Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
I - Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição apresentada por A… executado por reversão, no âmbito da execução fiscal nº 3069200401026917 e apensos, instaurado para cobrança de dívidas de IVA, IRS e IRC, que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa-1, originariamente instaurado contra A… Lda, dela veio interpor recurso.
Nas alegações de recurso apresentadas, a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira, formula as seguintes conclusões:
«A) In casu, com elevado respeito pelo respeitoso areópago a quo, na humilde perspectiva jurídico-factual da aqui Recorrente, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts.23.º, n.º 1, 2 e 4, art. 24.º, n.º 1, al. b),art. 74.º, art. 99.º, todos da LGT; art. 13.º, art. 114.º, art. 123, n.º 2, art. 125º, nº 1, do CPPT art. 153.º, n.º 2, todos do CPPT; arts. 653º, 655º, 659º, art. 668º, nº 1, al. b), do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT; art. 342.º, n.º 1 do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT
B) assim como, deveria ter sido melhor valorado e considerado pelo respeitoso Areópago a quo, o acervo documental constante dos autos, maxime fls. 40, 80, 127, 191, 192 do PEF junto aos autos.
C) E também, a factualidade dada como assente nos itens A), B), E), F) da factualidade dada como provada.
D) Tudo, devidamente condimentado com o Princípio da Legalidade, o Princípio da Justiça, o Principio da prevalência da verdade material sob a verdade formal, Principio do Inquisitório conjugadamente com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que,
E) Se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pela Recorrida, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela inexistência de uma qualquer ilegitimidade do Oponente no âmbito da execução fiscal melhor identificada nos presentes autos.
F) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e plasmado do item 19º ao 81.º das Alegações de Recurso que supra se aduziram e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.
G) Consequentemente, salvaguardado o elevado respeito, o respeitoso Areópago a quo, preconizou erro de julgamento.
H) O sobredito “erro de julgamento” foi como que causa adequada para que fosse preconizada uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
CONCOMITANTEMENTE,
Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada
JUSTIÇA!
Nas contra-alegações o Recorrido pugna pela manutenção do julgado nelas concluindo:
Todas as questões ora suscitadas se encontram devidamente esclarecidas na sentença recorrida, pelo que a mesma, não merece qualquer censura, devendo ser negado provimento ao presente recurso, assim se fazendo Justiça!
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Seguidamente as partes foram notificadas para, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), se pronunciarem sobre o conhecimento em substituição das questões consideradas prejudicadas pelo Tribunal recorrido.
Apenas o Recorrido veio responder defendendo verificar-se a caducidade do direito à liquidação das dívidas exequendas por não terem sido atempadamente notificadas à devedora originária, a falta de fundamentação do despacho de reversão e a inexigibilidade das dívidas exequendas por prescrição.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.
Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir sobre:
(a) Se a sentença recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(b) Em caso de resposta negativa, se padece de erro de julgamento na apreciação dos factos e aplicação do direito
II.1- Dos Factos
O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:
«A) Do registo da Conservatória do Registo Comercial da sociedade A…, Lda., resulta, designadamente o seguinte:
Ap 16/890328 – Contrato de sociedade
Sócios e quotas
L…
(...).
J…
(...).
A…
(...).
Gerente:
Todos os sócios
(...).
Ap 9/981103 – Transmissão da quota de 270.000$00 a favor de J….
(...).
Ap 10/981103 – Transmissão da quota a favor de A…
(...).
Ap 11/981103 – Transmissão da quota a favor de M…
(...).
Ap 12/981103 – Transmissão da quota a favor de A…
(...).
Ap 13/981103 – Transmissão da quota a favor de R…
(...).
Ap 15/981103 – Alteração parcial do contrato
(...).
Sócios e quotas
1 – J…;
2 – A…;
3 – M…;
4 – A…;
5 – R….
Gerentes: Todos os sócios.
Forma de obrigar: com a assinatura de dois gerentes.
Ap 21/20010130 – Cessão a favor de M…
Ap 22/20020130 – Cessão a favor de A…
(...).
Ap 23/20020130 – Cessão a favor de M…
(...).
Ap. 24/20020130 – cessão a favor de M…
(...).
Ap 26/20020130 cessão de funções dos gerentes: A… e R…
(...).
Gerência: pertence a todos os sócios.
Forma de obrigar: com as assinaturas conjuntas de dois gerentes ou com a assinatura de um procurador.
B) Em reunião de 8 de Maio de 2002 dos três sócios da sociedade, identificada em A), M…, J… A…, foi deliberado que a gestão de “todos os assuntos económicos, financeiros e comerciais serão da inteira responsabilidade da sócia” M…, não podendo ser efectuado sem a aprovação da mesma e de qualquer um dos outros dois sócios, cabendo sempre a decisão final à sócia (fls 127, do PEF);
C) Em 28-04-2003 o oponente requereu junto do B… deixar de ser titular da conta da sociedade, tendo o banco aceite em carta de 23-04-2003 (fls. 138 e 139, do PEF);
D) Contra a sociedade identificada em A), foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3069200401026917 e apensos, para cobrança de IVA de 2001, 2000, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, IRS de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, IRC 2003, e 2006, no montante total de € 135.678,35 (PEF);
E) No requerimento com data de 17-11-2006, junto a fls 40, do PEF, onde solicita o pagamento da dívida exequenda em prestações, foram apostas duas assinaturas, dando-se por inteiramente reproduzido;
F) Em 12-06-2008 o oponente assinou a Nota de Diligência, de fls 80, do PEF, no campo do representante da sociedade/testemunha, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;
G) Em 12-04-2011 foi proferido despacho para audição (reversão) de A…, ora oponente (fls. 107, do PEF);
H) O oponente foi notificado para audição prévia (reversão) vindo exercê-la e invoca, nomeadamente não exercer a gerência desde Maio de 2002, apesar de constar como gerente no contrato de sociedade, tendo na Assembleia de 8 de Maio de 2002 ter sido deliberado que a sócia M… assumia a responsabilidade dos assuntos económicos, financeiros e comerciais da sociedade, bem como requereu junto do B… que fosse retirado como titular da conta da sociedade (fls 123 a 125, do PEF);
I) Em 22-06-2011 o Chefe de SF proferiu despacho de reversão, com os fundamentos da informação de fls 191 e 192, do PEF:
A sociedade supracitada é devedora da quantia exequenda (€135.678,35) que lhe é exigida no PEF, em epígrafe, (...).
Foi recepcionada, em 09-01-2007, declaração de cessação de actividade, mas só para efeitos de IVA à data de 31-12- 2006, conforme preceituado no artº 34º nº 1 b) do CIVA.
A dívida não pode ser apenas reduzida aos anos anteriores a 2006, porque não se verificou o disposto no artº 8º nº 5 al a) do CIRC, ou seja, a cessação da actividade efectiva só ocorre na data do encerramento da liquidação e o pedido do registo junto da CRC, não foi efectuado, (...).
O simples facto de cumprir com a obrigação de entregar uma declaração de cessação para efeitos de IVA não determina o término do cumprimento de outras obrigações fiscais.
Em relação ao disposto no artº 48º nº 3 da LGT, verifica - se que, em relação ao responsável subsidiário a interrupção da prescrição não produz efeitos, motivo pela qual se encontram prescritas as dívidas dos anos de 2000 a 2002, em relação ao responsável subsidiário, mas não no devedor principal, sendo que as mesmas têm de ser removidas do projecto inicial.
Continua registo no CRC, ..., não havendo nenhuma renúncia à gerência por parte do mesmo.
Existe um requerimento assinado pelo reclamante a fls 14, datado de Novembro de 2006, onde assina como gerente, motivo pela qual não se afigura que não tenha exercido a gerência de facto a partir de Maio de 2012.
Caber a decisão final sobre outra sócia, em relação a assuntos económicos, financeiros e comerciais, a partir de Maio de 2002, não afasta o responsável subsidiário da gerência de facto.
Ao requerer ao banco, em Abril de 2003, para ser retirado da conta que a sociedade detinha, mesmo com a concordância dos outros dois titulares, para que supostamente não fossem passados cheques, pode não ser relevante pois existem outros meios de pagamento.
O banco acedeu ao pedido formal numa situação absolutamente normal.
Como atrás foi referido existe um requerimento assinado pelo signatário, por conseguinte representou a executada a partir de Abril de 2003.
Não pode ignorar o facto de o devedor originário se cumpriu ou deixou de cumprir as suas obrigações fiscais, pois no mesmo requerimento a situação da mesma está bastante evidenciada.
J) O oponente citado na qualidade de responsável subsidiário em 04-07-2011, por dívidas no montante de €79.544,83;
K) O oponente, Major do Exército, prestava serviço no Estado-maior do Exército e quando saía às 17H ia ajudar o irmão – J… (inquirição das testemunhas);
L) Ao final da tarde quando aparecia na empresa o oponente ajudava na estampagem, encomendas e entregas de materiais (inquirição das testemunhas);
M) Quem tomava as decisões na sociedade eram o J… e a M… (inquirição das testemunhas).
Quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:
«A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada pontos dos factos provados e na inquirição das testemunhas.
Da inquirição das testemunhas resultou o seguinte:
R…, disse que também chegou a ser sócio dessa empresa e esclareceu que, desde sempre J… e M…eram as pessoas que estavam sempre. Mais referiu que o A…, era Major do Exército e, ao final da tarde aparecia na sociedade, ajudava na estampagem e nas encomendas. Frisou que o A…, dava uma pequena colaboração, ajudava o irmão, sendo que todos os actos eram praticados pelo J…e pela M….
L…, referiu que o oponente era militar e ia à sociedade ajudar o irmão e a M… e sempre viu que eram estes que dirigiam a sociedade. Esclareceu que o oponente não emitia cheques, não fazia compras, não recebia clientes, fazia entregas de materiais, confeccionava produtos, mas não tomava decisões na confecção do produto. O oponente prestava serviço no Estado-maior do Exército, saía às 17H e ia ajudar o irmão. Tudo passava pela M….
M…, referiu que o seu pai, o oponente ia à empresa depois do trabalho, a sociedade não tinha funcionários.»
II.2 Do Direito
Nas alegações de recurso, a ora Recorrente imputa à sentença, além do erro de julgamento, vício de nulidade, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Vejamos, em primeiro lugar, se a sentença é nula, como alega, por entendermos ser esta a questão que deve ser primeiramente apreciada, uma vez que, em caso de procedência, a nulidade da sentença acarreta o conhecimento das questões afetadas pelo vício, em substituição.
Diz o artigo 125/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), sob a epígrafe Nulidades da sentença:
1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”
Também as alíneas b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (CPC), invocadas pela ora Recorrente, dispõe que é nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)
Tradicionalmente era entendido que para a sentença padecer deste vício necessário era que a falta de fundamentação fosse absoluta, não bastando que a motivação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Com efeito, a falta de fundamentação como causa de nulidade da sentença não se confunde com o eventual erro da fundamentação de facto e de direito.
Segundo os ensinamentos de Alberto dos Reis (1-Aut Cit., CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: Anotado, volume V, página 140,): há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…).
No processo judicial tributário, nos termos dos artigos 123/2 CPPT e artigo 607/3 CPC, exige-se tão só que na sentença, o juiz discrimine os factos que considera provados, indicando os meios probatórios –documentais e testemunhais - em que fundou a sua convicção.
O que é imposto ao juiz é um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, em termos tais que permitam o exercício esclarecido do direito ao recurso, possibilitando a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
Assim, como é jurisprudência uniforme e também deste Tribunal Central Administrativo da qual se cita o acórdão de 2020.09.30, proferido no processo nº 28/17.1BCLSB, disponível em www.dgsi.pt, com o qual concordamos:
«Só se verifica nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito quando ocorra falta absoluta de fundamentação, ou seja, quando existe ausência total de fundamentos de facto e de direito (Este tem sido o entendimento uniforme do STA, entre outros, ver acórdão de 2012.11.07, tirado no proc. nº 01109/12. Em termos de doutrina ver Alberto dos Reis, “CPC, anotado”, volume V, página 140 e Jorge Lopes de Sousa, “CPPT, anotado e comentado”, 6ª edição revista II volume, página 357).
Deverá considerar-se que existe falta absoluta de fundamentação quando essa fundamentação seja ininteligível ou não tenha relação percetível com o julgado, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação (vd. Acórdão do STA, de 1997.03.19, proferido no recurso nº 21.923, disponível no sitio da internet www.dgsi.pt).
Quando a fundamentação não exteriorizar, minimamente, as razões que levaram a decidir naquele sentido e não noutro dever-se-á entender que estamos perante uma nulidade por falta de fundamentação (vd. Acórdão do STA, de 2003-12-17, proferido no recurso nº 1471/03, disponível no sitio da internet www.dgsi.pt).
A fundamentação de direito, por norma, é feita por indicação da norma ou normas legais em que se sustenta, mas poderá, também, ser estruturada por mera indicação dos princípios jurídicos ou doutrina jurídica em que se baseia
E como repetidamente o tem decidido a jurisprudência deste TCA, só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento
(…).»
Vejamos em primeiro lugar se a sentença sofre dessa pecha.
No caso em análise, a Recorrente bem compreendeu o sentido da decisão e exerceu o direito ao recurso.
E, nos factos assentes são indicados, ainda que de forma minimalista, os elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, os quais são indicados em cada uma das alíneas do probatório.
Da sentença sob crítica consta, pois, a motivação da decisão de facto. E na decisão propriamente dita são convocadas as principais normas jurídicas que regulam a matéria em causa.
É, assim, percetível qual o itinerário seguido pelo decisor que levou a que o caso fosse decidido dessa maneira e não de outra, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão (tanto na vertente factual como no aspeto do enquadramento jurídico) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Não tem, pois, razão a Recorrente, não se verificando no caso em apreço a nulidade arguida: não há omissão da indicação dos meios de prova que fundamentam a decisão.
Assim se concluindo que não se verifica, no caso, a alegada nulidade da sentença por ausência total de fundamentos de facto que justificam a decisão que foi tomada, independentemente do juízo a que chegaremos sobre o seu acerto.
Vejamos quanto ao alegado erro de julgamento:
Alega a ora Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a oposição judicial, incorreu em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reunido indícios a seu ver suficientes para se concluir pela verificação dos pressupostos de que depende reversão, tendo demonstrado, nomeadamente, o exercício da gerência de facto da sociedade por parte do revertido.
A Recorrente não impugna expressamente a matéria de facto, mas alega erro de julgamento de facto, trazendo argumentos destinados a desvalorizar o depoimento das testemunhas ouvidas, procurando abalar a sua credibilidade, e consequentemente pretende a desconsideração dos factos que na sentença foram dados como provados com base naqueles depoimentos.
Defende a ora Recorrente, em suma, a falta de assertividade das testemunhas ouvidas e aparentes contradições entre os diferentes depoimentos prestados.
A verdade é que, insiste-se, não foi impugnada a matéria de facto fixada na sentença, mas alegado apenas o erro de julgamento. Assim sendo melhor nos pronunciaremos infra, a propósito do ónus da prova, sobre a relevância ou irrelevância para a decisão da causa dos depoimentos prestados por aquelas testemunhas.
Prosseguindo:
É jurisprudência firme dos Tribunais Superiores que a responsabilidade dos gerentes das sociedades pelas dívidas sociais nasce aquando do respetivo facto tributário, e rege-se pela lei ao tempo vigente (2-Ac. STA, 2ª Secção, Proc nº 022598, de 1999.06.02, disponível em www.dgsi. pt).
Como resulta dos factos provados e não é facto controvertido, as dívidas da sociedade cujo pagamento está agora a ser exigido ao Opoente e ora Recorrido são respeitantes a IVA, IRS e IRC, dos anos de 2002 a 2006, pelo que ao caso é aplicável é o previsto no artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT) que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1999.
Dizia o nº 1 do artigo 24º da LGT, que tem por epígrafe Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos
1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Assim, nos termos do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT) para acionar a responsabilidade subsidiária não é suficiente a mera gerência ou administração de direito, mas sim o exercício da gestão de facto.
Prevê ainda, esta norma, dois regimes de responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes: relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a) do nº 1 do citado artigo 24º LGT] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b) do mesmo artigo].
Como tem salientado a jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual se cita aqui apenas o Acórdão do STA, de 2013.10.16, Proc. nº 0458/13, disponível em www.dgsi.pt, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova: (i) incumbe em qualquer dos casos à AT comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício [alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT]; (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo [alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT].
Assim, para a responsabilização do gerente pelas dívidas da sociedade importa, pois, verificar se o revertido exerceu efetivamente as funções de gerente da sociedade, gerindo a empresa e exteriorizando a vontade da mesma perante terceiros, condições que cumpre averiguar casuisticamente, i. é, em cada caso concreto.
No caso concreto ora em análise não é facto controvertido, nem vem posto em causa, que o Opoente e ora Recorrido foi nomeado gerente da sociedade no período crítico em causa e inscrito como tal junto do registo comercial.
Cumpria então responder à questão sobre se o Opoente e ora Recorrido exerceu a administração de forma efetiva, com tudo o que isso implica de assunção dos destinos da sociedade, praticando os atos de disposição e administração inerentes ao cargo, sendo certo que o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, compete à Fazenda Pública e deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência (cf. Ac. do Pleno da Secção do CT do STA, de 2007.02.28, Proc. nº 01132/06, disponível em www.dgsi.pt).
Foi a esta questão que na sentença recorrida se procurou dar resposta, decisão com a qual a Recorrente se não conformou e de que vem interposto o presente recurso.
Como já referimos supra, a Recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada mas insurge-se, sim, contra a valoração que lhe foi dada na decisão recorrida, defendendo nas alegações de recurso e nas conclusões que para esta remetem, que deveria ter sido valorado que o Opoente e ora Recorrido se encontrava inscrito como gerente junto do registo comercial, que o Opoente não impugnou a assinatura no documento datado de novembro de 2006, limitando-se a negar tê-lo assinado, tendo subscrito a nota de diligências em 2008.06.12, a que se refere a alínea F) dos factos provados.
Contudo, a ora Recorrente não conseguiu demonstrar que o Opoente era gerente efetivo da empresa, não bastando para o efeito a mera nomeação como tal. Teria de ter demonstrado a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.
Com efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira não reuniu elementos bastantes e suficientes para se dar como provador o exercício efetivou ou a gestão de facto da sociedade por parte da Opoente e ora Recorrido e de que este praticou atos de representação da empresa perante terceiros.
Todavia, recaia antes do mais, sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira reunir elementos bastantes e suficientes para se dar como provado o exercício efetivou ou a gestão de facto da sociedade por parte do Opoente e ora Recorrido e de este ter praticado, nomeadamente, atos de vinculação da empresa perante terceiros.
Apesar de vir alegado que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, não ficou demonstrado, porém, o exercício da gerência efetiva ou de facto do Opoente e ora Recorrido. Defendendo, antes, que o Opoente, tinha o título de gerente e que se presume o exercício da gerência de facto.
Ora, em síntese, na sentença recorrida foi dado por provado:
- Em 1989.03.28, a empresa foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial, figurando como gerentes todos os sócios da sociedade, entre os quais o Opoente e ora Recorrido;
- A partir de 1998.11.03, sociedade obrigava-se com a assinatura de dois sócios-gerentes;
- Em 2002.05.08, foi deliberado que a gestão de “todos os assuntos económicos, financeiros e comerciais serão da inteira responsabilidade da sócia” M…, não podendo ser efectuado sem a aprovação da mesma e de qualquer um dos outros dois sócios, cabendo sempre a decisão final à sócia.
- Em 28-04-2003 o oponente requereu junto do B… deixar de ser titular da conta da sociedade, tendo o banco aceite em carta de 23-04-2003.
Em face do quadro factual que, insiste-se, não foi impugnado, na sentença recorrida decidiu-se que não se encontravam reunidos os pressupostos da responsabilização subsidiária do Opoente. Diz no segmento que aqui interessa:
«(…)
Incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo (artº 24º da LGT).
A FP, entende que se encontra comprovado nos autos a gerência de facto do oponente dizendo que o oponente assinou o auto de diligência, aquando da diligência de penhora de bens à sociedade, datado de 12-06-200 e ainda o requerimento de 17-112006, de pedido de pagamento em prestações, bem como assinala as fls 198, 199, 205, 206, 441 e 442, para comprovação da gerência de facto.
Porém, cabe notar que em relação documento que incorpora um pedido de pagamento em prestações encontra-se impugnado para além do ora oponente recusar tê-lo assinado. E, com efeito a assinatura aposta nesse requerimento não se assemelha à assinatura do oponente.
Por outro lado, as folhas constantes do PEF com essa numeração não têm correspondência com documentos donde se possa retirar a conclusão, de que o oponente assumia a sua condição de gerente de facto. O que significa que em relação a esta paginação não existe matéria capaz de fundamentar a integração de tais factos no probatório.
Considerando a realidade vertida no probatório, pode dizer-se que o único elemento apontado para o ora oponente ser considerado gerente de facto ou efectivo, reconduz-se ao facto de o mesmo ter sido nomeado para o exercício da gerência da sociedade devedora originária, e o auto de diligência de 12-06-2008, onde assinou no campo “representante da sociedade/testemunha”.
«Quanto ao primeiro elemento, é sabido que deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra o mesmo ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo o mesmo de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.
Com efeito, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social.
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).» - Ac do TCA Norte de 3004-2014, recº 01210/07.5BEPRT
E, quanto ao segundo elemento – a assinatura aposta no auto de diligência – também não se considera suficiente dado que também o poderia ter assinado como testemunha.
Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que o ora oponente foi gerente de facto da sociedade, no período a que respeita a dívida exequenda.
E ainda que assim não tenha sucedido, sempre ficaria uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do ora oponente, dado ser muito parca a prova oferecida pela AT e as testemunhas terem infirmado o contrário.
(…)»
Como se vê do excerto transcrito, para a procedência da oposição foi decisiva a falta de prova da gerência de facto, cujo ónus recaía sobre a Fazenda Pública e que a prova feita pelo Opoente e contra a qual se insurge a ora Recorrente nas alegações apenas serviu para reforçar a convicção do tribunal no sentido de este não exercer efetivamente a gerência da empresa naquele período temporal e, logo, não estarem reunidos os pressupostos da responsabilização subsidiária.
Assim, mesmo que não fosse dado como provado que quem exercia a gerência de facto da sociedade era a sócia M…, que o ora Opoente não tinha acesso às contas bancárias da empresa e não efetuava pagamentos aos trabalhadores, aos fornecedores ou a terceiros nem assinava documentos necessários ao giro comercial, subsiste que a ora Recorrente não carreou para os autos qualquer prova da gerência efetiva ou de facto do Opoente.
Aliás o documento cuja assinatura foi contestada tem data posterior à instauração do processo de execução fiscal em 2006, e a «nota de diligência» é de 2008. Não têm assim a relevância que a ora Recorrente lhes atribui para prova da gerência de facto no período que aqui interessa de constituição e de prazo legal de pagamento ou entrega dos tributos.
Não estavam, pois, como se decidiu na sentença recorrida, reunidos os pressupostos de que depende a responsabilização subsidiária do Opoente e ora Recorrido pelas dívidas da sociedade.
A sentença recorrida não merece, pois, a censura que lhe é feita.
Em face do exposto, é de julgar improcedente o recurso jurisdicional e, consequentemente, é de confirmar a sentença recorrida.
Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).
Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.
Sumário/Conclusões:
I - Só a falta absoluta de fundamentação e não a sua insuficiência gera a nulidade da decisão judicial.
II - A responsabilidade dos gerentes das sociedades pelas dívidas sociais nasce aquando do respetivo facto tributário, e rege-se pela lei ao tempo vigente.
III - Para a responsabilização do gerente/administrador pelas dívidas da sociedade importa verificar se o revertido exerceu efetivamente as funções de gestor da sociedade, gerindo a empresa e exteriorizando a vontade da mesma perante terceiros.
IV - O ónus da prova do exercício efetivo de funções de gerente por parte do revertido, recai sobre a Fazenda Pública.
III - Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, que decaiu, nos termos expostos.
Lisboa, 5 de junho de 2025
Susana Barreto
Filipe Carvalho das Neves
Lurdes Toscano |