Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2634/13.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/06/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
INIMPUGNABILIDADE DO ATO IMPUGNADO
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO
Sumário:I - Os pressupostos processuais são analisados à luz da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
II - De acordo com o disposto no artigo 51.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na sua versão inicial, «[a]inda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos».
III - O facto de o ato impugnado – ato que definiu os objetivos a atingir e as competências a avaliar - não ser o ato final do procedimento de avaliação não é, per se, elemento que determine imediatamente a sua inimpugnabilidade.
IV - O Autor veio a juízo impugnar o ato que fixou os objetivos a atingir e as competências a avaliar, alegando, em especial, que aos seus representados tão-pouco lhes é aplicável o designado SIADAP 3 (Subsistema de Avaliação do Desempenho dos Trabalhadores da Administração Pública), mas sim o SIADAP 2 (Subsistema de Avaliação do Desempenho dos Dirigentes da Administração Pública).
V - A definição de objetivos a atingir e de competências a avaliar mediante a aplicação de um subsistema de avaliação inaplicável, segundo alegado, e que condiciona imediatamente o desempenho dos avaliados, em função das competências escolhidas, deve ser considerado ato administrativo com eficácia externa, pois altera a esfera jurídica dos avaliados.
VI - Essa será a solução que melhor cumpre, no caso concreto, o desígnio do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, numa questão onde se conjugam, como a doutrina já apontou, razões científicas e razões pragmáticas.
Votação:Com voto de vencido
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS CONSERVADORES DOS REGISTOS intentou, em 10.10.2013, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa especial contra o INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO, I. P., impugnando o ato «que procedeu à fixação dos objectivos a atingir e das competências a demonstrar pelos conservadores dos registos civil, predial, comercial e de automóveis para o período de 2013 a 2014».
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Por despacho saneador de 23.11.2020 o tribunal a quo considerou verificada a exceção da inimpugnabilidade do ato impugnado e absolveu a Entidade Demandada da instância.
*

Inconformada, a Autora interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1.ª Ao julgar procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto por entender que este não apresenta eficácia externa nem empreende uma definição jurídica autónoma da situação jurídica dos Conservadores de Registos, o aresto em recurso incorreu em manifesto erro de julgamento.
2.ª O acto impugnado não se limitou a fixar e dar a conhecer os objectivos e competências a que se subordinaria a avaliação de desempenho no biénio de 2012 a 2014 dos Conservadores de Registos, submetendo estes trabalhadores ao subsistema de avaliação designado por SIADAP 3, aplicável aos Trabalhadores da Administração Pública
Acontece, porém, que,
3.ª Por força da alínea a) do n.º 1 do art.° 21.° do DL n.° 519-F2/79 de 29 de Dezembro - à data em vigor, os Conservadores de Registos eram qualificados como pessoal dirigente, pelo que é inegável que estes teriam que ser avaliados pelo subsistema de avaliação designado por SIADAP 2, aplicável aos dirigentes e cujas regras são bastante diferentes das regras relativas ao SIADAP 3 - veja-se, a título de exemplo, que o SIADAP 2 tem um ciclo avaliativo de cinco ou três anos, enquanto que o SIADAP 3 é bienal (v. n.° 3 do art.° 9.° da Lei n.° 66-B/2007).
4.ª Atento o exposto, é no mínimo caricato que o Tribunal a quo entenda que o acto impugnado se limita à definição de objectivos e competências e que não “empreende uma definição inovatória ou altera a relação jurídica que se estabelece aos Conservadores de Registos", ignorando o impacto e prejuízos que a sujeição destes trabalhadores a todo um subsistema de avaliação ilegal terá nas suas carreiras.
5.ª Resulta expressamente do art.° 51,° do CPTA que podem ser impugnados os actos que, ainda que não ponham termo ao processo, sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
6.ª A posição sufragada pelo Tribunal a quo de que só o acto de avaliação de cada Conservador ser impugnável, é tributária de uma concepção antiga e já ultrapassada do contencioso administrativo onde se deveria aguardar pela prática do acto final para só então reagir judicialmente.
7.ª O acto impugnado apesar de não constituir a decisão final do procedimento -sendo esta o acto de avaliação de cada trabalhador vai determinar perentoriamente o seu conteúdo, uma vez que não só define os objectivos e competências a avaliar como determina a aplicação de um determinado subsistema de avaliação aos trabalhadores, o que irá condicionar irremediavelmente o acto de avaliação.
8.ª Assim, é manifesto o desacerto do aresto em recurso ao considerar que acto impugnado - que fixou os objectivos e competências a avaliar e submeteu indevidamente os conservadores de registos ao subsistema de avaliação SIADAP 3 - ainda que não seja o acto final do procedimento, é impugnável nos termos do art.° 51.º do CPTA., revelando eficácia externa e projectando os seus efeitos na esfera jurídica dos interessados.
Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicionai e revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA!
*

O Recorrido apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:

A - Pelo despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, foi declarada a procedência da excepção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado, absolvendo a Entidade Demandada da instância, considerando, corretamente, que aquele ato não apresenta eficácia externa nem faz uma definição da situação jurídica dos Conservadores;
B - A A. na sua argumentação pretende juntar dois factos que são de natureza bem distinta: por um lado um ato meramente fixador de parâmetros da avaliação do ciclo avaliativo 2013/2014, que entende ter eficácia externa e por outro a consideração de que este ato também determinou a passagem da avaliação dos conservadores do subsistema SIADAP 2 para o SIADAP 3, argumentando que desse modo teria eficácia externa e, como tal, poderia ser impugnado, ao contrário do julgado pelo Tribunal a quo no seu despacho saneador;
C - O ato que fixou os parâmetros de avaliação do biénio 2013/2014, foi um ato emanado pela hierarquia do IRN, IP, definiu os objetivos e as competências que considerou serem relevantes contratualizar com os seus trabalhadores, para lograr a superação dos seus próprios objetivos vertidos no seu (QUAR), não sendo este ato que determinou a mudança de subsistema em relação aos conservadores;
D - Aquele o ato fixador constitui-se como um ato que possibilita a corporização nas fichas de avaliação, da redação dos objetivos, os seus indicadores de medida e critérios de superação, assim como do elenco das competências superiormente escolhidas de entre o lote definido na Portaria n.° 1633/2007, de 31/12, não resultando qualquer definição da situação jurídica dos conservadores, que quer em SIADAP 2 ou 3, sempre estariam sujeitos à avaliação de objetivos e à demonstração de competências;
E - O ato que o Autor impugna específica e exclusivamente é um ato que só de per si não é suscetível de criar quaisquer efeitos externos lesivos;
F - Sem o efetivo “desempenho” do avaliado ao longo do ciclo, da subsequente proposta de classificação feita pelo seu direto avaliador no seu final e, posteriormente, a sua homologação por parte do dirigente máximo, não existem quaisquer efeitos externos suscetíveis de ferir a esfera jurídica do avaliado;
G - Trata-se de um ato sempre dependente da fase da homologação, que vai incorporar e absorver toda a tramitação passada e, aí sim, consolidar todo o procedimento, estabelecendo uma nota final, gerando então os referidos efeitos externos que a A. refere;
H - No final do processo avaliativo 2013/2014, em que os eventuais lesados poderiam impugnar judicialmente a sua avaliação, constatou-se que nenhuma impugnação jurisdicional foi intentada por parte de conservadores, o que revela o desacerto da propositura da ação que serve de base ao presente recurso;
I - Verifica-se assim que o Despacho saneador emitido pelo Tribunal a quo, decidiu corretamente ao decretar a verificação da exceção dilatória de inimpugnabilidade e a consequente absolvição da ER do pedido, com os fundamentos nele constantes e reproduzidos no excerto do ponto 10 supra;
J - Quanto à passagem da avaliação dos conservadores do subsistema SIADAP 2 (dirigentes) para o SIADAP 3 (trabalhadores), erradamente ligada pela A. ao ato de fixação de parâmetros, como forma de ficticiamente lhe atribuir algum efeito externo que possa legitimar a impugnação do mesmo, verifica-se que também por aqui não colhe a argumentação apresentada;
K - O SIADAP foi instituído pela Lei n.° 66-B/2007, de 28/12, tendo sofrido alterações com a entrada em vigor da Lei 66-B/2012, de 31/12, sendo de destaque nesta matéria, a alteração ocorrida na al. d) do art. 4.° quanto à definição de “Dirigentes intermédios”, facto que a A. parece ignorar ter ocorrido;
L - Com tal alteração, da redação da referida norma deixou de constar o “..pessoal integrado em carreira, enquanto se encontre em exercício de funções de direção ou equiparadas inerentes ao conteúdo funcional da carreira... ”, ficando apenas considerados como tal, os “titulares de cargos de direção intermédia ou legalmente equiparados
M - A DGAEP veiculou o entendimento de que o SIADAP 2 ‘passa a ser aplicado exclusivamente a dirigentes ou legalmente equiparados deixando de se aplicar a outros cargos e chefias de unidades orgânicas.”,
N - O conceito de “pessoal dirigente” decorrente do DL n.° 519-F2/79, era compaginável com o regime SIADAP inicial definido pela Lei n.° 66-B/2007, onde a al. d) do seu art.° 4.° acolhia os conservadores como pessoal dirigente, para fins de avaliação (“...pessoal integrado em carreira, enquanto se encontre em exercício de funções de direção ou equiparadas inerentes ao conteúdo funcional da ca mira... “), e como tal, eram integrados no SIADAP 2 desde 2008 até 2012, em ciclos avaliativos anuais;
O - Porém, com a entrada em vigor da Lei n.° 66-B/2012 foi alterado o paradigma avaliativo, ficando os conservadores fora do conceito de dirigentes intermédios para efeitos de avaliação e por essa via transitaram do subsistema SIADAP 2 para o 3, sendo avaliados através de inspetores extraordinários, já previstos no art. 11.° do DL n.° 519-F2/79;
P - Também é notória a alteração legislativa a respeito da mudança de subsistema avaliativo quanto aos conservadores, quando compulsamos a al. b) do n.° 3 do art. 9.° da Lei do SIADAP, que expressamente refere que a aferição do desempenho em SIADAP 2 ocorre de cinco ou três anos, de acordo com a duração da comissão de serviço;
Q - Esta norma, em consonância com a alteração preconizada, vem considerar que o SIADAP 2 apenas é aplicável a quem está investido em funções em comissão de serviço, o que não é compaginável com a regra geral de vinculação dos conservadores, de nomeação definitiva, atento o exposto no art.° 25.° do DL n.° 519-F2/79, de 29.12, que no entanto, mantêm o estatuto de dirigente das respetivas UO’s para os restantes efeitos de gestão e organização, continuando a poder avaliar os seus funcionários;
R - Assim, resulta claro e inequívoco que, também daqui, não decorrem quaisquer efeitos externos em relação ao ato sindicado pela A. e que a mudança operada em sede avaliativa decorre tão-só das alterações legislativas efetuadas e não por decorrência do ato fixador de parâmetros de avaliação, como parece transparecer da argumentação do A;
S - O IRN, IP, vinculado ao princípio da legalidade, seguiu os novos ditâmes legais que lhe eram impostos, passando a avaliação dos conservadores para a esfera do SIADAP 3, a partir da entrada em vigor da Lei n.° 66-B/2012, no ciclo 2013/2014 que estava prestes a se iniciar;
T - A A. nas suas alegações de recurso pretende fazer uso da atual redação do art. 51.° do CPTA, introduzida em 2015, escamoteando o facto de a mesma ter pretendido impugnar um ato de 2013 e esquecendo que a a nova redação é apenas aplicável “aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor”, nos termos no n.° 2 do art. 15.° do DL n.° 214-G/2015, de 2/10;
U - Resulta cristalino que a redação do art. 51.° que deve ser tida em conta só pode ser a anterior à referida alteração do CPTA, pelo que no momento da interposição da ação, apenas eram “impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos ”;
V - Verificadas à saciedade a ausência de efeitos externos e, sobretudo a não suscetibilidade de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, por parte do ato sindicado pela A., apresenta-se líquido que o mesmo não é enquadrável nesta letra do n.° 1 do art. 51° do CPTA;
W - Nessa medida, em face do conteúdo do ato sub judice ser destituído dos requisitos necessários e legalmente exigidos para que seja judicialmente impugnável, apenas resta considerá-lo como ato inimpugnável à luz do quadro legal processual pertinente à data dos factos;
X - Esta característica de inimpugnabilidade do ato impugnado, constituiu um fundamento que obstou ao prosseguimento do processo, nos termos da al. c) do n.° 1 do art. 89.° do referido CPTA, consubstanciando uma clara exceção dilatória que determinou a absolvição da Entidade Demandada da instância, como bem decidiu o Despacho saneador, agora alvo do presente recurso.
Termos em que se requer a V. Excelências se dignem não conceder provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exactos termos.
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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se o despacho saneador recorrido errou na apreciação da exceção da inimpugnabilidade do ato impugnado.


III
1. O artigo 51.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na sua versão inicial (a aplicável), estabelecia o seguinte:

«1 - Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 – (…).
3 - Salvo quando o acto em causa tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento e sem prejuízo do disposto em lei especial, a circunstância de não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento.
4 – (…)».

2. Portanto, à luz do normativo transcrito, a impugnabilidade depende apenas de uma condição: tratar-se de ato administrativo com eficácia externa. Tal significa, nomeadamente, que perdeu operatividade, para o efeito, o conceito de definitividade horizontal, num panorama em que, por via de regra, impugnável seria apenas o ato localizado no termo do procedimento, correspondente à resolução final da administração. Dito de outro modo, e nas palavras de Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3.ª edição, 2010, p. 340, «[abandonou-se] definitivamente a definitividade horizontal como requisito de impugnabilidade do acto administrativo». De resto, já se dizia na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 92/VIII que «deixa de se prever a definitividade como um requisito geral de impugnabilidade, não exigindo que o acto tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental ou no exercício de uma competência exclusiva para poder ser impugnado».

3. Assim sendo, o facto de o ato impugnado – ato que definiu os objetivos a atingir e as competências a avaliar - não ser o ato final do procedimento de avaliação não é, per se, elemento que determine imediatamente a sua inimpugnabilidade (o ato final desse procedimento será o ato de homologação da avaliação do desempenho a que se refere o artigo 71.º da Lei 66-B/2007, de 28 de Dezembro, diploma a que pertencem todas as disposições legais que venham a ser citadas sem menção da origem, e tomando em consideração as alterações introduzidas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro). O que importa, pois, e apenas, é determinar se aquele ato consubstancia ato administrativo com eficácia externa, tendo presente que a eficácia externa não é um atributo inerente ao conceito de ato administrativo (neste sentido, e entre outros, Aroso de Almeida, Considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, volume II, p. 271).

4. Tratando-se – devendo tratar-se - de ato administrativo, terá de consubstanciar uma decisão de órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público vise produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, à luz do conceito de ato administrativo constante do artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, que o Código de Processo nos Tribunais Administrativos pressupõe. Efeitos jurídicos aqueles externos, como se disse. Portanto, «actos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta» (Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 10.ª edição, pp. 211/212).

5. Ora, no âmbito do procedimento de avaliação o já referido ato de homologação da avaliação é, à partida, o que introduz uma alteração na ordem jurídica, correspondente à modificação da esfera jurídica do avaliado. Diversamente, o ato que fixa os objetivos e define as competências a avaliar consubstancia, em princípio, um mero ato preparatório, uma decisão tomada no âmbito do procedimento administrativo de avaliação que, pela sua natureza, não terá, a priori, a virtualidade de assumir eficácia externa, com o sentido já invocado.

6. No entanto, e como defende Mário Torres (Ainda a (in)impugnabilidade do acto de aprovação do projecto de arquitectura, Cadernos de Justiça Administrativa n.º 27, p. 44), «a determinação dos actos administrativos contenciosamente impugnáveis, designadamente quando inseridos em procedimentos complexos, há-de obedecer a um critério pragmático, visando assegurar que a intervenção do tribunal não ocorra nem demasiado cedo (redundando em desperdício da actividade judicial), nem demasiado tarde (redundando em desperdício da actividade da Administração e dos particulares e correndo o risco de não assegurar a tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses em causa). Há que partir da análise de cada procedimento especial e determinar qual é aí o acto central (que não coincide com o acto final do procedimento), que condiciona relevantemente - segundo critérios de normalidade - os actos procedimentais subsequentes, que assim surgirão como meros actos complementares, e no qual (acto central) radica a lesão de direitos ou interesses legítimos dos impugnantes, ou, noutra perspectiva, detectar quais os sub-procedimentos em que o procedimento se divide em termos tais que seja patente que o legislador pretendeu que só se suba ao patamar seguinte quando estiver consolidado o patamar anterior. Em ambas as situações (acto central ou acto final de subprocedimento) justifica-se a imediata abertura da via contenciosa».

7. Por outro lado, e como observava o acórdão de 3.5.2007 do Supremo Tribunal Administrativo (processo n.º 46262), «[o]s pressupostos processuais são mecanismos para assegurar uma decisão justa, racional e útil e não uma série de obstáculos a vencer pelo recorrente», sendo que «para a máxima efectividade da garantia constitucional, no contencioso administrativo de anulação (…), a legalidade processual deve interpretar-se no sentido mais favorável à pronúncia de fundo (pro actione)», princípio esse que o Código de Processo nos Tribunais Administrativos acolheu expressamente no seu artigo 7.º.

8. Ora, sabendo-se que «é à luz da relação material controvertida, tal como ela é apresentada pelo autor, que deve ser verificada a existência dos pressupostos processuais da acção» (Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, op. cit., p 345, acolhendo a doutrina emergente do acórdão de 6.11.2008 do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 864/06), teremos de ter presente que o Autor/Recorrente veio a juízo impugnar o ato que fixou os objetivos a atingir e as competências a avaliar, alegando, em especial, que aos seus representados tão-pouco lhes é aplicável o designado SIADAP 3 (Subsistema de Avaliação do Desempenho dos Trabalhadores da Administração Pública), mas sim o SIADAP 2 (Subsistema de Avaliação do Desempenho dos Dirigentes da Administração Pública).

9. Isto porque, e segundo alega, os seus representados, sendo Conservadores, são qualificados como dirigentes pelo artigo 21.º/1/a) do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro. Ora, ao serem avaliados por um subsistema que não lhes é aplicável – isto, evidentemente, sempre e apenas à luz do alegado, na medida em que não é o momento para entrar no mérito -, as próprias competências escolhidas não são as previstas para os dirigentes, além de estar a ser considerado um ciclo avaliativo diverso do legalmente imposto, na medida em que o SIADAP 2 tem um ciclo de avaliação de cinco ou três anos, de acordo com a duração da comissão de serviço, e o SIADAP 3 é bienal (artigo 9.º/3).

10. Na verdade, quer a avaliação dos dirigentes intermédios da administração pública, quer a avaliação dos seus trabalhadores, são efetuadas com base nos parâmetros “resultados” e “competências”. No entanto, quanto aos dirigentes intermédios estão em causa os «”resultados” obtidos nos objectivos da unidade orgânica que dirige» [artigo 35.º/a)], ao passo que para os trabalhadores são os «”resultados”» obtidos na prossecução de objectivos individuais em articulação com os objectivos da respectiva unidade orgânica» [artigo 45.º/a)]. Por outro lado, para os dirigentes intermédios trata-se do parâmetro «”competências”, integrando a capacidade de liderança e competências técnicas e comportamentais adequadas ao exercício do cargo» [artigo 36.º/b)] e para os trabalhadores o parâmetro corresponde às «”competências” que visam avaliar os conhecimentos, capacidades técnicas e comportamentais adequadas ao exercício de uma função» [artigo 45.º/b)]. Em coerência a então vigente Portaria n.º 1633/2007, de 31 de dezembro, aprovou listas de competência diferentes para o grupo de pessoal dirigente/cargos de direção intermédia e para o grupo de pessoal técnico superior (mesmo nos casos em que é coincidente a designação da competência, mostra-se diferente a sua descrição).

11. Ou seja, a tese da inimpugnabilidade do ato que fixa os objetivos a atingir e as competências a avaliar conduzirá, no caso, a que se imponha aos avaliados que desempenhem as suas funções tomando em especial consideração competências que, na sua totalidade, e a proceder o vício, foram ilegalmente escolhidas, por errada aplicação de um dos subsistemas de avaliação.

12. Ora, a definição de objetivos a atingir e de competências a avaliar mediante a aplicação de um subsistema de avaliação inaplicável, segundo alegado, e que condiciona imediatamente o desempenho dos avaliados, em função das competências escolhidas, deve ser considerado ato administrativo com eficácia externa, pois altera a esfera jurídica dos avaliados. Nas palavras de Aroso de Almeida, «[causam] uma desvantagem imediata na[s] respectiva[s] esfera jurídica[s]» (Considerações…, pp. 291/292). Como tal, é impugnável à luz do disposto no artigo 51.º/1 do Código do Procedimento Administrativo.

13. Essa será, segundo se julga, a solução que melhor cumpre, no caso concreto, o desígnio do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que «pretende atribuir uma maior relevância ao procedimento administrativo, admitindo que este possa ser controlado judicialmente, não apenas no momento da emissão do acto final, mas sempre que se produzam actuações procedimentais que o justifiquem» (Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3.ª edição, 2010, p. 341), numa «questão onde se conjugam razões científicas e razões pragmáticas» (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos anotados, Almedina, 2004, vol. I, p. 340).

14. De resto, e caso se considerasse que tal ato não tem a natureza de ato administrativo com eficácia externa, sempre se deveria apelar à figura da impugnabilidade antecipada, já invocada na doutrina, tal o grau de condicionamento que o ato em causa produz no ato final do procedimento de avaliação, o potencial de lesividade que transporta para o ato final.


IV
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho saneador recorrido e determinar que os autos voltem ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para aí prosseguirem os seus termos.

Custas pelo Recorrido (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).

Lisboa, 6 de novembro de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Ilda Côco (vencida, conforme declaração junta)
Teresa Caiado

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Declaração de voto:
Voto vencida, por entender, em suma, que o acto, lato sensu, que, no âmbito do procedimento de avaliação de desempenho, procede à fixação dos objectivos e competências não constitui, à luz do disposto no artigo 51.º do CPTA, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º214-G/2015, de 2 de Outubro, um acto administrativo impugnável, na medida em que carece de eficácia externa, apenas sendo impugnável, no âmbito do mesmo procedimento, o acto de homologação da avaliação de desempenho.
(Ilda Côco)