Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:48105/24.4 BELSB.CS1
Secção:CA
Data do Acordão:11/20/2025
Relator:ALDA NUNES
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA ATIVIDADE DE INVESTIMENTO
FALTA DE URGÊNCIA E DE INDISPENSABILIDADE
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório


AA, nacional da Turquia, veio interpor recurso jurisdicional da decisão proferida a 31.3.2025, de rejeição liminar da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, que intentou contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP, com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade de uma decisão urgente.


A recorrente terminou as alegações de recurso com as conclusões seguintes:

A. Em 31/03/2025, o Tribunal a quo indeferiu liminarmente a intimação interposta pela Recorrente, tendo usando como principal fundamento o seguinte: “(...) não estão reunidos os pressupostos consagrados no artigo 109º, nº 1 do CPTA para a admissão da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, pelo que decide rejeitar liminarmente o requerimento inicial, nos termos do artigo 110º, nº 1 do CPTA”.

B. O Tribunal a quo considerou que apenas os cidadãos estrangeiros que se encontram a residir em Portugal, à espera do título de residência, tem direito de recorrer à intimação, para proteção dos seus direitos, liberdades e garantias;

C. Tal posição não coaduna, minimamente, com os princípios basilares do direito, nomeadamente princípio de igualdade, boa administração e de acesso à justiça (consagrados na CRP);

D. Como também contradita à própria natureza da autorização de residência em questão

(ARI), que tem requisitos muitos específicos, diversos dos outros tipos de residência (valor elevado de investimento que deverá ser mantido durante o período mínimo de cinco anos e dispensa de necessidade de alteração de residência pessoal para Portugal).

E. Na ponderação de admissibilidade de recurso à intimação para proteção dos direitos, liberdades e garantias, importa sempre analisar em detalhe as circunstâncias do caso concreto, que levaram à utilização deste meio processual, bem como às eventuais consequências danosas que o não exercício, em tempo útil, do direito invocado (ou conjunto de direitos interrelacionados) pode ter na vida do interessado (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/05/2019 (processo nº 2762/17.7BELSB));

F. A nosso ver, o Tribunal a quo, na apreciação da presente causa, ignorou os seguintes factos que revelam particular importância para o processo:

A demora injustificada e excessiva na pré-análise dos pedidos da Recorrente e dos familiares reagrupados, bem como a falta de agendamento dos biométricos;

Os danos materiais que a Recorrente está a sofrer com a referida demora, que resulta diretamente na desvalorização do investimento realizado;

A impossibilidade de exercício de vários direitos estritamente ligados ao direito de residência, que são garantidos a qualquer titular de autorização de residência, independentemente do facto de ele estar ou não a residir em território de Portugal (direito à livre circulação, acesso à saúde, acesso à educação, etc.);

A manifesta intenção da Recorrente de mudar a sua residência para Portugal, comprovada nos autos.

G. Os factos suprarreferidos são mais que suficientes para fundamentar o recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias;

H. Nenhum outro meio processual permite obter uma decisão justa, em tempo útil, tendo em conta que o tempo médio para análise, tramitação e decisão das ações administrativas não urgentes varia de 3 a 5 anos;

I. A providência cautelar também não é um meio processual adequado para ser utilizado no caso concreto, pois a decisão a proferir no âmbito da referida providência iria antecipar a decisão de mérito, o que a lei não admite (ver Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15/12/2016 (processo nº 1668/16.1.BELSB); Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/11/2022 (processo nº 661/22.0BELSB));

J. O Tribunal a quo, deliberadamente, sujeita a Recorrente à demora excessiva na tramitação dos processos de natureza não urgente (ações administrativas), ofendendo, gravemente os seus direitos, interesses e expetativas legítimas e violando o princípio basilar de acesso à justiça, consagrado constitucionalmente;

K. A urgência da Recorrente na obtenção de uma decisão não é uma urgência cautelar ou instrumental, tratando-se antes da urgência na obtenção de uma decisão principal de mérito;

L. Sendo certo que a Recorrente não tem outra opção, senão acionar os meios judiciais para reagir contra esta decisão ilegal da entidade Recorrida e defender os seus direitos e liberdades, mas sobretudo o direito de fixar a sua residência em Portugal;

M. E como, além do procedimento cautelar, a lei processual administrativa não oferece aos interessados mais nenhum meio alternativo, de natureza urgente, que permita acautelar o exercício de um direito, em tempo útil, o único meio exequível, neste caso, era (e é) a intimação para a proteção dos direitos, liberdades e garantias;

N. O recurso à intimação não pode restringir-se apenas às situações extremas, em que os Requerentes transferem a sua residência para Portugal ainda antes de o seu processo administrativo estar decidido e permanecem cá mesmo após o decurso do prazo de permanência legal (que nunca será superior a 90 dias, ao abrigo da legislação que regula as regras de permanência no Espaço Schengen);

O. Devendo também, entre outras, serem abrangidas as situações em que o Requerente pretende fixar a sua residência em Portugal, mas apenas depois de lhe ser concedido o estatuto de residente legal;

P. A falta de título de residência restringe a Recorrente nos seus direitos de permanecer em território de Portugal, sem limites temporais impostos aos nacionais de países terceiros, como também impossibilita o exercício do direito de livre circulação, bem como do conjunto de outros direitos, estritamente relacionados com a direito de residência e que só poderão ser plenamente efetivados se a Recorrente adquirir o estatuto de residente legal.

Q. “Com efeito, a falta de decisão dentro de um prazo razoável coloca o Requerente numa situação de incerteza limitadora do direito de decidir qual o rumo a dar à sua vida. Perante a inércia do SEF a Requerente fica sem saber qual o grau de estabilidade da sua permanência em território português, o que se repercute nas decisões que tenha que tomar a nível familiar, pessoal e profissional” (vide sentença proferida em 03/10/2023, no âmbito do processo nº .../23.8BELSB, que correu termos na 3ª U.O. do TAC de Lisboa);

R. Esta situação de incerteza levou a Recorrente a lançar mão da intimação e não outro meio processual por estar em causa uma violação urgente e atual dos Direitos conjugados consagrados nos art 53º do CPA e art 90º-A da Lei 23/2007.


Termos em que, se requer a V. Exa. que se digne admitir o recurso interposto pela Recorrente, e em consequência, revogar a sentença proferida em 31/03/2025, e substituí-la por outra, que defere a pretensão da Recorrente.


O recurso foi admitido e, nos termos do art 641º, nº 7 do CPC, o requerido e recorrido foi citado para os termos da causa e do recurso, nada tendo alegado ou requerido.


O Exmo Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


Notificado o parecer à recorrente, a mesma nada disse.


Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º, nº 1, alínea d) e nº 2 do CPTA, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.


Objeto do recurso


Atentas as conclusões de recurso, que delimitam o seu objeto, a questão a decidir consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito ao rejeitar liminarmente a presente intimação, com fundamento na falta de urgência materializada na indispensabilidade da tutela urgente para assegurar direitos, liberdades e garantias.


Fundamentação


De facto


Para efeitos de decisão do presente recurso jurisdicional dão-se como provados os seguintes factos:

1. A requerente/ recorrente é nacional e residente na Turquia - cfr docs do processo.

2. Em 20/07/2023, a requerente adquiriu uma quota-parte do imóvel, destinado à reabilitação e posterior construção de um hotel na zona de Lisboa, tendo investido neste projeto o valor de €: 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) – cfr doc nº 1 junto com o requerimento inicial.

3. Em 01/08/2023, a requerente apresentou junto do Serviço de Estrangeiras e Fronteiras (antecessor da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, aqui recorrido (AIMA), através da plataforma eletrónica ARI (ari.sef.pt), um pedido de concessão de autorização de residência para a atividade de investimento – cfr doc nº 2 junto com o ri.

4. Em 22/08/2023, foram submetidos os pedidos de reagrupamento familiar do cônjuge - BB – e dos filhos - CC (filha) e DD

(filho) – da requerente – cfr docs nº 3 a 5 juntos com o ri.

5. A entidade requerida não proferiu decisão sobre os requerimentos referidos em 3) e 4) [admissão por acordo].

6. A 29.11.2024 a requerente instaurou a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias – cfr requerimento inicial.


O Direito.


Erro de julgamento de direito.


A ora recorrente requereu intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, ao abrigo dos artigos 109º a 111º do CPTA.


O pedido de intimação consistiu em:


ser intimada a Requerida para:

1. No prazo máximo de 10 (dez) dias a contar da data da notificação da decisão final, proceder à pré-aprovação da candidatura da requerente e dos reagrupados familiares;

2. No prazo máximo de 10 (dez) dias a contar da data de prolação do despacho de préaprovação, convocar a requerente e os reagrupados familiares para recolha dos dados biométricos, oferecendo, pelo menos, três datas alternativas para o efeito;

3. No prazo máximo de 90 (dias, a contar da data da data da recolha dos dados biométricos, proferir decisão final sobre o pedido formulado pela requerente e os familiares reagrupados.


O TAC de Lisboa rejeitou liminarmente a intimação, com a seguinte fundamentação:


Sucede que, percorrida a petição inicial, constata-se que a alegação da Requerente


se resume a uma expectativa ou vontade de vir residir para Portugal com a sua família, deixando de ter a sua vida “suspensa”, à espera de uma decisão da Entidade Requerida.


Este desiderato da Requerente, afigura-se legítimo em face da lei, do investimento realizado no território Português e do procedimento administrativo desencadeado junto da Entidade Requerida, mas tal ensejo não pode ser confundido com uma situação de urgência necessária à proteção de direitos fundamentais.


De facto, a Requerente invoca a violação de diferentes direitos fundamentais, mas não concretiza ou densifica de que forma estão os seus direitos fundamentais a ser ameaçados ou restringidos pela ausência de decisão da Entidade Requerida.


A não prolação de uma decisão pela Administração no prazo estabelecido na lei não configura, per si, a violação de Direitos, Liberdades e Garantias constitucionalmente consagrados.


A Requerente, como resulta da petição inicial, não reside em Portugal, mas na Turquia, pelo que não beneficia da extensão de direitos a que se refere o artigo 15º da CRP.


Na realidade, o princípio da equiparação apenas se afigura aplicável aos não residentes em território nacional quando estejam em causa valores ou direitos intrinsecamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana, isto é, que integrem a “constituição material” portuguesa, à luz do disposto no artigo 16º, nº 1 da CRP, o que não sucede ou não foi demonstrado no caso vertente.


… No caso dos autos, o Tribunal não identificou uma qualquer situação de “especial urgência”, de “lesão iminente e irreversível” de direitos, liberdades e garantias.


Termos em que, não se vislumbra a necessidade de uma decisão urgente, não se mostrando preenchido o enunciado primeiro pressuposto (…).


A sentença segue e cita a abundante e reiterada jurisprudência dos tribunais superiores produzida em situações muito semelhantes à dos autos.


Sendo o que vem decidido para manter.


Passemos a explicar.


Decorre do art 109º do CPTA que: «A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar (nº 1), sendo que «quando, nas circunstâncias enunciadas no n.º 1, o interessado pretenda a emissão de um ato administrativo estritamente vinculado, designadamente de execução de um ato administrativo já praticado, o tribunal emite sentença que produza os efeitos do ato devido» (nº 3).


Este meio processual, regulado nos arts 109º a 111º do CPTA, constitui um processo autónomo que implica a emissão duma decisão definitiva e em tempo útil.


Mas, o meio normal, ou regra, de defesa ou de tutela dos direitos fundamentais reside no recurso à ação administrativa, sendo que o lançar mão das formas de tutela principal urgente, como é o caso vertente, está reservada apenas para as situações em que aquela via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício em tempo útil e a título principal do direito, liberdade ou garantia que esteja em causa e cuja defesa reclame uma intervenção jurisdicional, ou, ainda, quando aquelas situações não encontrem enquadramento contencioso num outro meio/forma processual principal urgente.


Por assim ser, a ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias constitui um meio subsidiário de tutela (cfr ac. do STA de 26.9.2019, processo nº 1005/18, e outros que nele vêm citados), destinado a ser utilizado como uma válvula de segurança do nosso sistema de garantias contenciosas, ou seja, apenas nas situações em que as outras formas de processo – ação administrativa associada à dedução de um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação – não se mostrem ou não se apresentem como meios adequados ou aptos à realização e efetiva proteção dos direitos, liberdades e garantias, assegurando uma efetiva e plena tutela jurisdicional.


Assim, são pressupostos do pedido de intimação que:

1. esteja em causa o exercício, em tempo útil e, por isso, com carácter de urgência, de um direito, liberdade ou garantia [urgência e indispensabilidade];

2. a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse direito;

3. que não seja possível acautelar o direito por outro meio processual [a intimação ser

subsidiária relativamente ao decretamento de uma medida cautelar].

Estes requisitos específicos, de que depende a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no artigo 109º, nº 1 do CPTA, são de verificação cumulativa, pelo que a falta de qualquer um dos referidos requisitos de admissibilidade consubstancia uma exceção dilatória inominada.


A ação de intimação para proteção de direitos liberdades e garantias não está subordinada a prazo, mas só deve ser usada se for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito do requerente.


Para efeitos de aferição da necessidade da intimação, o requerente deve alegar e demonstrar factos dos quais se retire que a intimação é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, no sentido de não poder voltar a exercer o direito cuja efetividade está comprometida.


Existe uma situação de urgência sempre que a atuação e/ ou decisão da Administração prejudique de maneira suficientemente grave e imediata um interesse do requerente.


Neste sentido ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em Comentário ao


Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª edição, Almedina, pág 883, que: para que a intimação possa ser utilizada, é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício.


À partida, o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspetos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação (…).


Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adotar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”


A requerente/ recorrente submeteu, em 1.8.2023, candidatura a autorização de residência para investimento (vulgo, «ARI»), ao abrigo do artigo 3º, nº 1, al d) e do artigo 90º-


A, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 4.7, diploma que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.


E a 22.8.2023 o cônjuge e os filhos submeteram os seus pedidos de Reagrupamento Familiar.


Diante da inação da Administração, a requerente, em 29.11.2024, instaurou o processo urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.


Todavia, no requerimento inicial apresentado, não invoca quaisquer factos que permitam concluir pela indispensabilidade do recurso ao processo de intimação para assegurar o exercício, em tempo útil, de qualquer direito, liberdade ou garantia.


O que resulta do que vem alegado pela requerente é a vontade de vir residir para Portugal com a sua família, para aqui fixarem a sua residência e casa de morada de família; os constrangimentos e limitações inerentes à necessidade de solicitar visto de cada vez que pretendem deslocar-se a Portugal, de não poder permanecer no território português para além do período legal (que corresponde a 90 dias em cada período de 180 dias, ao abrigo do regime previsto para os nacionais de países terceiros, portadores de visto Schengen válido/regime equiparado).


O circunstancialismo descrito e o identificado na conclusão F) do recurso (meras alegações genéricas e conclusivas, sem factos) não configura uma situação concreta de urgência que careça da tutela do presente meio processual, de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.


Como afirmou este TCAS, em acórdão proferido a 29.6.2023, no processo nº 603/23.2BELSB:

III. - A extrema urgência inerente ao presente meio processual impõe que devamos fazer uma triagem estrita daquilo que é verdadeiramente urgente e indispensável para salvaguarda de direitos, liberdades e garantias ou outros direitos e garantias de natureza análoga.

IV. - Isto sob pena de vulgarizarmos a urgência e passarmos a ter, na presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, uma espécie processual ineficiente e votada ao fracasso na proteção das verdadeiras urgências e atropelos aos verdeiros direitos, liberdades e garantias.


Acresce que à requerente/ recorrente não é aplicável o disposto no art 15º, nº 1 da CRP, que dispõe que: os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.


De facto, a requerente/ recorrente encontra-se e reside na Turquia.


Assim, porque a requerente não reside nem se encontra em Portugal, como corretamente afirma a decisão sob recurso, não pode beneficiar do princípio da equiparação constitucionalmente consagrado no art 15º, nº 1 da CRP (cfr ac do TCAS de 11.7.2024, processo nº 4812/23). O que é bem diferente da interpretação que a recorrente faz (errada) de que o tribunal a quo considerou que apenas os cidadãos estrangeiros que se encontrem a residir em Portugal, à espera do título de residência, têm direito a recorrer à intimação para proteção dos seus direitos, liberdades e garantias. O que falha na pretensão da recorrente é a não caracterização, com factos, de uma situação concreta e individual de lesão iminente e irreversível dos direitos que refere e de indispensabilidade de uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo. O facto de não residir em Portugal apenas impede a recorrente de invocar a violação de direitos que resultam ou estão associados à efetiva permanência e residência no território nacional.


Não se olvida que a ausência de decisão definitiva quanto ao pedido de concessão de Autorização de Residência para Investimento (ARI) e aos pedidos de reagrupamento familiar, como sucede nos autos, pode limitar a liberdade de circulação da recorrente e da família.


Do mesmo modo, a espera por decisão definitiva do pedido de ARI formulado a 1.8.2023 e dos pedidos de reagrupamento familiar apresentados a 22.8.2023 põe em causa o direito da requerente a uma decisão em prazo razoável, prazo este que se encontra manifestamente excedido (cfr arts 82º, nº 5 e 105º, nº 1 da Lei nº 23/2007).


Contudo, não se descortina no caso uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, nem vem configurada situação de facto que justifique a tutela urgente de um direito.


Ainda assim, a requerente/ recorrente não fica desprovida de direitos.


À requerente/ recorrente assiste o direito a requerer, segundo os pressupostos da lei ordinária, autorização para residir ou permanecer em Portugal – o que fez.


E, consequentemente, assiste-lhe o direito a obter uma decisão nos procedimentos administrativos com vista à concessão de autorização de residência e de reagrupamento familiar (cfr artigo 82º, nº 1 da Lei nº 23/2007 e artigo 13º do CPA) e ainda o direito a recorrer aos tribunais administrativos portugueses, quer no caso de falta de urgência e de indispensabilidade em que a Administração não toma uma decisão no prazo legalmente previsto, quer, no caso de, tomada uma decisão, não se conformar total ou parcialmente com a mesma. Foi o que fez a requerente/ recorrente, porém, sem alegação e prova de factos consubstanciadores da verificação dos pressupostos específicos de que depende a utilização do presente meio processual.


Em suma, como decidiu o Tribunal a quo, não logrou a requerente, ora recorrente, alegar e demostrar a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão para proteção de um direito, liberdade ou garantia.


Pelo que improcede o erro de julgamento imputado à decisão judicial.


Decisão


Nestes termos, acordam em Conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional. Sem Custas, por isenção legal da recorrente – art 4º, nº 2, al b) do RCP – sem prejuízo do disposto no art 4º, nº 6 e 7 do RCP.


Notifique.


*


Lisboa, 2025-11-06,


(Alda Nunes)


(Marta Cavaleira)


(Ricardo Ferreira Leite)