Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1290/12.1BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/22/2023 |
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Relator: | LUÍSA SOARES |
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Descritores: | IRS REGIME SIMPLIFICADO REGIME DE CONTABILIDADE ORGANIZADA REENQUADRAMENTO OFICIOSO |
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Sumário: | I- O regime simplificado de tributação (artigo 28.º do Código do IRS) constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada. II- Se o contribuinte não opta de início, nem posteriormente, por qualquer regime de tributação, mas é enquadrado automaticamente no regime de contabilidade organizada em função do volume do rendimento, só ao fim de cada período de três anos é que poderá ser oficiosamente enquadrado no regime simplificado de tributação, desde que no período de tributação imediatamente anterior não tenha ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos de 150.000,00. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO A Fazenda Pública, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J...... e M......, com referência à liquidação de IRS de 2011 no montante de € 14.630,07. A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos: “I. O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial referente a IRS de 2011.II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correta apreciação da matéria de facto relevante.III. A impugnação tem por objeto a liquidação de IRS, referente a 2011, encontrando-se em discussão o enquadramento do impugnante marido no regime simplificado de tributação em sede de categoria B de IRS, pretendendo o impugnante que o enquadramento seja considerado no regime de contabilidade organizada.IV. A Fazenda Pública não se conforma com a douta sentença quando decide que o impugnante marido esteve enquadrado no regime de contabilidade organizada no triénio 2006/2008, não tendo optado pelo regime simplificado, concluindo que o período de permanência no regime de contabilidade organizada foi prorrogado automaticamente para o triénio 2009/2011.V. A douta sentença recorrida dá como provado que o impugnante esteve enquadrado no regime de contabilidade nos anos 2006, 2007 e 2009, tendo por base os documentos 6, 7 e 8 juntos com a p.i.VI. Contudo, no caso concreto, o enquadramento no regime de contabilidade não resulta de qualquer opção do sujeito passivo, mas sim de imposição legal por terem sido ultrapassados os limites previstos no artigo 28º do CIRS, requerendo-se assim que seja aditada à matéria de facto provada que o regime de contabilidade não resultou de opção do sujeito passivo, como decorre da argumentação do impugnante e dos documentos juntos, que não aludem, nunca, à opção pelo regime de contabilidade.VII. A Autoridade Tributária enquadrou o impugnante no regime simplificado de tributação com efeitos a 2009 em virtude de o mesmo não ter ultrapassado os limites previstos no artigo 28º, nº 2 do CIRS e não ter optado pelo regime de contabilidade organizada.VIII. Considera a douta sentença recorrida como facto provado que, tendo por base o documento 10 junto com a p.i.IX. A Fazenda Pública não se conforma igualmente com a factualidade dada como provada com base nos documentos 9-A, 9-B e 10, que foram contraditados pela AT, nomeadamente, que no exercício de 2009 o impugnante obteve proveitos no valor de € 160.121,25, e que no exercício de 2010 o valor dos proveitos ascendeu a € 163.964,64, porquanto a douta sentença recorrida não pode olvidar os valores declarados pelo sujeito passivo no anexo B das declarações referentes aos mesmos exercícios de 2009 e 2010, que constam a fls 104-108 do PAT e fls 117 a 121 do PAT, bem como as subsequentes correções efetuadas pela AT, que constam das declarações oficiosas igualmente juntas a fls 110-114 e 123-127 do PAT, como é mencionado nos artigos 33 a 41 da informação da divisão de justiça contenciosa que sustenta a contestação da Fazenda.X. A factualidade descrita e os documentos juntos ao PAT revelam que o sujeito passivo não preenche os pressupostos para o enquadramento regime de contabilidade por imposição legal, verificando-se que, em face dos valores declarados, o mesmo ficará abrangido pelo regime simplificado, como resulta do artigo 28º do CIRS, na redação em vigor à data.XI. Verificando-se assim que, a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais se fará com base na aplicação das regras do regime de contabilidade organizada ou com base nas regras do regime simplificado, ficando abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior qualquer um dos limites previstos no nº 2 do artigo 28º do CIRS e não tenham optado pela regime de determinação dos rendimentos com base na contabilidade.XII. Como resulta das regras previstas no artigo 28º do CIRS, relativamente aos sujeitos passivos que não excedam os limites previstos no nº 2 deste artigo, o regime regra é o regime simplificado sendo o regime de contabilidade organizada dependente de opção efetuada pelo sujeito passivo nesse sentido.XIII. A douta sentença recorrida incorre em erro de facto e de direito ao considerar que o sujeito passivo esteve enquadrado no triénio 2006/2008 no regime de contabilidade, não distinguindo que o referido regime não resulta de opção do sujeito passivo, mas sim de imposição legal por terem sido ultrapassados os limites legais para enquadramento no regime simplificado, impondo-se ainda dar como provado que, no exercício 2008, o sujeito passivo não ultrapassou os limites previstos no nº 2 do artigo 28º do CIRS, pelo que, no exercício de 2009 ficou abrangido pelo regime simplificado por força do disposto no nº 2 do artigo 28º do CIRS.XIV. Acresce ainda referir que, como decorre do disposto no nº 6 do mesmo artigo 28º do CIRS, a aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.XV. Em suma, decorre inequivocamente do nº 2 do artigo 28º do CIRS a passagem ao regime simplificado de tributação no ano 2009.XVI. Neste sentido, veja-se o esclarecedor acórdão do STA de 28-10-2020, proferido no processo nº 0847/14.0BEALM. Aderimos igualmente ao esclarecedor voto de vencido do juiz conselheiro Joaquim Condesso no acórdão do STA de 05-02-2020, proferido no processo nº 0759/14.8BEALM (ambos os acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt).XVII. Assim, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de facto e de interpretação de lei e viola o disposto no artigo 28º do CIRS.Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente. Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA”. * * * * * O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso, ser revogada a sentença recorrida e julgada improcedente a impugnação.* * Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II – DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que a administração tributária não podia enquadrar o impugnante no regime simplificado, padecendo a liquidação impugnada de violação de lei. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “Dos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão da causa, de acordo com as soluções plausíveis de direito, julgo provada a seguinte factualidade: A) O impugnante marido, no triénio de 2006/2008 esteve enquadrado no regime de contabilidade organizada (cfr. docs. 6,7 e 8 juntos com a p.i.); B) Nos exercícios do triénio 2006/2008 o valor total dos proveitos registados na atividade profissional do Impugnante cifrou-se em € 280.976,24 no exercício de 2006; € 164.263,76 em 2007 e € 150.804,08 em 2008 (cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos com a p.i.); C) No exercício de 2009 o Impugnante obteve proveitos no valor de € 160.121,25 (cfr. docs. 9-A e 9-B juntos com a p.i.); D) No exercício de 2010 o Impugnante obteve proveitos no valor de € 163.964,63 (cfr. doc. 10 junto com a p.i.); E) Do registo cadastral do Impugnante marido consta que possui contabilidade “organizada por opção informatizada”, com enquadramento, para efeitos de IR, no regime simplificado de 01/01/2009 a 31/12/2011 (cfr. doc. 5 junto com a p.i.); F) O enquadramento referido na alínea que antecede resulta de alteração oficiosa em 22/12/2009 do regime de contabilidade organizada para o regime simplificado (cfr. p.a.); G) Em 30/05/2011 os Impugnantes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS, com os anexos B, e H, sendo o anexo B, relativo à atividade do aqui Impugnante marido e tendo declarado, nesse anexo, o montante de €95.163,75 respeitante a Vendas (cfr. fls. 117 a 121 do p.a.); H) Em 21/12/2011 foi elaborada a “declaração oficiosa/DC” relativa aos rendimentos do ano de 2010, em cujo anexo B foi preenchido o campo 403 do quadro 4 com o valor de € 158.375,52 (cfr. fls. 123 a 128 do p.a.); I) Em 31/05/2012, os Impugnantes apresentaram, pela internet, Declaração Mod. 3 do ano de 2011, indicando no Anexo C, que auferia rendimentos da categoria B, no regime de contabilidade organizada (cfr. doc. 2 junto com a p.i.); J) Esta declaração foi submetida à Administração Tributária no dia 31/05/2021, tendo ficado na situação de “declaração com anomalias” (cfr. doc. 3 junto com a p.i.); K) Em 12/07/2012 de forma a corrigir a “declaração com anomalias” apresentou nova declaração, referindo o enquadramento em regime de contabilidade organizada (cfr. doc. 4 junto com a p.i.); L) O Impugnante apresentou requerimento a pedir esclarecimentos sobre o seu enquadramento que obteve resposta através do ofício nº 613, de 15/01/2008 (cfr. fls. 24 e 25 dos autos); M) Em 12/07/2012 foi emitida liquidação nº ......66, do ano de 2011 no valor de €14.630,07, incluindo os juros compensatórios (cfr. doc. 1 junto com a p.i.); III-2. Factualidade não provada: Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados. Fundamentação do julgamento: Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com a petição inicial em confronto com o processo administrativo.” IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Por sentença proferida pelo tribunal a quo, foi a impugnação judicial julgada procedente e determinada a anulação da liquidação adicional de IRS de 2011 na medida em que “O Impugnante marido esteve enquadrado no triénio 2006/2008 no regime de contabilidade organizada pelo que, não tendo o mesmo manifestado junto da Administração Tributária a vontade de alteração para regime simplificado, o período de permanência naquele regime - contabilidade organizada - foi automaticamente prorrogado, por igual período (triénio de 2009/2011). Pelo precedente, a Administração Tributária não podia enquadrar o Impugnante no regime simplificado, padecendo a liquidação impugnada de violação de lei, pelo que, deve ser anulada.”. Contra o assim decidido vem a Recorrente alegar que a sentença enferma de erro de facto e de interpretação de lei e viola o disposto no art. 28º do CIRS na medida em que “A douta sentença recorrida incorre em erro de facto e de direito ao considerar que o sujeito passivo esteve enquadrado no triénio 2006/2008 no regime de contabilidade, não distinguindo que o referido regime não resulta de opção do sujeito passivo, mas sim de imposição legal por terem sido ultrapassados os limites legais para enquadramento no regime simplificado, impondo-se ainda dar como provado que, no exercício 2008, o sujeito passivo não ultrapassou os limites previstos no nº 2 do artigo 28º do CIRS, pelo que, no exercício de 2009 ficou abrangido pelo regime simplificado por força do disposto no nº 2 do artigo 28º do CIRS. E, como decorre do disposto no nº 6 do mesmo artigo 28º do CIRS, a aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos. Em suma, decorre inequivocamente do nº 2 do artigo 28º do CIRS a passagem ao regime simplificado de tributação no ano 2009. (cfr. conclusões XIII a XV das alegações de recurso) Pretende a Recorrente seja aditado ao probatório que “o regime de contabilidade não resultou de opção do sujeito passivo”, contudo, importa destacar que no probatório não devem constar factos conclusivos, sendo que no caso da afirmação que a Recorrente pretende aditar, tal configura uma conclusão que será ou não retirada de factos concretos, pelo que é indeferido o requerido aditamento. * * A) Desde, pelo menos o ano de 2001, J...... exerce atividade empresarial com o Código CAE 43210 encontrando-se enquadrado, por imposição automática e legal, no regime de contabilidade organizada (facto não controvertido, que se extrai do teor do PA, designadamente da informação prestada no âmbito da reclamação graciosa) B) Nos exercícios de 2006 a 2008, J......, declarou vendas, prestações de serviços, variação de produção e ganhos financeiros, conforme discriminação que infra se descreve
(cfr. declarações e IES juntas à p.i., a fls. 37 a 63 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); Estabilizada a matéria de facto vejamos então se a sentença recorrida padece do alegado erro de julgamento, designadamente quanto ao disposto no art. 28º do CIRS, mais concretamente, se a administração tributária poderia efectuar, oficiosamente, o reenquadramento do Recorrido no triénio de 2009 a 2011, no regime simplificado face à, alegada, não ultrapassagem dos limites previstos no artigo 28.°, n° 2 do CIRS no ano de 2008, e por aquele não ter optado expressamente pelo regime de contabilidade organizada. “Tendo presente que a questão em contenda, como visto, reconduz-se à interpretação jurídica do artigo 28.º do CIRS, mormente, nas situações em que não existe uma opção expressa por parte do contribuinte, e tendo presente que por acórdão do Plenário do STA, datado de 26 de maio de 2021, prolatado no âmbito do processo n.º 847/14.0BEALM foi uniformizada jurisprudência quanto à interpretação do referido normativo, eximimo-nos, em ordem, desde logo, ao consignado no artigo 8.º do Código Civil, de expender considerações adicionais acolhendo a fundamentação jurídica nele constante, passando, por isso, a transcrever a fundamentação jurídica na parte que para os autos releva: “A questão que é suscitada no presente recurso prende-se com a interpretação do disposto no artigo 28º, nº 5, do CIRS, na redação em vigor à data dos factos (2010/2012), e consiste em saber se nos casos em que o contribuinte não manifesta qualquer opção por um dos regimes, verificados que estejam os respetivos requisitos substanciais, se se deve observar o período mínimo de permanência de três anos. E mais especificamente, se estando o contribuinte integrado no regime de contabilidade, por imposição legal, e não tendo ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de € 150 000, conforme previsto no nº 2 do art. 28º do CIRS, deve ou não ser integrado no regime simplificado, independentemente do período de permanência no regime de contabilidade. Este tribunal tem sido chamado a pronunciar-se por várias vezes sobre a aplicação do regime previsto no artigo 28º do CIRS, ainda que sobre questões distintas (e designadamente a propósito da relevância da opção manifestada pelo contribuinte e da sua permanência). De todas as formas, e em face da redação do nº 5 do artigo 28º do CIRS, introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, o STA tem-se pronunciado no sentido de se observar a permanência de um período de 3 anos em cada um dos regimes, prorrogável por idêntico período, independentemente da necessidade de opção manifestada pelo contribuinte – cfr. acórdão de 28/11/2018, proc. 0912/12.9BELRS, e mais recentemente, entre outros, o acórdão de 10/03/2021, proc. 0771/14.7BEALM. Também no acórdão de 05/02/2020, proferido no processo nº 0759/14.8BEALM, o STA entendeu que “a inclusão automática ou por obrigação legal no regime geral encontra-se sujeita à regra de validade por três anos (exercícios) estabelecida ao tempo no art. 28º, nº 5, do CIRS”. Dispunha à data o artigo 28.º do CIRS sob a epígrafe “Formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais”: 1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se: a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado; b) Com base na contabilidade. 2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 150 000. 3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade. 4 - A opção a que se refere o número anterior deve ser formulada pelos sujeitos passivos: a) Na declaração de início de actividade; b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações. 5 - O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido. 6- A aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos. (…) Esta norma regulava a forma de determinar os rendimentos profissionais e empresariais para efeitos de imposto sobre o rendimento por via de dois regimes distintos: - um, o da contabilidade organizada, para todos aqueles que no período de tributação imediatamente anterior tenham ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de 150.000€; - outro, o do regime simplificado, para todos aqueles que no período de tributação imediatamente anterior não tenham ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de 150.000€. Enquanto que ao regime de tributação simplificado só era permitido o acesso aos segundos, já no que toca ao regime de contabilidade organizada era permitido o acesso a todos os contribuintes, independentemente do montante dos rendimentos, desde que nisso manifestassem interesse, cfr. n.º 3. Ou seja, o regime de contabilidade organizada, automático, era sempre obrigatório para os primeiros e facultativo para os segundos; o regime simplificado, automático, era apenas aplicável aos segundos, desde que estes não tivessem manifestado interesse em estar enquadrados pelo regime da contabilidade organizada. Estes regimes de tributação, em função das opções dos contribuintes e dos montantes anuais ilíquidos dos rendimentos, tinham uma duração mínima de 3 anos, cfr. n.º 5, a não ser que o contribuinte manifestasse interesse num enquadramento diferente em função dos rendimentos anuais ilíquidos do período de tributação anterior e das previsões para o ano seguinte ou, quando, e apenas relativamente àqueles que se encontravam enquadrados pelo regime simplificado, por força da lei, cfr. n.º 6, o enquadramento devesse ser feito para o regime da contabilidade organizada por força do montante dos rendimentos anuais ilíquidos dos períodos de tributação anteriores. Portanto, a “obrigatoriedade” de permanência em cada um dos regimes, era sempre de 3 anos, só cessando após o decurso desse período (período este que foi estabelecido pelo legislador para permitir estabilidade na tributação dos rendimentos de modo a que os contribuintes pudessem saber a qualquer momento quais as regras que se aplicavam ao seu caso concreto) ou por força da lei, ou por vontade do próprio contribuinte, ou ainda prorrogando-se por período de igual duração, cfr. n.º 5. Na verdade, o legislador não distinguiu no n.º 5, relativamente a cada um dos modos de tributação do rendimento que resultem de imposição legal, prazos de permanência diferentes, apenas a opção do contribuinte é determinante para que essa permanência se possa prolongar para além do prazo de 3 anos, desde que respeitados os requisitos legalmente previstos. Como também é jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal Administrativo, do disposto no n.º 1 do artigo 28.º do Código do IRS resulta (salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º do mesmo Código) que a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais se faz com base na aplicação das regras do regime simplificado ou com base nas regras do regime de contabilidade organizada, ficando abrangidos pelo regime simplificado em cada ano os sujeitos passivos que não tenham ultrapassado, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos limites indicados no n.º 2 daquela disposição legal e não tenham optado pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade (assim vide, a título de exemplo, os Acórdãos deste STA proferidos a 27 de Janeiro de 2010 no Processo n.º 0906/09 e a 4 de Novembro de 2015 no Processo n.º 0877/15). Assim o é porque, como bem resulta das palavras de Rui Duarte Morais, “Sobre o IRS”, 2006, Almedina, p. 73, “a regra do nosso sistema fiscal é o lucro ser apurado com base na contabilidade”, caso em que “a matéria colectável de imposto corresponderá então ao resultado contabilístico dessa actividade (art. 29.º, n.º 1), depois de “corrigido” segundo as prescrições da lei fiscal”. Paralelamente, o regime simplificado constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada. Como ensinava SALDANHA SANCHES (Fiscalidade, Julho/Outubro de 2001), o regime simplificado tem sempre como pressuposto uma opção do contribuinte que renuncia ao seu direito subjectivo de ser tributado com base na contabilidade, sendo uma das situações em que a lei atribui relevância à sua vontade e em que ele pode optar pelo regime que considera mais favorável. – cfr. acórdão datado 03-07-2019, recurso n.º 0361/13.1BELRS. Portanto o presente preceito deve ser lido do seguinte modo: se o contribuinte opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada sem que os seus rendimentos anuais ilíquidos ultrapassem o montante referido no n.º 2 permanecerá sempre em tal regime até que comunique nos termos do n.º 5 a alteração do regime de tributação; se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6; se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6, uma vez verificado este circunstancialismo o contribuinte passa a ser enquadrado pelo regime da contabilidade organizada por um período mínimo de três anos, independentemente do seu volume de rendimento, só regressando ao regime simplificado, se for o caso, cfr. n.º 2, findo que seja esse período de três anos; se o contribuinte não opta de início, nem posteriormente, por qualquer regime de tributação, mas é enquadrado automaticamente no regime de contabilidade organizada em função do volume do rendimento, só ao fim de cada período de três anos é que poderá ser oficiosamente enquadrado no regime simplificado de tributação, desde que no período de tributação imediatamente anterior não tenha ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos de 150.000€ (…)” (destaques e sublinhados nossos). Ora, tendo presente a fundamentação jurídica supra expendida, ter-se-á de concluir que não assiste razão à Recorrente nas duas ordens de razão que invoca para alicerçar a sua posição, ou seja, de que o regime regra é o regime simplificado e não o da contabilidade organizada e bem assim que o período legal de três anos de vigência implementado pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro, apenas é aplicável caso tenha existido opção expressa pelo sujeito passivo. Com efeito, do que dimana da jurisprudência uniformizada é que, como visto, mesmo nas situações em que o sujeito passivo não tenha optado, expressamente, pelo regime da contabilidade organizada, isto é, a sua abrangência decorra de uma imposição legal - donde imposição automática em função dos limiares dos rendimentos consignados no artigo 28.º do CIRS - ter-se-á de computar como válida a aplicação desse regime pelo triénio legalmente estabelecido. Donde, só ao fim de cada período de três anos é que poderá ser oficiosamente enquadrado no regime simplificado de tributação, desde que no período de tributação imediatamente anterior não tenha ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos de 150.000,00€. Assim, ainda que não se perfilhe, inteiramente, do entendimento preconizado na decisão recorrida porquanto no caso inexistiu uma opção expressa do Recorrido no âmbito do regime de contabilidade organizada, a verdade é que o sentido decisório se afigura correto na medida em que o ato impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito. E isto porque, contrariamente ao propugnado pela Recorrente, a limitação ao período mínimo de permanência estabelecido no artigo 28.º, nº5 do CIRS aplica-se indistintamente aos dois regimes, sendo que, como veremos, o ano de 2008 se encontrava abrangido por esse período legal, correspondendo ao segundo ano do triénio, a isso não obstando a interpretação e qualificação jurídica realizada pelo Tribunal a quo porquanto a ela não vinculados. Neste concreto particular, há que ter presente que a vinculação legal do período de vigência no regime de contabilidade organizada só foi implementada com a Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro, donde com aplicação a partir do ano de 2007. Logo, o dies a quo do triénio ter-se-á de computar tomando por base, naturalmente, a sua implementação legal - o que ademais se entende consentâneo com a interpretação propugnada pelo Acórdão do Pleno, mormente quanto ao dies a quo do triénio, a qual assenta, desde logo, no início de atividade e que terá, necessariamente, de ser interpretado no sentido de apenas e quando posterior ao ano de 2007. De relevar, neste âmbito e sem embargo do exposto, que mesmo computando-se a aplicabilidade desde o início da vigência do regime simplificado o qual, como é consabido, apenas foi introduzido pela Lei 30-G/2000, de 29 de dezembro, em nada desvirtuaria o aludido erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto dimana da factualidade provada, que pelo menos desde 2001 - período em que foi implementado o regime simplificado- o Recorrido ficou enquadrado no regime de contabilidade organizada, regime no qual se manteve sempre enquadrado até ao ano de 2009. Logo, computaríamos, precisamente, um terceiro triénio de 2007 a 2009. E por assim ser, ter-se-á de concluir que o prazo dos três anos de vinculação legal dos três anos se iniciou em 2007 e só terminou em 2009. Neste âmbito, convoque-se o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº01094/17, de 12 de setembro de 2018, no qual é feita alusão, pelo DMMP, à decisão Arbitral prolatada no processo nº 97/2012-T, justamente relativamente ao mesmo Recorrido e que versava sobre a legalidade do ato de liquidação, respeitante ao ano de 2009, dele se extratando, no que para os autos releva, designadamente, o seguinte: “Delineados os contornos legais da quezília doutrinal que divide a Recorrente AT e o Recorrido, o Ministério Público vem enfatizar que esta disposição legal vem sendo debatida pela jurisprudência, mormente por este Colendo STA, e, ademais, decidida de forma pacífica, uniforme e consistente (assim, cfr., por todos, os doutos Acórdãos de 06/05/2009, de 23/06/2010 e de 12/03/2014, tirados nos Processos n.ºs 0127/09, 01032/09 e 0736/13, disponíveis in www.dgsi.pt/jsta). Acresce que a Decisão do Tribunal Arbitral, de 08/01/2012, proferida no âmbito do Processo n.º 97/2012-T versou sobre um caso similar ao dos presentes autos, aí tendo sido aduzida a fundamentação a que o Ministério Público adere inteiramente e que, com a devida vénia, passará a transcrever: “(...) A Administração Tributária procedeu em 2009 ao reenquadramento no regime simplificado, “tomando em consideração os rendimentos auferidos e declarados em 2008, e na ausência de opção, nos termos dos n.ºs 4 e do art. 28.º do CIRS, foi o Requerente enquadrado no regime simplificado de tributação, com efeitos desde 01.01.2009.” Certamente que não teve em conta a alteração introduzida ao artigo 28.º n.º 5 do CIRS pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do OE/2007) sobre o período mínimo de permanência de três anos, quer no regime geral da contabilidade, quer no regime simplificado de tributação. E daí que a AT fale na ausência de opção, sendo certo que o Requerente não tinha que fazer qualquer opção em 2009, por estar a decorrer o período mínimo de 3 anos e, com base nesse fundamento legal, o Requerente não tenha apresentado qualquer declaração de opção pelo regime da contabilidade no referido ano de 2009. E, portanto, nem o fato de no ano de 2008, segundo ano do período mínimo de três anos, o sujeito passivo Requerente auferir rendimentos inferiores a qualquer dos limites previstos no nº 2 do art. 28.º como foi o caso, o obrigava a ser tributado pelo regime simplificado em 2009. O legislador do OE/2007 ao criar um período mínimo de três anos de permanência em qualquer dos regimes — simplificado ou da contabilidade — teve por intenção, em nosso entender, criar um período mínimo de estabilidade na sua forma de tributação durante, pelo menos durante 3 anos, no regime da contabilidade, avaliando, certamente, que uma vez adotada a contabilidade, isso implica determinados custos que não são irrelevantes e, portanto, não terá criado um regime de cessação da tributação pelo regime da contabilidade idêntico ao da cessação quando tributado pelo regime simplificado. E tal como o contribuinte só pode alterar o seu regime no início do período seguinte e até 31 de março, se os seus proveitos do último ano do período ficarem aquém do desejado, também a Administração Tributária só o poderá reenquadrar no início do novo período de três anos, face aos proveitos do último exercício desse período, que é o exercício imediatamente anterior ao novo ciclo que se vai iniciar. E também não se poderá esquecer que o regime geral de tributação é o da contabilidade e que o regime de tributação simplificado é supletivo, sempre que não haja opção ou condições obrigatórias de enquadramento no regime da contabilidade. (...)” (destaques e sublinhados nossos). Ora, tendo presente o exposto, a AT só poderia reenquadrar o Recorrido no início do novo período de três anos, sendo caso disso e face aos proveitos do último exercício desse período, que é o exercício imediatamente anterior ao novo ciclo que se vai iniciar. Donde, transpondo para o caso vertente, ter-se-á de concluir que a premissa que levou à alteração e ao reenquadramento oficioso do regime contabilidade organizada para o regime simplificado, como visto, valores limiares respeitantes ao exercício de 2008, não legitimava o aludido reenquadramento, o qual, como expendido, só estaria legitimado e, inversamente ao defendido pela Recorrente, se no ano de 2009, último ano de vigência do triénio os valores ficassem aquém dos limites estabelecidos para a imposição automática no regime de contabilidade organizada. E por assim ser, não assiste razão à Recorrente quando advoga que o facto do Recorrido no exercício de 2008, ter tido um montante ilíquido de rendimentos da categoria B inferiores a €150.000,00 legitima a inclusão automática no regime simplificado, donde um reenquadramento oficioso nesse mesmo regime no período visado. (…). Não podendo, outrossim, relevar o argumento atinente à falta de opção, dentro do prazo legalmente previsto, pelo regime da contabilidade organizada, porquanto, face a todo o expendido anteriormente, a ela não vinculado legalmente, na medida em que estava a decorrer o período mínimo de três anos previsto no artigo 28.º, nº5, do CIRS, só podendo, nessa medida, concluir-se pela ilegalidade do reenquadramento (operado pela AT) do sujeito passivo no regime simplificado, com a consequente cominação de anulabilidade do ato impugnado.”. (fim de citação).
No caso em apreço, atenta a jurisprudência acima transcrita, conclui-se que, estando em causa a liquidação de IRS de 2011, não poderia a Administração Tributária ter procedido ao reenquadramento do Recorrido no regime simplificado porquanto ainda estava a decorrer o período de 3 anos (triénio 2010-2012) do enquadramento no regime de contabilidade organizada, pelo que a referida liquidação padece de vício de violação de lei devendo ser anulada. A sentença que assim decidiu não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao recurso.
Lisboa, 22 de Junho de 2023 Luisa Soares Vital Lopes Susana Barreto |