factos relevantes, sempre outra prova, designadamente a testemunhal, seria indispensável.

XIV - Nestes termos, entende a Recorrente que a recusa da produção de prova e a recusa de inquirição das testemunhas por si arroladas acarreta a violação do disposto no artigo 118°, n° 3, do CPTA, devendo ser revogado o despacho recorrido e anulação da sentença recorrida.

XV - O Tribunal a quo não só errou ao indeferir a realização de diligências de prova (cfr. artigo 118° n° 1 e n.° 3 do CPTA), como ocorre nulidade processual, decorrente da omissão de ato processual a que devesse houver lugar com influência sobre a decisão da causa (cfr. artigo 195° n° 1 do CPC, ex vi artigo 1° do CPTA), motivadora da anulação da sentença recorrida.

XVI - Impõe-se, assim, revogar o despacho recorrido, e anulando-se a sentença recorrida, ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal de 1° instância, para que aí sejam levadas a cabo as diligências de prova omitidas, com vista a possibilitar à Recorrente, requerente da providência a prova dos factos que alegou com vista à demonstração dos requisitos de que dependem o decretamento da providência requerida.

XVII - b) Factos essenciais que não foram julgados não constando da fundamentação de facto da sentença e que deveriam ter sido julgados e ficar a constar dos factos provados e factos julgados erradamente como não provados que deveriam ter sido julgados como provados. Nesta sede, a sentença julgou como "FACTOS NÃO PROVADOS": "A) O encargo mensal suportado pela Requerente com um empréstimo pessoal contraído para adaptação do imóvel onde funciona a estrutura residencial para idosos ascende a € 1.000,00."

XVIII - Salvaguardando sempre o devido respeito, o indicado facto não foi correctamente julgado na sentença proferida, como resulta do aduzido pela, ora, Recorrente sob os artigos 71.° a 73.° no seu requerimento de providência cautelar e dos respectivos documentos/extratos bancários ali juntos como Doc. n.° 21); Assumindo-se que a redação dos citados artigos, pudesse ter sido feita de modo mais claro, o alegado encargo mensal de €1.000,00 refere-se ao empréstimo bancário contraído para a edificação do edificado habitacional onde funciona o lar e aos empréstimos pessoais contraídos para a sanação das deficiências.

XIX - Analisado, por seu turno, o documento 21 ali junto, do mesmo resulta que, com o empréstimo para a construção/ habitação (€87.754,81) tem um encargo mensal de €824,42 (capital €436,13 +€240,75 + juros €93,12 + €54,42) e que com os empréstimos particulares (€11.947,53) tem um encargo mensal de €277,62 ( capital 56,00+ €61.11 + €85,47 + juros €29.02+ €45,42), o que perfaz o encargo mensal de €1.102,04 - que assim ascende a €1.000,00 mensais.

XX - Deste modo, tendo por base o alegado sob os artigos 71.° a 73 do seu requerimento e do doc. 21 ali junto, deve ser julgado como provado e aditado aos factos assentes:

"Para a construção do edificado habitacional onde funciona o Lar, a requerente contraiu um empréstimo bancário cujo passivo, na presente data é de €87.754,81, com o qual suporta um encargo mensal de cerca de €800.00;"

O facto assente em 16) deve passar a constar a referência ao montante de €11.947,53, e passar a ter a seguinte redacção:

"Para poder executar os trabalhos atinentes à sanação das deficiências, a requerente contraiu empréstimos pessoais cujo passivo ascende na presenta data a €11.947,53, com os quais suporta um encargo mensal de cerca de €300,00."

XXI - Ainda, ao facto assente em 12) deve ser acrescentado o valor que resulta comprovado pelos documentos 18 a 20, e assim passar a constar a seguinte redacção: "Em Setembro de 2020 a Requerente teve um encargo de €12.059,02 com a aquisição e instalação de aquecimento central no imóvel onde funciona a estrutura residencial de idosos."

XXII - b)Erro de julgamento de direito ao nível da inverificação do requisito do fumus boni iuris. A sentença proferida não julgou sobre a probabilidade ou improbabilidade de a acção principal vir a ser julgada procedente ou sobre a probabilidade ou improbabilidade da existência do direito alegado pela A., ora, Recorrente. Tão somente "Assim, atento o exposto, os vícios invocados teriam mais chances de improceder do que proceder", ficando por julgar afinal a materialização do juízo efectivo formado pelo julgador sobre o êxito da pretensão principal.

XXIII - Sendo o juízo plasmado na sentença, de que "os vícios invocados teriam mais chances de improceder do que proceder" insuficiente, mesmo omisso, para concluir sobre a improcedência do requisito positivo fumus boni iuris, em violação do disposto no artigo 120.° n.° 1 do CPTA.

XXIV - Por seu turno, a sentença padece de erro de julgamento de direito, na medida em que, e ao contrário do decidido, o requisito positivo fumus boni iuris, previsto no artigo 120.° n.° 1 do CPTA mostra-se preenchido. Vejamos:

XXV - A Requerente, ora Recorrente, assaca ao acto suspendendo, essencialmente três vícios:

(1) Violação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, por a entidade requerida ter considerado dispensável a realização de diligências instrutórias solicitadas pela requerente em sede de audiência prévia;

(2) Violação de lei, uma vez que à luz do artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14/03, a ausência de licença só por si não é susceptível de determinar o encerramento do estabelecimento da requerente;

(3) Violação de lei, na medida em que a requerente suprimiu e sanou no estabelecimento deficiências apontadas no relatório da acção inspectiva;

XXVI - Na apreciação dos vícios alegados, e quanto ao primeiro vício, alcança a sentença que "(...) a Requerente faz uma alegação puramente genérica, sem qualquer densificação dos motivos e medida da violação dos princípios convocados, nem o tribunal, oficiosamente, almeja em que medida o indeferimento das diligências instrutórias viola os princípios da legalidade e da proporcionalidade no caso concreto. Este vício teria, assim, de claudicar.

XXVII - Ora, com o devido respeito, não se acompanha o entendimento a que chegou a sentença proferida, a Recorrente não fez uma "alegação puramente genérica" e o "indeferimento das diligências instrutórias viola os princípios da legalidade e da proporcionalidade no caso concreto", conforme alegou e concretizou sob os artigos 4.° a 12.° do seu requerimento de providência cautelar.

XXVIII - A fundamentação do acto administrativo que determinou o encerramento do LAR baseia-se em factos susceptíveis de preencher o estatuído no art. 35.° do DL 64/2007 de 14.03 e a acção de fiscalização que suportou o acto administrativo suspendendo foi realizada em 14.02.2020.

XXIX - Em 21.08.2020, na resposta dada pela requerente em sede de audiência prévia informou que já havia sanado algumas das deficiências apontadas, estavam em execução diligências para a sanação de outras deficiências - para o que requereu prazo de 60 dias para vir aos autos comprovar documentalmente bem como requereu a audição de testemunha, Engenheiro responsável pelo projecto de licenciamento, o que veio a ser indeferido pela entidade requerida, ora Recorrente, por entender ser dilatório e não essencial a realização da diligência complementar de junção de documentos, bem como a inquirição da testemunha arrolada.

XXX - Ora, muito embora a decisão em não realizar as diligências probatórias ali requeridas, pela requerente, se enquadre o domínio do poder discricionário da entidade requerida, tal decisão está ferida de ilegalidade por violar os princípios da legalidade e proporcionalidade que enfermam e limitam a discricionariedade administrativa. Com efeito,

XXXI - Em face do tempo incorrido entre a realização da acção inspectiva - 14.02.2020 - a notificação para o exercício do direito de audição - 07.08.2020 - mediaram cerca de 6 meses - período durante o qual e não obstante as contingência determinadas pelo vírus SARS-Cov-2 e a doença COVID a ele associada, a requerente sanou algumas das deficiências apontadas, e diligenciou pela execução/sanação de outras.

XXXII - Pelo que, ao considerar dispensável a realização de diligências instrutórias solicitadas pela requerente tendentes a demonstrar a supressão e sanação de deficiências apontadas no relatório da acção inspectiva, a entidade requerida usou o cometido poder discricionário, em violação do princípio da legalidade e da proporcionalidade, e assim, desvalorizou a aquisição para o processo administrativo da verdade material superveniente materializada nos 6 meses posteriores à acção inspectiva, de modo a que pudesse atender à evolução ocorrida na situação existente, nomeadamente, se se mantinham os motivos/fundamentos verificados na acção inspectiva - as apontadas deficiências e a valoração como graves das mesmas - e com base na existência das quais a entidade requerida proferiu a decisão de encerramento ao abrigo do art. 35.° do DL 64/2007 de 14.03.

XXXIII - Circunstância que determina a anulabilidade do ato administrativo. Ao recusar, por dilatória, a produção de prova - documental e testemunhal - solicitada pela, ora, Recorrente, tendente a comprovar a sanação das deficiências apontadas no relatório da acção inspectiva, e ao decidir afinal pelo encerramento fundamentado na existência dessas mesmas deficiências, violou o princípio da legalidade e da proporcionalidade, impondo-se a sua anulação.

XXXIV - Não é possível negar relevância anulatória ao erro da administração seja por ilegalidades formais ou materiais, mesmo no domínio dos actos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do acto proferido se possa afirmar, que a representação errónea dos factos ("existência de deficiências graves") interferiu com o conteúdo da decisão administrativa.

XXXV - Termos em que se mostra verificado o apontado vício alegado pela Recorrente.

XXXVI - Na análise conjunta do segundo e terceiro vícios:

(2) Violação de lei, uma vez que à luz do artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14/03, a ausência de licença só por si não é susceptível de determinar o encerramento do estabelecimento da requerente;

(3) Violação de lei, na medida em que a requerente suprimiu e sanou no estabelecimento deficiências apontadas no relatório da acção inspectiva;

Considera e conclui a sentença o seguinte, como respeitosamente se transcreve:

"Ressalta claramente do disposto no n.° 1 [do artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 64/2007 de 14 de Março], que os estabelecimentos de apoio social nele previstos só podem dar início à sua actividade após obterem a respectiva licença de funcionamento. E baixando aos factos do caso concreto, é a ausência desta licença que determina o encerramento administrativo do estabelecimento explorado pela ora Requerente" e "(...). perante a existência de um estabelecimento a laborar sem a existência de licença para o efeito, que tem de ser obtida peremptoriamente antes do início da exploração do estabelecimento social nos termos do artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, a Entidade Requerida estava vinculada a decretar o encerramento do estabelecimento." (páginas 24 e 25 da sentença, sublinhado nosso)

XXXVII - Ora, salvo o devido respeito que é muito, não se acompanha, como não assiste razão de facto ou de direito, à sentença proferida. Se é certo que em todo o procedimento administrativo se apontou para a dualidade de fundamentos, por um lado a ausência de licenciamento e por outro as alegadas deficiências graves, e estas em subsunção ao artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007; Já a deliberação de encerramento, no fundamento da decisão, apenas se refere às graves deficiências em subsunção ao disposto no artigo 35.°, sem sequer dela constar a mera referência à ausência de licenciamento.

XXXVIII - Não reúnem os autos, qualquer elemento de prova do qual seja legítimo, tão pouco possível extrair-se, como erradamente se alcança na sentença que "é a ausência desta licença que determina o encerramento administrativo do estabelecimento explorado pela ora Requerente,", como, de igual modo, não se encontra qualquer fundamento na lei que legitime o entendimento, vertido na sentença, pelo qual perante "a existência de um estabelecimento a laborar sem a existência de licença para o efeito, que tem de ser obtida peremptoriamente antes do início da exploração do estabelecimento social nos termos do artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, a Entidade Requerida estava vinculada a decretar o encerramento do estabelecimento."

XXXIX - Porquanto, e pelo contrário, a ausência de licenciamento, por um lado, e a existência de deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, que ponham em causa os direitos dos utentes ou a sua qualidade de vida, por outro, têm enquadramento jurídico distinto conferido pelo Decreto-Lei n.° 64/2007 de 14.03.

XL - Com efeito, como ressalta cristalinamente do artigo 11° do Decreto-Lei n°. 64/2007, de 14.03, é condição sine qua non para o início de atividade por parte destes estabelecimentos a titularidade da respetiva licença de funcionamento ou autorização provisória.

XLI - Na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 33/2014 de 4 de Março ao Decreto-Lei n°. n.° 64/2007, de 14.03, resulta para a ausência de licenciamento a aplicação do seguinte regime sancionatório de natureza contra-ordenacional, estatuído pelos artigos 39.° - A, Artigo 39.°-B, al. a), 39.°-E, al. a) e 39.°-H, pelo qual a ausência de licenciamento é considerada uma infracção grave, sancionada com coima, relativamente à qual pode a título acessório ser aplicada a sanção acessória de encerramento do estabelecimento. Procedimento e enquadramento legal que, manifestamente não foi o prosseguido pela entidade Recorrida e não é o objecto nos autos.

XLII - Assim, e ao contrário do entendimento na sentença proferida, perante a existência de um estabelecimento a laborar sem a existência de licença para o efeito, que tem de ser obtida peremptoriamente antes do início da exploração do estabelecimento social nos termos do artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, a Entidade Requerida não está vinculada a decretar o encerramento do estabelecimento, uma vez que, como resulta da leitura conjugada dos citados artigos 11.°, 39.° - B al. a), 39.° - E, al. a) e 39.° - H, n.° 1, al. d) do Decreto-Lei n.° 64/2007 de 14.03, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 33/2014 de 04.03, a medida de encerramento do estabelecimento é sanção acessória daquela que constitui a sanção principal a aplicar, a coima, perante a existência de um estabelecimento a laborar sem a existência de licença para o efeito (é este o poder/dever vinculado).

XLIII - Por seu turno, e quanto às deficiências graves estabelece o Decreto-Lei n°. n.° 64/2007, de 14.03, um procedimento de encerramento administrativo imediato previsto no seu artigo 35.°; No CAPÍTULO VI sob a epígrafe "Encerramento administrativo dos estabelecimentos", estabelece-se no aludido artigo 35.° n.° 1:

"1 - Pode ser determinado o encerramento imediato do estabelecimento nos casos em que apresente deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, que ponham em causa os direitos dos utentes ou a sua qualidade de vida."

XLIV - Apenas e só quando nas mesma situação concreta, no mesmo estabelecimento se verifique a "ausência de licença" e bem assim "deficiências graves" subsumíveis no citado artigo 35.°, é que a aplicação do regime sancionatório de natureza contra- ordenacional previsto na citada norma conjugada dos citados artigos 11.°, 39.° - B al. a), 39.° - E, al. a) e 39.° - H, n.° 1, al. d) do Decreto-Lei n.° 64/2007 de 14.03, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 33/2014 de 04.03, não é suficiente havendo que lançar mão do procedimento de encerramento administrativo imediato previsto no artigo 35.° do citado diploma.

XLV - Aliás, entendimento este que se alcança vertido na oposição deduzida pela entidade Requerida, ora Recorrida, sob o artigo 133.°, conforme se transcreve: "A falta de licenciamento do estabelecimento, nos termos dos artigos 10.° e 11.° do Decreto- Lei n.° 64/2007, de 14 de Março, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 33/2014, de 4 de Março, determina a aplicação do regime sancionatório de natureza contra-ordenacional, que contudo não será suficiente, quando as condições do estabelecimento comprometem o bem-estar e o conforto de pessoas idosas."

XLVI - Assim, inexistindo as "deficiências graves" subsumíveis na previsão do artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de Março - cuja cabal prova não foi à Recorrente permitida fazer - sem deixar de olvidar a necessária repartição do ónus da prova que também se impõe à entidade Recorrida, perante a impugnação concretizada - resta a apontada ausência de licenciamento - que a própria Autora admitiu por confissão no circunstancialismo fáctico ao qual não é alheio a conduta da própria Entidade Recorrida, conforme aduziu sobre o artigo 30.° do seu requerimento de providência cautelar.

XLVII - E em face, apenas, da ausência de licenciamento - à luz do artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14/03, a ausência de licença só por si não é susceptível de determinar o encerramento do estabelecimento da requerente; nem estava a Entidade Requerida estava vinculada a decretar o encerramento do estabelecimento.

XLVIII - De todo o exposto mostram-se verificados os apontados vícios à deliberação suspendenda:

(2) Violação de lei, uma vez que à luz do artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14/03, a ausência de licença só por si não é susceptível de determinar o encerramento do estabelecimento da requerente;

(3) Violação de lei, na medida em que a requerente suprimiu e sanou no estabelecimento deficiências apontadas no relatório da acção inspectiva;

XLIX - Devendo por conseguinte julgar-se verificado o requisito positivo fumus boni iuris - incorrectamente julgado pela sentença recorrida como improcedente, em violação do disposto no artigo 120.° n.° 1 do CPTA, e em violação do artigos 35.°, 11.°, 39.° - B al. a), 39.° - E, al. a) e 39.° - H, n.° 1, al. d) todos do Decreto-Lei n.° 64/2007 de 14.03, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 33/2014 de 04.03.

L - Acresce que, conforme alegado e demonstrado nos presentes autos, encontra-se em curso o inerente processo de licenciamento (facto assente em 14), sendo que do seu projecto de licenciamento, do qual e nomeadamente da sua memória descritiva se afere que reúne as condições necessárias para o seu licenciamento (cfr. artigo do requerimento da providência e doc. 6 a 15 ali juntos) estando a aguardar na presente data a emissão do parecer favorável a que alude o artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14/03

LI - Não podendo deixar de se firmar nesta sede que, em nenhum dos relatórios que instruem e fundamentam a Deliberação suspendenda é referido ou apontado que o estabelecimento não é susceptível de ser licenciado - sendo que, não estamos perante uma construção de génese ilegal, uma vez que dispõe de alvará de utilização para habitação emitido pela Câmara Municipal (conforme assente nos Relatórios que instruem o PA)

LII - De todo o exposto, deve ser revogado o despacho em crise, revogada a sentença recorrida, ser determinada a baixa do processo ao Tribunal de 1- instância, para que aí sejam levadas a cabo as diligências de prova omitidas, com vista a possibilitar à Recorrente, requerente da providência a prova dos factos que alegou com vista à demonstração dos requisitos positivos cumulativos previstos no n° 1 do art. 120° do CPTA, de que dependem o decretamento da providência requerida, conforme factualidade que aduziu no seu requerimento.

LIII - E quanto à ponderação a que obrigará o n° 2 do referido art. 120°., dir-se-á, desde já, que perante a ausência de licença - como alcançará demonstrar pela inexistência das alegadas "deficiências graves" - não será apenas o interesse geral e abstrato de que o estabelecimento funcione devidamente licenciado [que a própria lei comina a título principal com coima] que determinará a prevalência do interesse público capaz de permitir recusar ao decretamento da requerida providência cautelar, na medida em que devidamente ponderados, o eventual interesse público e o interesse privado, a suspensão de eficácia não causa ao interesse público, um dano superior ao que resulta da sua recusa, pelo que o n° 2 do art. 120° do CPTA também não obsta a que seja decretada a providência.

Nestes termos e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser jugado procedente e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, revogada a sentença recorrida, ser determinada a baixa do processo ao Tribunal de 1° instância, para que aí sejam levadas a cabo as diligências de prova omitidas, com vista a possibilitar à Recorrente, requerente da providência a prova dos factos que alegou com vista à demonstração dos requisitos positivos cumulativos previstos no n° 1 do art. 120° do CPTA, de que dependem o decretamento da providência requerida.»

O Recorrido Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, IP) contra-alegou, tendo ali concluído como se segue – cfr. fls. 611 e ss., ref. SITAF:
«(…)
A - Vem o presente recurso interposto do despacho que, nos termos do artigo 118.° n.° 3 do CPTA, indeferiu a produção de prova requerida pela Recorrente, bem como da douta sentença de 28/01/2021, que indeferiu o requerimento da suspensão de eficácia do acto administrativo consubstanciado na Deliberação do Conselho Directivo, do Recorrente, n.° 144/2020, de 10/09/2020 - que ordenou o encerramento administrativo imediato do estabelecimento de apoio social sem denominação, onde são exercidas as actividades de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), com fins lucrativos, não se encontrando licenciado (e sem respeitar as condições legais e regulamentares inerentes à resposta social promovida), de acordo com os artigos 35° e 36° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de Março, que funciona sob a propriedade daquela e encontra-se instalado na Rua P..., A-Dos-Negros - por não se verificarem os pressupostos legais para a concessão de providências cautelares, no entanto, considera-se que o despacho e a douta decisão recorridos não enfermam de quaisquer vícios, mostrando-se inteiramente válidos e legais.
B - Quanto ao despacho de indeferimento da produção de prova testemunhal, insurge-se a Recorrente contra o mesmo, que foi no sentido de "Nos termos do artigo 118.°, n.° 1, do CPTA, nos procedimentos cautelares haverá produção de prova quando o juiz a considerar necessária. Tendo em conta que os documentos juntos aos autos permitem apurar, indiciariamente, todos os factos relevantes para a decisão da presente providência cautelar, torna-se desnecessária a realização de qualquer diligência probatória, mormente a inquirição de testemunhas (cfr. artigo 118.°, n. ° 3, do CPTA), pelo que se indefere a produção daquele meio de prova.”, porquanto, desde logo, considera aquela que "o requisito positivo fumus boni iuris, previsto no artigo 120.° n.° 1 do CPTA mostra-se preenchido - para o que também se impunha a produção da prova testemunhal arrolada pela Recorrente no seu requerimento inicial.”.
C - Ora, não assiste de todo razão à Recorrente, uma vez que a decisão em apreço foi sustentada não só nos documentos constantes do processo administrativo, mas também na "vasta” documentação que a ali Requerente foi apresentando no decurso da providência cautelar, tendo a mesma juntado aos presentes autos, por várias vezes, em dias diferentes, os documentos que entendeu.
D - Atenta a "confusão” na apresentação dos documentos, foi concedida, à Recorrente, a oportunidade, por despacho de 12/01/2021, para que esta esclarecesse o encadeamento daqueles ou juntasse os que mencionou, se ainda o não tivesse feito, tendo aquela apresentado explicação que foi aceite pelo douto Tribunal.
E - Pretende ainda, e desde logo, a Recorrente, assacar o desvalor da nulidade ao despacho em apreço, porém tal entendimento não tem como proceder, pois, efectivamente, decorre do artigo 118° do CPTA que, "1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária. (...) 3- O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial. (...) 5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.”, pelo que, a contrario, se o juiz entender que não é necessária a audição de testemunhas, o que aconteceu in casu, fundamentando tal decisão, a mesma não padece de qualquer vício.
F - A este propósito veja-se o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15/01/2009, Proc. n.° 01384/08.8BEBRG, no sentido de "III - Na providência cautelar, o juiz pode decidir sem a realização de qualquer diligência instrutória (cf. art.118.°, n.° 3, do CPTA) e nem a falta de inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente nem a falta de despacho a dispensá-la constituem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, motivo por que tais faltas não constituem nulidade.”.
G - Questiona-se ainda, atento o cerne da questão, ou seja, desde logo o facto de a Recorrente não ter licenças/autorizações para o exercício da actividade em causa, qual seria o efeito útil em ouvir testemunhas?
H - Naturalmente que nenhum, uma vez que de nada adianta as testemunhas informarem que a Recorrente está a diligenciar na obtenção das devidas licenças, pois não altera o facto de a mesma não as ter, pelo que, o fundamento para a decisão de encerramento se mantém.
I - Ainda uma referência à alegação da Recorrente de que também em sede de processo de averiguações não foi ouvida a testemunha por si indicada na resposta de audiência prévia, tendo os serviços de fiscalização do Recorrido considerado tal audição como não essencial naquela sede, por a pronúncia apresentada pela entidade averiguada em nada contradizer os factos apurados, pelo que, mantendo-se o enquadramento, a realização da diligência requerida seria meramente dilatória.
J - Ora, além de incumbidos do dever de celeridade, previsto no artigo 59° do CPA, no procedimento de fiscalização, compete, igualmente, aos inspectores recolher toda a prova que entenderem necessária para o apuramento dos factos, pelo que caso entendam como não útil a audição de testemunhas indicadas pela entidade averiguada, ou até o pedido de prazo para apresentação de documentos, e tendo outros meios de prova que consideram suficientes, não se pretere qualquer formalidade, pois a audição de testemunhas não é uma imposição legal a verificar no procedimento, é apenas um meio de prova.
K - Assim, tal como no que diz respeito ao processo de averiguações que culminou com a decisão em apreço, tendo ocorrido audiência prévia, onde a ora Recorrente apresentou a sua defesa, e face aos dados recolhidos, não se terá afigurado necessário proceder à audição da testemunha indicada, prova essa que não seria idónea a afastar a prova dos factos apurados pelos serviços de fiscalização, pelo que a concretização dessa audição não teria utilidade, também aqui, naturalmente, o Tribunal teve o mesmo entendimento quanto à audição de testemunhas. Logo,
L - Face ao exposto, a conclusão a retirar só pode ser a de que o despacho ora recorrido não padece de quaisquer vícios, devendo improceder a pretensão da Recorrente.
M - Quanto aos alegados “Factos essenciais que não foram julgados não constando da fundamentação de facto da sentença e que deveriam ter sido julgados e ficar a constar dos factos provados e factos julgados erradamente como não provados que deveriam ter sido julgados como provados. “, desde logo, decorre das alegações de recurso, que a Recorrente aproveita esta sede, para retificar o alegado no requerimento da providência cautelar, o que parece ser, no mínimo, inoportuno.
N - De facto, quando a Recorrente refere que o valor mensal de despesas mensais com os empréstimos assumidos perante instituições bancárias respeitantes à ERPI (que possui e mantém em funcionamento ilegalmente) ascendem a € 1.000, não se pode considerar que é o mesmo que referir, como veio concretizar nas alegações de recurso, que o montante é de € 1.102,04.
O - Porém, o Tribunal a quo entendeu, e correctamente, que não foi provado que “A) O encargo mensal suportado pela Requerente com um empréstimo pessoal contraído para adaptação do imóvel onde funciona a estrutura residencial para idosos ascende a € 1.000,00.”, fundamentado em "O facto A) não logrou prova na medida em que a Requerente arrolou para prova do alegado o documento que juntou sob o número 21, atinente aos extractos mensais de conta bancária junto do banco B... emitidos nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2020, datas coincidentes com os custos identificados para aquisição de material e serviços para adaptação do imóvel. Daqueles extractos extrai-se que a ora Requerente tem três créditos ao consumo activos: o contrato de mútuo com o n.° 4546054-830-006, o contrato de mútuo com n.° 4546054-830-002 e o contrato de mútuo com o n.° 4546054-830-005, ascendendo o total em dívida, em Setembro de 2020, aos alegados € 11.947,53. Contudo, analisados os movimentos mensais, constatamos que as prestações atinentes àqueles mútuos rodam, respectivamente, os € 60, € 91 e os € 131 (somados os débitos de capital e juros e arredondados à unidade por excesso). O somatório daquelas quantias está francamente aquém dos € 1.000,00 que a Requerente alega suportar mensalmente, resultando provado, aliás, facto distinto deste, quanto ao valor do encargo mensal [item 16) dos factos provados].”.
P - Por sua vez, do exposto inicialmente pela ora Recorrente, acrescendo o alegado em sede de Recurso - "Assumindo-se que a redação dos citados artigos, pudesse ter sido feita de modo mais claro, o alegado encargo mensal de €1.000,00 refere-se ao empréstimo bancário contraído para a edificação do edificado habitacional onde funciona o lar e aos empréstimos pessoais contraídos para a sanação das deficiências. (...) Com o empréstimo para a construção/ habitação (€87.754,81) tem um encargo mensal de €824,42 (capital €436,13 + €240,75 + juros €93,12 + €54,42)” - constata-se que o valor de € 824,42, de facto, é inferior ao montante indicado de € 1.000, tentando, agora, a Recorrente, corrigir o que disse anteriormente, fazendo a soma de valores, de modo a perfazer o valor de despesa "desejado”.
Q - Assim, não há qualquer utilidade no "aditamento” aos factos dados como provados, como pretende a Recorrente com o seguinte ““Para a construção do edificado habitacional onde funciona o Lar, a requerente contraiu um empréstimo bancário cujo passivo, na presente data é de €87.754,81, com o qual suporta um encargo mensal de cerca de €800.00;”.
R - Por seu turno, a diferença na análise da matéria de facto entre o facto dado como provado na douta sentença quanto a "16) A Requerente suporta um encargo mensal com empréstimos pessoais que contraiu para a adaptação do imóvel onde funciona a estrutura residencial para idosos não superior a € 300,00 (cfr. documento n.° 21 junto com o r.i.);”, e a redacção que a Recorrente pretende que o mesmo tenha "Para poder executar os trabalhos atinentes à sanação das deficiências, a requerente contraiu empréstimos pessoais cujo passivo ascende na presenta data a €11.947,53, com os quais suporta um encargo mensal de cerca de €300,00.”, é nenhuma, pois a realidade apreciada e a conclusão é a mesma.
S - Por fim, quanto à pretensão da Recorrente no sentido que "Ao facto assente em 12) deve ser acrescentado o valor que resulta comprovado pelos documentos 18 a 20, e assim passar a constar a seguinte redacção:
"Em Setembro de 2020 a Requerente teve um encargo de €12.059,02 com a aquisição e instalação de aquecimento central no imóvel onde funciona a estrutura residencial de idosos.”, também não deve ser acolhida, uma vez que se trata de uma despesa já realizada, não consistindo um encargo mensal da Recorrente.
T - Mais se diga que, cabia à Recorrente alegar e demonstrar o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, decorrente da decisão final a proferir no processo principal, constitutiva de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, o que não logrou fazer.
U - Não bastam as alegações da Recorrente de que o encerramento do estabelecimento ilegal que explora " (...) provocará, no imediato prejuízos irreparáveis para a requerente e constituirá uma situação de facto consumado e irreparável para a requerente e para os utentes do lar’, pois, "É com o rendimento obtido com o funcionamento do estabelecimento que a requerente consegue fazer face aos encargos bancários assumidos, e às despesas para o seu sustento" (repare-se, que os serviços de fiscalização apuraram que a mesma não emite recibos respeitantes ao pagamento das mensalidades pelos utentes), pois não são todos e quaisquer prejuízos que merecem a tutela cautelar e relevam para efeitos de verificação deste pressuposto (periculum in mora).
V - Caso contrário, todos os actos administrativos, lícitos, e potencialmente lesivos, poderiam ser de imediato suspensos se, verificados os demais pressupostos, os respectivos destinatários lançassem mão de providências cautelares de suspensão da respectiva eficácia.
W - Necessário se torna que exista um "(...) fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis" (in Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 804).
X - Os danos invocados, não são susceptíveis de serem qualificados como irreparáveis, ou mesmo de difícil reparação, desde logo, porque assumem uma natureza estritamente económica e pecuniária, serão sempre reparáveis. O que verdadeiramente deverá preocupar o douto Tribunal, permitimo-nos dizê-lo, é a qualidade de vida dos utentes daquele estabelecimento.
Y - A ausência de um dos pressupostos previstos no n.° 1 do artigo 120.° do CPTA (a que correspondia na anterior redacção do Código à al. b) do mesmo n.° 1) é causa bastante para a sua recusa, como de resto já entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, em diversos Acórdãos, designadamente, por via do Acórdão de 01 de Julho de 2010, proferido no âmbito do processo n° 0450/10: “(...) Para o preenchimento da previsão do artigo 120.°, n.° 1, b), do CPTA torna-se cumulativamente necessária a verificação de periculum in mora e de fumus non malus iuris (...)”.
Z - Com isto pretende a Recorrente, como a mesma assumiu “No mais, a Recorrente alegou, no seu requerimento inicial, factos concretos tendentes a demonstrar que lhe assiste razão e que se mostram preenchidos os requisitos - fumus boni iuris e periculum in mora - de que dependem o decretamento da providência requerida.”, tendo sido demonstrado que nenhum se verifica e mais concretamente neste aspecto, não se encontra, desde logo, reunido o pressuposto do periculum in mora, facto que determinaria, só por si, a recusa da tutela cautelar.
AA - Pelo esteve bem a douta sentença também neste aspecto.
AB - No que diz respeito ao alegado “Erro de julgamento de direito ao nível da inverificação do requisito do fumus boni iuris“, verifica-se que, no essencial, pretende a ora Recorrente que seja decretada uma providência cautelar de natureza conservatória (cujos critérios se encontram definidos no artigo 120°, n.° 1 do CPTA), ou seja, a manutenção do status quo ante à prática da deliberação que pretende suspender.
AC - Importará, assim, analisar se no presente processo cautelar se encontram reunidos, ou não (e, como se viu, desde logo o periculum in mora não se verifica), os pressupostos de que a lei faz depender a sua concessão, previstos nos n.°s 1 e 2 do artigo 120.° do CPTA,
AD - Desde logo se diga que, contrariamente ao entendimento da Recorrente, a douta sentença bem analisou e concluiu pela não procedência da providência cautelar em apreço, uma vez que além dos demais requisitos, também não se verifica o fumus boni iuris, pelo que, não tem razão aquela quando afirma que “A sentença proferida não julgou sobre a probabilidade ou improbabilidade de a acção principal vir a ser julgada procedente ou sobre a probabilidade ou improbabilidade da existência do direito alegado pela A., ora, Recorrente.
Tão somente "Assim, atento o exposto, os vícios invocados teriam mais chances de improceder do que proceder” (...) Ficando por julgar afinal a materialização do juízo efectivo formado pelo julgador sobre o êxito da pretensão principal. (...) Sendo o juízo plasmado na sentença, de que "os vícios invocados teriam mais chances de improceder do que proceder” insuficiente, mesmo omisso, para concluir sobre a improcedência do requisito positivo fumus boni iuris, em violação do disposto no artigo 120.° n.° 1 do CPTA.”.
AE - A este propósito, e especificamente quanto ao pressuposto fumus boni juris, veja-se o entendimento espelhado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12/01/2012, Proc. n.° 0857/11, "I - Os requisitos para o decretamento da suspensão de eficácia de um acto administrativo (art°120° do CPTA) são os seguintes: (i) que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); (ii) que não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni juris); (iii) que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência) II - E tal como no sistema anterior (regime consagrado na LPTA) a verificação destes requisitos tem que ser cumulativa. III - O fumus boni juris tem uma formulação positiva e uma formulação negativa. Na formulação positiva é preciso acreditar na probabilidade de êxito do recurso principal. Tem de se verificar uma aparência de que o recorrente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa; na formulação negativa basta que o recurso principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento. IV - A alínea b) do n°1 do art°120° do CPTA satisfaz-se, no que a este ponto diz respeito, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» pelo requerente no processo principal «ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um fumus non malus iuris: não é necessário um prejuízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa. (...)”.(negrito e sublinhado nosso).
AF - Ora, in casu, o Tribunal a quo entendeu, e bem, que não existe a aparência de que a ora Recorrente tem o direito que considera lesado pela actuação administrativa e, principalmente, que é evidente a improcedência da pretensão de fundo daquela, pelo que a douta sentença não padece de qualquer erro de julgamento.
AG - Refere ainda a Recorrente que entendeu o douto tribunal a quo que "A Requerente assaca ao acto suspendendo, essencialmente, quatro vícios [nesta sede 3]:
(3) Violação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, por a entidade requerida ter considerado dispensável a realização de diligências instrutórias solicitadas pela requerente em sede de audiência prévia; (...) Alcança a sentença que “(...) a Requerente faz uma alegação puramente genérica, sem qualquer densificação dos motivos e medida da violação dos princípios convocados, nem o tribunal, oficiosamente, almeja em que medida o indeferimento das diligências instrutórias viola os princípios da legalidade e da proporcionalidade no caso concreto. Este vício teria, assim, de claudicar. “.
AH - Relembramos que a Recorrente, ao pretender assacar vícios ao acto impugnado, considera o facto de, em sede de audiência prévia, ter requerido a inquirição de testemunha (bem como prazo para junção de documentos), que os serviços de fiscalização do Recorrido consideraram como não essencial naquela sede - por a pronúncia apresentada pela entidade averiguada em nada contradizer os factos apurados, pelo que, mantendo-se o enquadramento, a realização da diligência requerida seria meramente dilatória - como uso do poder discricionário de forma indevida, que leva à anulabilidade do acto, por violados os princípios da legalidade e da proporcionalidade.
Porém, a Recorrente não tem, de todo, razão. Vejamos:
AI - Repare-se que o poder discricionário da administração depende de precedência de lei e o seu exercício encontra-se subordinado ao Direito, seja quanto ao respeito pelos direitos, liberdades e garantias consagrados constitucionalmente, seja a princípios jurídicos fundamentais onde se inclui o da proporcionalidade.
AJ - Quanto ao princípio da legalidade, tal como o nome indica, e conforme decorre do n.° 1 do artigo 3° do CPA, "1 - Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”.
AK - Por sua vez, no que concerne ao princípio da proporcionalidade, sabe-se que este princípio tem uma composição "complexa”, uma "tripla dimensão” composto pela adequação, necessidade e equilíbrio (proporcionalidade em sentido estrito).
AL - No que diz respeito à discricionariedade, observa José Carlos Vieira de Andrade que a mesma "não é livre e se exerce sempre para alcançar o fim legalmente estabelecido - nesse sentido se pode dizer que o exercício de poderes discricionários é vinculado, pelo menos à finalidade legal. Por sua vez, como a definição abstracta dos pressupostos legais se faz muitas vezes através de conceitos imprecisos, o agente administrativo acaba por colaborar na concretização do fim legal nas circunstâncias dos casos concretos - de tal modo que se pode dizer igualmente que a vinculação legal comporta momentos discricionários.
Por outro lado, em virtude do princípio da precedência da lei, não haverá dúvida de que a discricionariedade não designa uma liberdade administrativa: é um espaço decisório que resulta de concessão normativa (em regra, legislativa), nos termos do princípio da competência, que rege a actuação pública ("aquilo que não for permitido, é proibido”) (...). A vontade administrativa é objectiva e funcional, porque visa necessariamente a realização do interesse público previamente estabelecido pela lei.” (in, Andrade, José Carlos Vieira de, Lições de Direito Administrativo, 5a Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, Dezembro de 2017, pp.54 e 55).
AM - Assim sendo, atento o exposto, e face ao alegado pela Recorrente, verifica-se que esta invoca os referidos princípios, entendendo que os mesmos foram violados, apenas porque houve uma decisão que lhe foi desfavorável, ou seja, a decisão de encerramento do seu estabelecimento, por exercício ilegal de uma actividade. Na verdade, em lado algum a mesma descreveu os referidos princípios e conseguiu subsumir o seu entendimento aos mesmos. Pois, simplesmente não demonstra: Como e em que medida foi violado o princípio da legalidade; Como e em que medida foi violado o princípio da proporcionalidade.
AN - Assim, a conduta da administração, in casu, dos serviços de fiscalização do Recorrido, ao recusar, por considerar dilatória, a produção de prova testemunhal e documental requerida pela ora Recorrente, não violou quaisquer princípios, não existindo "qualquer relevância anulatória ao erro da administração por ilegalidades formais ou materias”, como alega a Recorrente porque, primeiro e como se disse, não houve qualquer erro, depois, no que concerce à questão sub judice, em todo o caso, a inexistência de licenciamento implica que não possam dar-se por erradicados todos os riscos, considerando que, nos termos legais, os edifícios em que sejam instalados estabelecimentos de apoio social estão sujeitos a licença ou autorização de utilização, o qual visa verificar a adequação do edifício ao desenvolvimento dos serviços de apoio social, licença essa da competência da Câmara Municipal, mas dependente de prévio parecer obrigatório do Instituto de Segurança Social, I.P., da Autoridade Nacional de Proteção Civil e da Autoridade de Saúde.
AO - Não tendo o imóvel fiscalizado, licença ou autorização de utilização, para os fins actualmente prosseguidos, emitida pela Câmara Municipal territorialmente competente, não está avalizada a adequação das condições de instalação do imóvel ao desenvolvimento dos serviços de apoio social, uma vez que não houve intervenção das entidades que atestam a conformidade das instalações às exigências definidas pelo legislador.
AP - Não é por a Recorrente afirmar que rectificou as deficiências apuradas em sede de acção inspectiva, que as mesmas se consideram sanadas, pois é necessário que as entidades competentes o certifiquem.
AQ - Também não é por a Recorrente dizer que vai obter o licenciamento da sua ERPI, que o mesmo vai acontecer, também aqui é necessário uma concertação de factores, legalmente previstos, para obter o licenciamento devido.
AR - Pelo que, também aqui esteve bem a douta sentença, por inexistência do vício apontado pela Recorrente.
AS - Quanto ao segundo e terceiro vícios, que a Recorrente assaca ao acto suspendendo e analisados na sentença recorrida, a saber:
“(2) Violação de lei, uma vez que à luz do artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14/03, a ausência de licença só por si não é susceptível de determinar o encerramento do estabelecimento da requerente;
(3) Violação de lei, na medida em que a requerente suprimiu e sanou no estabelecimento deficiências apontadas no relatório da acção inspectiva; e
Diga-se o seguinte:
AT - Conforme consta na douta sentença recorrida "Ora, quanto ao início de actividade dos estabelecimentos abrangidos pelo regime do Decreto-Lei n.° 64/2007, determina peremptoriamente o artigo 11.° (destaques da nossa autoria):
“1 - Os estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei só podem iniciar a atividade após a concessão da respetiva licença de funcionamento, sem prejuízo do disposto nos artigos 37.° e 38.°
2 - A instrução do processo e a decisão do pedido de licença de funcionamento são da competência do Instituto da Segurança Social, I.P."
Ressalta claramente do disposto no n.° 1 que os estabelecimentos de apoio social nele previstos só podem dar início à sua actividade após obterem a respectiva licença de funcionamento. E, baixando aos factos do caso concreto, é a ausência desta licença que determina o encerramento administrativo do estabelecimento explorado pela ora Requerente. Refere-se despacho de 16/07/2020, homologatório da proposta do relatório da equipa de fiscalização:
“(...) Assim, considero que, conforme é referido no presente projeto de relatório, a ausência de licenciamento, a inadequação das instalações face aos requisitos legais, os constrangimentos detetados nas condições de segurança contra incêndio, as deficiências detetadas em matéria de salubridade e higiene na confeção das refeições conjugados com a inexistência de recursos humanos legalmente adequados ao desenvolvimento da atividade, num contexto de dependência da maioria das pessoas idosas acolhidas, confere especial gravidade às deficiências detetadas no estabelecimento fiscalizado. (...)”
Do despacho em apreço retira-se, antes de mais, que a determinação do encerramento do estabelecimento não se deve apena a uma subsunção do caso concreto às situações do artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007 (“.deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, que ponham em causa os direitos dos utentes ou a sua qualidade de vida”), mas sim, e em primeira linha, porque o estabelecimento não está licenciado. Fundamento igualmente presente na deliberação suspendenda, onde se refere textualmente: “(...)
1. Ordenar o encerramento administrativo imediato de um estabelecimento de apoio social sem denominação com as seguintes características:
□ exerce a atividade de estrutura residencial para pessoas idosas;
□ com fins lucrativos;
□ não estando licenciado (e sem respeitar as condições legais e regulamentares inerentes à resposta social promovida);
□ funciona sob a propriedade de M...;
□ está instalado em Rua P..., A-Dos-Negros.
(…)
4. Informar a entidade proprietária de que apenas pode exercer atividade após a obtenção da respetiva licença de funcionamento, devendo para tanto dirigir-se ao Centro Distrital da sua área de residência ou consultar o endereço www.seg-social.pt.
(…)”
Ora, perante a existência de um estabelecimento a laborar sem a existência de licença para o efeito, que tem de ser obtida peremptoriamente antes do início da exploração do estabelecimento social nos termos do artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, a Entidade Requerida estava vinculada a decretar o encerramento do estabelecimento.
O facto de a Requerente ter solicitado informações junto dos serviços da Entidade Requerida, que demoraram cerca de um ano a prestar os devidos esclarecimentos, não infirma o que vem dito. Em primeiro lugar, resulta da matéria de facto que a Requerente iniciou a exploração do estabelecimento antes (em Maio de 2019) de pedir aqueles esclarecimentos (Outubro de 2019). Depois, a demora na prestação dos esclarecimentos não a habilita a iniciar a exploração de uma estrutura de apoio social sem o devido licenciamento.”.
AU - Posto isto, refira-se que, efectivamente, o mencionado despacho de 16/07/2020 é exarado no projecto de relatório, sendo o mesmo “homologatório da proposta do relatório da equipa de fiscalização”, precisamente, dos factos apurados e conclusões presentes no projecto de relatório. E, como se vê, da sentença não decorre que queria referir-se ao relatório final e referiu-se ao projecto de relatório, aliás, no excerto do despacho transcrito consta, a menção a “projeto de relatório”. O referido entendimento foi reiterado em sede de relatório final, o que sustenta a deliberação de encerramento do estabelecimento da Recorrente.
AV - Ora, consta do relatório final dos serviços de fiscalização o despacho de 08/09/2020, do Diretor da Unidade de Fiscalização do Centro, com o seguinte conteúdo "Concordo integralmente com as conclusões e propostas formuladas.
Com efeito, considerando a circunstância de, em sede de audiência de interessados, a entidade averiguada não ter apresentado argumentos passíveis de colocar em causa os fundamentos da proposta de encerramento administrativo formulada no projeto de relatório oportunamente objeto de notificação nem feito prova da cessação voluntária da atividade nos termos constantes na notificação remetida, propõe-se superiormente a remessa do presente processo ao Conselho Diretivo para apreciação e deliberação, tendo em vista o encerramento administrativo da estrutura residencial para idosos, conforme prevê o Artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, nos termos dos fundamentos de facto e de direito constantes no projeto de relatório e relatório final.” (sublinhado nosso)
AW - Por seu turno, no referido relatório final consta, igualmente, o despacho de 08/09/2020, de concordância do primeiro, proferido pela Directora do Departamento de Fiscalização, ao que se segue a Deliberação do Conselho Directivo do Recorrido (de concordância com as propostas anteriores), de 10/09/2020.
AX - Por fim, é a Recorrente notificada da decisão final, de onde se extraí a identificação do estabelecimento que deverá ser encerrado, constando “ao lado” do parágrafo, que tal decisão sustenta-se nos artigos 35° e 36° do Decreto-Lei n.° 64/2007 de 14 de Março e ainda o seguinte teor “Informar a entidade proprietária de que apenas pode exercer atividade após a obtenção da respetiva licença de funcionamento...”, pelo que, não é verdade que “Não reúnem os autos, qualquer elemento de prova do qual seja legítimo, tão pouco possível extrair-se, como erradamente se alcança na sentença que “é a ausência desta licença que determina o encerramento administrativo do estabelecimento explorado pela ora Requerente,””, como a Recorrente quer fazer crer.
Pois,
AY - Como ficou dito (e como consta na douta sentença) os fundamentos são as irregularidades detectadas pelos serviços de fiscalização (que não são só resolvidas "com obras” e instalação de equipamento, uma vez que também foram detectadas deficiências ao nível de armazenamento da comida e recursos humanos) e a ausência de licenciamento, atento o facto de que o licenciamento serve, precisamente, para comprovar que o estabelecimento, a ERPI, reúne todas as condições para desenvolver a respectiva actividade.
AZ - Ora, no caso em concreto foi verificado “in loco” e vertido no projecto de relatório e relatório final, que o estabelecimento da Recorrente consiste numa ERPI e encontra-se em funcionamento sem licença ou autorização provisória para tal, com deficiências ao nível das instalações, funcionamento, higiene e segurança que constituem perigo potencial e real, comprometendo os direitos, a qualidade de vida e a segurança dos utentes.
BA - Pelo que não só, mas também, é a ausência de licenciamento que conduz à decisão de encerramento do estabelecimento em apreço, o que se retira dos autos, encontrando-se estes devidamente fundamentados pela respectiva prova.
BB - Posto isto, também se verifica que não assiste razão à Recorrente quanto ao entendimento no sentido de “Como, de igual modo, não se encontra qualquer fundamento na lei que legitime o entendimento, vertido na sentença, pelo qual perante “a existência de um estabelecimento a laborar sem a existência de licença para o efeito, que tem de ser obtida peremptoriamente antes do início da exploração do estabelecimento social nos termos do artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, a Entidade Requerida estava vinculada a decretar o encerramento do estabelecimento.”. Vejamos:
BC - A falta de licenciamento do estabelecimento, nos termos dos artigos 10° e 11° do Decreto Lei n.° 64/2007, de 14 de Março, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 33/2014, de 4 de Março, determina a aplicação do regime sancionatório de natureza contra-ordenacional que, contudo, não será suficiente, quando as condições do estabelecimento comprometem o bem-estar e o conforto de pessoas idosas.
BD - Prevê o citado artigo 10° do referido diploma, com a epígrafe "Licença ou autorização de utilização”, que "1 - Quando tenha sido efetuada a vistoria prevista no artigo anterior e verificando- se que as instalações se encontram de harmonia com o projeto aprovado, é emitida pela câmara municipal, no prazo de 30 dias, a correspondente licença ou autorização de utilização.”.
BE - Por sua vez, decorre do mencionado artigo 11° que ”1 - Os estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei só podem iniciar a atividade após a concessão da respetiva licença de funcionamento, sem prejuízo do disposto nos artigos 37.° e 38.°. 2 - A instrução do processo e a decisão do pedido de licença de funcionamento são da competência do Instituto da Segurança Social, I.P.” (sublinhado nosso)
BF - Como se viu, não houve vistoria conjunta pelas entidades competentes, pelo que nem a Recorrente tem a devida e adequada licença ou autorização de utilização, como fez o oposto à previsão do artigo 11°, iniciando actividade sem ter a respectiva licença de funcionamento.
BG - Por seu turno, decorre do artigo 35° do mesmo diploma legal que "1 - Pode ser determinado o encerramento imediato do estabelecimento nos casos em que apresente deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, que ponham em causa os direitos dos utentes ou a sua qualidade de vida. 2 - A medida de encerramento implica, automaticamente, a caducidade da licença ou da autorização provisória de funcionamento, bem como a cessação dos benefícios e subsídios previstos na lei.”.
BH - Ora, só pela leitura dos dois números do referido artigo 35° se conclui que pode ser determinado o encerramento do estabelecimento nos casos ali enunciados (o que foi verificado em sede de processo de averiguações), e "A medida de encerramento implica, automaticamente, a caducidade da licença ou da autorização provisória de funcionamento”, documento que a Recorrente não possui.
BI - Assim sendo e, desde logo pelo princípio da legalidade, acima referido, o Recorrido perante a situação em apreço, deve determinar o encerramento do estabelecimento quando este se encontra em funcionamento sem licença.
BJ - Ou seja, aqui, verifica-se que a Recorrente primeiro inicia a actividade e depois tenta obter a licença (que ainda não tem, não obstante continuar a exercer a mencionada actividade), e a referida norma determina que sendo apurada a existência de deficiências graves, pode ser determinado o encerramento do estabelecimento. Deste modo, como o estabelecimento não devia estar em funcionamento, tem que necessariamente encerrar até ser legalizado.
BK - Alude ainda a Recorrente ao regime contra-ordenacional. Quanto a este aspecto, como é consabido, as contra-ordenações ou ilícito de mera ordenação social (IMOS) é, essencialmente, uma infracção ou facto ilícito punível com coima.
BL - Ora, o mesmo facto pode, além de se subsumir a uma previsão legal para cuja verificação tem uma cominação diferente de aplicação de coima - neste caso, o artigo 35° do Decreto-Lei n.° 64/2007 prevê que para as situações em que foram detectadas deficiências graves (no funcionamento do estabelecimento que se supunha ser legal) (previsão), há a consequência do encerramento do estabelecimento (estatuição) - pode, efectivamente, constituir uma contra- ordenação, encontrando-se prevista para esta a cominação legal de aplicação da sanção coima. Ou seja, para o mesmo facto, pode haver mais que uma consequência legal.
BM - Por sua vez, no ilícito de mera ordenação social, verifica-se o desvalor social e ético, das condutas proibidas pelo mesmo.
BN - Assim, como estatuição da ilegalidade em apreço está prevista a "sanção” que pode ser, desde logo, o encerramento do estabelecimento, ao que acresce o facto de tal constituir um ilícito contra-ordenacional, com o consequente procedimento contra-ordenacional que pode culminar com a aplicação de coima. Mas, como se vê, são procedimentos distintos (o (simples) administrativo e o contra-ordenacional).
BO - Sempre se dirá, no que diz respeito à coima que esta ”é uma sanção punitiva - simboliza o castigo (ou consequência intrínseca) pela prática da infração, contribui para o reforço da validade da norma e serve de prevenção no que respeita à prática de novas infrações.”. (...) No âmbito da atividade administrativa, e para garantir a satisfação das necessidades coletivas, é necessário, por vezes, recorrer a mecanismos coativos ou sancionatórios. A autonomia do IMOS face ao Direito Administrativo geral nasce com a distinção entre coação administrativa (medidas de polícia administrativa) e sanção administrativa (consequência desfavorável ou desagradável da prática de um ato ilícito), tendo em conta que esta era assumidamente uma sanção não criminal. (...) Sempre que os poderes públicos atuam com vista a impor ónus, encargos ou a exigir a sujeição dos particulares a consequências jurídicas desfavoráveis, decorrentes de comandos normativos públicos, com um intuito de sancionar uma prévia conduta ilícita, passa a poder traçar-se uma linha comum a várias subespécies de sanções. De onde surge a necessidade de crismar esse regime geral como "Direito Sancionatório Público” (não penal). Entre essas várias subespécies, encontram-se: (...) iv) as "sanções administrativas «stricto sensu»”. Quando ocorre uma restrição de um "direito subjetivo” ou a imposição de um "ónus” ou "encargo” a um particular, por decisão unilateral da administração pública, com intuito sancionatório - ou seja, predominantemente destinada à imposição de um sacrifício, como consequência de um incumprimento do conteúdo precetivo de um comando normativo -, pode ainda justificar-se a aplicação de regras e princípios próprios do "Direito Sancionatório Administrativo «stricto sensu»43 . (...)”
BP - "O IMOS apresenta uma natureza híbrida, quer na ótica substantiva, quer nas suas concretizações processuais. Do ponto de vista substantivo, o IMOS integra um juízo de censura normativo-social do agente pela prática do ilícito, depende de um comportamento culposo (doloso ou negligente, praticado por alguém suscetível de um juízo de culpa), e implica a sujeição a uma sanção punitiva, com fins de prevenção geral e especial. Nesta ótica, existem razões de proximidade que explicam o recurso subsidiário às regras do Direito Penal71. No entanto, não deixa de integrar também uma componente de desobediência a um determinado modelo de organização ou regulação administrativa, estando também em causa a tutela de valores organizacionais ou funcionais relacionados com o bom funcionamento das instituições do Estado.”
BQ - "O processo contraordenacional é, na sua fase administrativa, ainda um processo tendente à prática de um ato administrativo: a decisão de aplicação da coima e, eventualmente, da sanção acessória72 . (72 Como se reconhece no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 19/2011: "as decisões administrativas que aplicam determinada sanção não podem deixar de ser consideradas como «actos administrativos», na medida em que visam produzir efeitos jurídicos, numa situação individual e concreta”.)” (in REGIME GERAL DAS CONTRAORDENAÇÕES E AS CONTRAORDENAÇÕES ADMINISTRATIVAS E FISCAIS, E-BOOK, CEJ, Setembro 2015, pp.27 e ss.)
BR - Não querendo ser-se exaustivo no que concerne a matéria contra-ordenacional, mas não podendo deixar de contextualiza-la no âmbito do presente processo dado a sua invocação pela Recorrente, voltando ao caso dos presentes autos, parece-nos que o facto de no procedimento em apreço poder ser aplicada coima e, como sanção acessória o encerramento do estabelecimento, esta será para situações em que o estabelecimento até estaria a funcionar com as devidas licenças, mas foi apurado que esse funcionamento encontrava-se a ser exercido ilegalmente, por terem sido detectadas várias desconformidades com o previsto no diploma que regula esta actividade.
BS - Assim sendo, tal como em penal, também nas contra-ordenações, para ser aplicada "pena”, aqui "sanção”, o facto tem que ser típico, ilícito e culposo (sem esquecer a punição, que, em certos casos pode ser a título de negligência), pelo que, nesta matéria o diploma em apreço também determina um regime sancionatório, nos artigos 39° e seguintes.
BT - Decorre do artigo 39°-A, sob a epígrafe "Contraordenações” que "As infrações ao disposto no presente decreto-lei constituem contraordenações, nos termos dos artigos seguintes.” E assim aparece-nos a previsão da alínea a) do artigo 39°-B "Constituem infrações muito graves: a) A abertura ou o funcionamento de estabelecimento que não se encontre licenciado nem disponha de autorização provisória de funcionamento válida;”, cujo valor de coima que poderá ser aplicado encontra-se previsto no artigo 39°-E,
BU - Ao que acresce, e tal como o próprio nome indica (e, repita-se, sem querer ser-se exaustivo na descrição do regime contra-ordenacional por não ser objecto do presente dissídio), o artigo 39°- H com a epígrafe "Sanções acessórias”, acessória, naturalmente à aplicação de coima. E assim, no n.° 1 deste último preceito encontra-se previsto que "Cumulativamente com as coimas previstas pela prática de infrações muito graves e graves, podem ser aplicadas ao infrator as seguintes sanções acessórias:” (repare-se que a norma "fala” de forma genérica "com as coimas previstas pela prática de infrações muito graves e graves”, não especifica o exercício de actividade sem licenças), prevendo adiante "d) Encerramento do estabelecimento e suspensão da licença ou da autorização provisória de funcionamento;”, o que, naturalmente, poderá ser aplicado no âmbito de um procedimento contra-ordenacional, se revelar utilidade, pois se o estabelecimento tiver que ser encerrado por outras razões, no procedimento contra-ordenacional aplica-se a coima, será desnecessário determinar o encerramento do estabelecimento se o mesmo já tiver ocorrido.
BV - Como se vê, o entendimento da Recorrente de que "Apenas e só quando nas mesma situação concreta, no mesmo estabelecimento se verifique a “ausência de licença” e bem assim "deficiências graves” subsumíveis no citado artigo 35.°, é que a aplicação do regime sancionatório de natureza contra-ordenacional previsto na citada norma conjugada dos citados artigos 11.°, 39.° - B al. a), 39.° - E, al. a) e 39.° - H, n.° 1, al. d) do Decreto-Lei n.° 64/2007 de 14.03, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 33/2014 de 04.03, não é suficiente havendo que lançar mão do procedimento de encerramento administrativo imediato previsto no artigo 35.° do citado diploma.”, não tem sustento legal. Como também o citado, pela Recorrente, do artigo 133° da oposição não fundamenta a sua posição.
BW - Por seu turno, a Recorrente não pode assacar responsabilidades ao Recorrido pela sua conduta, ou seja, por possuir uma ERPI a funcionar ilegalmente, desde logo, por falta de licenciamento que deveria ter obtido oportunamente, antes de ter iniciado o funcionamento do estabelecimento.
BX - Ora, a Recorrente entende que inexistem deficiências graves pelo que, simplesmente, pode manter o funcionamento ilegal do estabelecimento da sua propriedade.
BY - Alegou para tanto que "retificou” deficiências apuradas na acção de fiscalização que originou a decisão que pretende suspender e, como se encontra a diligenciar pelo respectivo licenciamento, não tem que encerrar o estabelecimento. Arroga-se esse direito...
BZ - Ora, é de "louvar” a Recorrente encontrar-se a diligenciar em corrigir as irregularidades existentes e em obter o devido licenciamento, mas demonstra entender isso como um "favor” que está a fazer, quando devia reconhecer que se encontra a desenvolver uma actividade ilegalmente.
CA - A questão fulcral não é se a Recorrente não irá obter o devido licenciamento, mas sim que está a exercer uma actividade que não se encontra licenciada.
CB - Primeiro obtém as licenças devidas, depois exerce a actividade, esta é a ordem correcta do "procedimento” e onde, mais se diga, a questão dos empréstimos contraídos junto de instituições bancárias (e cujos valores almeja "corrigir”, com o presente recurso), para o exercício da mesma, em nada atenua a ilegalidade do seu exercício.
CC - A Recorrente pretende, ainda, justificar a sua acção, assacando responsabilidades ao Recorrido pela alegada demora deste em lhe responder, sendo inadmissível que aquela pretenda justificar o exercício ilegal de uma actividade dando a entender que tal facto ocorre por "culpa” deste.
CD - Aliás, pretensão aqui reiterada quando alega “Inexistindo as “deficiências graves" subsumíveis na previsão do artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de Março - cuja cabal prova não foi à Recorrente permitida fazer - sem deixar de olvidar a necessária repartição do ónus da prova que também se impõe à entidade Recorrida, perante a impugnação concretizada - resta a apontada ausência de licenciamento - que a própria Autora admitiu por confissão no circunstancialismo fáctico ao qual não é alheio a conduta da própria Entidade Recorrida, conforme aduziu sobre o artigo 30.° do seu requerimento de providência cautelar.”.
CE - Ora, se nos é permitida a analogia, e salvo o devido respeito, a presente situação “parece” o caso (hipotético) de alguém que compra um carro, começa a conduzi-lo, mas não tem habilitação legal para o efeito (carta de condução). Numa das viagens é “parado” numa “operação stop” e justifica a acção informando que não tem carta mas vai a caminho da escola de condução para ter aulas de código e, claro, se vai a conduzir é porque sabe fazê-lo, logo, tem a convicção que vai obter a devida habilitação legal, porque vai passar nos exames. “Culpa” ainda o agente de autoridade de o ter atrasado para a aula de código, para onde se dirigia, que, ao faltar, o atrasa a obter a referida habilitação legal.
CF - Posto isto, voltando ao caso em apreço, como é evidente, a Recorrente não pode assacar responsabilidades ao Recorrido pela sua conduta, ou seja, por possuir uma ERPI a funcionar ilegalmente, desde logo, por falta do licenciamento que deveria ter obtido oportunamente e antes de iniciar o funcionamento do estabelecimento.
CG - Assim sendo, nos termos do artigo 35°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de Março, na redacção do Decreto-Lei n.° 33/2014, de 4 de Março, pode ser determinado o encerramento imediato do estabelecimento nos casos em que este apresente deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, que ponham em causa os direitos dos utentes ou a sua qualidade de vida.
CH - Pois, a inexistência de licenciamento implica que não possam dar-se por erradicados todos os riscos, considerando que, nos termos legais, os edifícios em que sejam instalados estabelecimentos de apoio social estão sujeitos a licença ou autorização de utilização, o qual visa verificar a adequação do edifício ao desenvolvimento dos serviços de apoio social, licença essa da competência da Câmara Municipal, mas dependente de prévio parecer obrigatório do Instituto de Segurança Social, I.P., da Autoridade Nacional de Proteção Civil e da Autoridade de Saúde.
CI - Não tendo o imóvel fiscalizado, licença ou autorização de utilização, para os fins actualmente prosseguidos, emitida pela Câmara Municipal territorialmente competente, não está avalizada a adequação das condições de instalação do imóvel ao desenvolvimento dos serviços de apoio social, uma vez que não houve intervenção das entidades que atestam a conformidade das instalações às exigências definidas pelo legislador.
CJ - Assim, sem atender a demais pressupostos, basta a ausência de licenciamento para, desde logo, sem o mesmo, a actividade em causa encontrar-se a ser exercida ilegalmente, o que justifica e fundamenta a decisão de encerramento do estabelecimento.
CK - Pelo que, face ao acima expendido, e contrariamente ao entendimento da Recorrente, não se mostram verificados os vícios apontados à deliberação suspendenda:
““(2) Violação de lei, uma vez que à luz do artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14/03, a ausência de licença só por si não é susceptível de determinar o encerramento do estabelecimento da requerente;
(3) Violação de lei, na medida em que a requerente suprimiu e sanou no estabelecimento deficiências apontadas no relatório da acção inspectiva;””,
CL - Nem quaisquer outros. Não se encontrando verificado, de todo, o pressuposto fumus boni iuris.
CM - Por fim, e por referência à Ponderação de Interesses feita pela Recorrente, sempre se dirá e reitera-se o seguinte: o n.° 2 do citado artigo 120.° do CPTA estabelece um critério de proporcionalidade, dado que “também o regime geral da concessão das providências cautelares em contencioso administrativo não se basta com o preenchimento alternativo da previsão das alíneas b) ou c) do n.° 1. Assim que se preencha a previsão de uma dessas alíneas, as providências ainda podem ser, na verdade, recusadas, de acordo com o n.° 2, quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.’’ - Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, obra supra citada.
CN - Este critério obriga a uma “ponderação dos danos e prejuízos que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração e medida, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão da providência cautelar’ - Vieira de Andrade, obra citada, pág. 297 e seguintes.
CO - Temos assim, de um lado, a lesividade do interesse público, decorrente da suspensão da eficácia da deliberação, e, do outro, o concreto interesse, pecuniário, individual ou egoísta da Recorrente, que pretenderá manter o estabelecimento a laborar em pleno, durante mais alguns anos, os necessários até que ocorra o trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida na acção principal, recebendo e auferindo os proveitos económicos que daí lhe advém, desiderato só possível de alcançar se a tutela cautelar lhe for concedida.
CP - Ora, o interesse do ora Recorrido, no caso concreto, e em todos os casos, a este semelhantes, em que o procedimento seguido é o mesmo, assenta na conformidade do estabelecimento com todos os ditames legais e regulamentares, em especial, os que se prendem com o respectivo licenciamento, condições de saúde, segurança e mobilidade dos utentes.
CQ - Como se viu, o imóvel no qual funciona o estabelecimento da Recorrente não obedece à legislação aplicável, designadamente no que toca ao licenciamento, às instalações, condições de segurança, não estando por isso asseguradas as condições necessárias ao seu funcionamento.
CR - Deste modo, considerando que a preocupação do legislador em formular semelhantes exigências, e só para citar algumas, não foi decerto norteada por princípios ou valores menores, de natureza económico-financeira e que, antes, sentiu a necessidade de regulamentar com semelhante crivo a exploração de estabelecimentos lucrativos desta natureza, havendo decerto outros “negócios’ mais fáceis de constituir e legalizar.
Assim:
CS - Como poderá a Recorrente pretender que o estabelecimento se mantenha aberto ao público e a prosseguir a sua actividade?
CT - Qual seria o papel do Recorrido se pactuasse com semelhante quadro de ilegalidade?
CU - E o que sucederá se, de hoje para amanhã, laborando o estabelecimento a bom ritmo nos próximos anos, ocorrer uma tragédia, motivada pela falta de condições?
CV - Pelo exposto, também neste aspecto não procede a pretensão da Recorrente, por não verificado (mais) um pressuposto para que possa a providência cautelar requerida ser decretada.
CW - Face ao exposto, considera-se que o despacho bem como a douta decisão recorridos não enfermam de quaisquer vícios, mostrando-se inteiramente válidos e legais, devendo a pretensão formulada pela Recorrente ser considerada de manifesta falta de fundamento, logo devendo improceder.(…)»

Neste tribunal, o DMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com prévia divulgação do texto do acórdão pelos Mmos. Juízes Adjuntos, vem o processo submetido à conferência desta Secção de Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões que cumpre decidir são as seguintes:

a) Nulidade do despacho que indeferiu a produção de prova;

a) Erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida quanto à matéria de facto, relativamente a factos essenciais que não foram julgados ou não constam da fundamentação de facto da sentença e factos julgados erradamente como não provados que deveriam ter sido julgados como provados;

b) Erro de julgamento de direito ao nível da não verificação do requisito do fumus boni iuris.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis:
«(…)
1) Em Maio de 2019, a Requerente deu início ao exercício de uma actividade de apoio social a pessoas idosas com alojamento em edifício sito na Rua P..., A-Dos-negros (cfr. auto de declarações a fls. 17 do PA);
2) Em 18/10/2019, a pedido da Requerente, o Serviço Local de Óbidos do Centro Distrital de Leiria do Instituto da Segurança Social, I.P. submeteu uma “Comunicação/Pedido de informação de utente” junto do Núcleo de Respostas Sociais do Centro Distrital de Leiria daquele instituto (cfr. documento n.° 1 junto com o r.i.);
3) Em 15/10/2020 a ora Requerente obteve resposta ao pedido de informações submetido em 18/10/2019 pelo Serviço Local de Óbidos do Centro Distrital de Leiria do Instituto da Segurança Social, I.P.” junto do Núcleo de Respostas Sociais daquele Centro Distrital, dando-se integralmente por reproduzido o teor daquele documento (cfr. documento n.° 5 junto com o r.i.);
4) No dia 14/02/2020, a equipa do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais da Unidade de Fiscalização do Centro, composta pelas inspectoras Cristina Silva e Isabel Cunha, deslocou-se ao n. ° 23 da Rua P..., A- Dos-Negros (por acordo);
5) O processo de averiguações na origem da acção de fiscalização levada a cabo no dia 14/02/2020 começou com um pedido registado pelo Núcleo de Respostas Sociais da Unidade de Desenvolvimento Social do Centro Distrital de Leiria, no Sistema de Informação da Segurança Social - Sistema de Apoio à Fiscalização (SISS-SAF), por meio do qual é remetido um relatório de serviço do Posto Territorial de Caldas da Rainha da GNR, que dá a conhecer o exercício de uma actividade de apoio social a pessoas idosas com alojamento sito no concelho de Óbidos, distrito de Leiria, identificando como responsável M... (cfr. documento n.° 1 junto com a oposição e fls. 7-14 do PA);
6) Em 12/03/2020 a ora Requerente requereu junto do Centro Distrital de Leiria uma reunião com um engenheiro, dando-se integralmente por reproduzido o teor daquela missiva (cfr. documentos n. os 2 e 3 juntos com o r.i.);
7) O pedido de reunião datado de 12/03/2020 obteve resposta através do ofício n.° 51-NAD, datado de 19/03/2020, onde o Núcleo de Apoio à Direcção do Centro Distrital de Leiria do Instituto da Segurança Social, I.P. informa que foram canceladas todas as reuniões presenciais, e que após o final do período de emergência poderá ser remetido novo pedido de reunião (cfr. documento n.° 4 junto com o r.i.);
8) Em sequência da acção de fiscalização que ocorreu a 14/02/2020, foi elaborada pelo Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais do Departamento de Fiscalização da Unidade de Fiscalização do Centro a Informação n.° 88/UFC/NFES, data de 28/04/2020, com despacho de concordância exarado pelo Director da Unidade de Fiscalização do Centro a 16/07/2020, dando-se integralmente por reproduzido o seu teor (documento junto a fls. 130 de SITAF e a fls. 34-54 do PA), designadamente:
“(…)

(…)
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9) Na resposta dada pela Requerente em sede de audiência prévia, informou que já havia sanado algumas das deficiências apontadas, que estavam em execução diligências para a sanação de outras deficiências, e requereu um prazo de 60 dias para ir aos autos comprovar documentalmente, bem como requereu a audição do engenheiro responsável pelo projecto de licenciamento como testemunha (cfr. fls. 57-65 do PA);
10) A Entidade Requerida entendeu ser dilatório e não essencial a realização da diligência complementar de junção de documentos, bem como a inquirição da testemunha arrolada (cfr. documento junto a fls. 170 de SITAF e a fls. 66-72 do PA);
11) Em 31/08/2020, a Requerente suportou o encargo de € 317,35 com a aquisição de extintores para o imóvel onde funciona a estrutura residencial de idosos (cfr. documento n.° 16 junto com o r.i.);
12) Em Setembro de 2020 a Requerente teve um encargo com a aquisição e instalação de aquecimento central no imóvel onde funciona a estrutura residencial de idosos (cfr. documentos n. os 18 a 20);
13) Por deliberação de 10/09/2020 do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, I.P., de concordância com a Informação dos serviços com a referência "DF/UFCentro/NFES/PROA VE n° 20200001628" foi ordenado o encerramento administrativo imediato da estrutura residencial para idosos propriedade da ora Requerente, dando-se integralmente por reproduzido o teor daquela informação (cfr. documento junto a fls. 170 de SITAF e a fls. 66-72 do PA), designadamente:
“(…)
«Imagem no original»


14) Em 21/10/2020, a Requerente, através do Centro Distrital de Leiria do Instituto da Segurança Social, I.P., a memória descritiva e justificativa ao projecto de alterações ao uso de uma moradia unifamiliar para Estrutura Residencial para Idosos, termos de responsabilidade dos autores do projecto de plano de acessibilidades, coordenador de projecto e do projecto de arquitectura, planta de localização do imóvel, e certidão permanente do imóvel inscrito na matriz sob o n.° 1…, propriedade da ora Requerente (cfr. documentos n. os 6 a 15 juntos com o r.i.):
15) O imóvel onde funciona a estrutura residencial para idosos propriedade da ora Requerente não dispõe de licença de funcionamento emitida pelo Instituto da Segurança Social, I.P. (confissão - artigo 62.° do r.i.);
16) A Requerente suporta um encargo mensal com empréstimos pessoais que contraiu para a adaptação do imóvel onde funciona a estrutura residencial para idosos não superior a € 300,00 (cfr. documento n.° 21 junto com o r.i.);
17) A Requerente aufere uma reforma mensal no valor de € 650,00 (por acordo);
18) Com data de 05/11/2020 foi emitido parecer técnico pela Unidade Técnica de Arquitectura e Engenharia do Núcleo de Apoio Técnico às Respostas Sociais do Instituto da Segurança Social, I.P., dando-se integralmente por reproduzido o teor daquele parecer e informações do serviço subjacentes (cfr. documento junto a fls. 269 de SITAF), onde foi proferido, designadamente, o seguinte despacho pelo Director daquela unidade: 
“Nos termos dispostos na presente informação, informa-se que os elementos de projeto entregues não são suficientes explícitos e/ou não possuem informação necessária à emissão de um parecer técnico, nos termos do que se encontra expresso no n.° 1 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 64/2007 de 14 de março e alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.° 33/2014 de 4 de março.
Solicito ao Centro Distrital de Leiria que notifique a entidade requerente do exposto na presente informação com conhecimento do respectivo NRS. ”
19) Em resposta ao ofício contendo o parecer técnico datado de 05/11/2020, a Requerente requereu a concessão de quinze dias para o engenheiro responsável pela elaboração do projecto apresentado possa dar cumprimento ao solicitado (cfr documento junto a fls. 274 de SITAF).
FACTOS NÃO PROVADOS
A) O encargo mensal suportado pela Requerente com um empréstimo pessoal contraído para adaptação do imóvel onde funciona a estrutura residencial para idosos ascende a € 1.000,00.
MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal para a decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos constantes dos autos, conforme discriminado nos vários pontos da fundamentação de facto, e atendendo à posição assumida pelas partes nos respectivos articulados (cfr. artigo 118.°, n.° 2 do CPTA e 574.° do CPC).
O facto A) não logrou prova na medida em que a Requerente arrolou para prova do alegado o documento que juntou sob o número 21, atinente aos extractos mensais de conta bancária junto do banco B... emitidos nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2020, datas coincidentes com os custos identificados para aquisição de material e serviços para adaptação do imóvel. Daqueles extractos extrai-se que a ora Requerente tem três créditos ao consumo activos: o contrato de mútuo com o n.° 4546054-830-006, o contrato de mútuo com n.° 4546054-830-002 e o contrato de mútuo com o n.° 4546054-830-005, ascendendo o total em dívida, em Setembro de 2020, aos alegados € 11.947,53. Contudo, analisados os movimentos mensais, constatamos que as prestações atinentes àqueles mútuos rodam, respectivamente, os € 60, € 91 e os € 131 (somados os débitos de capital e juros e arredondados à unidade por excesso). O somatório daquelas quantias está francamente aquém dos € 1.000,00 que a Requerente alega suportar mensalmente, resultando provado, aliás, facto distinto deste, quanto ao valor do encargo mensal [item 16) dos factos provados].
***

II.2. De direito

Determina o art. 120.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA), que para o decretamento de qualquer providência cautelar devem verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Para a verificação do fumus boni iuris, na sua formulação positiva, exige-se uma probalidade séria de procedência da pretensão principal, sendo que, esta apreciação, deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade.

Por seu turno, para a verificação do periculum in mora, exige-se que dos concretos factos alegados se possa antever que uma vez recusada a providência será, depois, impossível, ou muito difícil, a reconstituição do status quo, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente. Para tal, não se segue um critério da suscetibilidade ou insuscetibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas sim o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.

A falta de qualquer um destes requisitos faz claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida, dado que a sua verificação é cumulativa. Sem prejuízo, e ainda que os mesmos se revelem preenchidos, haverá ainda que ponderar os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art. 120.º do CPTA, para depois se decidir.

Feito este enquadramento muito sumário, retomemos o caso em apreço.

O tribunal a quo deu por não verificado o requisito fumus boni iuris.

Para suportar o fumus boni iuris, a Requerente, ora Recorrente, havia imputado ao ato suspendendo, em sede de requerimento inicial e em suma, o seguinte:

1- Violação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, em virtude de o Requerido, ora Recorrido, ter considerado dispensável a realização de diligências instrutórias por si solicitadas em sede de audiência prévia;

2 Violação do disposto no art. 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14.03., por entender que a ausência de licença, unicamente, não é suscetível de determinar o encerramento do seu estabelecimento;

3- Violação de lei, pois alega que suprimiu e/ou sanou as deficiências apontadas no relatório da ação inspetiva; e

4- Violação de lei, atento o disposto no art. 9.° do Decreto-Lei n.° 37/2020 de 15.07., ao não se exigir a prévia licença de funcionamento, mas tão somente a mera comunicação prévia.

A sentença recorrida, numa análise perfunctória, deu por não verificados quaisquer um destes vícios e daí ter concluído pelo não preenchimento do requisito fumus boni iuris. Contra tal entendimento, insurge-se a Recorrente, invocando, em síntese que:

a) Nulidade do despacho que indeferiu a produção de prova;

a) Erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida quanto à matéria de facto, relativamente a factos essenciais que não foram julgados ou não constam da fundamentação de facto da sentença e factos julgados erradamente como não provados que deveriam ter sido julgados como provados;

b) Erro de julgamento de direito ao nível da não verificação do requisito do fumus boni iuris.

Vejamos.

Quanto à nulidade do despacho que indeferiu a produção de prova e, bem assim, parte do erro de julgamento quanto à matéria de facto, importa dizer que o juízo que é exigido ao juiz cautelar é um juízo provisório acerca da probalidade de sucesso da Requerente, ora Recorrente, perante a invocação de determinado vício em sede de processo principal. Pelo que, pese embora em sede de juízo perfunctório o tribunal a quo tenha concluído pela sua não probabilidade de sucesso, a tal não obsta que em sede de ação principal a Recorrente, e ali A., se proponha a requerer todos os meios de prova que se revelem adequados para infirmar tal conclusão e a provar o que afirma.

De notar também que nos termos do art. 118.º, n.º 3, do CPTA, não obstante o juiz poder ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não é admissível a prova pericial e sede cautelar.

De onde resulta também, e com relevância para o caso em apreço, considerando este concreto aspeto, que a prova pericial, e não a prova testemunhal, seria a prova adequada para pôr em causa os juízos técnicos que suportariam as conclusões que a Recorrente quer ver demonstradas nos autos, designadamente, que supriu ou está em vias de suprir ou sanar as deficiências identificadas no relatório da ação inspetiva levada a cabo pelo Recorrido, designadamente, os constrangimentos detetados nas condições de segurança contra incêndio, as deficiências detetadas em matéria de salubridade e higiene na confeção das refeições conjugados com a inexistência de recursos humanos legalmente adequados ao desenvolvimento da atividade - cfr. designadamente, factos provados n.º 4, 11, 12 e 13 - num contexto de dependência da maioria das pessoas idosas acolhidas, confere especial gravidade às deficiências detetadas no estabelecimento fiscalizado.

Acresce também que, do elenco dos vícios que imputou ao ato suspendendo, apenas este vício - supra identificado como n.º 3 - que se prende, pois, com a demonstração de que «a requerente suprimiu e sanou no estabelecimento deficiências apontadas no relatório da ação inspetiva», é que poderia, nos autos em apreço e em abstrato, ser objeto de prova testemunhal – sem prejuízo de, como se disse, a mesma se revelar inconclusiva – na medida em que todos os outros vícios imputados ao ato suspendendo convocam argumentos de direito e não de facto para a sua decisão, pelo que, e como bem decidiu o tribunal a quo, a prova testemunhal sempre se revelaria absolutamente desnecessária.

Acresce ainda que, e quanto ao erro de julgamento sobre a matéria de facto, a Recorrente invoca tal erro por referência a factos que poderiam ser relevantes para a apreciação do requisito periculum in mora – cfr. conclusões XVII a XXI de recurso - e a presente providência claudicou por não se mostrar preenchido o requisito fumus boni iuris.

Logo, não havendo necessidade de prosseguir com a apreciação do requisito periculum in mora, inútil seria a produção de prova sobre tais aspetos, pois a não verificação do primeiro daqueles requisitos, o fumus boni iuris, implica, desde logo, o não decretamento da providência cautelar requerida.

Assim, tais factos, mesmo que provados, não assumem ter relevo para a decisão a proferir, porquanto sendo atinentes, designadamente, aos prejuízos decorrentes das despesas que a Recorrente alega suportar com os empréstimos bancários que contratou para fazer face a obras e equipamentos para o estabelecimento em apreço, não foram, nem poderiam ser, determinantes para a decisão proferida.

Outra situação seria se o tribunal a quo tivesse prescindido da produção da prova e depois julgasse improcedente a providência cautelar requerida por não provada, designadamente, quanto ao periculum in mora. Mas não foi isso que sucedeu no caso em apreço. O que sucedeu foi que a decisão recorrida, adequada e fundamentadamente, tal como se exige numa decisão cautelar, deu por não verificado o fumus boni iuris no caso em apreço, pelo que, quer no momento em que prescindiu da prova testemunhal requerida, quer no momento em se pronunciou sobre os concretos vícios imputados ao ato suspendendendo, não é nula e não padece de erro quanto aos pressupostos de facto.

Prosseguindo então.

Do erro de julgamento de direito ao nível da inverificação do requisito do fumus boni iuris.

Quanto a este aspeto, o discurso fundamentador da sentença recorrida foi o seguinte:

«(…) Quanto ao primeiro vício, a Requerente faz uma alegação puramente genérica, sem qualquer densificação dos motivos e medida da violação dos princípios convocados, nem o tribunal, oficiosamente, almeja em que medida o indeferimento da realização de diligências instrutórias viola os princípios da legalidade e da proporcionalidade no caso concreto. Este vício teria, assim, de claudicar.

Depois, analisando conjuntamente os vícios (2) e (3) supra identificados, também a probabilidade da sua improcedência é superior à sua procedência. Senão, vejamos.

O citado Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14/03, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 33/2014, de 04/03, “define o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social, adiante designados por estabelecimentos, em que sejam exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como os destinados à prevenção e reparação das situações de carência, de disfunção e de marginalização social, estabelecendo ainda o respetivo regime sancionatório” (artigo 1.°).

Definindo o âmbito objectivo e subjectivo de aplicação das normas daquele diploma, consta do artigo 2.°:

«(…)»

Não é controvertido entre as partes que o estabelecimento explorado pela ora Requerente se subsume ao âmbito objectivo e subjectivo deste diploma. De todo o modo, aquilo que resulta dos factos provados é que a Requerente exerce uma actividade de apoio social a idosos com alojamento. Definindo o artigo 3.° daquele diploma que se consideram de apoio social os estabelecimentos em que sejam prestados serviços de apoio às pessoas e às famílias, serviço desenvolvido através de respostas sociais, entre outras, no âmbito de estruturas residenciais para pessoas idosas (artigo 4.°, n.° 1, al. b), do Decreto-Lei n.° 64/2007), pelo que deverá reger a sua actividade pelo disposto neste diploma.

Ora, quanto ao início de actividade dos estabelecimentos abrangidos pelo regime do Decreto-Lei n.° 64/2007, determina peremptoriamente o artigo 11.° (destaques da nossa autoria):

“1 - Os estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei só podem iniciar a atividade após a concessão da respetiva licença de funcionamento, sem prejuízo do disposto nos artigos 37.° e 38.°

2 - A instrução do processo e a decisão do pedido de licença de funcionamento são da competência do Instituto da Segurança Social, I.P.”

Ressalta claramente do disposto no n.° 1 que os estabelecimentos de apoio social nele previstos só podem dar início à sua actividade após obterem a respectiva licença de funcionamento. E, baixando aos factos do caso concreto, é a ausência desta licença que determina o encerramento administrativo do estabelecimento explorado pela ora Requerente. Refere-se despacho de 16/07/2020, homologatório da proposta do relatório da equipa de fiscalização:

“(...) Assim, considero que, conforme é referido no presente projeto de relatório, a ausência de licenciamento, a inadequação das instalações face aos requisitos legais, os constrangimentos detetados nas condições de segurança contra incêndio, as deficiências detetadas em matéria de salubridade e higiene na confeção das refeições conjugados com a inexistência de recursos humanos legalmente adequados ao desenvolvimento da atividade, num contexto de dependência da maioria das pessoas idosas acolhidas, confere especial gravidade às deficiências detetadas no estabelecimento fiscalizado. (...)”

Do despacho em apreço retira-se, antes de mais, que a determinação do encerramento do estabelecimento não se deve apena a uma subsunção do caso concreto às situações do artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007 (“.deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, que ponham em causa os direitos dos utentes ou a sua qualidade de vida”), mas sim, e em primeira linha, porque o estabelecimento não está licenciado. Fundamento igualmente presente na deliberação suspendenda, onde se refere textualmente:

“(…)

1. Ordenar o encerramento administrativo imediato de um estabelecimento de apoio social sem denominação com as seguintes características:

• exerce a atividade de estrutura residencial para pessoas idosas;

• com fins lucrativos;

• não estando licenciado (e sem respeitar as condições legais e regulamentares inerentes à resposta social promovida);

• funciona sob a propriedade de M...;

• está instalado em Rua P..., 2510-339 A-Dos-Negros.

(…)

4. Informar a entidade proprietária de que apenas pode exercer atividade após a obtenção da respetiva licença de funcionamento, devendo para tanto dirigir-se ao Centro Distrital da sua área de residência ou consultar o endereço www.seg-social.pt

(…)”

Ora, perante a existência de um estabelecimento a laborar sem a existência de licença para o efeito, que tem de ser obtida peremptoriamente antes do início da exploração do estabelecimento social nos termos do artigo 11.° do Decreto-Lei n.°64/2007, a Entidade Requerida estava vinculada a decretar o encerramento do estabelecimento.

O facto de a Requerente ter solicitado informações junto dos serviços da Entidade Requerida, que demoraram cerca de um ano a prestar os devidos esclarecimentos, não infirma o que vem dito. Em primeiro lugar, resulta da matéria de facto que a Requerente iniciou a exploração do estabelecimento antes (em Maio de 2019) de pedir aqueles esclarecimentos (Outubro de 2019). Depois, a demora na prestação dos esclarecimentos não a habilita a iniciar a exploração de uma estrutura de apoio social sem o devido licenciamento.

Por último, ainda que se aplique o regime simplificado criado pelo Decreto-Lei n.° 37/2020, de 15/07, (vício (4) supra identificado), a solução seria a mesma. O artigo 9.° daquele diploma substitui a necessidade de licença pela simples comunicação prévia. Mas a comunicação prévia, per se, não basta. Tem de ser acompanhada de uma série de elementos (destaques da nossa autoria):

“Artigo 9.°

Simplificação do licenciamento dos estabelecimentos de apoio social

1 - Até 31 de dezembro de 2020, no processo de licenciamento de funcionamento dos estabelecimentos de apoio social previsto no Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de março, na sua redação atual, a licença de funcionamento é substituída por mera comunicação prévia.

2 - O requerimento do pedido deve ser instruído com os elementos previstos nos artigos 15.° e 16.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de março, na sua redação atual, acompanhados de declaração do requerente, assumindo o compromisso de ter entregado todos os elementos solicitados nos termos da lei, bem como de respeitar todas as disposições legais, regulamentares e técnicas relativas à atividade a desenvolver.

3 - O documento comprovativo da regular submissão do pedido, instruído com os elementos e declaração previstos no número anterior, acompanhado pelo comprovativo de pagamento das taxas eventualmente devidas, constitui título válido de abertura e funcionamento para todos os efeitos legais.”

Ora, o artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 37/2020 não exime os estabelecimentos de apoio social do cumprimento de todos os requisitos previsto no Decreto-Lei n.° 64/2007 para laborarem. Exime, apenas, que o estabelecimento apenas possa funcionar após a concessão da licença por parte da Segurança Social, podendo fazê-lo antes desde que faça uma comunicação prévia, e desde que entregue os documentos previstos naquela norma e assuma o compromisso de cumprir as restantes normas de funcionamento.

Quanto às demais “disposições legais, regulamentares e técnicas", cumpre trazer à colação, desde logo, o Capítulo II do Decreto-Lei n.° 64/2007. Nos termos das normas daquele capítulo, que regulam o licenciamento da construção e utilização dos estabelecimentos de apoio social, os estabelecimentos de apoio social têm de reunir as condições de instalação de um estabelecimento as que respeitam à construção, reconstrução, ampliação ou alteração de um edifício adequado ao desenvolvimento dos serviços de apoio social, nos termos da legislação em vigor (artigo 7.°); tem de existir parecer obrigatório do Instituto da Segurança Social, I.P. sobre as condições de localização do estabelecimento, o cumprimento das normas estabelecidas no Decreto- Lei n.° 64/2007 e nos diplomas específicos e instrumentos regulamentares respeitantes às condições de instalação dos estabelecimentos, a adequação, do ponto de vista funcional e formal, das instalações projectadas ao uso pretendido e a capacidade do estabelecimento (artigo 8.°, n.° 1); têm de obter parecer da Autoridade Nacional de Protecção Civil sobre a verificação do cumprimento das regras de segurança contra riscos de incêndio das instalações ou do edifício (artigo 8.°, n.° 2); têm de obter parecer da autoridade de saúde sobre a verificação do cumprimento das normas de higiene e saúde (artigo 8.°, n.° 3); tem de ser realizada a vistoria conjunta prevista no artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 64/2007; e têm de obter a licença ou autorização de utilização previsto no artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 64/2007.

Não resulta demonstrado que o estabelecimento em apreço, não obstante não ter licença de funcionamento, tenha cumprido todos os trâmites procedimentais previstos no Capítulo II do diploma, atinentes ao licenciamento da construção e autorização de utilização, trâmites esses que não são descartados pelo procedimento simplificado do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 37/2020. Pelo contrário, resultou demonstrado que o Instituto da Segurança Social, I.P. não se encontrava ainda em condições de dar o parecer previsto no artigo 8.°, o que faz claudicar, desde logo, a reunião de todos aqueles requisitos.

Assim, atento o exposto, os vícios invocados teriam mais chances de improceder do que de proceder.(…)» (sublinhados nossos).

Desde já se adianta que o assim decidido é para manter. Vejamos porquê.

É comummente aceite que compete unicamente ao órgão instrutor avaliar da necessidade ou da pertinência das diligências requeridas pelos particulares interessados no procedimento, não estando legalmente obrigado a realizá-las, devendo, porém, e necessariamente, ponderar os pedidos e justificar sumariamente o seu indeferimento (1).

Como resulta do acima exposto, no caso dos autos, para além de ter sido cumprida a audiência prévia da Recorrente, então Requerente – cfr. factos n.º 8 e 9 da matéria de facto – resulta ainda que, em sede de decisão final, os respetivos argumentos foram ponderados, o mesmo tendo sucedido quanto às requeridas diligências de prova – cfr. factos idem.

Da mesma forma, decorre dos autos que o ato suspendendo se alicerçou no facto de o estabelecimento em apreço não estar licenciado, nem estar autorizado o seu funcionamento e, bem assim, nas demais insuficiências que registou aquando a vistoria efetuada – cfr. factos n.º 4, 11, 12, e 13 da matéria de facto.

Atentemos no disposto no art. 11.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14.03., com a última alteração introduzida pelo Decreto-lei n.º 33/2014, de 04.03., segundo o qual os estabelecimentos de apoio social geridos por entidades privadas «só podem iniciar a atividade após a concessão da respetiva licença de funcionamento, sem prejuízo do disposto nos artigos 37.º e 38.º» ou mediante a autorização provisória de funcionamento, prevista no art. 19.º do mesmo diploma legal. Assim como na Portaria n.º 67/2012, de 21.03., que regulamenta os concretos tipos de Estrutura Residencial Para Idosos (ERPI).

A natureza do estabelecimento em causa nos autos não está controvertida.

Controvertida está, e em suma, a relevância que para este tipo de estabelecimento em concreto tem a falta de licença ou de autorização de funcionamento, falta esta que também não resulta controvertida.

Vejamos.

Resulta do 36,º do citado Decreto-Lei n.º 64/2007, que a competência para determinar o encerramento administrativo destes estabelecimentos é do Recorrido, tal como resulta dos art.s 31.º e 32.º, do mesmo diploma legal, a sua competência para fiscalizar a legalidade e as condições de funcionamento, propondo as medidas sancionatórias e administrativas que se mostrem adequadas, e nas quais se inclui o encerramento.

Razão pela qual não se vislumbra, mediante um juízo sumário e perfunctório, que a pretensão da Requerente, ora Recorrente, possa proceder, quando resultou provado nos autos que o seu estabelecimento funciona qualquer licença ou autorização de funcionamento, funcionamento este que, por esse motivo, não oferece qualquer garantia e consubstancia um fator de risco para a segurança dos utentes - cfr. factos n.º 4, 8 a 13, da matéria de facto.

A licença ou autorização de funcionamento, destinam-se, pois, a verificar a adequação do edifício ao desenvolvimento dos serviços de apoio social, nos termos que bem elencou a decisão recorrida, nos seguintes termos: «tem de existir parecer obrigatório do Instituto da Segurança Social, I.P. sobre as condições de localização do estabelecimento, o cumprimento das normas estabelecidas no Decreto- Lei n.° 64/2007 e nos diplomas específicos e instrumentos regulamentares respeitantes às condições de instalação dos estabelecimentos, a adequação, do ponto de vista funcional e formal, das instalações projectadas ao uso pretendido e a capacidade do estabelecimento (artigo 8.°, n.° 1); têm de obter parecer da Autoridade Nacional de Protecção Civil sobre a verificação do cumprimento das regras de segurança contra riscos de incêndio das instalações ou do edifício (artigo 8.°, n.° 2); têm de obter parecer da autoridade de saúde sobre a verificação do cumprimento das normas de higiene e saúde (artigo 8.°, n.° 3); tem de ser realizada a vistoria conjunta prevista no artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 64/2007; e têm de obter a licença ou autorização de utilização previsto no artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 64/2007.».

Perante o que, e pese embora a Requerente, ora Recorrente, tenha indicado como testemunha no procedimento, em sede de audiência prévia, e nos presentes autos, o engenheiro responsável pelo projeto de licenciamento – cfr. facto 9 e requerimento de prova que consta do requerimento inicial -, é por demais evidente que nunca o seu testemunho poderia substituir a intervenção daquelas entidades, mesmo que, de facto, e por mera hipótese de raciocínio, a testemunha arrolada viesse dizer que, e segundo o seu entendimento, todas as exigências legais estariam asseguradas.

Razão pela qual, e como se expôs supra, a prova requerida no procedimento e no processo sempre seria inútil, porque só o licenciamento efetivo permite o funcionamento destes estabelecimentos, pois só assim se pode garantir, através do controlo a efetuar pelas entidades competentes, que o estabelecimento assegura todos as regras legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente no que concerne a requisitos higiénico-sanitários, de segurança contra riscos de incêndio, entre ouros cuidados, designadamente de saúde para os utentes/residentes, tendo particularmente em conta que se trata de uma população idosa, frágil e carecida de cuidados especiais.

Acresce que a comunicação prévia prevista no art. 9.º do Decreto-lei n.º 37/2020 (2), de 15.07., também não se vislumbra que possa vir a considerar-se cumprida pela Requerente, ora Recorrente, ao não ter instruído esta com todos os elementos previstos nos art.s 15.º e 16.º do citado Decreto-Lei n.º 64/2007, o requerimento de alterações de projeto que apresentou junto dos serviços do Recorrido - cfr. facto n.ºs 14 e 18 da matéria de facto.

O que corrobora a conclusão a que chegou o tribunal a quo, e que este tribunal de recurso secunda, não dando por verificados nenhum dos erros de julgamento que lhe foram imputados pela Recorrente, pois que outra conclusão não se pode retirar dos autos que não seja a improbabilidade de procedência da ação principal intentada ou a intentar, de impugnação da deliberação do Recorrido que determinou o encerramento do estabelecimento em causa.

A esclarecedora matéria de facto apurada na instância cautelar, ainda que de forma perfunctória, permite, pois, negar a probabilidade da procedência da pretensão da Recorrente em sede de ação principal, permitindo mesmo afirmar a probabilidade do juízo inverso, ou seja, da improcedência de tal pretensão.

Em face do que, o presente recurso claudica in totum.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 21.04.2021.

____________________________

Dora Lucas Neto

*

A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.

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(1) cfr. neste sentido, e entre muitos, os acs. do STA, P.041291, de 12.11.2003 e P.0650/06, de 06.02.2007; TCA Norte, P.00634/09.8BEVIS, de 08.05.2015; TCA Sul, P. 276/20.7BESNT, de 24.09.2020. Por seu turno, na Doutrina, v. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, in Código do Procedimento Administrativo, Comentado. 2.ª edição, Coimbra: Almedina, 1997, pg. 459 e LUIZ S. CABRAL DE MONCADA, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado. 1.ª edição, Coimbra Editora, 2015, pg. 440.
(2) Que procede à simplificação do licenciamento dos estabelecimentos de apoio social, determinando que até 31.12.2020, no processo de licenciamento de funcionamento dos estabelecimentos de apoio social previsto no Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14.03, na sua redação atual, a licença de funcionamento é substituída por mera comunicação prévia (n.º 1).