Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I Relatório
O Ministério da Justiça, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por M....., tendente “à condenação da entidade demandada a praticar os atos de fixação à Autora da remuneração suplementar devida”, inconformado com a Sentença proferida em 1 de dezembro de 2015 que julgou “a presente Ação procedente”, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa.
Formula a aqui Recorrente/Ministério nas suas alegações de recurso, apresentadas em 18 de janeiro de 2016, as seguintes conclusões:
“1. O pedido da Recorrida, de que lhe fosse atribuída remuneração complementar, por invocada acumulação de funções não chegou a obter parecer do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP).
2. Nos termos dos n.°s 4 a 6 do art. 63.° e n.° 4 do art. 64° do Estatuto do Ministério Público (EMP), o CSMP tem que emitir parecer sobre a existência ou não da situação de acumulação.
3. Não cabe efetivamente ao Ministro da Justiça, nem este tem meios para o efeito, determinar em cada caso se se verifica ou não uma situação de acumulação de funções.
4. O requerimento da Recorrida foi enviado ao CSMP, 12/5/2010.
5. Por ausência de parecer que confirme a existência de acumulação, não podia o Ministro da Justiça deferir o pedido da Recorrida.
6. Ainda que houvesse sido proferido tal Parecer, e sendo o mesmo negativo, concluindo pelo não reconhecimento da situação de acumulação, como se crê e tem acontecido em todos os casos paralelos, a decisão não poderia deixar de a tal atender.
7. Em outro acórdão em que, tal como nos presentes autos, não havia ainda sido proferido Parecer do CSMP aquando da entrada da ação em juízo, mas veio a sê-lo no decurso da mesma, e em que no referido Parecer se concluiu pelo não reconhecimento da situação de acumulação, decidiu o TCA Norte de forma divergente ao do acórdão recorrido (Proc. 2910/11.0BEPRT).
8. Erra o acórdão recorrido na apreciação dos efeitos do Parecer em causa.
9. Mas é outro o erro principal do acórdão: o de considerar que a intervenção do CSMP se limita a mero parecer, cabendo ao Ministro da Justiça a decisão sobre a verificação ou não dos requisitos da acumulação, quando a norma habilitante apenas lhe atribui competência para fixar o quantum remuneratório.
10. Ora, cabe aos Conselhos Superiores decidir se e quando se verificam situações de acumulação.
11. O CSMP decide se existe ou não acumulação de funções - a lei é expressa “os procuradores da República que acumulem funções"; considerando que existe acumulação, o CSMP propõe uma remuneração; o Ministro da Justiça atribui a remuneração, de acordo com os elementos decisórios que julgar pertinentes, atendendo, designadamente à proposta remuneratória do CSMP - diz a lei “têm direito a uma remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça".
12. Como já decidiu o TCA Norte, “exatamente para que possa ser confirmada a situação de acumulação e porventura mensurada a correspondente remuneração, é que a lei impõe a emissão de parecer prévio por parte do CSMP" (acórdão de 17/4/2015, Proc. 2920/11.8BEPRT - Braga).
13. Ao contrário do que pretende a Recorrida e foi decidido, esta não exerceu funções que vão para além do conteúdo funcional do seu cargo de Magistrado do Ministério Público.
14. Não se verifica um só dos requisitos previstos na lei para que a situação possa ser considerada de acumulação, designadamente: atribuição de funções correspondentes a outro cargo; por razões excecionais e transitórias e por período de tempo delimitado.
15. Conforme resulta do Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.° 74/2005, homologado em 21/2/2006, o regime da acumulação' de funções e sua remuneração é marcado pela excecionalidade e transitoriedade, o que não se compagina com a situação concreta do tribunal e da Recorrida.
16. Segundo o mesmo Parecer, “A acumulação de funções (...) supõe, com efeito, um acréscimo de trabalho motivado pelo exercício de tarefas que não são próprias do cargo". E é essa circunstância, como se salienta no Parecer n.° 519/2000, “que justifica uma compensação remuneratória de carácter excecional”.
17. A acumulação de funções é um instrumento de gestão com natureza excecional, usada em três tipos de situações: extinção de pendências atrasadas; substituição de magistrados temporariamente impedidos; auxílio de magistrados com volumes elevados de pendência.
18. A acumulação de funções é distinta daquela situação em que o magistrado do Ministério Público, colocado em determinada comarca, desenvolve o serviço que lhe foi distribuído pelo superior hierárquico, serviço esse que se contém no âmbito das funções próprias, integrando o conteúdo da respetiva prestação funcional.
19. No caso presente, não nos encontramos perante uma situação de acumulação de funções, mas antes e tão-somente de desempenho de funções abrangidas pelo conteúdo funcional do cargo em que a Recorrida se encontra provida, que inclui a direção de inquéritos e o exercício da ação penal quanto a determinados crimes.
20. Se, como diz o acórdão em recurso, “acumular significa acrescentar a algo, aditar”, a pergunta a fazer é: ao que inicialmente fazia a Recorrida, o que foi acrescentado?
A resposta só pode ser: NADA.
21. De facto, quando em 2007 a Recorrida iniciou funções no Tribunal Criminal de Lisboa já aos magistrados deste estavam cometidos processos de inquérito sobre determinados crimes, desde 1997.
22. Estas tarefas não são acrescidas, pois não estavam atribuídas a outro magistrado ao qual corresponda um lugar no respetivo quadro, como exige o Parecer n° 499/2000, do CC da PGR.
23. Segundo o parecer do CC da PGR n° 519/2000, “todos os magistrados que fazem parte da mesma comarca, departamento ou serviço têm igual competência para exercer funções que estejam cometidas a esse escalão hierárquico”.
24. O serviço desenvolvido pela Recorrida ocorreu dentro da mesma área, que era a criminal, cumpridas as tarefas dentro do tempo e no local normal de trabalho, não se identificando o plus que justifique acréscimo remuneratório.
25. Nada na lei obriga a que a direção de inquéritos de todos os crimes cometidos na área da comarca de Lisboa apenas possa integrar o conteúdo funcional dos magistrados adstritos ao DIAP.
26. Diferentemente do que acontece com os magistrados judiciais que exercem funções nos tribunais de 1ª instância, as funções dos magistrados do Ministério Público não correspondem, tão só e necessariamente, ao serviço de determinada unidade organizativa; pelo contrário, o seu concreto conteúdo funcional pode ser definido em função de outros critérios que não o da competência material da específica unidade orgânica onde se encontra integrado.
27. Erra o acórdão ao considerar que “a instrução dos processos-crime não compete aos Juízos Criminais mas ao Departamento de Investigação e Ação Penal” pois nada na lei obriga a que a direção de inquéritos de todos os crimes cometidos na área da comarca de Lisboa apenas possa integrar o conteúdo funcional dos magistrados adstritos ao DIAP.
28. E a Recorrida nem sequer alegou que as tarefas denominadas de “acrescidas” estavam distribuídas a outro Magistrado com lugar no quadro, que por qualquer forma provocou a vaga do lugar, ou, se em exercício de funções, tinha serviço acumulado que tinha que ser recuperado com recurso a outro magistrado.
29. Não passou a Recorrida a ter qualquer “sobreposição”, qualquer “junção” ao que inicialmente fazia, pois, que, desde o início da sua colocação desenvolveu sempre as mesmas tarefas.
30. Ao contrário do que foi decidido, o que aconteceu foi uma redução de funções, quando, desde 1.3.2010, o DIAP passou a tramitar todos os inquéritos até aí atribuídos aos magistrados em funções nos juízos de Pequena Instância Criminal, assim culminando um processo de concentração de inquéritos no DIAP.
31. Outros requisitos da acumulação falham aqui, como a decisão pelo procurador-geral distrital, com prévia comunicação ao CSMP, e observância dos preceitos legais relativos à verificação da conformidade legal e da regularidade financeira da despesa inerente.
32. É incontornável a ponderação de normas que enformam transversalmente as relações de trabalho subordinado no sentido da possibilidade de atribuição ao trabalhador de funções, não expressamente mencionadas, que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas (como estava, ao tempo, expressamente previsto no n.° 3 do art. 43.° da Lei 12-A/2008, de 27/2 e consta hoje do n.° 1 do art. 81.° da Lei 35/2014, de 20/6 e art. 118.° do Código do Trabalho).
33. Ao decidir como decidiu, o acórdão em recurso afronta dois princípios constitucionalmente consagrados, o da confiança e o da igualdade.
34. Sufragar um pedido da Recorrida, vários anos volvidos sobre o início do exercício de funções, exercício que se prolongou por todo esse tempo nos mesmos exatos moldes, e sem oposição daquela, viola o princípio da confiança, constitucionalmente consagrado, e que não vale apenas para os particulares.
35. Tivesse a situação sido equacionada de imediato e não vários anos após o seu início e poderiam ser tomadas medidas de distribuição de serviço e racionalização de custos bem diferentes.
36. Num período de forte contenção orçamental e de rígida austeridade, a condenação em causa importa relevantes custos para o erário público, em nítido prejuízo da melhor racionalização de meios públicos.
37. Ou seja, quando todos os funcionários públicos são sujeitos a cortes salariais, a Recorrida e outros magistrados, aproveitando-se de uma sua inércia contrárias às mais elementares regras de boa-fé no relacionamento funcional, reclamam e vêm ser-lhes reconhecidos direitos ao recebimento de elevadíssimos valores, sem qualquer fundamento.
38. E assim foi já decidido pelo TCA Norte, qualificando situação em tudo igual como abuso de direito. Segundo acórdão de 22 de maio, no Proc. 2919/11.4BEPRT: “Em circunstâncias que, segundo os ditames da boa-fé, esse exercício se torna inesperado, pretendendo benefício não expectável pela sua própria inação, de forma que fere clamorosamente o equilíbrio suposto no instituto.”
39. A condenação pré-existente, a ser mantida, violaria ainda o princípio da igualdade, pois atribui apenas a um magistrado uma remuneração acrescida, deixando sem perceber tal remuneração todos os outros magistrados que, desde 1997, desempenharam funções no mesmo Tribunal, nas mesmas exatas condições em que a Recorrida as desempenhou. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão recorrida.”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 28 de fevereiro de 2016.
A aqui Recorrida veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 11 de abril de 2016, concluindo:
“A. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (adiante TAC de Lisboa’), de 01.12.2015, que julgou totalmente procedente a ação proposta pela Autora, ora Recorrida, e nessa medida, condenou o Réu, ora Recorrente, a praticar os atos necessários à fixação da remuneração suplementar por acumulação de funções devida à Recorrida, nos termos dos n.°s 4, 5 e 6 do artigo 63.°, aplicável ex vi o n.° 4 do artigo 64.° do Estatuto do Ministério Público (adiante ‘EMP’), na redação vigente à época dos factos.
B. Porém, a Sentença ora posta em crise pelo Recorrente não é merecedora de qualquer reparo.
C. Nos presentes autos, a divergência entre o Recorrente e a Recorrida respeita à interpretação e aplicação do regime jurídico relativo á acumulação de funções, designadamente no que respeita à verificação, no caso sub judice, dos requisitos de que depende a mencionada acumulação.
D. O Recorrente começa por alegar que a competência para fixar o montante da remuneração devida por acumulação de funções se encontra atribuída ao Ministro da Justiça, ouvido o CSMP.
E. Pelo que, perante a ausência de emissão de tal parecer pelo CSMP (ou mesmo que este tivesse sido emitido, fosse negativo), o Recorrente entende que nunca poderia vir a emitir outro ato que não o de indeferimento do pedido do Recorrido, uma vez que é apenas àquele Conselho que compete a verificação de uma situação de acumulação de funções.
F. E que, alegadamente, incorreria a decisão a quo em erro de direito, por violação da lei, ao alegadamente desvalorizar a necessidade de tal parecer, considerando-o (como não podia deixar de ser) como meramente obrigatório mas não vinculativo.
G. A exigência de pronúncia por parte do CSMP decorre do artigo 63.° n.° 6 (atual n.° 7) do EMP que dispõe que “Os procuradores da República que acumulem funções por período superior a 30 dias têm direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público, entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento"
H. Trata-se de um parecer obrigatório, mas não vinculativo, tal como prescrevia o n.° 2 do artigo 98.° do Código de Procedimento Administrativo (adiante ‘CPA') (na redação então em vigor), “Salvo disposição expressa em contrário, os pareceres referidos na lei consideram-se obrigatórios e não vinculativos”.
I. Caso fosse vinculativo o parecer do CSMP no que respeita à verificação de uma situação de acumulação de funções, como parece fazer aqui querer vingar o Recorrente, por maioria de razão e em coerência, sempre que o CSMP confirmasse a existência de uma acumulação de funções relevante para efeitos de fixação da devida remuneração suplementar, o Recorrente deveria deferir o pedido de prestação de remuneração suplementar, o que o Recorrente não faz!
J. Com efeito, como o Recorrente bem sabe, tal não corresponde à realidade dos factos, encontrando-se pendente de discussão em juízo outros processos nos quais, sem prejuízo de uma pronúncia favorável por parte do CSMP, o Recorrente decidiu em sentido oposto quanto à efetiva verificação de uma situação de acumulação de funções e deferimento da respetiva remuneração suplementar.
K. Tal apenas demonstra a abundância de “entendimentos" contraditórios que o Recorrente utiliza em função das suas conveniências...
L. E confirma que o próprio Recorrente não ignora que tal parecer do CSMP não tem carácter vinculativo, mas apenas obrigatório, devendo ser solicitado parecer prévio ao CSMP.
M. Pelo exposto, ao Recorrente não assiste qualquer razão ao afirmar que “[...] Cabe aos Conselhos Superiores decidir se e quando se verificam situações de acumulação.", e muito menos que "... decisão recorrida começa por desvalorizar, por completo, a necessidade do referido Parecer, no que viola a lei.”
N. De resto, sustenta - e bem - a Sentença recorrida que: “Acresce que o parecer do Conselho Superior do Ministério Público, a que alude o referido normativo 63.°/6 do EMP. consubstancia, de acordo com o artigo 98.°/2 do CPA. um parecer obrigatório mas não vinculativo e que apesar de obrigatório, caso o mesmo não seja prestado, nos termos do disposto no n.°s 2 e 3 do artigo 99.° do CPA, o procedimento prossegue e é decidido sem aquele.’’
O. Tratando-se de parecer não vinculativo, o Recorrente, enquanto instância decisória, não está obrigado a acatá-lo, quer nas suas conclusões, quer nos seus fundamentos, estando sim obrigado a ponderar ou a ajuizar sobre o que se sustenta em tal parecer,
P, Pois, "[...] perante a verificação dos pressupostos legais, designadamente da duração temporal da acumulação, a Administração está vinculada ao pagamento da remuneração, restando-lhe apenas uma margem de discricionariedade na fixação do respetivo montante.
Q. A Recorrida, encontrando-se a exercer funções nos Juízos Criminais da Comarca de Lisboa desde o dia 01.09.2007, data em que iniciou o exercício de funções nos referidos Juízos, assegurou, em paralelo, a direção e investigação de processos de inquérito da competência do DIAP, até 30.06.2010.
R. Ou seja, desde a data da sua colocação ao serviço dos Juízos Criminais de Lisboa, a Recorrida, para além do serviço e funções inerentes ao seus cargo junto dos referidos Juízos, cumulou o exercício de funções de investigação e acompanhamento de inquéritos, serviço este da competência dos magistrados colocados junto do DIAP.
S. Contudo, o Recorrente sustenta que, no caso dos presentes autos, “[...] não nos encontramos perante uma situação de acumulação de funções, mas antes e tão-somente de desempenho de funções abrangidas pelo conteúdo funcional do cargo em que a Recorrida se encontra provida, que inclui para além do mais, a direção de inquéritos e o exercício da ação penal quanto a determinados crimes.
T. Os n.°s 4 e 6 do artigo 63.° do EMP, aplicáveis ao caso da ora Recorrida por força do n.° 4.° do artigo 64.° do EMP, dispunham, na redação então em vigor, que “4- Em caso de acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias, os procuradores-gerais distritais podem, mediante prévia comunicação ao Conselho Superior do Ministério Público, atribuir aos procuradores da República o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos. [...] 6 - Os procuradores da República que acumulem funções por período superior a 30 dias têm direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça, ouvido o Conselho Superior, entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento."
U. O Parecer n.° 499/2000, de 16 de Junho de 2004, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, é elucidativo ao concluir que “Sempre que, para além das funções compreendidas no cargo, definidos nos termos das conclusões anteriores [nomeação, colocação e transferência de magistrados que ficam afetos a um determinado tribunal, juízo, vara, departamento, serviço ou lugar], o magistrado passa a exercer, em acumulação, as funções que correspondem ao carpo atribuído, ou a atribuir, a outro magistrado - ao qual corresponde um lugar no respetivo quadro - por motivos de acumulação de serviço, falta ou impedimento do titular do segundo cargo, ou por vacatura de lugar, e desde que a acumulação se prolongue por período de tempo superior a trinta dias, é devida ao primeiro a compensação remuneratória prevista no n.° 6 do artigo 63.° do Estatuto do Ministério Público.”
V. Também neste sentido veja-se ainda o Parecer n.° 156/2004, de 16 de Fevereiro de 2006 emitido pelo mesmo corpo Consultivo, onde se conclui do seguinte modo: “O procedimento jurídico-administrativo da nomeação, colocação e transferência dos magistrados do Ministério Público, com as categorias de procurador da República e de procurador-adjunto, compreende uma deliberação do Conselho Superior que os afeta a determinada circunscrição - e, no caso de comarcas sede de distrito judicial, a uma área de especialidade - e uma decisão do superior hierárquico que procede à distribuição do serviço dentro dessa circunscrição e área, afetando cada magistrado a um determinado tribunal, juízo, vara, departamento, serviço ou lugar.
Porque essa deliberação carecia de ser integrada por uma outra decisão do órgão com funções de direção na área respetiva - o Procurador-Geral Distrital - por decisão deste, os magistrados em apreço terão sido afetos a um determinado tribunal -... Com esta decisão ficou definido o cargo que cada magistrado ali colocado irá exercer (...)”.
W. Por força da doutrina acima explanada, as funções compreendidas no cargo a que a Recorrida se encontrava afeta, como bem decidiu a Sentença recorrida na senda da jurisprudência maioritária sobre esta matéria, encontravam-se delimitadas pela competência dos respetivos Juízos Criminais onde havia sido colocada tem concreto, o serviço da ...ª Secção do .. ° Juízo Criminal de Lisboa).
X. Nos termos do artigo 100.° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais então em vigor (Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro), competia a estes Juízos "[...] proferir despachos nos termos dos artigos 311° a 313.° do Código de Processo Penal e proceder ao julgamento e termos subsequentes nos processos de natureza criminal não atribuídos às varas criminais e aos juízos de pequena instância criminal.”.
Y. O EMP institucionalizou os chamados DIAP, ao dispor que: “Na comarca sede de cada distrito judicial existe um departamento de investigação e ação penar, determinando ainda a sua estrutura e definindo as suas competências de direção do inquérito e do exercício da ação penal por crimes cometidos na área da Comarca [cfr. artigos 70.°, 72.° e 73.° do EMP, na redação então vigente, em especial a alínea a) do n.° 1 deste último].
Z. Em consonância, o legislador estabeleceu os quadros dos DIAP e as regras de provimento dos magistrados do Ministério Público nestes colocados (cfr. artigo 120.° do EMP).
AA. Ainda a este respeito e prima facie, importa ressaltar que, com a entrada em vigor da Portaria n.° 754/99, de 27 de Agosto, que declarou instalado, a partir de 15 de Setembro de 1999, o DIAP de Lisboa, o serviço do Ministério Público na Comarca do Lisboa, no que concerne aos procuradores-adjuntos, passou a estar funcionalmente dividido em três áreas, respetivamente: a área de jurisdição cível, a área dos departamentos de investigação e ação penal e a área da jurisdição criminal, abrangendo esta última os serviços junto dos Juízos Criminais e Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa.
10 Cfr.. entre outros, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.12.2007 (processo n.° 06018/02) e de 24.01,2008 (processo n.° 06007/02) e do Tribunal Central Administrativo Norte de 08.05.2015 (processo n.° 02908/11.9BEPRT) e 22.05.2015 (processo n.° 02919/11.4BEPRT), todos disponíveis em www.dosi.pt.
BB. Por outro lado, segundo o disposto no artigo 134.° do EMP, ''Relativamente a comarcas sede de distrito judicial /como é o caso da comarca dos autos/, os magistrados podem concorrer para tribunais ou para departamentos específicos, nos termos do regulamento aprovado pelo Conselho Superior do Ministério Público".
CC. Refira-se também o que se encontrava previsto no artigo 21.°, n.° 1 do Regulamento de Movimentos dos Magistrados do Ministério Público, então em vigor, aprovado pela deliberação 720/2009 do CSMP, publicada no Diário da República, 2.° Série, de 13.03.2009, de onde resulta de forma manifesta a existência de um cargo e provimento próprio para os magistrados colocados no DIAP (ao invés de uma alegada - e absurda - colocação em determinada unidade organizatória, como pretende aqui vingar o Recorrente), pois: “Os magistrados que pretendam concorrer para tribunais ou departamentos específicos das comarcas sede de distrito judicial devem fazê-lo nos termos constantes dos números seguintes.
DD. Na Comarca de Lisboa, a direção do inquérito e o exercício da ação penal cabe ao respetivo DIAP de Lisboa, estando tais funções, ab initio, por tudo quanto já se expôs, excluídas do conteúdo funcional do cargo dos magistrados do Ministério Público colocados nos Juízos Criminais de Lisboa, como era o caso da Recorrida.
EE. Tratam-se, pois, inequivocamente, de funções que não integram o núcleo das tarefas inerentes ao cargo da Recorrida, já que na ausência de determinação hierárquica, tais funções de proceder à tramitação do inquérito até à acusação no âmbito dos processos relativos a acidentes de viação e infrações contra a economia, a propriedade industrial e os direitos de autor e conexos, sempre se manteriam no âmbito da atividade dos magistrados do Ministério Público junto do DIAP,
FF. Pelo que, o alargamento das funções da Recorrida à instrução de processos de inquérito relativos a acidentes de viação e infrações contra a economia, a propriedade industrial e os direitos de autor e conexos, competência atribuída ao DIAP, significa uma acumulação de serviço relevante para efeitos do disposto nos artigos 63.° e 64.° do EMP.
GG. Esta acumulação do serviço próprio dos Juízos Criminais de Lisboa com o serviço no DIAP foi determinada pelas Ordens de Serviço n.°s 1/99 e 3/99 da Procuradoria da República junto do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, de acordo com os quais foi estabelecido que os serviços do Ministério Público junto dos Juízos Criminais de Lisboa passavam a instruir também os inquéritos da competência do DIAP.
HH. Esta acumulação de serviço resultou de determinação hierárquica, conforme o refere expressamente a Sentença recorrida.
II. É, aliás, como se escreve na decisão a quo “O que decorre (...), de forma expressa, da comunicação da Procurador-Geral Distrital Francisca Van Dunem, emitida em 07.10.2010, da qual consta o seguinte teor: «1. Magistrados dos Juízos Criminais de Lisboa (...) M....., Proc. 901 -MP, of.° 11372/2010, cessou acumulação em 01 de Julho de 2010, por força do Provimento n.° 7/2010, dos Juízos Criminais, data a partir da qual passou a ter a exclusividade de julgamentos»
JJ. Acresce que esta acumulação prolongou-se ininterruptamente por mais de 30 dias, pelo que também este pressuposto se encontra preenchido.
KK. Dúvidas não há de que estão verificados, ín casu, os pressupostos legais de que depende a verificação de uma situação de acumulação de funções relevante para efeitos do artigo 63.°, n.° 6 e do artigo 64.°, n.° 4, do EMP, ou seja: (i) atribuição de funções correspondentes a outro cargo; (ii) por determinação hierárquica; e (iii) por período superior a 30 dias.
LL. No sentido da argumentação ora expendida e em situações idênticas às da aqui Recorrida, pronunciou-se já o Tribunal Central Administrativo do Sul: quer no já mencionado Acórdão de 19.12.2007 (processo n.° 06018/02), considerando configurar uma acumulação de serviço relevante, para efeitos do n.° 6 do artigo 63.° e do n.° 4 do artigo 64.°, ambos do EMP, o exercício das funções inerentes ao cargo de magistrado do Ministério Público colocado nos Juízos Criminais, em cumulação com a direção da investigação e exercício da ação penal relativamente às matérias especificadas nos despachos, quer no Acórdão de 24.01.2008, (processo n.° 06007/02)11, onde fixou o direito a acumulação de funções.
MM. Pronunciou-se também o Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão de 08.05.2015 (processo n.° 02908/11.9BEPRT) e ainda no Acórdão de 22.05.2015 (processo n.° 02919/11 4BEPRT).
NN. O entendimento contrário, isto é, de que as competências dos Magistrados não se encontram delimitadas pelos lugares onde se encontram afetos, permitindo que um Magistrado acumulasse as suas funções com quaisquer outras, representaria uma clara subversão do regime de acumulação de funções, pois os magistrados teriam de desempenhar trabalho suplementar sem, no entanto, receber qualquer compensação por tal facto.
OO. Porquanto a remuneração do serviço prestado em tais circunstâncias é, prima fade. reclamada pelo princípio da justiça, na espécie justiça retributiva. pois que se impõe compensar a disponibilidade do magistrado para o serviço, da qual resulta sacrificada ou. em todo o caso, diminuída a disponibilidade para assuntos da vida privada e o maior esforço exigido pela prestação de serviço nessas condições.
PP. A esse propósito, o Recorrente invoca, designadamente, o disposto no artigo 43.° n.° 3 da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (que define e regula os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas) e no artigo 118.° do Código do Trabalho, que dispõe no mesmo sentido relativamente ao contrato individual de trabalho.
QQ. Ora, salvo o devido respeito, tal argumentação carece de fundamento, uma vez que não se pode pretender aplicar aos Magistrados do Ministério Público normas que regulam as relações de trabalho subordinado.
RR. Os Magistrados do Ministério Público, tal como é a Recorrida, goza de um estatuto próprio constitucionalmente reconhecido e aprovado por Lei da Assembleia da República, o EMP, aprovado pela Lei n.° 47/86, de 15 de Outubro (sucessivamente alterado), que contém disposições específicas quanto à acumulação de funções, pelo que não é aplicável o regime dos trabalhadores que exercem funções públicas.
SS.A remuneração do serviço prestado em tais circunstâncias excecionais, como foi o serviço prestado pela Recorrida no período de 01.09.2007 a 30.06.2010, é reclamada pelo princípio da justiça. na espécie de justiça retributiva. pois que se impõe compensar a disponibilidade do magistrado.
TT. Não existe, in casu, qualquer violação pela Recorrida do principio da confiança, constitucionalmente consagrado, ou qualquer outra atuação contrária aos ditames da boa-fé reconduzível a uma situação de abuso de direito.
UU. A Recorrida não reclama nestes autos o pagamento de quaisquer valores injustificados ou sem fundamento jurídico, mas apenas e tão-só o pagamento do acréscimo remuneratório pela prestação de trabalho em acumulação de funções, a cuja perceção tem direito.
W. Quanto à alegada lesão do erário público, a Recorrida não pode deixar de realçar que, à semelhança dos demais funcionários públicos, também ela tem sido sujeito a substanciais cortes salariais no seu vencimento mensal, bem como sujeitos às demais medidas de contenção orçamental.
WW. Diferentemente, não pode a Recorrida ver-se-lhe negado o exercício de um direito que legalmente lhe assiste, uma vez verificados os respetivos pressupostos legais, por conta de fatores de racionalização de meios públicos, designadamente a nível de gestão de recursos humanos, que lhe são inteiramente alheios e com os quais não pode ser onerada.
XX. Acresce que é certo que, ao invocar uma alegada legítima expectativa de não exercício do direito ao abonamento do acréscimo remuneratório devido pela acumulação de funções,
YY. O Recorrente reconhece, ainda que de forma implícita, que, efetivamente, a situação da ora Recorrida configura uma acumulação de funções, relevante para efeitos do disposto nos artigos 63.° e 64 ° do EMP, pelo que, diga-se, existe fundamento para a Recorrida solicitar tal abonamento.
ZZ. No que em particular tange à pretensa atuação abusiva da Recorrida, refira-se que tem entendido a doutrina e jurisprudência que existirá um exercício abusivo de um direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.
AAA. Ou seja, in casu, afigurar-se-ia como determinante para a verificação de uma alegada situação de abuso de direito, merecedora de tutela jurídica nos termos do artigo 334.° do Código Civil, a criação de uma expectativa legítima por parte do Recorrente do não exercício pela Recorrida do direito à perceção de remuneração suplementar por acumulação de funções que legalmente lhe assiste, de tal sorte que esse exercício, a verificar-se, se torne inesperado e contrário aos ditames da boa-fé.
BBB. Ora, quanto à alegada “inatividade" da Recorrida, enquanto elemento indiciador de inexistência de qualquer situação de acumulação de funções ou aceitação da mesma enquanto mera distribuição de serviço, não podem estes últimos deixar de notar que o regime legal vigente não condiciona o pedido de reconhecimento do direito à perceção da remuneração suplementar devida pela acumulação de funções a qualquer prazo particular.
CCC. No âmbito da Magistratura do Ministério Público, vigora o princípio da hierarquia, previsto de forma expressa no n.° 3 do artigo 76.° do EMP, como um dos seus principais traços caracterizadores, que se traduz na subordinação dos magistrados do Ministério Público aos magistrados de grau superior, nos termos do EMP, e na consequente obrigação de acatamento por aqueles das diretivas, ordens e instruções recebidas.
DDD. Por força deste princípio, a Recorrida nada mais fez - nem outra coisa poderia fazer - do que acatar o que lhe fora hierarquicamente determinado, cumulando as suas funções junto dos Juízos Criminais de Lisboa, onde se encontrava colocada, com a instrução dos processos abreviados de inquérito da competência do DIAP que lhe foram atribuídos.
EEE. Entender-se o contrário, ou seja configurar a legítima pretensão da Recorrida em obter a remuneração suplementar por acumulação de funções, a que por lei têm direito, como alegadamente consubstanciadora de abuso de direito, revela-se, assim, manifestamente desproporcional.
FFF. Traduzindo-se, com o devido respeito, num resultado contra-legem. violador do princípio da justiça: o de a Recorrida ter exercido as suas funções junto do Juízos Criminais de Lisboa, cumulando-as com a instrução e direção dos processos de inquérito da competência do DIAP e dos magistrados do MP aí colocados, por determinação hierárquica, sem que possa fazer valer o seu direito a ser remunerada pelo trabalho que efetivamente prestou, sob pena de, alegadamente, violar os ditames de boa-fé.
GGG. Não se verifica, assim, no presente caso, qualquer violação pela Recorrida do princípio da confiança, constitucionalmente consagrado, ou qualquer outra atuação contrária aos ditames da boa-fé reconduzível a uma situação de abuso de direito, devendo também por esta razão improceder o presente recurso.
HHH. E muito menos se verifica qualquer violação do princípio da igualdade pela Recorrida: por um lado, tendo a presente ação sido intentada pela Recorrida, a decisão proferida nos presentes autos apenas poderia decidir pela verificação de uma situação de acumulação de funções e consequente atribuição de remuneração acrescida a esta; por outro, estando na disponibilidade de cada magistrado recorrer aos tribunais para reclamar a perceção de remuneração por acumulação de funções, e não o tendo feito, tal omissão não pode, em caso algum, prejudicar a Recorrida que, efetivamente, atuou em defesa dos seus direitos.
III. Cumpre sublinhar que o caso da Recorrida é em tudo semelhante ao de outros Magistrados do Ministério Público que se encontravam na mesma situação e que intentaram igualmente as respetivas ações, sendo que, nalguns casos (já transitados em julgado) os Magistrados do Ministério Público em causa foram já ressarcidos pelo Estado.
JJJ./A contrario do defendido pelo Recorrente, a decisão que entenda não estarem verificados os requisitos da acumulação de funções no caso da Recorrida, que está em situação idêntica à de outros Magistrados que viram a sua situação reconhecida como acumulação de funções, é uma decisão inconstitucional por violação do princípio da igualdade, o que não deixará de se arguir com todas as legais consequências.
KKK. Pelo exposto, andou bem Sentença recorrida que julgou totalmente procedente a ação proposta pela Autora, ora Recorrida, e nessa medida, condenou o Réu, ora Recorrente, a praticar os atos necessários à fixação da remuneração suplementar por acumulação de funções devida aos Recorridos, nos termos dos n.°s 4, 5 e 6 do artigo 63.°, aplicável ex vi o n.° 4 do artigo 64.° do Estatuto do Ministério Público (adiante 'EMP'), na redação vigente à época dos factos, devendo ser a mesma mantida na íntegra.
Termos estes em que deve ser negado provimento ao presente recurso, devendo ser mantida integralmente a Sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 19/05/2016, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/Ministério, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, invocando-se, designadamente, a violação dos princípios da confiança e da igualdade, por parte da Sentença recorrida.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, entendendo-se a mesma como adequada e suficiente:
“A)M..... é magistrada do Ministério Público, detendo a categoria de Procuradora-Adjunta, desde a nomeação, em 13.07.2007, pelo Conselho Superior do Ministério Público, aceite em 07.09.2007. Cfr. documento n.º 1 junto aos autos com a petição inicial.
B)Do termo de aceitação de nomeação de M..... que aqui se dá por reproduzido, consta o seguinte: «Modalidade de nomeação:
Transferida e colocada em regime de destacamento como auxiliar na Área Criminal de Lisboa» Cfr. documento n.º 1 junto aos autos com a petição inicial:
C) M..... integrou os Juízos Criminais de Lisboa a 01.09.2007 e exerceu funções nesse Tribunal, pelo menos, até 30.10.2010. Cfr. documento de folhas 55 a 59 do processo administrativo junto aos autos e, bem assim, pela posição assumida pelas partes nos articulados.
D)Em 16.06.2004, o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República emitiu o parecer n.º 499/2000, do qual consta, designadamente, o seguinte: «1º - O procedimento jurídico-administrativo de nomeação, colocação e transferência dos magistrados do Ministério Público, com as categorias de procurador da República e de procurador-adjunto, compreende uma deliberação do Conselho Superior que os afeta a determinada circunscrição judicial – e, no caso de comarcas sede de distrito judicial, a uma área, afetando cada magistrado a um determinado tribunal, juízo, vara, departamento, serviço ou lugar; 2º - Com esta decisão fica definido o cargo que cada magistrado irá exercer, permitindo uma autonomização e delimitação funcionais; 3º - Sempre que, para além das funções compreendidas no cargo, definidos nos termos das conclusões anteriores, o magistrado possa exercer, em acumulação, as funções que correspondam ao cargo atribuído ou a atribuir, a outro magistrado – ao qual corresponde um lugar no respetivo quadro – por motivos de acumulação de serviço, falta ou impedimento do titular do segundo cargo, ou por vacatura de lugar e, desde que a acumulação se prolongue por período de tempo superior a trinta dias, e devida ao primeiro a compensação remuneratória prevista no n.º 6 do artº 63º do Estatuto do Ministério público». Cfr. documento de folhas 121 dos autos.
E) Em 17.02.2010, a Procuradora-Geral Distrital de Lisboa, Francisca Van Dunem, proferiu o Despacho n.º 33/2010, com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
Cfr. documento de folhas 70 a 71 dos autos:
F)Em 21.04.2010, M..... requereu ao Ministério da Justiça, por carta registada com aviso de receção, a fixação de remuneração complementar prevista nos artigos 63.º, n.ºs 4, 5 e 6 e artigo 64.º/4 do Estatuto do Ministério Público. Cfr. documento de fls. 25 a 27 dos autos.
G) Em 30.06.2010, a Procuradora da República proferiu o provimento n.º 7/2010 do qual consta, designadamente, o seguinte teor: «(…) Determina-se: (a) Todos os inquéritos, cartas rogatórias e precatórias existentes nos serviços do MºPº dos Juízos Criminais de Lisboa e os que vierem a ser distribuídos, ficam afetos à Senhora magistrada, Dra. A....., a partir de 1 de Julho de 2010, que não assumirá funções de substituição em julgamentos, nem despachos de processos de Secção Judicial (…)»Cfr. documento de fls. 60 a 61 dos autos.
H)Em 01.09.2010, a Procuradora-Geral Distrital e Lisboa, Francisca Van Dunem, proferiu o Despacho n.º 163/2010, com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
Cfr. documento de fls. 62 e 63 dos autos:
I)Em 07.10.2010, a Procurador-Geral Distrital Francisca Van Dunem, emitiu comunicação, da qual consta o seguinte teor: «1. Magistrados dos Juízos Criminais de Lisboa (…) M....., Proc. 901-MP, of.º 11372/2010, cessou acumulação em 01 de Julho de 2010, por força do Provimento n.º 7/2010, dos Juízos Criminais, data a partir da qual passou a ter a exclusividade de julgamentos (…)
Relativamente à requerida remuneração complementar com fundamento em acumulação de funções, tal como senhores magistrados a configuram – colocação em tribunal de julgamento e também com distribuição de serviço de inquéritos – permitindo-nos, não obstante, sugerir seja ponderado o artigo 310º alínea g) do Código Civil, que prevê a prescrição de prestações periodicamente renováveis em 5 anos (…)».Cfr. documento de folhas 55 a 59 do processo administrativo junto aos autos:
J) Entre 01.09.2007 a 30.06.2010 M..... para além de estar afeta ao Juízos Criminais de Lisboa, instruiu processos de inquérito, por decisão hierárquica. Cfr. documentos de folhas 55 a 59 e 60 a 61 dos autos, e bem assim, pela posição assumida pelas partes nos articulados.”
IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da Sentença Recorrida:
“A questão que ao Tribunal cabe apreciar e decidir é a de saber se se encontram verificados os requisitos legais para que o Ministério da Justiça possa ser condenado a praticar os atos de fixação à Autora, da remuneração suplementar devida pela invocada acumulação de funções, por tal remuneração suplementar ser devida a M......
O artigo 64.º/4 do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro e alterado pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, consagra que «Aplica-se, com as necessárias adaptações, aos procuradores-adjuntos o disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo anterior»
Por seu turno, dispõe o artigo 63.º/4 do Estatuto do Ministério Público, na redação dada pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, que «Em caso de acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias, os procuradores-gerais distritais podem, mediante prévia comunicação ao Conselho Superior do Ministério Público, atribuir aos procuradores da República o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos».
E segundo o n.º 6 do artigo 63.º do Estatuto do Ministério Público «Os procuradores da República que acumulem funções por período superior a 30 dias têm direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público, entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento».
O que significa que a atribuição do direito à remuneração suplementar depende fundamentalmente do preenchimento de três requisitos: (i) a verificação da acumulação de funções, (ii) a acumulação ocorrer por determinação do superior hierárquico do procurador-adjunto e (iii) por período superior a 30 dias.
Entendemos ainda resultar dos referidos normativos, especificamente do artigo 63.º/6 do Estatuto do Ministério Público, em consonância aliás com o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Administrativo, designadamente, no acórdão proferido a 07.02.2001, no recurso n.º 33 6791, que o direito à remuneração suplementar é automático desde que verificada a acumulação de funções, por determinação do superior hierárquico e por período superior a 30 dias.
Acresce que o parecer do Conselho Superior do Ministério Público, a que alude o referido normativo 63.º/6 do EMP consubstancia, de acordo com o artigo 98.º/2 do CPA, um parecer obrigatório mas não vinculativo e que apesar de obrigatório, caso o mesmo não seja prestado, nos termos do disposto no n.ºs 2 e 3 do artigo 99.º do CPA, o procedimento prossegue e é decidido sem aquele.
Isto posto e sendo o direito à remuneração automático, quando verificada a acumulação de funções, importa atender agora ao conceito de acumulação de funções a fim de, em seguida, poder compreender se na situação em concreto tal acumulação efetivamente se verificou. Para tal, importa atender aos elementos da interpretação previstos no artigo 9.º do Código Civil, designadamente, o elemento gramatical e teleológico.
Ora, literalmente acumular significa comumente acrescentar a algo, aditar.
Quanto à razão de ser do artigo 63.º/6 do Estatuto do Ministério Público, ao consagrar o direito a uma remuneração pela acumulação de funções, entende-se que o mesmo pretende, como nos parece óbvio, conceder uma compensação pelo aumento do volume de trabalho provocado pela acumulação.
Aumento do volume de trabalho/serviço que terá que ser aferido em relação ao volume de trabalho distribuído inicialmente, a fim de descortinar se se verificou um aumento daquele.
Ora, nos termos do artigo 8.º do Estatuto do Ministério Público, os procuradores adjuntos são agentes do Ministério Público, os quais, nos termos do artigo 64.º/1 do Estatuto do Ministério Público, «exercem funções em comarcas segundo o quadro constante das leis de organização judiciária», competindo-lhes, de acordo com o n.º 2 do aludido normativo, representar o Ministério Público nos tribunais de 1.ª instância.
Já, segundo o n.º 3 do artigo 64.º do Estatuto do Ministério Público «(…) a distribuição de serviço pelos procuradores-adjuntos da mesma comarca faz-se por despacho do competente procurador da República».
No Departamento de Investigação e Ação Penal, a quem compete, designadamente, dirigir o inquérito e exercer a ação penal por crimes cometidos na área da comarca (cfr. artigo 73.º do Estatuto do Ministério Público), exercem funções procuradores da república e procuradores-adjuntos, de acordo com o artigo 72.º/5 do Estatuto do Ministério Público.
Ou seja, os procuradores-adjuntos poderão exercer funções não só nos tribunais de comarca como também no Departamento de Investigação e Ação Penal; competindo a distribuição do serviço pelos procuradores-adjuntos ao procurador da república.
Conforme consta do probatório, no parecer n.º 499/2000, de 16.06.2004, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República densificou os pressupostos que permitem esclarecer as situações em que há lugar ao suplemento remuneratório.
Transcrevendo-se pela utilidade para o esclarecimento da questão e pela clareza de exposição, o conteúdo do Parecer n.º 499/2000, de 16 de Junho de 2004, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República:
«1º - O procedimento jurídico-administrativo de nomeação, colocação e transferência dos magistrados do Ministério Público, com as categorias de procurador da República e do procurador-adjunto, compreende uma deliberação do Conselho Superior que os afeta a determinada circunscrição judicial – e, no caso de comarcas sede de distrito judicial, a uma área, afetando cada magistrado a um determinado tribunal, juízo, vara, departamento, serviço ou lugar;
2.º – Com esta decisão fica definido o cargo que cada magistrado irá exercer, permitindo uma autonomização e delimitação funcionais;
3.º - Sempre que, para além das funções compreendidas no cargo, definidos nos termos das conclusões anteriores, o magistrado passa a exercer, em acumulação, as funções que correspondem ao cargo atribuído, ou a atribuir, a outro magistrado – ao qual corresponde um lugar no respetivo quadro – por motivos de acumulação de serviço, falta ou impedimento do titular do segundo cargo, ou por vagatura de lugar, e desde que a acumulação se prolongue por período de tempo superior a trinta dias, é devida ao primeiro a compensação remuneratória prevista no n.º 6 do artigo 63.º do Estatuto do Ministério Público. (…)».
Assim, para aquele corpo consultivo, é por via da decisão do Conselho Superior do Ministério Público que os procuradores-adjuntos são afetos a um determinado tribunal, juízo, vara, departamento, serviço ou lugar e é através dessa decisão que é definido o cargo e, consequentemente, o conteúdo funcional a prestar pelo procurador adjunto.
Como tal, verificar-se-á a acumulação de funções sempre que as funções a exercer extravasem as compreendidas no cargo, definido, como dissemos e importa reiterar, em relação ao tribunal/juízo/vara/departamento/serviço/lugar a que o procurador-adjunto foi afeto.
São três os requisitos a considerar: (i) a acumulação de funções, (ii) por decisão superior e (iii) que a mesma ocorra por período superior a 30 dias.
Ora, conforme resulta da factualidade julgada provada a Autora foi afeta aos Juízos Criminais de Lisboa em 01.09.2007, onde exerceu funções, pelo menos, até 30.06.2010.
O que significa que tal qual o entendimento perfilhado pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, é por referência à afetação da Autora aos Juízes Criminais de Lisboa que se circunscreve o cargo e, desse modo, o conteúdo funcional a exercer por aquela.
Desse modo, todas as funções que a Autora exerça e que extravasem o cargo a que foi afeta, são a acumular a estas últimas.
No caso concreto, e como consta da factualidade julgada provada, a Autora no período compreendido entre 01.09.2007 a 30.06.2010, para além do serviço nos Juízos Criminais de Lisboa, instruiu os processos de inquérito do DIAP.
Conforme resulta do Despacho n.º 33/2010, de 17.02.2010, da Procuradora-Geral Distrital, Francisca Van Dunem «Na comarca de Lisboa, por razões históricas, de racionalidade na distribuição de serviço e de volume de serviço no DIAP, a direção e o exercício de ação penal nos inquéritos de acidente de viação, de infrações contra a economia, contra a propriedade industrial e contra direitos de autor e conexos e inquéritos resultantes da frustração da realização de julgamentos nas formas especiais, requeridos pelo MP, vem cabendo aos magistrados dos Juízos Criminais e dos Juízos de Pequena Instância Criminal (cfr., os despachos do PGD Lisboa, de 26/11/1997 e 26/11/2007). Presentemente encontram-se ultrapassadas as razões históricas e estão quase reunidas as condições para a concentração no DIAP da direção de todos os inquéritos respeitantes à Comarca de Lisboa».
No entanto, a instrução de processos-crime não compete aos Juízos Criminais mas ao Departamento de Investigação e Ação Penal.
Veja-se que segundo dispõe o artigo 100.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais «Compete aos juízos criminais proferir despacho nos termos dos artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal e proceder ao julgamento e termos subsequentes nos processos de natureza criminal não atribuídos às varas criminais e aos juízos de pequena instância criminal».
Competindo, por seu turno, ao Departamento de Investigação e Ação Penal, nos termos do artigo 47.º do Estatuto do Ministério Público, proceder à investigação criminal, ou seja, à instrução de processos-crime.
Donde, como dissemos, não compete aos juízos criminais proceder à investigação criminal.
Assim sendo, ao se ter verificado que a Autora, a par com tramitação dos processos dos Juízos Criminais de Lisboa, instruiu também os processos-crime, da competência do DIAP, o mesmo extravasou o cargo que lhe fora atribuído.
Por conseguinte, entende-se que a instrução dos processos-crime do Departamento de Investigação e Ação Penal pela Autora, a par com o exercício das funções correspondentes à competência material dos Juízos Criminais, previstas no artigo 100.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, consubstancia acumulação de funções para efeitos de atribuição da remuneração suplementar prevista no artigo 63.º/6 do Estatuto do Ministério Público.
Acresce salientar que é o próprio Conselho Consultivo do Ministério Público que veicula o entendimento, designadamente, através do seu Parecer n.º 499/2000, de 16 de Junho de 2004, de que a o conteúdo funcional do magistrado corresponde à competência material do tribunal/juízo/vara/departamento/serviço/lugar a que o magistrado fora afeto.
Isto posto, concluímos pela ocorrência da acumulação de funções para efeito do direito à remuneração suplementar.
O que se decorre aliás, de forma expressa, da comunicação da Procurador-Geral Distrital Francisca Van Dunem, emitida em 07.10.2010, da qual consta o seguinte teor:
«1. Magistrados dos Juízos Criminais de Lisboa (…) M....., Proc. 901-MP, of.º 11372/2010, cessou acumulação em 1 de Julho de 2010, por força do Provimento n.º 7/2010, dos Juízos Criminais, data a partir da qual passou a ter a exclusividade de julgamentos»
Nessa medida, importa tão-só agora atender à existência da decisão superior para a acumulação de funções e ao período em que a mesma ocorreu.
Ora, resulta da matéria de facto provada, que a acumulação de funções ocorreu por decisão do superior hierárquico da Autora, tendo inclusivamente a Procuradora-Geral Distrital referido na supra referida comunicação de 07.10.2010, que a acumulação de funções cessou por força do Provimento n.º 7/2010, da autoria da Procuradora da República E. F. D.
Já no que respeita ao período da acumulação também se julgou provado que a mesma ocorreu por período superior a 30 dias, porquanto a Autora, no período compreendido entre 01.09.2007 a 30.06.2010, para além do serviço Juízos Criminais de Lisboa instruiu processos-crime.
Como tal, conclui-se que a acumulação de funções operou por determinação hierárquica e por período, em muito, superior a 30 dias; verificando-se o preenchimento de todos os requisitos legais para a atribuição à Autora da remuneração suplementar nos termos do disposto nos artigos n.ºs 3 e 4 do artigo 63.º e artigo 64.º/4 do Estatuto do Ministério Público.
Procedendo a presente ação, condeno o Réu à atribuição à Autora da remuneração suplementar peticionada.”
Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação procedente, por provada e, em consequência, condena-se o Ministério da Justiça a praticar os atos de fixação a M..... da remuneração suplementar devida nos termos dos n.ºs 4 e 6 do artigo 63.º e 64.º/4 do Estatuto do Ministério Público, pela acumulação de funções Juízos Criminais de Lisboa com a instrução dos processos abreviados no DIAP, desde 01.09.2007 a 30.06.2010.”
Analisemos então o suscitado.
Há desde logo uma questão que sempre importaria verificar e que se prende com a ausência de emissão do obrigatório Parecer do CSMP.
Como se sumariou no Acórdão do TCAN nº 2920/11.8BEPRT, de 23-01-2015:
“1 – Previamente à autorização do pagamento resultante de Acumulação de Funções por parte de Magistrados do Ministério Público, a lei manda, antes de a pretensão do magistrado ser decidida, “ouvir” o Conselho Superior do Ministério Público, o que apenas pode querer significar que a remuneração é fixada tendo em consideração a informação prestada por aquela entidade, a qual será suscetível de influenciar a decisão final.
(…)
3 - A lei manda, no entanto, antes de a pretensão do magistrado ser decidida, “ouvir” o Conselho Superior do Ministério Público, para este órgão se pronunciar ou informar, se o Magistrado em referência preenche os requisitos exigidos para a concessão daquela remuneração suplementar, ou quaisquer outros elementos considerados relevantes e suscetíveis de determinar ou influenciar o quantitativo da remuneração a fixar.*
Foi proferida idêntica decisão nos Acórdãos do TCAN nº 937/11.1BEAVR, de 30-11-2016; nº 2911/11.9BEPRT, 20-05-2016 e nº 2918/11.6BEPRT, de 18-03-2016.
Efetivamente, uma questão essencial a reter nos termos dos n.ºs 4 a 6 do art. 63.º e n.º 4 do art. 64º do Estatuto do Ministério Público (EMP), é o facto do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) ter de emitir parecer sobre a existência, ou não, da situação de acumulação.
Reconhecendo o CSMP a existência de situação de acumulação, emitirá parecer favorável, propondo, simultaneamente, o “quantum” remuneratório a atribuir, em consequência do que o Ministro da Justiça fixará definitivamente o referido montante, entre 1/5 e 5/5 do vencimento do magistrado.
Na realidade, a lei manda, antes de a pretensão do magistrado ser decidida, “ouvir” o Conselho Superior do Ministério Público, o que, como o sumariado supra, apenas pode querer significar que a remuneração é fixada tendo em consideração a informação prestada por aquele Conselho Superior, informação essa que é suscetível de influenciar a decisão final.
Assim, o Ministro da Justiça, no exercício da competência que lhe é atribuída, fixa o quantitativo que o Magistrado tem direito a auferir face à “acumulação de funções”, sendo que a lei impõe a audição prévia do Conselho Superior do Ministério Público, eventualmente para este órgão se possa pronunciar ou informar, se o Magistrado em referência preenche os requisitos exigidos para a concessão da remuneração, ou quaisquer outros elementos considerados relevantes como seja o acréscimo de trabalho suportado pelo magistrado e que, em princípio, irão determinar ou influenciar o quantitativo da remuneração a fixar.
O normativo aplicável demarca rigorosamente as duas espécies de competência:
(i) a competência do Ministro da Justiça para “fixar” o quantitativo ou para decidir o pedido de remuneração devida pela acumulação de funções; e,
(ii) a competência do Conselho Superior do MP, para informar ou dar o seu parecer acerca da pretensão que o magistrado dirigiu ao Ministro da Justiça.
Na situação em presença tanto quanto resulta dos elementos de prova disponíveis, mostra-se que à data da interposição da ação, nem o CSMP havia sido chamado a pronunciar-se face à pretensão da aqui Recorrida, nem o Ministério da Justiça havia proferido qualquer decisão.
Foi pois em face do que precede que a Autora, aqui Recorrida, peticionou a condenação da “entidade demandada a praticar os atos de fixação à autora da remuneração suplementar devida nos termos dos nºs 4 e 6 do artigo 63º e nº 4 do artigo 64º do Estatuto do Ministério Público, na redação então vigente, atos esses ilegalmente omitidos.”
Acontece que o acórdão do tribunal a quo extravasa os limites daquilo que são as suas prerrogativas, designadamente aquelas que resultam do Artº 71º do CPTA.
Faltando, como falta, a emissão de Parecer por parte do CSMP, peça essencial até para a quantificação do montante da remuneração eventualmente a atribuir, não está o tribunal. nem o Ministério da Justiça, em condições de se substituir ao CSMP, condenando a Entidade originariamente demandada “a praticar os atos de fixação a M..... da remuneração suplementar devida nos termos dos n.ºs 4 e 6 do artigo 63.º e 64.º/4 do Estatuto do Ministério Público, pela acumulação de funções Juízos Criminais de Lisboa”.
O Parecer do CSMP não pode ser entendido como uma mera formalidade inconsequente.
Em qualquer caso, independentemente da ausência do referido Parecer por parte do CSMP, já a controvertida questão se mostra repetida e uniformemente decidida.
Em concreto, e como o tribunal de 1ª Instância refere expressamente, “No caso concreto, e como consta da factualidade julgada provada, a Autora no período compreendido entre 01.09.2007 a 30.06.2010, para além do serviço nos Juízos Criminais de Lisboa, instruiu os processos de inquérito do DIAP”, de onde decorreria o direito ao recebimento da acrescida remuneração, por acumulação.
Aqui chegados, a questão que cumpre dirimir é, assim, a de saber se a autora, aqui recorrida, magistrada do MP, colocada nos Juízos Criminais de Lisboa, esteve numa situação de acumulação de funções, por determinação hierárquica, no Departamento de Investigação e Ação Penal, que lhe conferisse o direito à atribuição da remuneração suplementar prevista no artigo 63º, nº 7 do EMP (aprovado pela Lei nº 47/86, de 15.10, na redação dada pela Lei nº 52/2008, de 28.8).
Esta questão, como já referido, mereceu já reiterado tratamento pelos tribunais superiores que, de modo uniforme, têm entendido que os Magistrados do Ministério Público só têm o direito à remuneração prevista no art 63º, nº 7 do EMP, por acumulação de funções, se esta derivar de um ato enquadrável no tipo legal previsto nos nº 4 e 5 do mesmo artigo.
Neste sentido podem ver-se os acórdãos deste TCAS de 2.6.2016, processo nº 13278/16, de 14.7.2016, processo nº 11.844/15, de 22.09.2016, processo nº 12950/16, de 10.9.2020, processo nº 957/11; também os acórdãos do TCAN de 23.1.2015, processo nº 292/11, de 20.2.2015, processo nº 2910/11, de 8.5.2015, processo nº 2908/11, de 23.1.2015, processo nº 2920/11, 18.3.2016, processo nº 2918/11, de 6.5.2016, processo nº 417/14 e nº 2909/11. A que se somam os acórdãos do STA de 12.5.2016, processo nº 1427/15, de 14.4.2016, processo nº 904/15, de 7.4.2016, processo nº 1389/15, de 10.3.2016, processo nº 1428/15.
Assim, não se vislumbram razões para emitir pronuncia dissonante com a referida jurisprudência, que tem inclusivamente determinado a não admissão de recurso de revista por parte do STA, como sucedeu, por exemplo, em 1.2.2017, no processo nº 1422/16.
Vejam-se os normativos aplicáveis do EMP:
«Artigo 63º (Competência)
(…) 4 - Os procuradores da República coordenadores podem acumular as funções de gestão e coordenação com a direção de processos ou chefia de equipas de investigação ou unidades de missão.
5 - Em caso de acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias, o procurador-geral distrital pode, sob proposta do procurador-geral-adjunto da comarca e mediante prévia comunicação ao Conselho Superior do Ministério Público, atribuir aos procuradores da República o serviço de outros tribunais ou departamentos.
6 - A medida prevista no número anterior caduca ao fim de seis meses, não podendo ser renovada quanto ao mesmo procurador da República, sem o assentimento deste, antes de decorridos três anos.
7 - Os procuradores da República que acumulem funções por período superior a 30 dias têm direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público, entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento. (…).”
“Artigo 64.º (Procuradores-adjuntos)
1 - Os procuradores-adjuntos exercem funções em comarcas segundo o quadro constante das leis de organização judiciária.
2 - Compete aos procuradores-adjuntos representar o Ministério Público nos tribunais de 1.ª instância, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior.
3 - Sem prejuízo da orientação do procurador-geral distrital respetivo, a distribuição de serviço pelos procuradores-adjuntos da mesma comarca faz-se por despacho do competente procurador da República.
4 - Aplica-se, com as necessárias adaptações, aos procuradores-adjuntos o disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo anterior.
(… )”
Como se discorreu no discurso fundamentador do Acórdão do STA nº 01428/15, de 10-03-2016:
Pareceria, pois, que, «ante omnia», haveríamos – decerto por referência aos conteúdos funcionais dos magistrados do MP em exercício nos Juízos Criminais e no DIAP – de apurar se aquela afetação de inquéritos à recorrida traduzira uma verdadeira acumulação de funções ou, antes, uma mera distribuição do serviço por imposição legítima da hierarquia. Mas não é exatamente assim, porquanto – e como melhor veremos «infra» – o desfecho da causa não depende, em absoluto rigor, da resolução dessa alternativa.
É certo que o «direito» previsto no art. 63º, n.º 6, do EMP – «direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça» – pressupõe que o Procurador-Adjunto haja acumulado funções por período superior a 30 dias (cf. também o art. 64º, n.º 4, do mesmo diploma).
Todavia, esse n.º 6 não pode desligar-se dos ns.º 4 e 5, que o antecedem e explicam. Assim, o referido direito não brota de uma qualquer acumulação de funções; é que ele só verdadeiramente se constitui se derivar de um ato enquadrável no tipo legal previsto no art. 63º, n.º 4 e 5, do EMP.
Estes números dizem-nos o seguinte: a acumulação de funções causal do surgimento do direito do magistrado a uma remuneração acrescente tem de se suportar num ato com as seguintes características: um ato do Procurador-Geral Distrital que atribua ao Procurador-Adjunto «o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos»; um ato motivado por «acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias»; um ato precedido de «prévia comunicação» ao CSMP; e um ato cuja «medida» não pode vigorar por mais de seis meses.
O condicionalismo legal dos atos desse género existe para proteção dos magistrados, pois não apenas delimita os casos em que pode impor-se-lhes «o serviço de outros círculos, tribunais e departamentos», como configura o modo e o tempo dessa imposição. Mas o dito condicionalismo também existe para salvaguarda do Estado, que só se verá na contingência de custear uma acumulação de funções nos casos – aliás, sempre restringidos no tempo – em que a lei tipicamente preveja que ela se justificaria.
Portanto, o regime da acumulação remunerada de funções opera dentro de um quadro que abrange os ns.º 4, 5 e 6 do art. 63º do EMP. Não é possível cindir o n.º 6 dos anteriores e encarar uma qualquer acumulação de funções como geradora do direito aí previsto. O direito somente emerge de uma acumulação imposta ao magistrado dentro do circunstancialismo dito nos números anteriores – onde precisamente se prevê o tipo legal do ato determinativo da acumulação de funções, ato esse que funciona como causa mediata da constituição do direito à remuneração suplementar. E, no fundo, tudo isto se adequa a uma ideia jurídica geral: a de que é impossível que algum direito subjetivo nasça ou se constitua sem previamente se dar o condicionalismo legal de que ele dependa.
Aliás, o problema «sub specie» não pode ter outra solução satisfatória. Se olharmos o n.º 6 do art. 63º do EMP, logo vemos que a intervenção do CSMP, aí aludida, se restringe à emissão de parecer sobre o «quantum» da remuneração a fixar. Isso deduz-se do pormenor da referência à audição do CSMP estar intercalada dentro da previsão da única pronúncia exigida ao Ministro da Justiça – a qual consiste em fixar a remuneração «entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento». É apenas sobre isso que o CSMP é «ouvido»; o que bem se compreende, visto ser esse órgão quem está nas melhores condições para avaliar a quantidade e a qualidade do trabalho acrescente desempenhado pelo titular do direito, isto é, para fornecer ao Ministro da Justiça os critérios relevantes na concretização do abono.
E a questão de saber se deveras ocorreu uma acumulação de funções – potencialmente geradora de despesa pública – há-de ser resolvida pelo CSMP. Por isso é que o ato atributivo do «serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos», previsto nos ns. 4 e 5 do art. 63º do EMP, tem de ser previamente comunicado ao CSMP. Dando o seu aval, expresso ou tácito, a essa medida, o CSMP automaticamente reconhece que o magistrado referido no ato entrará em acumulação de funções – e obterá o direito à remuneração suplementar correspondente se ela se prolongar por mais de 30 dias. Ao invés, qualquer serviço atribuído pela hierarquia fora do condicionalismo previsto nos ns.º 4 e 5 do art. 63º do EMP não pode assumir-se como um antecedente da consequência dita no n.º 6 do mesmo artigo; é que a lei une incindivelmente as previsões constantes desses números, articulando-os numa relação lógica – em que o «direito» só se segue dessa outra coisa, se anteriormente posta.
Portanto, a ação dos autos perspetivou mal o problema. O Ministério da Justiça não tem de ser convencido de que houve uma acumulação de funções – visto que a intervenção do Ministro se localiza a jusante disso, limitando-se à fixação do «quantum» remuneratório.
Com efeito, das duas, uma: ou as coisas se passaram no âmbito dos ns.º 4 e 5 do art. 63º do EMP – ou seja, com prévio reconhecimento, pelo CSMP, de que o magistrado esteve em acumulação – e o direito à remuneração suplementar surge ao fim de 30 dias, restando pedi-la e fixá-la; ou as coisas não se passaram naquele âmbito – e tal direito, pura e simplesmente, não surge nem existe.
Ora, os provimentos que oneraram a autora – bem como outros colegas dela, colocados nos Juízos Criminais – com um acréscimo de trabalho não se inscreveram no tipo legal de ato previsto no art. 63º, ns.º 4 e 5, do EMP.
Na verdade, esse acréscimo resultou de uma reorganização do serviço que não se deveu a uma acumulação transitória de processos – e a exigência dessa transitoriedade acompanha a caducidade, «ao fim de seis meses» (n.º 5), da «medida» prevista no n.º 4 – ou à vacatura de um lugar ou ao impedimento do seu titular. Tais provimentos – com exceção do primeiro, de 4/1/94 – não emanaram do Procurador-Geral Distrital nem foram, face aos dados disponíveis, objeto de «prévia comunicação» ao CSMP. Estas circunstâncias evidenciam imediatamente que os mencionados provimentos não são enquadráveis no tipo de atos impositivos de uma acumulação de funções causal de um direito remuneratório. Donde fatalmente se conclui que o circunstancialismo em que a autora se encontra desde que tomou posse nos Juízos Criminais do Porto não configura a precisa acumulação de funções que, segundo os ns.º 4, 5 e 6 do art. 63º do EMP, lhe conferiria o direito patrimonial cuja titularidade invoca.
Portanto, e carecendo a autora e aqui recorrida de tal direito, a ação destes autos está votada à improcedência; pois, na ausência do direito, inexiste também a obrigação correlativa da entidade demandada – a de praticar o ato que a autora crê ser devido e que precisamente consistiria no reconhecimento do direito e na concomitante fixação do «quantum» a pagar.”
Em suma, o direito a remuneração suplementar por acumulação de funções, previsto no art 63º, nº 7 do EMP na redação aplicável dada pela Lei nº 52/2008, de 28.8, terá de resultar de um ato do Procurador-Geral Distrital que tenha observado os pressupostos cumulativos previstos nos nº 4 e 5 do mesmo normativo.
Ora na situação que se discute nos presentes autos, tal como sucedeu na analisada no supra identificado acórdão do STA, o exercício de funções da ora recorrida na qualidade de Magistrada do Ministério Público junto dos Juízos Criminais de Lisboa, simultaneamente com o desempenho de funções no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), não pode ser subsumível no quadro normativo da acumulação de funções, tal como decorre do regime do art 63°, nº 4 e 5 do EMP.
Assim sendo, como alega e conclui o recorrente, inexistindo uma situação de acumulação de funções, a recorrida não tem direito à atribuição da remuneração suplementar, nos termos dos arts 63º, nº 4, 5 e 6 e 64º, nº 4 do Estatuto do Ministério Público.
Ao entender em sentido diverso, o acórdão do TAC de Lisboa errou no julgamento que fez, o que determina a sua revogação e, em substituição, julgar-se a ação improcedente, absolvendo-se o Ministério da Justiça do pedido.
V – Decisão
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul:
a) conceder provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido;
b) julgar a presente ação administrativa especial improcedente e, em consequência, absolver o demandado Ministério da Justiça do pedido.
Custas pela Recorrida.
Lisboa, 12 de janeiro de 2023 Frederico de Frias Macedo Branco
Alda Nunes
Lina Costa |