Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 260/14.0BELLE.CS1 |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 11/13/2025 |
| Relator: | FILIPE CARVALHO DAS NEVES |
| Descritores: | REVERSÃO GERENTE DE FACTO ÓNUS DA PROVA |
| Sumário: | I - O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização tributária subsidiária a gerência de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gestão e administração da sociedade devedora originária, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito. II - Cabe à Administração Tributária o ónus da prova do exercício efetivo de funções de gerente por parte do revertido, devendo a demonstração da verificação desse requisito constar, designadamente, do despacho de reversão. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida a 31/03/2022 pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição judicial deduzida por F…, melhor identificada nos autos, no processo de execução fiscal («PEF») n.º 108220120109833, contra si revertido, depois de originariamente instaurado contra a sociedade «B…, Lda.», para cobrança de dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS»), do exercício de 2012, no valor total de 1.269,89 Euros. A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões: «I. Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se sempre melhor o Vosso douto entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal "ad quo" caiu em erro de julgamento, porquanto não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à concatenação entre os factos dados como provados e os pressupostos da responsabilidade subsidiária da Oponente, com aplicação indevida do artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do CPPT. II. Vem a douta sentença decidir que dos factos provados nos autos resulta que o despacho de reversão não faz qualquer referencia ao exercício de gerência, e que não podemos concluir que a oponente tenha exercido a gerência de forma efetiva. III. São pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores, cfr. n.º 2 do artigo 23.º da LGT e n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, e bem assim, exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta, cfr. n.º 1 do artigo 24.º relativamente aos impostos. IV. A falta de justificação formal do despacho de reversão deve ser autónoma relativamente à falta de pressupostos legais que são necessários reunir em ordem ao exequente se encontrar legitimado a dirigir a execução fiscal contra o revertido, já que aquele primeiro momento se afere pela enunciação da existência dos pressupostos legais, enquanto este segundo momento se afere pela real existência dos requisitos legais enunciados. V. O serviço de finanças enuncia explicitamente as razões ou motivos que conduziram à modificação subjetiva da divida exequenda e esses motivos são totalmente entendíveis e constam no despacho de reversão de forma suficiente. VI. Pelos argumentos trazidos pela própria oponente em sede de petição inicial (PI), verificamos que a sociedade pertencia à oponente e ao seu companheiro, portanto era uma espécie da sociedade familiar e apesar de vir alegar que seria o outro sócio a exercer a gerência, termos que necessariamente extrair que de acordo com o contrato social e as designações da gerência, a oponente era a única com capacidade para intervir legalmente. VII. Pelo que quando no ponto 11 da sua PI refere que assinava documentos, deveria ser suficiente juntamente com a designação do exercício da gerência, para justificar que a oponente exercia de facto a gerência da sociedade, porquanto, pelo menos demonstra que a sociedade exercia a sua atividade, movida pela documentação, assinada pela oponente. VIII. Salienta-se que os argumentos vertidos na petição inicial por parte da oponente, como é o caso de: desconhecimento do conteúdo dos documentos que assinava... que não sabia qual era a responsabilidade que lhe caberia como gerente...sejam insuficientes para afastar a presunção de culpa imputada através da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT. IX. Neste sentido, não se poderá olvidar que, a oponente ao trazer estes elementos aos autos, está a afirmar que exercia de facto a função de gerente, devendo ser considerado que o ónus da prova que cabe a Fazenda Pública se dissipa nestes fundamentos, porquanto está preenchido o pressuposto do exercício da gestão efetiva da devedora originária. X. Sem a intervenção da oponente seria impossível a gestão da sociedade. XI. Motivo pelo qual não poderá se manter a douta decisão. XII. Neste sentido visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Oposição Judicial, apresentada nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, por considerar que a parte é ilegítima no procedimento de reversão fiscal. XIII. A questão do ónus da prova por parte da Fazenda Pública está sanado e se assim não for considerado, o formalismo perpetuado desvanece com o acompanhamento do despacho de reversão, com todos os restantes elementos, como é o caso da petição inicial, da contestação, da informação do OEF, da certidão do Tribunal Judicial de Loulé. XIV. Com a devida vénia, a douta Sentença proferida em primeira instância comporta erro de julgamento por considerar que não estão reunidos os pressupostos para efetivar a reversão, por falta de prova do efetivo exercício da função da gerência, anulando o despacho de reversão e olvidando todos os outros elementos processuais, que fazem parte do procedimento, devendo os autos de oposição serem considerados improcedentes. Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!» * Não foram apresentadas contra-alegações.* O Digno Magistrado do Ministério Público («DMMP») pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.* Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.* O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento, atendendo a que ficou demonstrado que a Recorrida exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária quando ocorreu o final do prazo legal de pagamento das dívidas exequendas. * III – FUNDAMENTAÇÃOIII.A - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1. Em 11/09/2012, com base na certidão de dívida 2012/776591 foi instaurado o processo de execução (PEF), nº 1082201201099833 instaurado em 11/09/2012, contra B…, Lda., com o número de pessoa coletiva 5… por dívida de (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), IRS do ano de 2012 (conforme capa do PEF, apenso que se dá por reproduzidos) 2. O PEF referido no ponto anterior e certidão de dívida tiveram origem no documento 5610021000667803297 consubstanciando que a dívida é do ano de 2012 com data limite de pagamento 20/08/2012 e juros de mora com início a 21/08/2012, totalizando o valor de 484,00€ (cf. verso de fl. 27 do PEF); 3. Ao PEF identificado no ponto 1, foram apensos os processos 1082201301021486, instaurado em 13/03/2013, 108220130187207, instaurado em 16/07/2013, 1082201301087215 instaurado em 16/07/2013, ficando a dívida exequenda a valer 1.269,89€ (fl. 28 e documento que acompanhou o despacho de audição para reversão e documento anexo ao despacho de citação, fl. 37 a 42 do PEF); 4. A sociedade identificada no ponto 1 foi registada por AP. 1/… 10:18:54 UT com o número de pessoa coletiva 5…, com a Firma: B… LDA; Natureza Jurídica: SOCIEDADE POR QUOTAS, com sede na Avenida D…, n° …., Almancil, Distrito: Faro Concelho: Loulé Freguesia: Almancil 8… Almancil, tendo como objeto a Construção de edifícios, terraplanagens, demolições, cofragens, instalações de canalizações. outras instalações em construção, outras atividades especializadas na construção. Capital social: 200,00€ com o código de atividade económica principal: (CAE) 41200-R3, CAE Secundário (1): 43221-R3 CAE Secundário 43910-R3(2); Forma de Obrigar: com a intervenção de 1 gerente (cf. certidão da conservatória do registo comercial fl. 33 e 34 que se dá por reproduzida) 5. A sociedade referida no ponto anterior tinha como sócios F… e F…, cada um com uma quota de 100€ cada um, ficando nomeada como gerente a oponente (fl,33), 6. A sociedade identificada no ponto 1 apresentou-se em 01/01/2014 à insolvência no Tribunal Judicial de Loulé que no processo nº 3024/13.4TBLLE que por sentença de 15/01/2014 declarou a insolvência da mesma e nomeou a Oponente como gerente e administrador de insolvência Dr. R… que por AP.3/2… 17:17:43UCT foi registada provisoriamente (cf. certidão da conservatória registo comercial fl. 33 e 34, que se dá por reproduzida e certidão de sentença de insolvência a fl. 29 a 32 ); 7. Por AP.4/2… 17:17:44 UT foi registada a nomeação do administrador de insolvência (cf. certidão da conservatória do registo comercial fl. 33 e 34 que se dá por reproduzida e certidão de sentença de insolvência a fl. 29 a 32); 8. Em 04/03/2014 foi emitido despacho (reversão) contra a Oponente no processo de execução principal 1082201201099833 por dívida no valor de 1.269,89€ (fl. 42); 9. Em 10/03/2014 a Oponente foi citado na sequência do despacho referido no ponto anterior (cf. conjugação do documento a fl. 42 e cópia do aviso de receção fl. 44, assinado pela Oponente); 10. Em 10/04/2014, foi deduzida a presente oposição. 11. Em 29/04/2013 a Oponente apresentou declaração de rendimentos em sede de IRS referente a trabalho dependente (categoria A), onde declarou que os mesmos foram pagos pela sociedade identificada no probatório (fl. 76 e 77). * A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:«Com interesse para a decisão a proferir, não se provou que o Oponente tenha praticado actos de gestão na devedora originária durante o período a que respeitam as dívidas.». * Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:«Assenta a convicção do Tribunal no exame crítico dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.». * 12. Como fundamento da reversão realizada contra a Recorrida indicada nos pontos 8. e 9. supra, foi invocado pelo órgão de execução fiscal o seguinte: «Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23/n.º 2 da LGT): Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24/n° 1/b) LGT]» - cf. fls. 42 na numeração da plataforma SITAF. * III.B De DireitoInsurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento, concretamente em relação à demonstração do exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária por parte da Recorrida. Vem, assim, a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 108220120109833, defendendo, em suma, que in casu se pode concluir que a Recorrida exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária. Importa, antes de mais, relevar que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no art.º 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento, alteração ou supressão ao probatório, apenas se limitando a convocar, ainda que genericamente, a existência de um erro de julgamento de facto, sem qualquer indicação clara e expressa dos factos que considera provados, nem o específico meio probatório em que sustenta o seu entendimento. Mais cumpre ressalvar, neste concreto particular, que não traduz qualquer impugnação da matéria de facto as alegações contempladas em VI. a IX. das respetivas conclusões, desde logo, porque não basta à Recorrente defender, globalmente, que a decisão sobre a matéria de facto está incorreta, carecendo, como visto, de indicar que concretos pontos de facto estão incorretamente julgados, que concretos meios probatórios suportam esse entendimento e que concretos factos entende que devem ser considerados provados ou não provados. E por assim ser, face ao supra expendido, considera-se a matéria de facto devidamente estabilizada. Feito este breve introito, e mantendo-se, como visto, o probatório inalterado, há, então, que aferir da bondade da censura endereçada pela Recorrente na presente lide recursiva. Apreciemos. Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que a sentença em dissídio não padece do desacerto que lhe vem assacado nas alegações recursivas. Vejamos porquê. No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária («LGT»), nos termos do qual: «1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.». O art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão ou administração de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito. Esta norma, consagra, assim, no seu n.º 1 duas hipóteses distintas de responsabilidade tributária: (i) a primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária («AT») alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores. (ii) A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir. Como referimos acima, o regime da responsabilidade tributária tem, pois, subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor. Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão ou administração de facto (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - «STA» - do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, disponível em www.dgsi.pt), aplicar-se-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT. Cabe à AT, desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos (cf. art.º 74.º da LGT). A prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com carácter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas. Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções. Na sequência do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, disponível em www.dgsi.pt, operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que «[a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal». Como tal, continua o referido acórdão do Pleno: «Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência. (…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização” (sublinhado nosso). Face a este entendimento, unânime há já vários anos na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais). O mesmo resulta da interpretação do art.º 11.º do Código do Registo Comercial (CRCom). Com efeito, nos termos desta disposição legal, “[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”. Atentando na finalidade inerente ao registo comercial e, nesse seguimento, chamando à colação o art.º 1.º do CRCom, do seu n.º 1 resulta que “[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico». Sendo certo que é legalmente obrigatória a inscrição da nomeação dos membros dos órgãos de administração de sociedades comerciais, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do Código do Registo Comercial («CRC»), da leitura conjunta das disposições legais referidas resulta que as mesmas visam dar publicidade a uma situação jurídica e não a uma situação de facto. Assim, e no que ao registo da nomeação de uma determinada pessoa como gerente de uma sociedade, a presunção que decorre do art.º 11.º do CRC é uma presunção da gestão de direito («situação jurídica»), e não da de facto. Portanto, também por esta via, não se pode extrair da gerência de direito a gerência de facto. Aqui chegados, regressemos, agora, ao caso concreto dos autos. Ficou provado que no caso que agora nos ocupa a dívida exequenda respeita a IRS do exercício de 2012, tendo em 04/03/2014 sido, no âmbito dos PEF em causa, proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças para efeitos de reversão da dívida exequenda contra a Recorrida (cf. pontos 1., 3. e 8. do probatório). Para fundamentar o exercício da gerência de facto da executada originária pela Recorrida, e tal como bem se aponta na sentença recorrida, nada é indicado no despacho de reversão. Com efeito, do despacho de reversão não consta referência alguma sobre quaisquer elementos factuais relativos ao exercício efetivo das funções de gerente da executada originária por parte da Recorrida (cf. pontos 8., 9. e 12. da factualidade assente), o que, como visto, é fundamental para acionar validamente o instituto da reversão. E assim, a AT, ao contrário do que era seu ónus, não concretizou, materialmente, o exercício efetivo de funções de gerente por parte da Recorrida em sede de despacho de reversão. Ora, como se deixou expresso supra, a AT não goza de qualquer presunção no sentido de que a gerência de facto se extrai da de direito, cabendo-lhe sempre, independentemente de estarmos perante gerente que seja ou não de direito, demonstrar e provar a gestão de facto, demonstração e prova fundamentais para efeitos de reversão. Por outro lado, também não resulta da factualidade assente que em sede de procedimento de reversão a AT tenha identificado quaisquer factos relativos ao devir comercial da sociedade devedora originária dos quais se possa extrair a conclusão de que a Recorrida foi gerente da mesma. Acresce, ainda, que não resulta de modo algum da factualidade assente nos presentes autos que tenha sido a Recorrida gerente de facto no exercício concretamente relevante (2012 – cf. pontos 1., 3. 8. e 9. da factualidade assente). De resto, quando foi proferido despacho de reversão já a sociedade devedora originária tinha sido declarada insolvente, tendo sido nomeado um administrador de insolvência - cf. pontos 6., 7. e 8. do probatório –, razão pela qual a Recorrida já nem sequer detinha quaisquer poderes de administração e gestão daquela entidade (cf. art.ºs 54.º, 55.º, n.º1 e 81.º, n.º1, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). Quanto ao fundamento de que a remuneração auferida pela Recorrida de rendimentos da categoria A pagos pela devedora originária constituiria prova da gerência de facto, importa destacar o entendimento vertido no acórdão deste Tribunal de 11/01/2023, proc. n.º 1043/13.0BELRS, consultável em www.dgsi.pt, no qual, além do mais, se afirma «A conclusiva apelação à existência de remuneração enquanto categoria A, não permite, per se, concluir pela gestão de facto, desde logo porque não se encontra esclarecido se o recebimento pelo Oponente de remunerações ao serviço da devedora originária o foi pelo exercício do cargo diretivo ou se pelo exercício de funções eventualmente técnicas, ou de outra natureza, não associadas ao cargo diretivo para que o Oponente estava inscrito no registo, nada dimanando, desde logo, quanto a eventuais descontos para a Segurança Social.». De resto, nem esta circunstância vem alegada no despacho de reversão para fundamentar a modificação subjetiva da instância que foi realizada. Pelo que, atento este quadro factual e a completa ausência de alegação e prova por parte da AT da existência de atuação por parte da Recorrida que evidenciasse o efetivo exercício de funções de gerente da executada originária, impõe-se concluir que, não estando demonstrado tal exercício, essa ausência de prova reverte a favor da Recorrida. Logo, conclui-se, em linha com a sentença recorrida, que não se encontra preenchido o pressuposto previsto no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, motivo pelo qual se verifica a ilegitimidade da então Oponente, ora Recorrida. Em face do exposto, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser mantida, o que de seguida se decidirá. * IV- DECISÃO Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 13 de novembro de 2025 (Filipe Carvalho das Neves) (Susana Barreto) (Isabel Vaz Fernandes) |