Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 469/25.0BEBRG |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/06/2025 |
| Relator: | ILDA CÔCO (RELATORA POR VENCIMENTO) |
| Descritores: | CARREIRA DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA ABERTURA DE PROCEDIMENTO CONCURSAL DECRETO-LEI N.º57/2016, DE 19 DE AGOSTO |
| Sumário: | I- Recorrendo ao elemento literal e aos elementos lógicos de interpretação da lei, a norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, deve ser interpretada no sentido de impor a abertura de concurso, apenas cabendo à instituição definir, em função do seu interesse estratégico, se abre concurso para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. |
| Votação: | COM VOTO VENCIDO |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acórdão
I – Relatório AA intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, pedindo a condenação da entidade requerida “a realizar todos os procedimentos adequados, previstos no n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º57/2017, de 19 de julho, que se consubstanciam na abertura de procedimento concursal para ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica, de acordo com as funções desempenhadas pela Autora”. Por sentença proferida em 26/06/2025, o Juízo Administrativo Social do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a intimação improcedente. Inconformada, a autora interpôs recurso da sentença para este Tribunal Central Administrativo Sul, terminando as alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. Salvo o devido respeito, que é muito elevado, a douta sentença recorrida, julgando improcedente a presente intimação e, consequentemente, absolvendo a entidade demandada do pedido, não efetuou a melhor aplicação do Direito e da Justiça. 2. Não teve em conta que através da presente ação a Recorrente pretende que a Recorrida proceda à abertura do concurso que, na sua opinião, está obrigada a abrir. 3. A precariedade da Recorrente ao serviço da Recorrida remonta ao ano de 2014. Por isso, não se entende que a violação do disposto no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016 não configure a violação de qualquer direito, liberdade ou garantia da Recorrente ou outro de natureza análoga, conforme parece resultar da douta sentença recorrida. Nomeadamente de violação da liberdade de escolha de profissão e do direito de acesso à função pública, com consagração constitucional no artigo 47.º da nossa Lei Fundamental. 4. A condenação da Recorrida na abertura de um concurso que devia ter ocorrido até 6 meses do final do contrato de trabalho celebrado com a Recorrente não é compatível com as finalidades da ação administrativa, que não permite suster os prejuízos decorrentes da falta de abertura do concurso, e não pode ser objeto de uma providência cautelar. 5. Quanto à urgência e à repercussão do decurso do tempo na ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, este tipo de ação não está subordinada a prazo, mas só deve ser usada se for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito do autor. Para efeitos de aferição da necessidade da intimação, o autor deve demonstrar que a intimação é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, no sentido de não poder voltar a exercer o direito cuja efetividade está comprometida. O acórdão proferido pelo STA em 16/05/2019, processo n.º 2762/17 e a doutrina ensinada por Rui Mesquita Guimarães em CJA n.º 135, págs. 3 a 8, ambos supra citados, sustentam esta posição aqui apresentada pela Recorrente. 6. Como melhor descrito na petição inicial, ficou demonstrada a especial urgência na tomada de decisão judicial, mostrando-se provada a indispensabilidade do recurso a este meio processual de intimação para proteção do direito da Recorrente de acesso à função pública em condições de igualdade, consagrado no artigo 47.º n.º 2 da CRP, direito esse reforçado pelo Princípio da Igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. 7. Este entendimento foi vertido na sentença proferida no processo n.º 14247/25.3..., que corre termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que condenou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa por ter concluído que: “a norma do supracitado n.º 5 do artigo 6.º do DL n.º 57/2016, consagra uma obrigação vinculada da entidade empregadora pública, condicionada ao seu “interesse estratégico”, mas que não pode servir de justificação para neutralizar por completo a abertura do procedimento, quando estejam em causa funções de caráter permanente.(…) O cumprimento formal da abertura de concursos em áreas genéricas não equivale, necessariamente, ao cumprimento substancial da obrigação legal imposta pelo n.º 5 do artigo 6.º do DL 57/2016. Tal interpretação desvirtuaria os objetivos da norma, comprometendo a proteção do direito de acesso à função pública e o princípio da segurança no emprego (art. 47.º e 53.º da CRP), além de abrir espaço à perpetuação da precariedade em violação da Diretiva 1999/70/CE. (…) entende este Tribunal, que a Entidade Demandada não deu integral cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, com a redação dada pela Lei n.º 57/2017, por não ter promovido, até seis meses antes do termo do contrato, a abertura de procedimento concursal adequado e dirigido à categoria da carreira de investigação científica compatível com as funções efetivamente desempenhadas pela Autora.” 8. Quanto ao “interesse estratégico”, a douta sentença recorrida faz uma errada interpretação deste conceito, plasmado no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016. Como abordado supra de forma mais alargada, este conceito aplica-se a todo o tipo de organização ou atividade humana. Através deles são definidos os objetivos e a necessidades de uma determinada organização. A investigação científica e o ensino superior, são interesses estratégicos porque, o primeiro sustenta o desenvolvimento económico e social; garante autonomia e soberania em setores-chave; projeta a influência de Portugal e das instituições de ensino superior no cenário global; e responde de forma qualificada aos grandes desafios do presente e do futuro que se colocam a Portugal e ao Mundo. Ao passo que o segundo fortalece a base científica, tecnológica, económica e social de Portugal, contribuindo de forma indispensável para o seu desenvolvimento sustentável, a sua soberania e a sua presença no palco Internacional. 9. A Recorrida integra uma Universidade com elevado prestígio em Portugal e no Mundo, tem um Plano Estratégico para 2023/2027, consultável em https://www.ulisboa.pt/documento/plano-estrategico-2023-2027, que assenta em três pilares fundamentais: Ensino, Investigação e Inovação e valorização do conhecimento, cujo conteúdo se encontra supra transcrito. É ainda de acrescentar que na página n.º 48 deste documento, nos objetivos elencados no âmbito dos recursos, é definido o combate “à precariedade dos vínculos laborais de docentes, investigadores e trabalhadores técnicos e administrativos”. 10. Quanto à interpretação a dar à expressão “em função do seu interesse estratégico”, contida no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei 57/2016, o “Relatório da discussão e votação na especialidade, texto final da Comissão de Educação e Ciência e propostas de alteração apresentadas pelo PS, BE e PCP”, registado no Diário da Assembleia da República, de 1 de junho de 2017, II série B, n.º 48, págs. 7 e 8, consultável em https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2b/13/02/048/2017-06-01/7?pgs=6-35&org=PLC&plcdf=true e supra transcrito na íntegra, é um bom contributo neste domínio interpretativo. De acordo com este relatório, ao introduzir esta norma o legislador teve como objetivo dar resposta ao problema criado com “a separação entre investigação e docência, e que esta separação foi prejudicial ao conjunto do sistema do ensino superior e de ciência e tecnologia. Considera que é, portanto, necessário que haja uma melhor integração entre essas duas formas de participar no sistema de ensino superior e ciência, parecendo adequado ao seu Grupo Parlamentar o reforço da capacidade docente, uma vez que esta é vista como «primeira obrigação» das instituições, quando na verdade o reforço da capacidade docente vai a par com o reforço da capacidade de investigação, podendo estas funções ser trabalhadas lado a lado. A possibilidade que é dada na proposta de alteração do PS é necessária, pois permite ajudar as instituições a responderem à reorientação da sua forma de gestão. O Grupo Parlamentar do PS entende, assim, que uma melhor articulação entre a carreira de docente e a carreira de investigador é positiva para o sistema e para as pessoas que estão no sistema e por isso apelaram a esta abertura, reforçando que a ideia do diploma é a defesa do emprego científico digno e sustentável, tratando-se de um passo que pode ser dado, no sentido de ajudar as instituições a cumprir com o presente diploma”. 11. Tendo em conta o conceito de interesse estratégico e as razões que levaram o legislador a criar a norma constante do n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, faz todo o sentido que esta norma seja interpretada do seguinte modo: Até seis meses antes do termo do prazo de seis anos do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo celebrado com um investigador, ao abrigo deste diploma legal, a instituição é obrigada a abrir procedimento concursal de acordo com as funções desempenhadas por este trabalhador. Em função do interesse estratégico da instituição o procedimento concursal pode ser aberto para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. 12. Recorrida afirma solenemente que não é do seu interesse estratégico promover a abertura de procedimento concursal. Devemos questionar: Qual é, então, o interesse estratégico do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa? 13. Quer em sede de contestação, quer em sede de recurso a Recorrida não esclarece qual é o interesse estratégico que a leva a decidir não abrir concurso procedimental após largos anos de meritório serviço da Recorrente na Instituição. 14. Não consta da matéria de facto provada qualquer impedimento relacionado com o alegado – mas não provado – interesse estratégico que justifique a não abertura do procedimento concursal. 15. A alegação de interesse estratégico divergente da Recorrida tem de ser concretamente sindicável pelo Tribunal, não lhe bastando alegar um conceito indeterminado como justificação para a não abertura, neste caso concreto, do procedimento concursal. 16. O princípio da legalidade subordina a atividade administrativa à Lei, de forma vinculativa. A reserva de lei é a base legal da atividade administrativa. A lei assume-se não só como limite, mas também como pressuposto e fundamento da atividade administrativa. 17. Não podemos deixar de ter em conta que o contrato de trabalho a termo resolutivo certo foi celebrado para o exercício de atividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia em instituições do SCTN. A lei não obriga que o concurso seja aberto para a carreira de investigação científica. Permite que a instituição, em função do seu interesse estratégico, possa optar entre a abertura de um concurso para esta carreira ou para a carreira docente. 18. Quanto aos princípios e normas constitucionais violadas, o Direito do Trabalho é, na Constituição, antes de tudo, Direito dos Trabalhadores, em consonância com a sua génese e com a matriz do texto constitucional de 1976. A I Revisão Constitucional acentuou esta proteção dos trabalhadores, criando no domínio dos direitos, liberdades e garantias uma nova área, dedicada aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, de modo a aplicar diretamente a estes direitos a força jurídica dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º), sem dependência da equiparação casuística do artigo 17.º. 19. Não restam dúvidas de que estes regimes se aplicam a todos os trabalhadores, incluindo os que exercem funções públicas, por força dos artigos 18.º n.º 1 e 13.º n.º 1 da Constituição. Aliás, a evolução da legislação da Função Pública tem sido marcada por uma progressiva convergência entre os trabalhadores do Estado e os trabalhadores do "setor privado", no desenvolvimento deste programa constitucional. 20. A primeira e irrecusável dimensão da segurança no emprego é a proibição de despedimentos sem justa causa. Mas a segurança no emprego tem uma projeção mais ampla e exigente na legislação laboral que resulta da sua conjugação com a obrigação de executar políticas de pleno emprego atribuída ao Estado (e em especial ao Governo e à Assembleia da República, no âmbito das respetivas competências legislativas e executiva), pelo artigo 58.º n.º 2, alínea a), da Constituição. É desta dimensão normativa do direito ao trabalho e da segurança no emprego que resultam, conjugadamente, as limitações ao número de contratos a prazo ou os regimes de conversão em contrato de trabalho dos contratos de prestação de serviços fraudulentos. 21. O regime consagrado no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei 57/2016, de 28 de agosto, deve ser compreendido a esta luz. As instituições públicas, ou dotadas de financiamento público, devem "em função do seu interesse estratégico, proceder à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos (...)". Trata-se de um regime que pretende combater a precariedade resultante da sucessão infindável de contratos a prazo, assentando numa presunção iniludível de que a necessidade de prestação de trabalho (já) não é temporária. 22. Pode, na verdade, questionar-se o sentido da referência ao “interesse estratégico da instituição”, neste contexto. A abertura de concurso depende do interesse da instituição, rigorosamente insindicável, esvaziando a norma de sentido útil e retirando-a do enquadramento constitucional que lhe dá a razão de ser? Esta alternativa de interpretação não faz sentido. O argumento literal e, sobretudo, os elementos histórico (espelhado na exposição de motivos do diploma sub judice) e sistemático e teleológico, nos termos explicitados, conduzem a outra interpretação. O que depende do interesse estratégico da instituição é optar pela abertura de um concurso para docentes ou investigadores, mas não a abertura do próprio concurso. É esta a interpretação imposta pela consideração das regras contidas no artigo 9.º do Código Civil. 23. O entendimento alternativo, que faz depender a abertura de qualquer concurso do interesse estratégico da instituição, assenta numa interpretação inconstitucional do artigo 6.º n.º 5 do Decreto-Lei 57/2016, de 28 de agosto. 24. Tal interpretação viola, desde logo, o artigo 47.º n.ºs 1 e 2 da Constituição, na medida em que restringe de modo desnecessário e desproporcionado, em contradição com o disposto no artigo 18.º n.º 2 da Constituição, o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, por via de concurso e também o próprio direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade. 25. Por outro lado, a interpretação em crise viola o direito ao trabalho e a segurança no emprego, consagrados mos artigos 58.º n.º 1 e 53.º n.º 1, respetivamente, da Constituição. 26. Impõe-se, por conseguinte, como interpretação conforme à Constituição, o entendimento segundo o qual apenas depende do interesse estratégico da instituição optar pela abertura de um concurso para docentes ou investigadores, mas não a abertura do próprio concurso. O Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: A. Os presentes autos correspondem a uma intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias ao abrigo da qual a Recorrente alega estarem em perigo de violação iminente os seus direitos fundamentais à segurança no emprego e ao acesso à função pública, peticionando, por isso, condenar a Recorrida a abrir um concurso para “ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica, de acordo com as funções desempenhadas pela Autora”, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho. B. A douta sentença recorrida julgou esta ação improcedente, considerando verificada uma exceção que obstava à sindicância do objeto da causa pelo tribunal na medida em que a aplicabilidade do n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho depende de um juízo discricionário da Administração Pública. C. Com efeito, essa norma dispõe que: “A instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2” (negrito e sublinhado nosso). D. O tribunal a quo, respaldando-se em jurisprudência constante dos tribunais sobre esta questão, considerou que a determinação do “interesse estratégico” compete à própria instituição de ensino superior, não podendo os tribunais substituir-se a esta. E. Nessa medida, o tribunal não tem jurisdição para apreciar a causa. F. O conceito de interesse estratégico da instituição de ensino superior é um conceito indeterminado que apenas a própria instituição, fazendo uso da sua discricionariedade administrativa, poderá preencher casuisticamente. G. Não podendo os tribunais substituir-se às instituições de ensino superior na determinação de qual(ais) é(são) o(s) seu(s) interesse(s) estratégico(s) em cada caso concreto, sob pena de violação da reserva administrativa, do princípio da separação de poderes e da autonomia do Ensino Superior. H. Além de que, a própria natureza do poder jurisdicional e das suas competências, não confere aos tribunais os elementos necessários para formar uma volição de mérito administrativo sobre o interesse estratégico de cada instituição de ensino superior em cada caso concreto. I. Por outro lado, verifica-se que a Recorrente não impugna efetivamente este entendimento da douta sentença recorrida, não alegando de forma expressa nem contra a interpretação de que o juízo de “interesse estratégico” cai fora das atribuições do poder jurisdicional, nem que in casu se verificasse uma violação de norma forma ou erro manifesto na apreciação desse interesse estratégico. J. Com efeito, se, por um lado, o juízo discricionário das instituições de ensino superior é delimitado pela lei – e nessa medida, como refere a douta sentença recorrida, o tribunal poderá sindicar erros manifestos de ponderação ou ilegalidades formais –, por outro lado, a Recorrente não alegou qualquer erro manifesto ou ilegalidade formal na decisão administrativa. K. Ademais, ao contrário do que alega a Recorrente, nem as funções por si desempenhadas correspondem a necessidades permanentes da Recorrida, nem – mesmo que assim não fosse – é essa eventual necessidade permanente um critério para a (in)aplicabilidade do n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho. L. Exatamente neste sentido referiu o tribunal a quo: “A Autora alega ainda que as funções por si desempenhadas satisfazem necessidades permanentes da Entidade Demandada, na área da investigação, pelo que o seu vínculo é inadequado. No entanto, afigura-se que, para a questão jurídica em apreço, não relava [sic] a questão de saber se as funções desempenhadas satisfazem necessidades permanentes da instituição de ensino superior, na medida em que essa circunstância não releva para efeitos da aplicação do n.º 5 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016. Por outras palavras, não é em função do desempenho de necessidades permanentes que o concurso é aberto ou não, não estando em causa um procedimento de regularização de vínculos contratuais precários. A necessidade permanente da função pode relevar, sim, para efeitos do interesse estratégico da instituição, mas esse é um juízo discricionário, nos termos expostos.”. M. É evidente que não resulta da letra do do n.º 5 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016 qualquer menção à necessidade permanente da função desempenhada pelo doutorado. N. O carácter permanente da necessidade a preencher poderá in extremis relevar para o juízo quanto ao interesse estratégico, porém, conforme supra referido, o juízo quanto ao interesse estratégico corresponde a um juízo discricionário e judicialmente insindicável da instituição de ensino superior. O. Ou seja, é irrelevante para efeitos do disposto no n.º 5 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016 que a função desempenhada pelo doutorado corresponda ou não a uma necessidade permanente da instituição de ensino superior. P. Questão esta ignorada no recurso sub iudice. Q. Ao que acresce que o contrato de trabalho celebrado entre as partes e cuja vigência cessou em 31 de janeiro de 2025 não cessou por decisão da Recorrida, mas sim por imposição legal imperativa. R. O contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente a Recorrida renovou-se por três vezes: a primeira renovação ocorreu em 01.02.2022; a segunda renovação ocorreu em 01.02.2023 e a terceira e última renovação ocorreu em 01.02.2024 – verificada esta renovação, o contrato chegou ao seu limite temporal máximo por força do n.º 2 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 57/2016 de 29 de Agosto com a redação dada pela Lei n.º 57/2017 de 19 de Julho. S. Ainda assim, o facto é que a Recorrida abriu efetivamente um procedimento concursal para celebração de contrato de trabalho nos termos peticionados pela Recorrente, concretamente para a categoria de investigador Auxiliar da carreira de investigação científica, de acordo com as funções desempenhadas pela Recorrente na área científica de Antropologia Social e Cultural. T. Concurso esse que foi devidamente publicitado na 2.ª série do Diário da República, na Bolsa de Emprego Público, no sítio da Internet da Recorrida e, ainda, nos jornais SSS e TTT. U. A Recorrida não só procedeu à abertura e publicitação do referido procedimento concursal nos termos legalmente previstos, como, ainda, em 30.07.2024, enviou uma comunicação escrita à Recorrente, por carta registada com aviso de receção, para a morada que consta do contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado com a Recorrente (e da petição inicial), a dar conhecimento da abertura do referido concurso. V. A Recorrente poderia ter participado nesse procedimento, porém, por motivos apenas a si imputáveis, não o fez. W. Ora, o que resulta do disposto no n.º 5 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 57/2016 de 29 de Agosto com a redação dada pela Lei n.º 57/2017 de 19 de Julho, é o dever de, verificados os requisitos e pressupostos legais, a instituição de ensino superior abrir um procedimento concursal. X. Isto é, um procedimento aberto à concorrência. Y. O n.º 5 do art. 6º Decreto-Lei n.º 57/2016 de 29 de Agosto com a redação dada pela Lei n.º 57/2017 de 19 de Julho não consagra a integração do contratado doutorado, de forma automática, na carreira de investigação científica. Z. Não há qualquer direito legal da Recorrente celebrar automaticamente um contrato de trabalho com a Recorrida. AA. Em todo o caso, a abertura do concurso previsto no n.º 5 do art. 6º Decreto-Lei n.º 57/2016 de 29 de Agosto com a redação dada pela Lei n.º 57/2017 de 19 de Julho depende do interesse estratégico da Recorrida. BB. Ora, além da insindicabilidade desse interesse pelos tribunais, o que se verifica objetivamente é que inexiste tal interesse no caso concreto. CC. Por fim, não se verifica qualquer violação (ou risco iminente de violação) dos direitos, liberdades e garantias invocados pela Recorrente – requisito sine qua non da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias. DD. Desde logo, não se verifica minimamente em causa o alegado direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 58.º n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa. EE. Em primeiro lugar, o contrato entre as partes cessou por determinação legal imperativa. FF. Em segundo lugar, a Recorrente não foi despedida sem justa causa, nem por motivos arbitrários. GG. Em terceiro lugar, a Recorrente poderia ter participado em concurso para novo contrato, apenas escolheu não o fazer. HH. Também não se verifica qualquer restrição da liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública, consagrada no artigo 47.º da Constituição da República. II. Conforme supra exposto, a Recorrida abriu efetivamente um concurso no qual a Recorrente poderia ter participado. JJ. Pelo que, a Recorrente teve plena liberdade e efetiva possibilidade de aceder à função pública, sucedendo apenas que a Recorrente escolheu não participar nesse procedimento concursal. KK. Mais: a Recorrente não alega, nem demonstra que a falta de uma decisão de mérito urgente acarreta a impossibilidade irreversível do exercício do direito por si invocado. LL. Ora, não tendo sido demonstrada qualquer urgência, a invocada violação dos direitos de escolha de profissão e acesso à função pública por alegada falta de abertura de procedimento concursal, a existir, sempre poderia ser assegurada por outros meios processuais. MM. Ergo, nenhum dos pressupostos previstos no art. 109º do CPTA se encontra preenchido no presente caso. * O Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso. As partes pronunciaram-se sobre o Parecer do Ministério Público. * Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo à conferência para julgamento. * II – Questões a decidir Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, em virtude de, por força do disposto no artigo 6.º, n.º5, do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, impender sobre a entidade requerida o dever de proceder à abertura de procedimento concursal. * III – Fundamentação 3.1 – De Facto Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos: 1. Entre 01.05.2014 e 31.01.2019, a Autora foi investigadora na área de Antropologia Social e Cultural, como bolseira de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (facto não controvertido). 2. O Demandado procedeu à abertura de "Concurso documental internacional para recrutamento de investigador, Ref.ª-..., ao abrigo da norma transitória do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de Julho, por contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, na área de Antropologia Social e Cultural", publicitado pelo Aviso n.º ..., publicado no Diário da República, ...de Junho, ao qual a Autora foi oponente e graduada em primeiro lugar (facto não controvertido). 3. Na sequência do referido, em 01.02.2019, a Autora celebrou com o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa um "Contrato de Trabalho em Funções Públicas a Termo Resolutivo Certo N.º .../..., do qual consta, entre o mais, o seguinte: “[…]
[…]
[...]" (cf. documento 1, com a petição inicial). 4. Após o período inicial de três anos, contrato foi sucessivamente renovado por períodos de um ano, por último em 01.05.2024 (facto não controvertido). 5. Por ofício do Demandado datado de 18.07.2024, foi comunicado à Autora o seguinte: "[...]
[...]" (cf. documento 7, com a petição inicial). * 3.2 – De Direito Na presente intimação, a autora, ora recorrente, pede a condenação da entidade requerida/recorrida “a realizar todos os procedimentos adequados, previstos no n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º57/2017, de 19 de julho, que se consubstanciam na abertura de procedimento concursal para ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica, de acordo com as funções desempenhadas pela Autora”. A questão que se coloca, no presente recurso, é a de saber se, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a norma do n.º6 do artigo 57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, impõe a abertura de concurso, apenas cabendo à instituição definir, em função do seu interesse estratégico, se abre concurso para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. Vejamos. O Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, aprovou um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento, a promover o rejuvenescimento das instituições que integram o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN), bem como a valorizar as actividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia nessas instituições [artigo 1.º]. Com o regime do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, o legislador pretendeu, entre o mais, e como resulta do respectivo preâmbulo, reforçar “as condições de estabilidade e previsibilidade para os investigadores doutorados, já que os contratos de trabalho têm o seu horizonte temporal alargado para seis anos, face aos apenas cinco do programa Investigador FCT”. Relativamente às modalidades de contratação, o artigo 6.º, n.ºs 1 a 4, do mesmo diploma legal, na sua redacção originária, estabelece o seguinte: “1. A contratação de doutorados ao abrigo do presente decreto-lei realiza-se através de: a) Contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas [LTFP], aprovada em anexo à Lei n.º35/2014, de 20 de junho, e alterada pelas Leis n.ºs 82-B/2014, de 31 de dezembro, 84/2015, de 7 de agosto, e 18/2016, de 20 de junho, no caso de contratos a celebrar por entidades sujeitas ao regime de direito público; b) Contrato de trabalho a termo incerto, nos termos do Código do Trabalho, no caso de contratos a celebrar por entidades abrangidas pelo regime de direito privado. 2. Os contratos referidos na alínea a) do número anterior são celebrados pelo prazo de três anos, automaticamente renováveis por períodos de um ano até à duração máxima de seis anos, salvo se, e sem prejuízo de outras causas de cessação ou extinção legalmente previstas, o órgão científico da instituição contratante propuser a sua cessação com fundamento em avaliação desfavorável do trabalho desenvolvido pelo doutorado, realizada nos termos do regulamento em vigor na instituição contratante, a qual deve ser comunicada ao interessado até 90 dias antes do termo do contrato. 3. Os contratos a que alude a alínea b) do n.º1 são celebrados pelo prazo máximo de seis anos, com fundamento na execução de serviço determinado, precisamente definido e não duradouro. 4. Nos casos em que na entidade contratante não exista órgão científico, o órgão executivo da instituição é competente para emitir a proposta prevista no n.º2”. Como resulta do disposto no artigo 10.º, n.º1, do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, o recrutamento de doutorados realizado por instituições públicas ao abrigo daquele diploma legal, com excepção das instituições de ensino superior públicas de regime fundacional, é efectuado mediante procedimento concursal de selecção internacional, ao abrigo do disposto no n.º6 do artigo 30.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º35/2014, de 20 de Junho. De acordo com o artigo 23.º do mesmo diploma legal, no prazo de um ano a contar da sua entrada em vigor, as instituições devem proceder à abertura de procedimentos concursais para a contratação de doutorados para o desempenho das funções realizadas por bolseiros doutorados que celebraram contratos de bolsa na sequência de concurso aberto ao abrigo do Estatuto do Bolseiro de Investigação e que desempenham funções em instituições públicas há mais de três anos, seguidos ou interpolados, ou estejam a ser financiados por fundos públicos há mais de três anos, igualmente seguidos ou interpolados. O Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, foi alterado, por apreciação parlamentar, pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, sendo que, como resulta dos respectivos trabalhos preparatórios, o objectivo que presidiu àquela apreciação parlamentar foi o combate à precariedade do emprego científico e tecnológico. A Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, alterou o artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, cujo n.º5 passou a estabelecer o seguinte: “A instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º2”. Como resulta do disposto no artigo 9.º do Código Civil, o elemento literal, ou seja, as palavras em que a lei se expressa, constitui o ponto de partida da interpretação, uma vez que a interpretação, que, no entanto, não se deve cingir à letra da lei, deve “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo”. O elemento literal desempenha duas funções, a saber; uma função negativa ou de exclusão, uma vez que o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso [n.º2 do artigo 9.º do Código Civil]; uma função positiva, na medida em que o intérprete deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [n.º3 do artigo 9.º do Código Civil]. Ora, a norma citada estabelece, grosso modo, que a instituição procede à abertura de procedimento concursal, o que aponta para uma imposição e não uma mera possibilidade, sendo que quando o legislador, no âmbito do mesmo diploma legal, pretendeu impor a abertura de concurso recorreu ao mesmo verbo – proceder –, ainda que acompanhado do verbo auxiliar dever [artigo 23.º, n.º1, do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na sua redacção originária] e, de modo diferente, a uma locução verbal, formada pelo verbo auxiliar poder e pelo verbo principal proceder – pode proceder – para prever a possibilidade de ser aberto concurso [n.º6 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho]. Não obstante, a mesma norma refere que a instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal, o que permite a interpretação segundo a qual é o interesse estratégico da instituição que define se deve, ou não, ser aberto procedimento concursal, pelo que, nesta interpretação, a norma em causa não teria o alcance de impor a abertura daquele procedimento. O recurso ao elemento literal da norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, não é, assim, suficiente para interpretarmos, ou seja, para definirmos o sentido da mesma norma, uma vez que, e em suma, se a utilização do verbo proceder aponta para uma imposição, a referência ao interesse estratégico da instituição sugere que é este interesse que determina, ou não, a abertura do procedimento concursal. Impõe-se, assim, recorrer aos elementos lógicos de interpretação da lei, concretamente, ao elemento sistemático, ao elemento histórico e ao elemento teleológico. Assim, importa ter presente que, até à alteração introduzida ao artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, já existia a possibilidade de as instituições procederem à abertura de procedimentos concursais para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira docente do ensino superior para recrutamento de doutorados contratados ao abrigo do disposto naquele diploma legal, uma vez que tal possibilidade resultava quer do Estatuto da Carreira de Investigação Científica, aprovado pelo Decreto-lei n.º124/99, de 20 de Abril, então em vigor, quer do Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo Decreto-lei n.º448/79, de 13 de Novembro. A norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, não veio, assim, permitir a abertura de procedimentos concursais para as mencionadas categoria e carreira para recrutamento de doutorados contratados ao abrigo do disposto naquele diploma legal. Assim sendo, interpretada no sentido de que cabe à instituição decidir, em função do seu interesse estratégico, se abre ou não concurso, a norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, teria um alcance muito limitado, qual seja, impor que a instituição, no prazo nela previsto – seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º2 – ponderasse, em função do seu interesse estratégico, a possibilidade de abrir concurso. Acresce que a Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, além de alterar o n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, aditou um n.º6, com o seguinte teor: “Independentemente do prazo a que alude o número anterior, as instituições podem, a todo o tempo, proceder à abertura de procedimento concursal nos termos legais”. Ora, a norma citada apenas tem sentido útil se a norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, impuser a abertura de procedimento concursal seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º2 do mesmo artigo, salvaguardando-se, pois, a possibilidade de as instituições procederem à abertura de procedimento concursal nos termos legais a todo o tempo, não se limitando, assim, a abertura destes procedimentos ao momento temporal definido no n.º5. Se, tal como entendeu o Tribunal a quo, a norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, alterada pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, não impõe a abertura de procedimento concursal, apenas impondo, acrescentamos nós, que a instituição pondere, em função do seu interesse estratégico, a possibilidade de abrir concurso, a mencionada salvaguarda pouco acrescentaria ao que já resultava dos “termos legais” para que remete. A interpretação sistemática da norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, alterada pela Lei n.º57/2017, de 29 de Julho, aponta, assim, no sentido de que a mesma norma impõe a abertura do procedimento concursal. Relativamente ao elemento histórico da interpretação, que atende às circunstâncias em que a lei foi elaborada, assumindo relevância, neste âmbito, os respectivos trabalhos preparatórios, importa referir que, no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 11/09/2025, proferido no Processo n.º288/25.4..., em que a relatora foi adjunta e o 1.º adjunto relator, foi efectuada uma análise exaustiva dos trabalhos preparatórios da Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, que acompanhamos, realçando aqui apenas os aspectos que consideramos fundamentais. A Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, teve origem em dois requerimentos de apreciação parlamentar do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, um apresentado pelo grupo parlamentar do Bloco de Esquerda e outro pelo grupo parlamentar do Partido Comunista Português, dos quais resulta um objectivo comum, qual seja, o combate à precariedade do emprego científico e tecnológico [todos os documentos relativos ao processo legislativo da Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, podem ser consultados em www.parlamento.pt]. As sucessivas propostas que vieram a ser apresentadas pelos grupos parlamentares do Partido Socialista, Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português apresentavam uma diferença fundamental: enquanto as propostas do Partido Socialista previam a abertura de um procedimento concursal seis meses antes do termo do prazo de duração máxima do contrato de trabalho a termo resolutivo certo, as propostas do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português previam, respectivamente, a contratação por tempo indeterminado e a integração na carreira de investigação científica, findo aquele prazo, sem concurso. A redacção da norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, corresponde, no essencial, à proposta apresentada pelo grupo parlamentar do Partido Socialista em 12/04/2017, que, como resulta do Relatório de discussão e votação na especialidade, foi aprovada com os votos a favor do PS, BE e PCP e a abstenção do PSD e CDS-PP, “uma vez que os Grupos Parlamentares concordam com a interpretação que deve ser dada à norma em causa, ou seja, que ela não visa constituir um precedente para o esvaziamento da carreira de investigação científica”. Atento o objectivo que presidiu à apreciação parlamentar do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, qual seja, como já referimos, o combate à precariedade do emprego científico e tecnológico, e a aprovação da proposta que veio dar origem à Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, pelos partidos que, grosso modo, pretendiam a integração dos doutorados contratados na carreira de investigação científica, findo o prazo de duração máxima dos contratos de trabalho a termo resolutivo certo, sem concurso, podemos concluir que, com a alteração do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 19 de Agosto, se pretendeu impor a abertura do procedimento concursal, servindo o interesse estratégico da instituição apenas para definir se seria aberto concurso para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. Por fim, também o elemento teleológico de interpretação da lei, que atende ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, aponta no sentido de que a norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, impõe a abertura do procedimento concursal no prazo nela previsto. Com efeito, sendo a ratio legis da Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, o combate à precariedade do emprego científico e tecnológico, este objectivo não seria atingindo se se mantivesse, no essencial, o regime que já resultava do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, uma vez que, como já referimos, e agora reiteramos, a possibilidade de as instituições abrirem concursos para a categoria da carreira de investigação científica e da carreira de docente do ensino superior para recrutamento de doutorados já existia, nos termos gerais previstos no Estatuto da Carreira de Investigação Científica, aprovado pelo Decreto-lei n.º124/99, de 20 de Abril, então em vigor, e no Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo Decreto-lei n.º448/79, de 13 de Novembro. A norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, apenas serve o mencionado objectivo se interpretada no sentido de impor a abertura do procedimento concursal. Pelo exposto, recorrendo ao elemento literal e aos elementos lógicos de interpretação da lei, concluímos que a norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, deve ser interpretada no sentido de impor a abertura de concurso, apenas cabendo à instituição definir, em função do seu interesse estratégico, se abre concurso para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. Alega, no entanto, a recorrida que “abriu, efectivamente, o procedimento concursal reclamado pela Recorrente, através dos Avisos n.ºs ..., n.º ..., ..., n.º ... e n.º ..., de 22 de Julho, publicados no Diário da República n.º ... de julho e publicitados na Bolsa de Emprego Público com os códigos ...,..., ..., ... e..., relativos a cinco concursos externos para recrutamento de cinco investigadores auxiliares, nas áreas cientificas de Antropologia Social e Cultural e Cultural, Ciência política, Geografia Humana, História e Sociologia, respetivamente”. Contudo, a questão de ter sido aberto concurso e, assim, dado cumprimento ao disposto no n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, não foi apreciada pelo Tribunal a quo. Com efeito, quanto à mencionada questão, consta da sentença recorrida, designadamente, o seguinte: “(…) pese embora o Demandado invoque o cumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 6.º do DL 57/2016, de 29 de Agosto (na redacção que resulta da Lei n.º 57/2017, de 19 de Julho), como excepção peremptória, a verdade é a que solução do litígio encontra-se a montante desse eventual cumprimento, pelo que fica prejudicado o conhecimento da daquela excepção”. Ora, tendo concluído que a norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, impõe a abertura de concurso, deve ser apreciada a questão de o recorrido ter aberto o procedimento concursal e dado cumprimento ao disposto naquela norma. Assim, e atendendo a que não foram fixados os factos relevantes para decidir a questão enunciada, cumpre revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a fim de proferir sentença em que se conheça daquela questão. * IV – Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para o efeito supra referido. Sem custas. * Lisboa, 06/11/2025 Ilda Côco (relatora por vencimento) Luís Borges Freitas Maria Helena Filipe (vencida, conforme declaração junta) VOTO DE VENCIDA Voto Vencida o Acórdão em virtude da interpretação conferida ao ‘interesse estratégico’ da instituição universitária para a determinação da abertura de concurso ínsito no nº 5 do artº 6º do Decreto-Lei nº 57/2016, de 29 de Agosto, alterado pela Lei nº 57/2017, de 19 de Julho, que entendo ser o daquela discernir, em cada momento, face aos recursos humanos docentes que dispõe e aos indicadores quanto ao número de discentes admissíveis/ admitidos em cada ano lectivo, nomeadamente, perante as vagas de acesso ao ensino superior público e, bem assim, à demanda destinada às cadeiras/ disciplinas em consonância e as atinentes à composição do respectivo curso, valorando talqualmente quanto aos alunos que se encontram já a frequentar estudos universitários, sobre a oportunidade de determinar a abertura do procedimento concursal. Esta concepção de ‘interesse estratégico’ corresponde ao ditame dos órgãos de cada instituição no âmbito da respectiva autonomia científica e pedagógica. Na sua génese, encontra-se imbuída da prossecução do interesse público que se manifesta na decisão de recrutar, ou não, professores catedráticos e na área disciplinar para que irá, ou não, ser aberto o concurso, ou seja, implica uma gestão de recurso docentes e económico-financeiros. Entendo, assim, que do nº 5 do artº 6º do diploma supra assinalado, não decorre a obrigatoriedade de abertura de procedimento concursal, ex vi de tal radicar no ‘interesse estratégico’ – a cargo – da instituição em apreço, pelo que não há que lhe impor a abertura de procedimento concursal correspondente às funções desenvolvidas pela contratada investigadora. Nestes termos, negaria provimento ao recurso da Recorrente e confirmaria a decisão recorrida. (Maria Helena Filipe) |