Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:171/19.2BELSB
Secção:JUÍZA PRESIDENTE
Data do Acordão:07/17/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:INCOMPETÊNCIA MATERIAL
JUÍZO ADMINISTRATIVO SOCIAL VS JUÍZO ADMINISTRATIVO COMUM
DIREITO DE REGRESSO
DECRETO-LEI Nº 74-B/2023, DE 28/08
Sumário:
Votação:DECISÃO SINGULAR
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
DECISÃO

I- RELATÓRIO

O Senhor Juiz do Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (doravante, TAC de Lisboa ou TACL) veio requerer oficiosamente, junto deste Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, ao abrigo do disposto na alínea t) do nº1 do artigo 36º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), conjugado com os artigos 135º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 109º e ss. do Código de Processo Civil (CPC), a resolução do conflito negativo de competência, em razão da matéria, suscitado entre si e o Senhor Juiz do Juízo Administrativo Social do mesmo Tribunal, uma vez que ambos se atribuem mutuamente competência, negando a própria, para conhecer da ação administrativa que o Município ……………. intentou no TACL contra a L……….. – Companhia …………., S.A..


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Chegados os autos a este TCA Sul, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 112º, nº 1 do CPC; as partes nada disseram
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Foi dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, conforme dispõe o artigo 112.º, n.º 2, do CPC, que emitiu pronúncia no sentido de a competência dever ser atribuída ao Juízo Administrativo Comum do TAC de Lisboa.

Lê-se em tal parecer, além do mais, o seguinte:

“Nestes termos, é nosso parecer que deve ser atribuída ao Juízo administrativo comum do TAC de Lisboa a competência material para decidir o pedido formulado na presente ação, porquanto o pedido formulado nesta ação não diz respeito à apreciação de qualquer matéria do acidente em serviço, em que o sinistrado tão pouco é parte, mas do direito de regresso da importância que o autor pagou, e que contende com o tipo de contrato de seguro celebrado com a Ré”.


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- QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão colocada consiste em determinar se a competência para decidir a presente ação, que deu entrada em juízo em 28 de janeiro de 2019 e em que está em causa uma ação administrativa intentada pelo MUNICÍPIO ………. contra a L…………….. – COMPANHIA ………………, S.A., na qual pede a condenação desta a pagar-lhe uma importância pecuniária, a título de direito de regresso, na sequência de acidente em serviço de trabalhadora dos seus quadros de pessoal.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Para julgamento do presente conflito, são relevantes as seguintes ocorrências processuais:

1) Em 28/01/2018, o Município …………… intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa –Juízo Local Cível de Lisboa-Juiz 1, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a L……………. –Companhia …………, S.A. pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €43.049,73 - correspondente ao montante das despesas por si já suportadas na sequência de uma sua trabalhadora ter sofrido um acidente de viação provocado pela condutora de veiculo seguro na Ré- acrescida dos juros de mora vincendos, contados desde a data de citação até integral pagamento, bem como das quantias que vierem ser por si pagas “a titulo de renumeração desde a presente data e enquanto a funcionária sinistrada se mantiver de baixa médica, a liquidar em execução de sentença”, assim como das quantias que venha a suportar “a titulo de despesas médicas com consultas e /ou cirurgias, exames e tratamentos médicos e medicamentação, também a liquidar em sede de execução de sentença”.
[cfr. pi, 19 docs., procuração e comprovativo do pagamento da taxa de justiça fls. 1/137 e ss.- SITAF].

2) Por despacho de 04/12/2018, a Senhora Juíza Juízo Local Cível de Lisboa-Juiz 1 julgou o tribunal incompetente em razão da matéria, por concluir que a relação jurídica estabelecida entre as partes revestia as características de uma relação administrativa.
[cfr. fls. 141/144 e ss SITAF].

3) Os autos foram remetidos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e distribuídos no juízo social.

[cfr. fls. 144, 146 e consulta no SITAF].

4) Por despacho de 21/09/2020, a Senhora Juíza do juízo administrativo social excecionou a incompetência em razão da matéria daquele juízo e determinou a remessa dos autos ao juízo administrativo comum do mesmo Tribunal, por entender ser esse o juízo competente, aduzindo, para tanto, a seguinte fundamentação:

«(…) Considerando que o objeto dos presentes autos não se enquadra no juízo administrativo social mas antes no juízo administrativo comum, uma vez que se reconduz à questão do direito de regresso do A. sobre a R., deverão os presentes autos serem redistribuídos neste último, dando-se a competente baixa (…)»

[cfr. fl. 265 SITAF].

4º) Já no Juízo administrativo comum do TAC de Lisboa, o Senhor Juiz a quem os autos foram atribuídos [Despacho de 17.01.2024, do Senhor Juiz Desembargador Presidente] proferiu sentença com data de 05/03/2024, a declarar-se igualmente incompetente em razão da matéria para dirimir o litígio que lhe foi submetido, devolvendo a competência ao juízo remetente. Dessa decisão, extrai-se o seguinte trecho:

«(…) Assim, a alteração na redação da alínea b), do n.º 1, do artigo 44.º-A, do ETAF, não visou proceder a uma alteração substantiva do seu âmbito de aplicação, mas tão só clarificar o que dela já constava desde a sua redação inicial.

Entendimento diverso conduziria à inconstitucionalidade orgânica da norma em apreço, por não ter sido dimanada ao abrigo da competente autorização da Assembleia da República.

O legislador – como expressamente assume na Lei de autorização legislativa e no preâmbulo do Decreto-Lei autorizado – visou facilitar a interpretação do âmbito dos litígios a julgar pelo juízo social, com vista a uma mais harmoniosa aplicação do preceito e para um melhor funcionamento da especialização da jurisdição administrativa.

A competência material do juízo administrativo comum é residual, no sentido de nele se incluir toda a matéria que não esteja atribuída a outros juízos de competência especializada (artigo 44.º-A, n.º 1, alínea a), do ETAF).

No caso dos autos, a causa de pedir, enunciada pelo Autor, assenta no facto de uma trabalhadora ao seu serviço ter sofrido um acidente em serviço, ao qual é aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, tendo suportado um conjunto de despesas por esse facto, de que pretende ser ressarcido.

Como decidiu, noutro processo, o Juiz Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul, vale aqui paralelamente o sentido de que “o facto de que deriva o invocado direito indemnizatório impõe uma interpretação e aplicação das normas respeitantes à relação jurídica de trabalho em funções públicas.” (cf. decisão, de 6 de maio de 2021, processo n.º 2047/13.8BELSB), no caso, reportado às regras aplicáveis em matéria de acidentes em serviço.

Assim, está em causa a efetivação de responsabilidade decorrente de acidente em serviço, o que se insere no âmbito de competência do juízo administrativo social.

Conclui-se, pois, que o juízo administrativo social deste Tribunal é o competente, em razão da matéria, para conhecer do presente processo.

Nos termos e com os fundamentos expostos, declaro o juízo administrativo comum deste Tribunal incompetente em razão da matéria, sendo competente o juízo administrativo social do mesmo Tribunal.

(…)».

[cfr. fls. 286/289, SITAF]

5º) Em 03/06/2024, o Senhor Juiz do Juízo Administrativo Comum deixou consignado nos autos o seguinte:

«(…)Em 21 de setembro de 2020, o Juízo Administrativo Social, deste Tribunal, considerou-se incompetente em razão da matéria e ordenou a remessa dos autos a este Juízo Administrativo Comum.

Os autos foram remetidos a este Juízo Administrativo Comum, que, em 05 de março de 2024, se declarou incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido do Autor.

Ambas as decisões transitarem em julgado, pelo que se verifica um conflito negativo de competência entre juízos de competência especializada do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (artigo 109.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 135.º do CPTA).

Assim, nos termos do artigo 36.º, n.º 1, alínea t), do ETAF, e do artigo 110.º, n.º 2, do CPC, aplicável por remissão do artigo 135.º, n.º 1, do CPTA, venho suscitar perante V. Exa. e solicitar a resolução do conflito de competência entre o Juízo Administrativo Comum e o Juízo Administrativo Social do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. (…)»

[cfr. fls. 300/301, SITAF]

6º) Quando os presentes autos chegaram a este Tribunal ambas as decisões judiciais tinham transitado em julgado.

[cfr. consulta ao SITAF].

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- De direito

Sendo esta a factualidade relevante, importa agora apreciar e decidir qual o Juízo competente para tramitar e, a final, proferir decisão nos presentes autos: se o Juízo Administrativo Comum do TAC de Lisboa, como sustenta o Senhor Juiz do Juízo Administrativo Social do mesmo Tribunal, ou se este último Juízo, como defende o Senhor Magistrado que requereu a resolução deste conflito negativo de competência.

Nos termos do artigo 36º, nº1, alínea t) do ETAF, compete ao Presidente de cada Tribunal Central Administrativo “conhecer dos conflitos de competência entre tribunais administrativos de círculo, tribunais tributários ou juízos de competência especializada, da área de jurisdição do respectivo tribunal central administrativo”, sendo que no âmbito do contencioso administrativo os conflitos de competência jurisdicional encontram-se regulados nos artigos 135º a 139º do CPTA.

Estabelece-se no nº 1 do artigo 135º do CPTA que a resolução dos conflitos “entre tribunais da jurisdição administrativa e fiscal ou entre órgãos administrativos” segue o regime da ação administrativa, com as especialidades resultantes das diversas alíneas deste preceito, aplicando-se subsidiariamente, com as necessárias adaptações, o disposto na lei processual civil (cfr. artigos 109º e segs. do CPC).

Por sua vez, o artigo 136º do mesmo diploma estatui que “a resolução dos conflitos pode ser requerida por qualquer interessado e pelo Ministério Público no prazo de um ano contado da data em que se torne inimpugnável a última das decisões”.

Este preceito corresponde ao artigo 111º do CPC, que dispõe o seguinte: “1 – Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir. 2 – A resolução do conflito pode igualmente ser suscitada por qualquer das partes ou pelo Ministério Público, mediante requerimento dirigido ao presidente do tribunal competente para decidir”.

E, apesar do citado artigo 136º do CPTA manter a redação originária, acima transcrita, afigura-se-nos que a mesma não afasta a aplicação da norma do nº 1 do artigo 111º do CPC, a qual deve ser também aplicada no contencioso administrativo, com as devidas adaptações, por força do citado artigo 135º do CPTA.

Tenha-se presente que o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria – artigo 13º do CPTA.

Continuando, sob a epígrafe “Conflito de jurisdição e conflito de competência”, estatui o artigo 109º do CPC, aqui aplicável “ex vi” artigo 135º do CPTA, que:

1 – Há conflito de jurisdição quando duas ou mais autoridades, pertencentes a diversas actividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de conhecer da mesma questão: o conflito diz-se positivo no primeiro caso e negativo no segundo.

2 – Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.

3 – Não há conflito enquanto forem susceptíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência”.

A questão que nos é trazida a juízo coloca-se numa ação que entrou em juízo em 28 de Janeiro de 2019, ou seja, em momento em que vigorava a redação inicial do artigo 44.º-A, do ETAF, decorrente da Lei nº114/2019, de 12/9, sendo, pois, à luz deste diploma que se apreciará e decidirá o presente conflito de negativo de competência em razão da matéria.

E isto porque, contrariamente ao que parece defender o Senhor Juiz do Juízo Comum, não se vê qualquer razão – e o Senhor Magistrado não aponta nenhum argumento - que justifique que nos afastemos da posição que, em diversas decisões, este Tribunal tem repetidamente afirmado no sentido de reconhecer natureza inovatória à redação dada ao artigo 44º-A, nº1, alínea b), pelo Decreto-Lei nº 74-B/2023, de 28/8 - vide, por todas, a decisão proferida em 19 de Abril de 2024, no âmbito do processo nº1640/22.2BELRS(disponível in http://www.dgsi.pt/jtcae.).

Dito isto, vejamos o diploma legal.

Dispõe o artigo 44º-A do ETAF, aditado pela Lei nº114/2019, de 12/09, sob a epígrafe “Competência dos juízos administrativos especializados”, que:

“1- Quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º, compete:

a) Ao juízo administrativo comum conhecer de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência não esteja atribuída a outros juízos de competência especializada, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais administrativos de círculo;

b) Ao juízo administrativo social, conhecer de todos os processos relativos a litígios emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação, ou relacionados com formas públicas ou privadas de proteção social, incluindo os relativos ao pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei;(….)»

Daqui resulta que o Juízo administrativo comum funciona como juízo de competência material residual, ou seja, abarcando as matérias que não estejam incluídas no âmbito dos juízos especializados. A competência material especializada prevalece sob a competência material comum precisamente porque esta é residual.

Na delimitação de competências entre o juízo comum e os diferentes juízos especializados dos tribunais administrativos (e estes entre si), afigura-se-nos evidente que o legislador de 2019 atendeu ao objeto material das causas, relevando as especificidades que decorrem do direito substantivo que regula as correspondentes relações jurídicas, associando, no que aqui importa, as áreas de competência do juízo administrativo social ao direito especial da função pública e ao denominado direito da segurança social.

Feito este enquadramento é chegado o momento de apreciar, à luz do artigo supra transcrito, qual a natureza do litígio que subjaz à presente ação administrativa para se aferir se a competência cabe ao juízo administrativo social do TAC de Lisboa ou se, diferentemente, é competente o juízo administrativo comum.

A competência, como medida de jurisdição atribuída a cada tribunal para conhecer de determinada questão a ele submetida, e enquanto pressuposto processual, determina-se pelos termos em que a ação é proposta, isto é, pelos pedidos e causas de pedir.

Como é entendimento generalizado da Jurisprudência dos Tribunais Superiores e da Doutrina, a competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)” (…) A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão” - MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pág. 91 e, por todos o acórdão do Tribunal de Conflitos de 4-7-2006, proc.11/2006, e ainda o Ac. do STJ de 14-5-2009, proc. 09S0232, sublinhando todavia que o tribunal, apesar de atender apenas “aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada (causa de pedir e pedidos) não está vinculado às qualificações jurídicas do autor”.

Em suma, a competência afere-se pela substância do pedido formulado e pela relação jurídica subjacente ou factos concretizadores da causa de pedir e em conformidade com o disposto no artigo 13º do CPTA, o seu conhecimento é oficioso e precede o conhecimento das demais questões.

Recorde-se que na presente ação administrativa o autor, Município ………………, visa exercer o direito de regresso contra a L……………….- Companhia ……………., S.A, relativamente às quantias que já despendeu com uma sua trabalhadora que sofreu um acidente de trânsito, qualificado como acidente em serviço, com um veículo que, à data do sinistro, tinha a responsabilidade pelos riscos decorrentes da circulação rodoviária transferida para a seguradora, Ré, bem como das quantias que vierem a ser por si pagas “a titulo de renumeração desde a presente data e enquanto a funcionária sinistrada se mantiver de baixa médica.“ e, bem assim, todas as despesas médicas e medicamentosas que, entretanto, ocorram e que tenham causa direta no aludido acidente rodoviário.

A causa de pedir prende-se com o direito que é conferido ao autor, pelo nº1, do artigo 46º do Decreto-Lei nº503/99, de ser reembolsado, por via de sub-rogação legal, do total despendido durante o tempo de inactividade do seu funcionário, por doença resultante de acidente rodoviário (e simultaneamente de serviço) causado por terceiro, que, à data do sinistro, tinha a sua responsabilidade civil decorrente da circulação rodoviária transferida para a ré, seguradora.

O Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, atribui ao Estado o direito a ser reembolsado dessas despesas pelo responsável pelo acidente, estatuindo nos seus nº1 e 2, o seguinte:

”1 - Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas.

2 - O direito de regresso abrange, nomeadamente, as quantias pagas a título de assistência médica, remuneração, pensão e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho.”

Ora, como bem se alcança do invocado para sustentar o alegado direito de regresso, não se impõe uma interpretação e aplicação das normas respeitantes à relação do trabalho em funções públicas e do estatuto de aposentação.

Na verdade, e tal como sustenta o DMMP, no seu parecer “o pedido formulado, nesta ação não diz respeito à apreciação de qualquer matéria do acidente em serviço, em que o sinistrado tão pouco é parte, mas do direito de regresso da importância que o autor pagou, e que contende o tipo de contrato de seguro celebrado.”

Este Tribunal tem repetidamente afirmado, em várias decisões singulares, proferidas à luz da redação originária do artigo 44.º-A do ETAF, dada pela Lei 114/19 de 13.09, que “ A norma vertida na alínea b) do nº1 do artigo 44º-A, do ETAF, segundo a qual ao juízo administrativo social compete dirimir, para além das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei, os processos relativos a litígios (i) emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação ou (ii) relacionados com formas públicas ou privadas de protecção social, deve ser interpretada no sentido mais restrito de atribuir competência para dirimir apenas os litígios relacionados apenas com formas públicas ou privadas protecção social associada ao trabalho.(vide, por todas, a decisão do Senhor Presidente do TACS, de 12/12/2021. proferida no âmbito do processo nº 480/22.3BELRS, (disponível in http://www.dgsi.pt/jtcae.).

E é este também o entendimento que perfilhamos.

Em face do exposto, conclui-se, tendo presente o teor da norma da alínea b) do n.º1 do artigo 44.º- A do ETAF (na redação originária) e o objeto do litígio que a competência material para apreciar a natureza da relação em conflito não cabe ao juízo de administrativo social do TAC de Lisboa mas sim ao juízo administrativo comum do mesmo Tribunal - artigo 5º do ETAF, alínea b) do nº 1 do artigo 44º-A do ETAF, na redação dada pela Lei nº 114/2019, de 12/9 e artigo 2º, alínea a) do DL nº 174/2019, de 13/12 (criação de juízos de competência especializada/ ETAF), conjugado com a alínea a) do artigo 1º da Portaria nº 121/2020, de 22/5 (Entrada em Funcionamento dos Juízos Especializados dos Tribunais Administrativos e Fiscais).


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III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se o presente conflito pela atribuição de competência para a tramitação e decisão do processo ao Juízo administrativo comum do TAC de Lisboa.

Sem tributação.

Notifique.

Lisboa,17/07/24


A Juíza Presidente,

Catarina Almeida e Sousa