Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 08958/12 |
| Secção: | CA- 2º JUÍZO |
| Data do Acordão: | 04/16/2015 |
| Relator: | HELENA CANELA (por vencimento) |
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA-CONTRATUAL - BOM NOME |
| Sumário: | I – As disposições conjugadas dos artigos 6º e 2º nº 1 do DL. nº 48.051, têm aptidão para abranger situações de ilicitude que, nos termos gerais, se subsumem à sua previsão normativa, por referência à violação de normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis ou de regras de ordem técnica e de prudência comum com ofensa de posições jurídicas subjetivas de outrem. II – Se a conduta da PSP causou ofensa à honra e bom nome do autor, enquanto direito de personalidade juridicamente tutelado, tal basta para se ter por verificado o requisito de ilicitude, caindo na hipótese normativa ínsita no artigo 6º do DL. nº 48.051. III – O disposto no artigo 484º do Código Civil (de acordo com o qual “quem afirmar ou difundir facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados”) não implica que o conceito de ilicitude acolhido no artigo 6º do DL. nº 48.051 para efeitos de responsabilidade civil extracontratual do Estado sofra aqui qualquer restrição, espartilhamento ou mesmo exclusão. IV – Na aceção mais ampla da causalidade adequada, que é de acolher, o artigo 563º não exige a exclusividade do facto condicionante do dano (no sentido que só esse facto tenha determinado o dano), admitindo que outros factos, contemporâneos ou posteriores, possam ter também concorrido para a sua produção. V - Se é verdade que as conversas, comentários ou juízos feitos pelas pessoas em geral ultrapassam a esfera do lesante, como o ultrapassam o modo como foram veiculadas as notícias nos diversos meios de comunicação social, o certo é que os mesmos se fundaram nos factos que foram constatados (que se vieram a revelar errados) e divulgados pela PSP, e esses sem dúvida lhe são imputáveis. Não podendo, então, deixar de considerar-se consequência normal os danos verificados, pelo menos em certa medida, até por apelo aos critérios de normalidade e razoabilidade e mesmo de experiência comum. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O Estado Português, representado pelo Ministério Público, réu na ação administrativa comum sob a forma de processo ordinário instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (Proc. nº 139/06.9BEFUN) por Rui …………………… (devidamente identificado nos autos), no qual peticionou a condenação daquele no pagamento da quantia global de 77 245,79 €, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, e ainda os danos futuros que vieram a revelar-se, a fixar em execução de sentença, inconformado com a sentença de 23/02/2012, daquele Tribunal, pela qual, julgada parcialmente procedente a ação foi o réu Estado Português condenado a pagar ao autor a quantia de 40.000,00 € a título de indemnização por danos morais, bem como aquilo que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais referidos nos factos R) e T), acrescidos de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento, vem dela interpor o presente recurso, pugnando pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que julgue totalmente improcedente o pedido formulado pelo Autor. Nas suas alegações o Recorrente formula as seguintes conclusões nos seguintes termos: «1.º A sentença recorrida omite por completo a operação de julgamento da matéria de facto essencial para a apreciação da questão analisada e decidida pelo que, por falta de fundamentação de facto e por ter violado o disposto nos artigos 653º, nº2 e 659º, nº3 do CPC, é nula nos termos do art.668º, nº l, al. b) do mesmo Código. 2.º E a sentença sob recurso enferma ainda do vício de contradição entre os fundamentos e a decisão o que acarreta a sua nulidade face ao disposto no art. 668.º, nº l, al. c) do CPC. 3.º Perante o pedido formulado nos autos - indemnização com fundamento em facto ilícito - é aplicável, ao caso, a regra geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por facto ilícito, tal qual é definida no Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967. 4.º A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano, e o nexo de causalidade entre este e o facto. 5° No caso em apreço, as forças policiais adaptaram todos os procedimentos adequados, quer ao realizar o teste rápido ao produto apreendido (pelo menos nada se provou em contrário), quer na comunicação efectuada aos órgãos de comunicação social no contexto dos procedimentos de informação. 6º De facto, a própria sentença reconhece que "a PSP informou os media apenas de que o teste rápido dera o produto apreendido no automóvel como sendo heroína, sem identificar os ocupantes do veículo" (facto S). Não está portanto provado que tenha sido a PSP a identificar o A. 7.º Perante os factos provados nos autos é de concluir pela inexistência de ilicitude e de culpa. 8.° Claudica, de igual forma, o pressuposto do nexo de causalidade, pois, os factos provados não permitem formular qualquer juízo de imputação dos eventuais prejuízos à actuação dos elementos da P.S.P. 9° Assim, e pelo exposto, entendemos que o Réu Estado deve ser absolvido do pedido. 10º Tendo a sentença agora posta em crise violado a Lei, nomeadamente os artigos 2.º nº l e 6.º do DL 48051, de 21 de Novembro de 1967. 11.º Quando assim se não entenda e, sempre sem conceder, deverá o valor da indemnização, nomeadamente por danos não patrimoniais, fixado em €40.000,00, ser substancialmente reduzido.»
«1. A sentença recorrida bem esteve contém todas as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, que demonstra claramente por que se decidiu naquele sentido. 2. O Mmº Juíz a quo, e na douta sentença proferida, identifica com suficiência e clareza os motivos, causas ou pressupostos da sua decisão; 3. A sentença recorrida não enferma de qualquer vício de contradição entre os fundamentos e a decisão, não se verificando qualquer nulidade, devendo por isso ser mantida; 4. Encontram-se preenchidos todos os requisitos ou pressupostos do dever de indemnizar do Estado Português por facto ilícito, previsto nos artºs 2º e 6º do DL 48051 de 22.11.67, bem como nos termos do art. 483º, 487º e 493º nº1 do Código civil., culpa essa por parte da PSP por negligência dos seus órgãos ou agentes; 5. Existe nexo de causalidade entre a conduta objectiva da PSP e os danos referidos e sofridos pelo apelado, na medida em que a actuação da PSP na comunicação efectuada aos meios de comunicação social não foi feita com cuidado, sem reserva pela identificação das partes envolvidas, e sem a certeza dos resultados obtidos, gerou alarme social e teve as suas consequências na esfera pessoal e patrimonial do apelado. 6. Estamos perante um facto ilícito, culposo.»
* O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo (correspondentes aos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA. No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, são colocadas a este Tribunal as seguintes questões: 1. - saber se a sentença recorrida é nula: - nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo), por falta de fundamentação de facto e por ter violado o disposto nos artigos 653º, nº2 e 659º, nº3 do CPC - (conclusão 1ª das alegações de recurso); - nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo), por contradição entre os fundamentos e a decisão - (conclusão 2ª das alegações de recurso); 2. - saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento (de direito), por perante os factos provados nos autos ser de concluir pela inexistência de ilicitude e de culpa bem como do pressuposto do nexo de causalidade, por os factos provados não permitirem formular qualquer juízo de imputação dos eventuais prejuízos à atuação dos elementos da P.S.P., devendo o Estado Português ter sido absolvido do pedido indemnizatório, e se ao decidir como decidiu a sentença recorrida fez errada interpretação dos artigos 2º nº 1 e 6º do DL. nº 48051, de 21 de Novembro de 1967 – (conclusões 3ª a 10ª das alegações de recurso). 3. - saber se em vez dos 40.000,00 € de indemnização por danos não patrimoniais fixados na sentença recorrida, deve o valor de tal indemnização ser reduzido, com fixação de montante substancialmente inferior – (conclusão 11ª das alegações de recurso). * III. FUNDAMENTAÇÃOA – De facto Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos: «Do saneador A) A 8 de Fevereiro de 2005, o A. sofreu um acidente de viação pelas 13h50 na ER 101, no sentido …………- …………... B) Na altura fazia-se acompanhar pelo seu irmão, que veio a falecer. C) Após todas as demais diligências para assistência aos feridos. D) Os agentes da PSP, ao procurar dentro da viatura os elementos de identificação do condutor, ora A., encontraram dentro da sua carteira do condutor, um produto "de cor castanho claro embrulhado num papel branco" (doc.1). E) Os agentes em questão deslocaram-se à esquadra da PSP de ……………, onde procederam ao “Teste rápido de detecção de produto de estupefaciente, do tipo "A", reagente "Marques"”, tendo o mesmo dado positivo. F) O qual, após pesagem, apresentou o peso de 0,55gr. G) Tal "apreensão" foi noticiada nos meios de comunicação, nomeadamente no Diário de Notícias e Jornal da Madeira, no dia 10 de Fevereiro de 2005 (doc.2). H) Após a análise e observação do referido produto constatou-se que era heroína. I) O A. encontrava-se ferido. J) Contudo, já posteriormente, ao ter conhecimento da situação, não aceitou, dado que nunca foi nem consumidor, nem tão pouco traficante. L) Efectivamente aquele era um pó do A., mas não era drogas. M) Era pó da ervanária, que lhe tinham aconselhado a usar na carteira para afastar "invejas" e "maus-olhados", N) Não era, nem nunca foi, pó estupefaciente. O) Efectivamente após a análise laboratorial pelo laboratório da Polícia Científica (LPC) da Polícia Judiciária em Lisboa, constataram que não se tratava de droga. P) Aliás, tal foi também noticiado no Diário de Notícias e Jornal da Madeira no dia 4 de Agosto de 2005. Q) Vindo inclusive o Comando Regional a esclarecer. R) Desde a data do acidente até à presente, o A. vê a sua clientela diminuída, perdendo desse modo receitas. Das respostas à base instrutória S) O A. começou a ser rotulado de "drogado" e "traficante" em consequência das notícias publicadas, sendo que a PSP informou os media apenas de que o teste rápido dera o produto apreendido no automóvel como sendo heroína, sem identificar os ocupantes do veículo. T) Inclusive o A., que possuía uma empresa de construção, começou a perder clientes devido a fama que possuía. U) O seu próprio filho, que tinha apenas 12 anos, era apontado na escola como o filho do drogado. V) O que tem gerado grande sofrimento em toda a família. X) O A., em virtude das calúnias que foi alvo, tinha vergonha de sair à rua pois era apontado. Z) Por causa desta situação, o A. teve de ir a médicos, incluindo um psiquiatra. AA) O A., antes do acidente, auferia em part-time nos fins de semanas, em trabalhos de pintura de residências, uma média de € 200,00 (duzentos euros), mensais.» * B – De direito~ 1. Da nulidade da sentençaDas questões de saber se a sentença recorrida é nula: - nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo), por falta de fundamentação de facto e por ter violado o disposto nos artigos 653º, nº2 e 659º, nº3 do CPC - (conclusão 1ª das alegações de recurso); - nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo), por contradição entre os fundamentos e a decisão - (conclusão 2ª das alegações de recurso). ~ Em sintonia com o comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da CRP dispõe o artigo 158º do CPC antigo sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão” (correspondente ao artigo 154º do CPC novo), que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (nº 1), não podendo a justificação consistir “na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição” (nº 2). A fundamentação das decisões jurisdicionais, para além de visar persuadir os interessados sobre a correção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razões no momento do julgamento. Mas, como é consensual na Doutrina e na Jurisprudência, a falta de motivação (quer de facto quer de direito) suscetível de integrar a nulidade de sentença a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC antigo (correspondente ao atual artigo 615º) é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 14/07/2008, Proc. n.º 510/08; de 03/12/2008, Proc. n.º 540/08; de 01/09/2010, Proc. n.º 653/10; de 07/12/2010, Proc. n.º 1075/09; de 02/03/2011, Proc. n.º 881/10; de 07/11/2012, Proc. n.º 1109/12; de 29/01/2014, Proc. n.º 1182/12; de 12/03/2014, Proc. n.º 1404/13, in, www.dgsi.pt/jsta). Para que se esteja perante falta de fundamentos de facto geradores da nulidade de sentença é mister que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que hão-de suportar a decisão que profere. Só aí se estará perante falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo). É certo que de harmonia com o disposto no artigo 659º do CPC antigo (correspondente ao artigo 607º do CPC novo), aplicável aos Tribunais Administrativos ex vi do artigo 1º do CPTA, na sentença o juiz “começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar” (nº 1), seguindo-se os fundamentos, “devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” (nº 2). Devendo ainda, no que tange à fundamentação de facto, tomar em consideração“os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito … fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer” (nº 3). Ora como é bom de ver na sentença recorrida foram elencados os factos provados, os quais resultaram, como decorre da autonomização ali feita, quer da matéria de facto dada como assente no despacho proferido em sede de audiência preliminar efetuada em 16/12/2008 (cfr. ata de fls. 308 ss.), quer do julgamento feito pelo juiz do processo, após audiência de discussão e julgamento levada em cabo em duas sessões (em 15/01/2009 e 11/02/2009 - cfr. respetivas atas de fls. 326 ss. e fls. 333 ss.), quanto aos factos que haviam sido levados à Base Instrutória, que vieram a merecer a resposta lavrada a fls. 335 ss., com base na convicção formada pelo Tribunal a quo nos termos ali externados na respetiva motivação, que foi lida em 12/02/2009 (cfr. ata de fls. 337 ss.). O que significa que o processualismo que foi seguido pelo Tribunal a quo quanto à seleção e julgamento da matéria de facto foi o então previsto no CPC antigo, em vigor à data, designadamente nos seus artigos 508º-A, 511º, 652º e 653º, aplicável à presente ação ex vi do artigo 35º nº 1 do CPTA. Tendo o despacho pelo qual foi dada resposta aos artigos da Base Instrutória (lavrado a fls. 335 ss.), com o qual foi feito o julgamento da matéria de facto, observado e cumprido o disposto no nº 3 do artigo 653º do CPC (antigo). Mostrando-se a sentença recorrida fundamentada, de facto e de direito, tem de concluir-se não merecer provimento o recurso nesta parte, não se verificando a invocada nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo). Como também não se verifica a invocada nulidade da sentença prevista na alínea c) do mesmo artigo 668º do CPC (antigo). É que a nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos, prevista naquela alínea c), tem como premissa a violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial. Com efeito entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. De modo que se o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, tal oposição será causa de nulidade da sentença – vide a este respeito Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 689 ss; José Lebre de Freitas, in “Código de Processo civil Anotado”, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, pág. 670, e Luís Filipe Brites Lameiras, in, “Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2009, pág. 36 ss.. Assim, para que ocorra nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo) tem que se estar perante um paradoxo ou incoerência de raciocínio, de modo que as premissas consideradas (fundamentos) não poderiam conduzir, de forma lógica, à conclusão (decisão) a que se chegou, mas a outra, oposta ou divergente. Como é bom de ver, da contraposição entre o decidido na sentença recorrida e os respetivos fundamentos nela externados (que já se reproduziu supra) é manifesto não se verificar qualquer contradição entre o segmento decisório da sentença – no qual, julgando-se parcialmente procedente a ação, foi o réu Estado Português condenado a pagar ao autor a quantia de 40.000,00 € a título de indemnização por danos morais, bem como aquilo que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais referidos nos factos R) e T), acrescidos de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento – e os respetivos fundamentos, se estes passam, precisamente, pela conclusão, tirada pela Mmª Juiz do Tribunal a quo, de que se encontram verificados os pressupostos do dever de indemnizar fundado em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e culposos, como fez. Tem, pois, que concluir-se que a sentença recorrida não incorre na nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo), ex vi do artigo 1º do CPTA, improcedendo também nesta parte o recurso. ** * 2. Da questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento (de direito), por não ser de concluir pela existência de ilicitude, de culpa e de nexo de causalidade, tendo a sentença recorrida feito errada interpretação dos artigos 2º nº 1 e 6º do DL. nº 48051, de 21 de Novembro de 1967 - (conclusões 3ª a 10ª das alegações de recurso). A sentença recorrida condenou o Estado Português a pagar ao autor, aqui recorrido, a quantia de 40.000,00 €, a título de indemnização por danos morais, bem como aquilo que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais referidos nos factos R) e T), acrescidos de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento. Na apreciação do mérito da ação a sentença recorrida aplicou o quadro normativo resultante do DL. nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, o que não é posto em causa no presente recurso, nem merece reparo, já que em face das datas (situadas no ano de 2005) a que reportam os factos constitutivos da pretensão indemnizatória em causa nos autos, fundada em responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, por factos ilícitos e culposos de gestão pública, é de aplicar o quadro normativo resultante do DL. nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, não obstante tenha entretanto sido aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, o novo regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas. Na sentença recorrida começou-se por explanar que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e de outros entes públicos por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, regulada pelo referido DL. nº 48051, assenta nos pressupostos da identifica responsabilidade prevista no Código Civil, designadamente nos seus artigos 483º ss. e 563º, a saber, o dano, o facto, a ilícito, o nexo de causalidade e a culpa. E deu como verificados os danos, ali assim referidos: «- o autor, que possuía uma empresa de construção, começou a perder clientes devido a fama que possuía. Desde a data do acidente até à presente, o A. vê a sua clientela diminuída, perdendo desse modo receitas; - A. começou a ser rotulado de "drogado" e "traficante" em consequência das notícias publicadas, sendo que a PSP informou os media apenas de que o teste rápido dera o produto apreendido no automóvel como sendo heroína, sem identificar os ocupantes do veículo; - a situação descrita tem gerado grande sofrimento em toda a família; - o Autor, em virtude das calúnias de que foi alvo, tinha vergonha de sair à rua pois era apontado; - por causa desta situação, o A. teve de ir a médicos, incluindo um psiquiatra.» * 3. Da questão de saber se em vez dos 40.000,00 € de indemnização por danos não patrimoniais fixados na sentença recorrida, deve o valor de tal indemnização ser reduzido, com fixação de montante substancialmente inferior – (conclusão 11ª das alegações de recurso). Nos termos do disposto no artigo 496º nº1 do Código Civil apenas são atendíveis para efeitos de indemnização os danos não patrimoniais que por revelarem gravidade mereçam a tutela do direito, caso em que o montante será fixado equitativamente pelo Tribunal. Tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil: o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. Sendo que gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (ainda que tendo-se em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 2. edição, em anotação ao artigo 496.º, e como é entendimento unânime da Jurisprudência, cfr., a título ilustrativo, o Acórdão do STA de 16-12-2003, Proc. nº 565/03, in Acórdãos Doutrinais 507, 383). Quando se fala em danos não patrimoniais ou morais estão em causa, designadamente, males como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética, que por atingirem bens protegidos por lei contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa ilícita (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física a honra ou o bom nome) não integram o património do lesado, sendo assim insuscetíveis de avaliação pecuniária, sendo certo que, simultaneamente, só podem ser compensados com uma obrigação pecuniária (vide, neste sentido Antunes Varela, in, Das Obrigações Em Geral, 10ª Edição, pág. 499 e Maria Manuel Veloso, in, Danos Não Patrimoniais – Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, III, pág. 554 e ss.). Daí a emergência de certa Jurisprudência que, a partir da infungibilidade dos bens que desencadeiam os danos não patrimoniais e realçando as funções compensatória, e sancionatória da respetiva indemnização, considera que esta, enquanto lenitivo para os danos suportados, não deve ser miserabilista nem meramente simbólica, mas também não deve nem pode representar negócio (vide a propósito, o Acórdão do STA de 28-01-2009, Proc.º 0884/98, bem como o Acórdão do STJ de 27-02-2007, Proc° n° 05A3765, e jurisprudência ali citada, in www.dgsi.pt). Por outro lado, e ainda, como defende a Doutrina e perfilha a Jurisprudência à luz do disposto artigo 496.º do Código Civil, para efeitos indemnizatórios a gravidade do dano moral há-de medir-se por um padrão objetivo e não de acordo com fatores subjetivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada (vide, neste sentido Antunes Varela, in, Das Obrigações Em Geral, 10ª Edição, pág. 499, Pires de Lima e Antunes Varela in, Código Civil Anotado, Vol. I, 2. edição, anotação I ao artigo 496.º e os Acórdãos do STA de 18-01-2005, Proc.º 01703/02; de 28-01-2009, Proc.º 0852/07 e de 28-01-2009, Proc.º 0884/98, in www.dgsi.pt). No caso dos autos é premente ter presente as concretas circunstâncias em que ocorreu a errada conclusão, tirada pela PSP, de que o “pó” encontrado e apreendido, na posse do autor, era heroína e os efeitos da sua divulgação, e como a mesma foi vivenciada pelo autor. Fazendo aplicar os dispositivos ínsitos nos artigos 562º, 566º, 494º e 496º do Código Civil, que invocou, a Mmª Juiz do Tribunal a quo fixou uma indemnização por danos morais, devida ao autor, entendendo que os mesmos são merecedores da tutela do Direito. E são, efetivamente, o que ademais não é posto em causa no presente recurso. Mas diz-se ainda na sentença recorrida a respeito deles que “…a culpa da PSP não é de menosprezar de todo, pois que a revelação do resultado do teste (errado) foi intencional, associada ao risco do erro e da publicidade danosa de um erro, com alarme social óbvio neste contexto das drogas ilegais”. E nela também já se tinha dito que “…há culpa da PSP, na medida em que o facto lhe é imputável a título de dolo na comunicação aos media dum resultado que poderia ser falso e na medida em que o facto lhe é imputável a título de negligência com o erro do aparelho que acusou heroína erradamente.” De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 4º do mesmo diploma, a culpa dos titulares ou agentes é apreciada nos termos do artigo 487º do Código Civil, ou seja, “na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. Sendo que, como se diz no Acórdão do STA de 04-04-2006, no Proc. nº 01116/05 o “paradigma da conduta diligente implica, no âmbito da responsabilidade extracontratual dos entes públicos, a comparação do concreto comportamento apurado, com o que seria de exigir a um funcionário ou agente zeloso e cumpridor e, quando transposto para a falta do serviço, sem imputação do comportamento censurável a um certo e determinado funcionário ou agente, a comparação com os standards de atuação que se devem esperar daquele serviço a funcionar normalmente, isto é, com o nível médio de funcionamento que, com razoabilidade, se pode reclamar dele”. Opera, assim, a chamada culpa do serviço, figura acolhida quer pela Doutrina quer pela Jurisprudência, e que influenciada por referências objetivas relacionadas com a função dos órgãos administrativos, amplia na prática as possibilidades de imputação de culpa à Administração quando os danos verificados não são suscetíveis de serem imputados a este ou àquele comportamento em concreto de um qualquer agente ou titular de órgão administrativo, sendo todavia consequência do mau funcionamento generalizado do serviço administrativo em causa (vide, para mais desenvolvimentos, a respeito do que deve entender-se para este efeito por «funcionamento anormal do serviço», entre outros, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas – anotado”, Coimbra Editora, 2008, pág. 133, e Margarida Cortez, in, “Responsabilidade Civil da Administração Pública”, Seminário Permanente de Direito Constitucional e Administrativo, Vol. I, Associação Jurídica de Braga – Departamento Autónomo de Direito da Universidade do Minho, 1999, pág. 69 ss.). É o que sucede no caso, já que em face dos factos apurados não é possível imputar a qualquer concreto agente ou titular de órgão o resultado (errado) do 1º teste ao “pó” apreendido, nem os efeitos causados pela sua divulgação. Tendo então de concluir-se estarmos perante culpa do serviço (PSP), na aceção supra referida. O que concomitantemente conduz a que não seja de subscrever a consideração, feita na sentença recorrida, de que se está perante facto imputável a título de dolo. Apenas se podendo concluir pela negligência (culpa do serviço) decorrente da comparação com os standards de atuação que se devem esperar do serviço, a funcionar normalmente (isto é, com o nível médio de funcionamento que, com razoabilidade, se pode reclamar dele). O que não deixa de ter repercussão no quantum da indemnização devida pelos danos não patrimoniais, em face do disposto no artigo 494º do CC, ex vi do artigo 496º nº 1 do mesmo Código. O que conjugado com as demais circunstâncias do caso impele e impõe a fixação de um montante indemnizatório inferior aos 40.000,00 € que foram atribuídos pela sentença recorrida. Devendo a indemnização devida pelos danos não patrimoniais verificados ser fixada em 15.000,00 €, valor que se reporta como justo e adequado, tendo em atenção que a conduta é imputada ao serviço (PSP) a título de negligência; que os seus efeitos perduraram por um período compreendido entre Fevereiro e Agosto de 2005, data em que foi reposta a verdade, a gravidade do contexto em que a conduta teve lugar, com a morte do irmão do autor resultante de acidente envolvendo viatura conduzida pelo autor e ainda os padrões indemnizatórios geralmente adotados na jurisprudência (mormente os que foram fixados nos Acórdãos do TCA Norte de 02/04/2009, Proc.º 1504/05.4BEVIS e de 07/05/2009, no Proc.º nº 714/05.9BELRA, e noutros processos idênticos, tais como nos Processos nº 1496/05.0BEVIS, nº 1497/05.8BEVIS e nº 1504/06.4BEVIS, in, www.dgsi.pt/jtcan). O que se decide. Merecendo, assim, neste ponto, provimento o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, e fixando-se no montante de 15.000,00 € a indemnização devida pelos danos não patrimoniais. O que se decide. * IV. DECISÃONestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional, fixando-se no montante de 15.000,00 € a indemnização devida ao autor pelos danos não patrimoniais. ~ Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.* Notifique. D.N. * Lisboa, 16 de Abril de 2015 _____________________________________________________ Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela Declaração de voto de vencida:Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora por vencimento) _____________________________________________________ António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos _____________________________________________________ Votei vencida pelas razões a seguir indicadas, as quais constavam do projecto de acórdão que tinha elaborado e não obteve vencimento. O recorrente defende que a decisão ora sindicada é ilegal por violação nomeadamente dos arts. 2º n.º 1 e 6º, do DL 48 051, de 21 de Novembro de 1967, pois considera que não se provou, desde logo, a existência de qualquer facto ilícito. Apreciando. A sentença recorrida condenou o recorrente a pagar ao recorrido a quantia de € 40 000, a título de indemnização por danos morais, bem como aquilo que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais referidos nos factos R) e T), acrescidos de juros de mora desde a citação – 4.7.2006 - até integral e efectivo pagamento, à taxa legal anual de 4%. Tal condenação foi proferida designadamente ao abrigo do DL 48 051, de 21 de Novembro de 1967, e dos arts. 483º n.º 1 e 484º, ambos do Código Civil, e assentou na prática de um facto ilícito e culposo por parte da Polícia de Segurança Pública (PSP) que causou danos ao recorrido. Na decisão recorrida escreveu-se o seguinte, no que respeita à prática do facto ilícito: “Está provado o seguinte facto humano: a PSP divulgou aos media, com erro de seu equipamento, que encontrara no carro do A. heroína, quando afinal se apurou que o pó não era droga. Tal facto é ilícito, porque viola o direito do A. ao crédito e ao bom nome (arts. 483º-1 e 484º CC)”. Do ora transcrito decorre que a sentença recorrida considerou que é imputável à PSP a prática de um facto ilícito, já que esta divulgou que se encontrava no carro do autor, ora recorrido, heroína, o que viola o direito do recorrido ao crédito e ao bom nome. Defende o recorrente que não existe qualquer facto ilícito, já que a comunicação efectuada pela PSP aos órgãos de comunicação social não contém qualquer identificação do autor, nem à matrícula do carro e não contribuiu, por qualquer via ou modo, para a conexão estabelecida pela comunicação social entre a informação pública por si divulgada e o respectivo interveniente (o autor, ora recorrido). Vejamos. Ao tempo em que decorreram os factos integradores da causa de pedir desta acção, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública, regia-se pelo disposto no DL 48 051, de 21 de Novembro de 1967 (entretanto revogado pelo art. 5º, da Lei 67/2007, de 31/12). Estatui o art. 2º n.º 1, do citado DL 48 051, que: “O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”. Embora este diploma não disponha de uma regulamentação acabada no domínio da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, nomeadamente quanto ao nexo de causalidade, tem a jurisprudência do STA reconhecido que, por razões de ordem sistemática, se impõe nesse âmbito também o recurso às previsões do Cód. Civil (cfr. Ac. do STA de 21.4.1994, in AD 400-399). A jurisprudência do STA tem, assim, decidido, de forma uniforme e pacífica, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas e dos titulares dos seus órgãos e dos seus agentes, por facto ilícito de gestão pública, assenta, no essencial, nos pressupostos da responsabilidade civil previstos nos arts. 483º e ss., do Cód. Civil – neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 13.10.1998, 26.9.02, 6.11.02, 18.12.02, 24.9.2003, 17.3.2005 e de 14.4.2005, procs. n.ºs 43.138, 487/02, 1.331/02, 1.683/02, 1.864/02, 230/05 e 86/04, respectivamente. Assim, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas e dos titulares dos seus órgãos e dos seus agentes, por facto ilícito e culposo de gestão pública, assenta nos seguintes pressupostos: a) O facto do órgão ou agente que se traduz num comportamento voluntário, sob a forma de acção ou omissão; b) A ilicitude; c) A culpa, nexo de imputação ético-jurídica do facto ao lesante que pode revestir a forma de dolo ou mera culpa e que, na forma de mera culpa (negligência), traduz a censura dirigida ao autor do facto por não ter usado da diligência que teria um funcionário ou agente típico; d) O dano, como lesão de ordem patrimonial ou não patrimonial; e) O nexo de causalidade entre a conduta e o dano, apurado segundo a teoria da causalidade adequada. Quanto ao pressuposto da ilicitude dispõe o art. 6º, do DL 48 051, o seguinte: “Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”. A definição de ilicitude deste art. 6º tem de ser lida à luz do art. 22º, da Constituição da República Portuguesa, que consagra a responsabilidade civil do Estado e das demais entidades públicas por acções ou omissões “de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”, ou em articulação com o art. 2º n.º 1, do citado DL 48 051, acima transcrito (“perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses”). Dito por outras palavras, o conceito de ilicitude não se reconduz a um comportamento objectivamente antijurídico – violação de normas legais ou regulamentares, de princípios gerais ou de regras de ordem técnica e de prudência (ilicitude objectiva) -, exigindo também um desvalor da conduta quanto ao resultado, traduzido na violação de um direito ou interesse do particular (ilicitude subjectiva), cabendo ao autor, ora recorrido, o ónus de provar este pressuposto da ilicitude – nas vertentes objectiva e subjectiva -, nos termos do art. 342º n.º 1, do Cód. Civil. De todo o modo, para além das situações de ilicitude que, nos ternos gerais, se encontram definidas no referido art. 6º, conjugado com o art. 2º n.º 1, por referência à violação de normas e princípios jurídicos e de regras de ordem técnica e de prudência comum e à ofensa de direitos ou interesses de outrem, há outros factos antijurídicos que estão especialmente previstos na lei civil, e que são igualmente aplicáveis no âmbito da responsabilidade administrativa. Está nesse caso a afirmação ou a difusão de um facto susceptível de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa (cfr. art. 484º, do Cód. Civil) – neste sentido, Ac. do STA de 2.11.2011, proc. n.º 953/10. Estabelece o art. 484º, do Código Civil, o seguinte: “Quem afirmar ou difundir facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”. Este preceito, ao proteger o crédito e o bom nome, nomeadamente da pessoa singular, tutela um dos elementos essenciais da dignidade humana que é a honra, ou seja, de um direito da personalidade, juridicamente protegido. Com efeito, dispõe o art. 25º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), o seguinte: “A integridade moral e física das pessoas é inviolável”. E prescreve o art. 26º n.º 1, do mesmo diploma, que: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed. Revista, 2007, pág. 466, em comentário ao transcrito art. 26º n.º 1, esclarecem que “O direito ao bom nome e reputação (nº 1) consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação (…)”. Dispõe o art. 12º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem – cujas normas são objecto de recepção automática no nosso direito (cfr. art. 8º n.º 1, da CRP) -, o seguinte: “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei”. Na lei ordinária a personalidade moral, o bom-nome e consideração social das pessoas são valores tutelados no art. 70º, do Código Civil. Estatui este art. 70º que: “1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. 2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida”. Este normativo tutela a personalidade como direito absoluto, de exclusão, na perspectiva do direito à saúde, à integridade física, ao bem-estar, à liberdade e à honra, que são os aspectos que individualizam o ser humano, moral e fisicamente, e o tornam titular de direitos invioláveis. Conforme supra referido, o art. 484º, acima transcrito, ao proteger o bom nome da pessoa singular tutela um dos elementos essenciais da dignidade humana – a honra. Como explica Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral da Personalidade, 1995, págs. 303-304, “A honra juscivilisticamente tutelada abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela Natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância (...) em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político (…) envolve, finalmente, o crédito pessoal, como projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem”. E Maria Paula Andrade, Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome, 1996, pág. 97, afirma ser a honra um “(…) bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso”. Também Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, págs. 38 e ss., esclarece que “(…) O direito à vida, ou à honra, ou à integridade física, ou à privacidade, ou à imagem, por exemplo, não constituem direitos subjectivos autónomos, mas antes poderes jurídicos que integram o direito de personalidade do seu titular, poderes estes que são exercidos quando a dignidade do seu titular for posta em causa através de ameaças ou ofensas àqueles específicos bens de personalidade. A tipificação dos chamados direitos especiais de personalidade é um reflexo da tipificação de específicos bens de personalidade que integram a dignidade humana e das lesões que historicamente se foram tornando típicas. A dignidade humana pode ser ameaçada ou ofendida em diversos bens que a integram - vida, integridade física, honra, privacidade, imagem, nome, etc. - para a defesa de cada um dos quais o direito de personalidade contém específicos meios ou bens, que beneficiam de específicos poderes jurídicos”. O mesmo autor, in “Direito de Personalidade”, 2006, pág. 76, explicita que “O direito à honra é uma das mais importantes concretizações da tutela e do direito da personalidade. A honra é um preciosíssimo bem da personalidade. A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoas (…) A perda ou lesão da honra – a desonra – resulta, ao nível pessoal, subjectivo, na perda do respeito e consideração que a pessoa tem por si própria, e ao nível social, objectivo, pela perda do respeito e consideração que a comunidade tem pela pessoa. A lesão da honra pode não ser total – só em casos excepcionais o será – e limitar-se a um seu detrimento. A honra, neste caso, é lesada, mas não perdida (…) Todas as pessoas têm direito à honra pelo simples facto de existirem, isto é, de serem pessoas. É um direito inerente à qualidade e à dignidade humana. Mas as pessoas podem perder a honra ou sofrer o seu detrimento em virtude de vicissitudes que tenham como consequência a perda ou diminuição do respeito e consideração que a pessoa tenha por si própria ou de que goze na sociedade. As causas de perda ou do detrimento da honra – de desonra – são, em termos muito gerais, acções da autoria da própria pessoa ou que lhe sejam imputadas, e que sejam consideradas reprováveis na ordem ética vigente, quer ao nível da própria pessoa, quer ao nível da sociedade.”. Como esclarece o Professor Beleza dos Santos, RLJ, Ano 92º, pág. 164, a honra “(…) é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale, e que a consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal forma que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa ao desprezo público”. A honra comporta, portanto, a dimensão interna/subjectiva (o eu moral ou psicológico), correspondendo à consideração por si próprio, à auto-estima, e a dimensão externa/objectiva (o eu social), correspondendo à ideia que os outros têm de nós, traduzindo-se no respeito que cada pessoa goza na comunidade a que pertence, isto é, na reputação, no bom nome, no crédito ou consideração exterior. A afirmação e difusão de factos que sejam idóneos a prejudicar o bom-nome de qualquer pessoa acarretam responsabilidade civil (extracontratual), implicam a obrigação de indemnizar, conforme previsto no citado art. 484º, do Código Civil, o qual prevê caso particular de ilicitude, mas não dispensa a cumulativa verificação dos restantes requisitos da obrigação de indemnizar acima enunciados (culpa, dano e nexo de causalidade). Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, 1991, pág. 453, esclarece, a propósito do mencionado art. 484º, que, “Conforme se infere da lei, tem de haver a imputação de um facto, não bastando alusões vagas e gerais. Parece indiferente, todavia, que o facto afirmado ou difundido seja verdadeiro ou não. Apenas interessa que, dadas as circunstâncias concretas, se mostre susceptível de afectar o crédito ou a reputação da pessoa visada - pessoa singular ou colectiva, devendo considerar-se incluídas nesta última categoria as sociedades”. Também Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, págs. 567-568, afirma, quanto a este art. 484º, que “pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro – contanto que seja susceptível, ponderadas circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade”. Conforme se sumariou no Ac. do STJ de 10.7.2008, proc. n.º 08P1410, “X - A ofensa ao crédito resultará da divulgação de facto que tenha como consequência a diminuição ou a afectação da confiança sobre a capacidade de cumprimento das obrigações da pessoa visada; a ofensa ao bom-nome abala o prestígio e a consideração social de que uma pessoa goze, perturbando o conceito e a apreciação positiva com que alguém é considerado no meio social onde se insere e se desenvolve a sua vida: o prestígio coincide, assim, com a consideração social das pessoas, que se projecta em perspectiva relacional entre a pessoa e o meio social.” (sublinhados nossos). Retomando o caso vertente verifica-se que se encontra provado que o autor, ora recorrido, começou a ser rotulado de “drogado” e “traficante” em consequência das notícias publicadas, sendo que a PSP informou os órgãos de comunicação social apenas de que o teste rápido dera o produto apreendido no automóvel como sendo heroína, sem identificar os ocupantes do veículo (cfr. facto S)). Assim, cumpre apreciar se tal actuação da PSP ofende o bom nome do recorrido. Do acima exposto resulta que, para que ocorra tal ofensa, é necessária a imputação de um facto, não bastando alusões vagas e gerais, a determinada pessoa que seja capaz, isto é, idónea a abalar o prestígio e a consideração social de que a mesma goza. Ora, na informação divulgada pela PSP não se identificam os ocupantes do veículo automóvel, nomeadamente o recorrido, pelo que não se pode considerar que o recorrente, através dos seus agentes, imputou ao recorrido a posse de produto que, após a realização do teste rápido, revelou ser heroína. Dito por outras palavras, da informação divulgada pela PSP, à qual se alude em S), dos factos provados, não resulta qualquer indício de que o recorrido era um dos ocupantes do veículo no qual foi apreendido produto que, após a realização do teste rápido, revelou ser heroína, e, muito menos, que tal produto estava na sua posse. Tal identificação antes resultou dos elementos constantes das notícias divulgadas nos meios de comunicação social – cfr. factos G) [no Doc. 2 apenas constam as notícias publicadas no Diário de Notícias e no Jornal da Madeira, mas das mesmas resultam vários elementos de identificação do recorrido, pois é feita referência maxime ao grau de parentesco dos ocupantes do veículo, às respectivas idades, à gravidade dos ferimentos que o mais velho apresenta e aí constam fotografias do veículo acidentado, onde é visível designadamente parte da matrícula] e S) -, os quais não foram obtidos através da informação divulgada pela PSP. Na sentença recorrida considerou-se que a PSP praticou um facto ilícito porque “(…) divulgou aos media, com erro de seu equipamento, que encontrara no carro do A. heroína, quando afinal se apurou que o pó não era droga” (sombreado e sublinhado nossos), mas sem razão, pois da factualidade dada como assente resulta apenas que a PSP divulgou ter encontrou num veículo produto que, após realização do teste rápido, revelou ser heroína, sem identificar os ocupantes, ou seja, encontra-se provado que a PSP não divulgou que tal veículo era do autor, ora recorrido. Assim, não sendo feita qualquer referência individualizada ao recorrido na informação divulgada pela PSP, isto é, aí não sendo imputado ao recorrido qualquer facto, não se pode considerar que foi violado o seu bom nome, ou seja, a conduta da PSP – traduzida na divulgação da informação descrita em S), dos factos provados - não pode ser considerada ilícita. A existir conduta ilícita a mesma apenas poderia ser imputada aos órgãos de comunicação social, os quais divulgaram a notícia em causa com inclusão de vários elementos de identificação do recorrido, os quais não foram fornecidos pela PSP, ou seja, só em tais notícias existe a imputação de um facto ao recorrido (capaz de abalar o prestígio e a consideração social de que o mesmo goza). Ora, recaindo sobre o recorrido o ónus de provar os pressupostos da responsabilidade civil, concretamente o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo causal, os quais são de verificação cumulativa, a falta de prova de qualquer deles – in casu do requisito relativo à ilicitude - resolve-se contra o mesmo, nos termos do art. 342º n.º 1, do Código Civil. Assim, deveria ser revogada a decisão recorrida, por a mesma enfermar de erro de julgamento, e, em consequência, julgada totalmente improcedente a presente acção, absolvendo-se o réu, ora recorrente, do pedido. |