Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 334/20.8BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 06/18/2020 |
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Relator: | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
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Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS; DIREITO À HABITAÇÃO; FOGO MUNICIPAL; DESPEJO; PROVIDÊNCIA CAUTELAR; DECRETAMENTO PROVISÓRIO; MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA |
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Sumário: | i) O direito social à habitação, previsto no art. 65.º, n.º 1, da CRP, não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos mediante a disponibilização de uma habitação, antes rege na garantia de critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo sector público. ii) O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, destina-se a cobrir situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem. E só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental de natureza análoga) cuja protecção seja urgente; o que não é o caso dos autos. iii) No regime do CPTA (revisto pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro) a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma. iv) Não vindo minimamente demonstrada a ilegalidade do acto que determinou o despejo do fogo municipal que a ora Recorrente ocupa sem título, a pretensão de que se suspenda a eficácia desse acto soçobrará, por falta do indispensável fumus boni juris. v) A convolação justifica-se por razões de economia processual, pelo que só deve ser efectuada quando tiver alguma utilidade. Não deve operar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei, a convolação de um processo de intimação para protecção de direitos, liberdades em garantias noutro de providência cautelar, se a petição demonstrar de modo manifesto a impossibilidade de preenchimento de algum dos pressupostos exigidos no art. 120.º do CPTA para o seu deferimento. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório N... intentou contra a G... – GESTÃO DO ARRENDAMENTO DA HABITAÇÃO MUNICIPAL DE LISBOA, E.M., uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (com pedido subsidiário de tramitação da pretensão enquanto providência cautelar antecipatória com decretamento provisório da providência), pedindo, a final e em síntese, que a Requerida fosse intimada a abster-se de proceder à execução da desocupação da Requerente e dos seus filhos da habitação municipal que ocupa (e relativamente à qual foi proferida decisão de desocupação proferida por vogal do Conselho da Administração da G..., em 27.01.2020). Para tanto alegou, em síntese, o direito à habitação, nos termos do previsto no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa. O TAC de Lisboa, por decisão de 13.02.2020, rejeitou liminarmente a petição inicial apresentada nos presentes autos. Inconformada, a Requerente recorre para este TCAS, tendo as alegações de recurso que apresentou culminado com as seguintes conclusões: 1. A recorrente reside na Rua Q... em Lisboa desde inícios de Dezembro 2019. 2. A recorrente reside com os seus 3 filhos menores na referida habitação. 3. O aludido 1º C do Lote 7 da Rua Q..., em Lisboa estava abandonado. 4. Tinha a fechadura arrombada”. 5. Não tinha qualquer “porta blindada”. 6. O referido 1º C do Lote 7 da Rua Q..., em Lisboa carece de obras no seu interior. 7. A recorrente disponibiliza-se a efectuar as obras na aludida habitação, dentro das suas disponibilidades económicas. 8. Em Fevereiro de 2019, a requerente apresentou a sua candidatura a Habitação Municipal na Câmara Municipal de Lisboa, sendo certo que em 10/10/2019 juntou documentação para esse processo. 9. A recorrente recebe mensalmente o valor de 474.25 euros de rendimento social de inserção. 10. O filho da recorrente B... tem uma deficiência respiratória como resulta claramente dos docs.7 e 8. 11. No passado dia 10 de Fevereiro de 2020 foi fixado uma notificação na porta da referida habitação por representantes da G... notificando a recorrente para proceder à desocupação no prazo de 3 dias úteis a contar da recepção da presente notificação da referida habitação municipal. 12. A recorrente é gestora do arrendamento social no bairro municipal em Lisboa, onde se situa a habitação aqui em causa. 13. A recorrente disponibiliza-se a pagar a renda justa em função dos seus rendimentos e encargos familiares. 14. A recorrente pugna que o direito à habitação tem de ser entendido na sua caracterização de direito fundamental de natureza social, concretizável pelo legislador ordinário, em função do contexto económico, social e político. 15. O direito à habitação tem de ser entendido na sua caracterização de direito fundamental de natureza social, como um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efectividade está dependente da ‘reserva do possível’, em termos políticos, económicos e sociais. 16. Se a CML não se dignar fixar o valor da renda à recorrente, dentro dos parâmetros legais a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afectada. 17. Nos termos do disposto no artº 65ºnº 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. 18. Tal disposição tem como sujeito passivo o Estado e naturalmente que incumbindo-lhe competências quer para gerir um parque habitacional perfeitamente delimitado. Logo, a notificação do Presidente da CML no que respeita à omissão culposa da regularização da situação não só era oportuna como perfeitamente legal ao abrigo da CRP. 19. Efectivamente, ao abrigo da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2016 resulta do artº 28º nº 6 que os agregados alvos de despejo com efectiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais. Trata-se uma disposição naturalmente imperativa. 20. Aliás, nos termos do nº 1 do mesmo artigo cabe à CML levar a cabo os procedimentos subsequentes caso não haja uma entrega voluntária e nunca a Recorrente manifestou qualquer vontade de entregar as chaves antes solicitou que lhe fosse fixada uma renda dentro dos parâmetros legalmente previstos”. 21. A informação contida na notificação afixada no fogo ocupado é manifestamente insuficiente para cumprir citado o artigo 28º nº 6 da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, na redacção da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto. 22. A mera informação tabelar dos procedimentos que os ocupantes podem adoptar e o seu acompanhamento não significa a atribuição automática de uma habitação, sendo certo que a recorrente já fez esse pedido à Câmara Municipal de Lisboa, sem sucesso. 23. A recorrente requereu intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, com pedido subsidiário de tramitação da pretensão enquanto providência cautelar antecipatória com decretamento provisório da providência, nos termos 109º e sgs e 131º , todos do CPTA, que deve ser decretada. 24. Caso assim não se entenda, a recorrente deverá ser convidada a substituir a petição inicial, de modo a adaptá-la convenientemente aos requisitos previstas artigo 114º do CPTA, acompanhada do decretamento provisório. ( art. 131º CPTA) 25. Os requisitos da providência cautelar estão preenchidos in casu. 26. A decisão recorrida violou o artigo 28º nº 6 da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, na redacção da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto e é contrária, entre outros, ao douto acórdão do TCAS de 06/06/2019 no âmbito do processo 383/19.9BELSB ( disponível em www.gde.mj.pt) Nestes termos e nos de direito, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e revogar a decisão recorrida que rejeitou liminarmente o requerimento inicial, mais se determinando a baixa dos autos para que o processo prossiga os seus termos. A Recorrida, notificada para os termos do recurso e da causa (art. 641.º, nº 7, do CPC), não apresentou contra-alegações • Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do artigo 146.º, n.º 1, e 147.º do CPTA, defendeu a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida. • Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão. • I. 2. Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter indeferido liminarmente o requerimento inicial, desconsiderando a possibilidade da convolação da intimação para uma providência cautelar (pois que nesta sempre faleceria o pressuposto do fumus boni juris). • II. Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto pertinente, ainda que não autonomizada, é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC ex vi dos art.s 1.º e 140.º do CPTA. • II.2. De direito A questão trazida a juízo consiste em apurar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter indeferido liminarmente a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não promovendo, por ser evidente a ausência de fumus boni juris, a intimação em providência cautelar. Para assim decidir, afirmou o Mma. Juiz a quo o seguinte: “A rejeição liminar tem, in casu, múltiplos fundamentos. Vejamos. Dispõe o n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, sob a epígrafe “Pressupostos”: 1 - A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º Desde logo, e de forma manifesta, não está aqui em causa qualquer direito, liberdade ou garantia que permita o recurso à presente intimação. De facto, e como é consabido, o invocado direito à habitação, previsto no artigo 65.º da CRP, não goza daquela específica natureza. Isto seria o bastante para rejeitar a presente intimação. Por outro lado, também é perfeitamente possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar. E, aliás, de resto, é o processo cautelar precisamente o adequado, face à regulação provisória que lhe está inerente, enquanto se discutiria a bondade da posição da Requerente, e não uma intimação com carácter de resolução definitiva do litígio. Também por aqui seria de rejeitar o recurso à presente intimação, conforme resulta da parte final da norma citada. Porém, resulta do disposto no artigo 110.º-A do CPTA que, verificando-se que as circunstâncias do caso não justificam o recurso à intimação, por ser suficiente (e, in casu, o meio mais adequado) o processo cautelar, o Requerente deve ser convidado a substituir a petição inicial, de modo a adaptá-la convenientemente aos requisitos previstos para o requerimento inicial de um processo cautelar (cf. artigo 114.º do CPTA) e, uma vez substituída em conformidade, devem os autos seguir os termos do processo cautelar. Seria, assim, de convidar a Requerente a substituir a sua petição inicial nos termos assinalados (não bastando o facto de dizer naquela petição que subsidiariamente pedia a tramitação enquanto providência cautelar, porquanto a petição não respeita todos os requisitos previstos no artigo 114.º do CPTA), acompanhada ou não do decretamento provisório, nos termos do artigo 131.º do CPTA. No fundo, a lei prevê uma forma específica ou especial de convolação processual, para além do que resultaria genericamente do previsto no artigo 193.º do CPC. Contudo, essa convolação (ou convite a substituição da petição inicial com vista à convolação) não pode operar se for manifestamente improcedente ou inviável o processo para o qual se convolaria. E isto, seja por falta de pressupostos processuais (por exemplo, intempestividade ou ilegitimidade), seja porque a pretensão é manifestamente improcedente; ou, em suma, se uma vez convolado o processo ele fosse susceptível de rejeição liminar. Ora, é o que ocorre no presente caso. Isto é, ainda que o processo fosse convolado em processo cautelar (ou, visto de outro prisma, ainda que ele tivesse desde logo sido intentado como processo cautelar), seria sempre alvo de uma decisão de rejeição ou indeferimento liminar, como de resto, e naturalmente, tem sido o caso em situações de facto e de direito idênticas. É que, e agora apreciando na perspectiva do processo cautelar para o qual se convolaria, a Requerente, desde logo, confessa que ocupa, juntamente com os filhos, sem título legítimo para tal, a habitação municipal em causa (cf. artigos 1.º a 8.º, e 13.º da petição inicial), pelo que, no respeito pelas normas legais que resultam dos diplomas normativos citados, não tem o direito de nele permanecer, podendo – e devendo – a Entidade requerida proceder à sua desocupação (sendo esse – a ocupação abusiva, sem autorização e à revelia da Câmara Municipal de Lisboa – o preciso fundamento da decisão de ocupação que se pretende impugnar ou suster – cf. documento 9, junto com a petição inicial, e que aqui se dá por integralmente reproduzido). É que dos normativos citados, resulta o dever, vinculado, de as Entidades competentes actuarem como actuam com o presente acto que se visa suspender a eficácia. Este mesmo carácter vinculado, não podendo a decisão ser outra, afasta também, desde logo, o eventual efeito anulatório que a alegada ilegalidade pudesse ter [cf. artigo 163.º, n.º 5, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo]. Por outro lado, a Requerente invoca de forma meramente abstracta e genérica o direito à habitação, sem a mínima concretização da violação daquele direito fundamental pela decisão em causa nos autos, sendo certo que deste direito não decorre uma norma imediatamente exequível que impeça a desocupação de habitações ilicitamente – e, porventura, criminosamente – ocupadas. A este respeito, já existe diversa jurisprudência. Assim, a título de exemplo, e em situações em tudo semelhantes à dos presentes autos, já se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), em acórdão de 15.03.2018 (no proc. n.º 1070/17.8BELSB), reiterado pelo acórdão de 10.05.2018 (no proc. 18/18.7BELSB), onde se conclui que o direito à habitação, constitucionalmente previsto, depende de concretização legislativa e a sua efectividade está dependente da reserva do possível. Não é, assim, o cidadão titular de um direito imediato a uma determinada prestação efectiva, ou de uma situação jurídica judicialmente exercitável por si só. Por outro lado, mesmo esse direito nunca seria absoluto e não poderia contender, desde logo, com a posição jurídica subjectiva dos restantes cidadãos necessitados de habitação e que respeitam os procedimentos e regras reguladoras da atribuição das habitações municipais disponíveis. Não existe, pois, uma situação jurídica subjectiva do Requerente judicialmente tutelável, pelo que é manifesta a falta de fundamento da sua pretensão, o que sempre implicaria a improcedência da providência cautelar requerida, por falta do requisito do fumus bonus iuris, tal como resulta do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, pois, mais que improvável, é, in casu, quase certa a improcedência da pretensão no processo principal, mesmo num juízo de prognose ou de verosimilhança, próprio da apreciação cautelar. De resto, as alegações em torno do invocado direito à habitação são genéricos e conclusivos e, sobre isso, remete-se, por se concordar integralmente, com o decidido no acórdão do TCA Sul de 10.05.2018, no proc. n.º 597/17.0BELSB (de que não se junta cópia, por se encontrar integralmente disponível em www.gde.mj.pt), mas onde, sinteticamente, se conclui ser este caso fundamento bastante para rejeição liminar do requerimento inicial de providência cautelar. No mesmo sentido, veja-se o que se diz no acórdão do TCA Sul de 10.12.209, no processo n.º 91/19.8BELSB (disponível em www.gde.mj.pt), que se transcreve na parte mais relevante e que expressamente se acolhe e se subscreve: (…) Por último, não se desconhece que, quanto a este aspecto, surgiu recentemente alguma jurisprudência entendendo que a previsão legal do “prévio encaminhamento para soluções legais de acesso à habitação” significará mais que informar das soluções e dos apoios existentes e dos locais em que podem ser requeridos ou obtidos (e a que a Requerida faz expressa referência na decisão de desocupação – cf. documento 9, junto com a petição inicial). (…) Na verdade, entender que aqueles que ocupem ilicitamente casas da habitação social só possam delas ser despejados se lhes for, efectivamente, atribuída uma solução legal de habitação ou a prestação de apoios habitacionais, é estar a dizer que ou permanece na casa ocupada (retirando-a a sua disponibilidade para ser atribuída aos demais cidadãos legitimidade inscritos e que reúnam as condições para o efeito) ou, sendo daí retirados, só dando-lhe outra alternativa habitacional (com o mesmo efeito já descrito quanto aos demais cidadãos). Tal é profundamente injusto, iníquo e sem qualquer base legal admissível que justifique a preferência de tratamento oferecida a quem decida ocupar ilicitamente casas de cariz social, face aos cidadãos que, com respeito pelas regras dos concursos e procedimento de atribuição, se encontram a aguardar por uma solução habitacional. Conclui-se, pois, que sempre seria imediatamente rejeitado o requerimento de providência cautelar, caso se procedesse ao convite à substituição da petição inicial da presente intimação, nos termos e para os efeitos previsto no artigo 110.º-A do CPTA, pelo que, e atendendo à proibição de actos inúteis (cf. artigo 130.º do CPC), não se deve proceder àquele convite e rejeitar, desde logo, a petição inicial desta intimação”. O assim decidido é de manter. Fazendo o enquadramento factual relevante, temos que: i) A ora Recorrente, juntamente com os seus 3 filhos menores, reside na Rua Q..., em Lisboa desde inícios de Dezembro de 2019; ii) Este fogo municipal estava desocupado e com a fechadura “arrombada”; iii) Em Fevereiro desse ano a ora Recorrente havia apresentado a sua candidatura a Habitação Municipal na Câmara Municipal de Lisboa; iv) No passado dia 10 de fevereiro de 2020 foi afixada uma notificação na porta da referida habitação por representantes da G..., notificando a requerente para proceder à desocupação da referida habitação municipal no prazo de 3 dias úteis a contar da notificação. Relativamente ao meio processual usado, importa referir que o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, destina-se a cobrir situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem. E só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental de natureza análoga) cuja protecção seja urgente. O meio processual em uso consubstancia um processo principal, em que o tribunal é chamado a apreciar e decidir um litígio em definitivo. É este o sentido do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA: “1 - A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”. A lei estabelece dois pressupostos para utilização deste meio processual; a saber: i) que a emissão urgente de uma decisão de fundo seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia; ii) que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, comum ou especial. Ora, tratando-se de um meio processual urgente e principal, o legislador delimitou-o para um elenco de situações mais ou menos restrito. Ou seja, estão em causa situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem. Como refere Mário Aroso de Almeida, com este meio pretende-se obter, em tempo útil, uma decisão definitiva sobre a questão de fundo, sob pena de haver denegação de justiça (cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2003, p. 238). Como refere o Autor citado: “o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a protecção efectiva de direitos, liberdades e garantias” (cfr. ob. cit, p. 538). Também como referido na anotação ao art. 109.º do CPTA, pelo mesmo Autor e Carlos Alberto Cadilha (cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., 2017, pp. 882-883): “Trata-se, por outro lado, de um processo dirigido a proteger direitos, liberdades e garantias. O n.º 1 faz depender a concessão da intimação do preenchimento de requisitos formulados em termos intencionalmente restritivos e o primeiro deles diz respeito à qualificação das situações jurídicas que são passíveis de ser tuteladas através da intimação: de acordo com o sentido literal do preceito, para que a intimação possa ser utilizada, é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício. À partida, o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspetos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito”. Nessa medida, esta intimação veio concretizar o comando normativo contido no n.º 5 do artigo 20.º da CRP, destinando-se, em primeira linha, a assegurar a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais. Mas ainda que se entenda que o artigo 109.º do CPTA ampliou o seu alcance para além da protecção dos direitos pessoais, não deixa de reconduzir-se sempre ao conjunto dos direitos, liberdades e garantias tipificados no Título II da Constituição e, no limite, aos direitos fundamentais de natureza análoga àqueles. Como salienta Vieira de Andrade, “esta protecção acrescida justifica-se, na sua substância, pela especial ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana e, na sua oportunidade, pela consciência do risco acrescido da respectiva lesão” (cfr. A Justiça Administrativa (Lições), 7.ª ed., Coimbra, 2005, p. 261; na jurisprudência, o acórdão do STA 6.12.2006, proc. n.º 885/06). Como assinalado no tribunal a quo, o que a ora Recorrente pretende é que a ora Recorrida se abstenha de proceder à execução da desocupação da requerente e dos seus filhos menores da habitação Municipal sita na Rua Q..., em Lisboa. Desde já se diga que não está aqui em causa qualquer direito, liberdade ou garantia que permita o recurso à presente intimação, pois que o invocado direito à habitação, previsto no art. 65.º da CRP, não goza daquela específica natureza. Como tivemos já oportunidade de referir o direito social à habitação, não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos mediante a disponibilização de uma habitação, antes rege na garantia de critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo sector público (cfr. o ac. deste TCAS de 24.05.2018, proc. n.º 998/17.0BELSB, por nós relatado; sobre esta questão, também em caso similar ao presente, o ac. deste TCAS de 2.04.2014, proc. n.º 1133/14; idem o ac. deste TCAS de 21.03.2013, proc. n.º 9712/13). Com efeito, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar seria o adequado, regulando de modo eficiente e bastante a situação em presença e para a qual vem reivindicada tutela jurídica. Isto mesmo não deixa de ser implicitamente reconhecido pela própria Recorrente, quando na p.i. formulou pedido subsidiário de tramitação da pretensão enquanto providência cautelar antecipatória com decretamento provisório da providência. Decidiu, portanto, bem o tribunal a quo ao considerar no caso inadmissível a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Cumpre assim, como igualmente foi feito pelo tribunal a quo, avaliar da possibilidade de convolação processual, aliás imposta pelo art. 110.º-A, nº 1, do CPTA. Nos termos deste preceito legal, “[q]uando verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, por se bastarem com a adoção de uma providência cautelar, o juiz, no despacho liminar, fixa prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar”. E quanto à eventual convolação processual, verificamos que esta não se mostra possível, por inútil, tendo ajuizado com acerto, também aqui, a decisão recorrida. Sobre o tema em debate já existe jurisprudência firmada, podendo indicar-se, entre outros, os acórdãos deste TCAS de 1.10.2015, proc. n.º 12441/15, e de 24.02.2016, proc. n.º 12937/16 (este por nós relatado), cujos contornos factuais são em tudo idênticos aos presentes e de que se extrai a conclusão da manifesta falta de fundamento da pretensão principal. De modo que, atenta a natureza instrumental das providências cautelares, que a exigência daquele requisito visa salvaguardar, não deve ser decretada a providência de suspensão de eficácia do acto que ordenou a desocupação do identificado fogo habitacional se é de concluir que a pretensão anulatória, necessariamente objecto da acção principal, está de modo manifesto votada ao fracasso – como se demonstrou na fundamentação da sentença recorrida. A não ser assim, a providência cautelar destinar-se-ia apenas a retardar a execução do acto ora suspendendo e não, como seria sua função e vocação, acautelar o efeito útil da acção principal destinada à anulação daquele mesmo acto. Aliás, em bom rigor, a requerente e ora Recorrente não identifica uma causa de invalidade minimamente suficiente para afectar o acto impugnado, assentando toda a construção da causa de pedir na existência do direito à habitação constitucionalmente consagrado. Em abono da demonstração da correcção da decisão alcançada pelo tribunal a quo, importa ainda deixar os necessários considerandos. Estatui o art. 120.º do CPTA revisto, sob a epígrafe “Critérios de decisão”, que: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências. (…)”. Do disposto neste art. 120º n.ºs 1 e 2 infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares: 1) “Periculum in mora”- receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120º n.º 1, 1ª parte, do CPTA revisto); 2) “Fumus boni iuris” (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120º n.º 1, 2ª parte, do CPTA revisto), e 3) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120º n.º 2, do CPTA revisto). Como ensina Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., 2016, pp. 449 e 450: “Se não falharem os demais critérios de que depende a concessão da providência, ela deve ser, pois, concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão “facto consumado”. Nestas situações, em que a providência é necessária para evitar o risco da infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal, o critério não pode ser, portanto, o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas tem ser o da viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar: pense-se no risco da demolição de um edifício ou da liquidação de uma empresa. Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Ainda neste último caso, justifica-se a adopção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal: pense-se no risco da interrupção do pagamento de vencimentos ou pensões, que podem ser a principal ou mesmo a única fonte de rendimento do interessado.” Do exposto resulta que as providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela (cfr., i.a., o ac. de 22.09.2016 deste TCAS, proc. n.º 13468/16). Quanto ao requisito do fumus boni juris, cumpre destacar que a revisão do CPTA de 2015, operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro modificou a sua relevância, quer no que se refere à sua suficiência para o decretamento da providência (situação que o anterior art. 120.º, n.º 1, al. a), previa), quer por via da uniformização do regime no que se refere à comprovação da probabilidade de procedência da acção principal (existente no regime anterior, em que se distinguia, com exigência variável, conforme estivesse em causa uma providência conservatória ou uma providência antecipatória). Neste particular, refere Vieira de Almeida, in A Justiça Administrativa (Lições), 15.ª ed., 2016, pp. 320 e s.: “(…) Antes de 2015, nas situações intermédias, que correspondem à grande maioria dos casos, em que há uma incerteza prima facie relativamente à existência da ilegalidade ou do direito do particular, a lei optava por uma graduação, em função do tipo de providência requerida: a) se a probabilidade fosse maior, isto é, “se fosse provável que a pretensão principal viesse a ser julgada procedente nos termos da lei", podia ser decretada a providência, mesmo que fosse antecipatória; b) se a providência pedida fosse apenas uma providência conservatória, já não era preciso que se provasse ou que o juiz ficasse com a convicção da probabilidade de que a pretensão fosse procedente, bastando que não fosse manifesta a falta de fundamento da pretensão principal ou a existência de circunstâncias que obstassem ao seu conhecimento do mérito. Por outras palavras, a lei bastava-se com um juízo negativo de não-improbabilidade (non fumus malus) da procedência da acção principal para fundar a concessão de uma providência conservatória, mas obrigava a que se pudesse formular um juízo positivo de probabilidade para justificar a concessão de uma providência antecipatória. A eliminação desta diferenciação, em 2015, pode justificar-se pela dificuldade e eventual inadequação, em alguns casos, da distinção conceitual entre as providências, mas significa objectivamente uma maior exigência de prova feita ao requerente para a obtenção de medidas cautelares conservatórias - e, portanto, um maior relevo negativo da juridicidade material. [sublinhado nosso] Seja como for, o fumus boni iuris não é decisivo, tendo de verificar-se os outros requisitos necessários para a concessão, designadamente, o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente, bem como, conforme veremos a seguir, a proporcionalidade dos efeitos. Há, portanto, aqui, um tributo à justiça material (à legalidade e aos direitos dos particulares), que deixa de ser, como era antes de 2002, a pretexto da sumaridade do conhecimento do juiz, sacrificada ou menosprezada por respeito, por vezes absolutamente indevido, ao poder administrativo e à pretensão de validade dos seus actos - embora o Código, com alguma prudência, não confira à "aparência do direito” uma prevalência absoluta, precisamente por estarem em jogo interesses contrapostos e conflituantes, que necessitam, como veremos melhor, de uma ponderação. Na realidade, a relevância da juridicidade material, sobretudo nos casos de incerteza à primeira vista, não pode ser pretexto para alongar e desvirtuar o processo cautelar - que, visando uma decisão provisória ou interina, se caracteriza justamente por uma cognição sumária sobrecarregando-o com uma argumentação e uma instrução aprofundadas sobre o mérito da causa, como se fosse um processo principal. A referência ao “fumus”, ou seja, à "aparência” do direito visa justamente exprimir que a convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é bastante e é adequada à decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais.” Também explica Mário Aroso de Almeida, a este propósito, in Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., 2016, p. 451, o seguinte: “A atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal.”. Significa isto que no actual regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma. E a simplicidade, provisoriedade e sumariedade, face à urgência que caracteriza este meio cautelar, não se coadunem com a ideia de que os vícios devam ser apreciados exaustivamente. Do exposto resulta que, caracterizando-se o processo cautelar pela provisoriedade e urgência, o requisito relativo à aparência do bom direito implica um juízo sumário e perfunctório de probabilidade de procedência da acção principal. Dito de modo inverso, embora a apreciação de procedência dos vícios imputados ao acto suspendendo não seja compatível com uma exaustiva análise da situação, sob pena de se esgotar nesta apreciação o mérito da acção principal, dessa análise terá que resultar já um juízo afirmativo de probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma. Assim, não é possível decretar a pretendida providência cautelar, se através dela se visa apenas retardar a execução do acto, e não, como seria sua função e vocação, acautelar o efeito útil da acção principal destinada à anulação daquele mesmo acto, por esta se evidenciar votada ao fracasso. Neste capítulo, importa sublinhar que o fogo habitacional em questão não foi, por exemplo, atribuído a título de cedência precária pela Câmara Municipal de Lisboa, antes tendo sido abusivamente ocupado pela ora Recorrente. Ou seja, não é ocupante autorizada do fogo municipal, tendo-o feito indevidamente e sem autorização, não detendo qualquer título para o efeito. De resto, a ocupação de uma habitação municipal, sem autorização e à revelia do seu legítimo proprietário, poderá constituir um crime de usurpação de coisa móvel e introdução em lugar vedado ao público (art.s 215.º e 191.º do C. Penal). Por outro lado, também a notificação efectuada, como se retira do respectivo documento junto com a p.i., não deixou de mencionar os programas de acesso à habitação e de apoio ao arrendamento existentes e de que a ora Recorrente poderia beneficiar. Sendo que, como a própria expressamente referiu, em Fevereiro de 2019 apresentou a sua candidatura para a atribuição de uma habitação municipal na Câmara Municipal de Lisboa, tendo junto posteriormente, em 10.10.2019, documentação para o processo administrativo existente. Ou seja, afinal a situação da ora Recorrente, ao que tudo indicada (e nada vem alegado em contrário), encontra-se devidamente encaminhada em termos institucionais e sociais, estando a tramitar o respectivo procedimento administrativo com vista, após a instrução que se impõe, à atribuição de uma habitação municipal. Assim, manifestamente não se encontra minimamente demonstrado o requisito do fumus boni juris, isto é, que o ato em apreço padeça de qualquer ilegalidade e que a ação a propor para impugnação do mesmo tenha qualquer viabilidade de procedência. Nestes termos, faltando a verificação do requisito relativo ao fumus boni iuris sempre ficaria prejudicada a análise dos demais requisitos de decretamento da providência cautelar, ainda que porventura a ora Recorrente os pudesse demonstrar, uma vez que os mesmos são de verificação cumulativa (art. 120.º do CPTA). Donde, a convolação pretendida redundaria num acto inútil, proibido pelas leis de processo (art. 130.º do CPC). Razões que determinam a improcedência do recurso. • III. Conclusões Sumariando: i) O direito social à habitação, previsto no art. 65.º, n.º 1, da CRP, não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos mediante a disponibilização de uma habitação, antes rege na garantia de critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo sector público. ii) O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, destina-se a cobrir situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem. E só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental de natureza análoga) cuja protecção seja urgente; o que não é o caso dos autos. iii) No regime do CPTA (revisto pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro) a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma. iv) Não vindo minimamente demonstrada a ilegalidade do acto que determinou o despejo do fogo municipal que a ora Recorrente ocupa sem título, a pretensão de que se suspenda a eficácia desse acto soçobrará, por falta do indispensável fumus boni juris. v) A convolação justifica-se por razões de economia processual, pelo que só deve ser efectuada quando tiver alguma utilidade. Não deve operar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei, a convolação de um processo de intimação para protecção de direitos, liberdades em garantias noutro de providência cautelar, se a petição demonstrar de modo manifesto a impossibilidade de preenchimento de algum dos pressupostos exigidos no art. 120.º do CPTA para o seu deferimento. • IV. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido. Lisboa, 18 de Junho de 2020 Pedro Marchão Marques Alda Nunes Lina Costa |