Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:388/08.5BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:11/21/2024
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:MEIOS DE PROVA
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Sumário:I – Em processo tributário são admitidos os meios gerais de prova;
II – O princípio do dispositivo vigora na sua plenitude quanto aos factos essenciais impondo-se à parte que deles pretende beneficiar o ónus de os alegar no respectivo articulado, sob pena de preclusão;
III – O princípio da preclusão vigora quanto aos factos essenciais não sendo aplicável aos factos complementares ou concretizadores, nem aos factos instrumentais podendo os mesmos resultar da instrução da causa.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

J… e M…, inconformados com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por eles intentada, contra o indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado, em virtude do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 0075000055156 e respectivos juros compensatórios n.º 200700006616767, referentes ao exercício de 2002, no valor de global de € 37 504,41, dela vieram interpor recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«1º Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que, embora tendo julgado a impugnação parcialmente procedente e “anular parcialmente a liquidação de IRS de 2002 impugnada, na parte que levou em conta uma quantidade de cortiça vendida superior às 2000 arrobas” decidiu concluir “que o preço daquelas /arrobas” foi de 74.320 euros” ao invés de 40 000,00 € acrescido de Iva à taxa legal; bem como condenar na liquidação pelo valor do contrato não anulando a totalidade da liquidação, por esta ter sido calculada com base no valor declarado e não no efectivamente recebido.

2º O Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos elencados nos artigos 38.° a 46.° da impugnação, pois que em tais factos se alegou que os Recorrentes efetuaram uma única venda à sociedade C… Lda de 2 000 arrobas de cortiça amadia pelo preço de 20,00€, tendo sido emitida a respetiva fatura.

3º Da prova testemunhal (A…) consta a explicação do motivo pelo qual o preço foi reduzido e o facto da fatura emitida ter sido apenas paga parcialmente, bem como a redução que os contratos que incidem sobre o bem objecto do contrato in casus, sofrer reduções após a extração (testemunha M…).

4º Elementos probatórios constantes dos autos demonstrativos da redução do preço aposto no contrato inicial são o depoimento da pessoa que emitiu a factura a mando dos Recorrentes, a própria factura e os únicos pagamentos efectuados e reconhecidos por ambas as partes nos autos.

5º A totalidade desta prova permite concluir que o preço efectivamente pago pelo comprador no âmbito do contrato inicial, foi posteriormente e sem qualquer aditamento àquele, reduzido para 20,00 €.

6º Da prova documental e testemunhal carreada para os autos, deve ser dado como provado os seguintes factos, sugerindo-se a seguinte redacção:

A - “o preço da arroba de cortiça amadia foi reduzido para 20.00€”;

B - “os ora Recorrentes apenas receberam 29.800,00 €, IVA (22 200,00 € a título de capital e 7 600,00 € a título de IVA) para pagamento parcial da fatura emitida no valor de 47.600,00€ referente à venda de 2000 arrobas de cortiça amadia”.

7º Não pode ser aceite o entendimento de que os contratos são imutáveis e que as alterações têm de ser reduzidas a escrito, para poderem terem o mesmo valor inter partes.

8º Verifica-se erro de julgamento quando o Tribunal a quo não valoriza conjuntamente a totalidade das provas carreadas para os autos, pois que a apreciação em separado, impediu-o de conjugar o depoimento da testemunha e filho dos Recorrentes, com a factura e a emissão dos dois cheques (um deles para pagamento integral do IVA devido ao estado).

9º Só uma apreciação conjunta da totalidade da prova existente nos autos, permitirá o julgamento dos factos e uma conclusão correcta.

10° Tal apreciação conjunta, obrigaria o Tribunal a quo, forçosamente, a outra conclusão.

11º Mesmo que não se entenda alterar a matéria de facto supra descrita, o que não se concede, sempre se dirá que, dos factos provados resulta inequivocamente que o único valor global recebido foi 29.800,00€ sendo que destes 22 200,00 € foram no a título de capital e 7 600,00 € a título de IVA, conforme declarado pela testemunha e em conformidade com os cheques que a AT encontrou e descreveu no seu relatório (facto provado c)).

12° Independentemente de se considerar que o preço da arroba foi de 37,16 € ou de 20,00 €, na realidade apenas foi recebido 29 800,00€, sendo que deste montante há que deduzir o valor de 7.600,00€ que foi entregue ao Estado a título de IVA.

13° Em sede de IRS são tributados os rendimentos efectivamente obtidos pelo contribuinte, não devendo ser considerados valores constantes de facturas que não foram liquidadas na integra.

14° Em sede de IRS apenas o montante efectivamente pago por conta daquela factura poderá ser tributado, isto é, daquele montante pago aos Recorrentes, apenas poderão ser sujeitos a tributação o montante de 22.200,00 €. a incluir na categoria B.

15° Constando dos autos que os Recorrentes procederam ao pagamento dos impostos no ano devido e pelo montante efectivamente auferido, conforme liquidação original,

16º Deve, o Tribunal a quem anular a liquidação adicional, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária.

Assim fazendo V. Ex.a. a costumada Justiça!»


*


Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a recorrida não contra-alegou.

*




O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

*


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

*


II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se o Tribunal recorrido efectuou errada interpretação e apreciação dos factos alegados pelos recorrentes e se a sentença recorrida errou na apreciação da prova produzida quanto ao preço e quantidade de cortiça efectivamente vendida.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«a) A 19/02/2002 foi assinado documentos com a epígrafe “Contrato de compra e venda de cortiça” onde se lê:

“Entre a firma C… s… cortiças, Lda. contrib. 5…, com sede em zona industrial do Casalinho (...), como comprador e J… como vendedor como vendedor.

São condições do presente contrato

Primeira: A cortiça é extraída da propriedade denominada (...) fica empilhada em C… — M…

Segundo: O preço de cada arroba de cortiça amadia é de Escudos 7.450,00$00 com a idade mínima de 9 anos.

(...)

Quinta: O pagamento será efectuado da seguinte forma: Dez milhões de escudos de sinal, sendo a cortiça paga antes de levantar.

Sexta: No caso de não cumprimento do contrato por parte do vendedor este obriga-se desde já a indemnizar o comprador pelo triplo do contrato, pelo qual se determina a título de cláusula penal. ”

b) A08/011/2006 foi elaborada informação pela Direcção de Finanças de Aveiro (cfr. documento de fls. 3 e ss do PAT):

INFORMAÇÃO

Sujeito passivo com o NIF 1…, com domicílio fiscal em M…, distrito Castelo Branco, encontra-se colectado, desde 1986-01-O1, para o exercício da actividade de cafés".

Na contabilidade da "C…" encontra-se contabilizada uma factura emitida por este contribuinte, conforme quadro seguinte:

Quantidade BT

30.000 40.000,00

Total 47.600,00 €

Esta factura foi paga através de uma letra de igual montante, com reformas posteriores.

Relativamente aos pagamentos relacionados com facturas de outros sujeitos passivos, encontram-se depositados vários cheques, numa conta do BES, com o n.° 221/03197/007, titulada por este contribuinte, no montante total de 79.679,89 € a saber:


«Imagem em texto no original»


Fonte: anexo n. o 1

Na sequência das buscas efectuadas à "C…", recolheram-se diversos elementos que provam a compra de cortiça, por parte da empresa, ao Sr. J…, em quantidades e valores superiores aos montantes facturados, nomeadamente (vd anexo II.2):

• Duplicado do contrato de compra e venda de cortiça feito entre a "C…" e J… em 19 de Fevereiro de 2002, assinado por ambos, fazendo referência a um sinal de 1 0.000 contos e tendo no verso a indicação de cinco pagamentos;

• Conta corrente manual com a indicação de "C…" e obs "Sr. J…", referente a seis fornecimentos de cortiça, entre 15-042002 e 20-04-2002, num total de 61.190 kg e respectivos talões de pesagem;

• Extracto manual da conta corrente do BPSM da "C…", do período entre 20-02-2002 a 14-03-2002, onde inclui a 8/3 a emissão do cheque 91323, de 24.939,89 €, com a descrição "… Contrato / A…". Este cheque encontra se relevado na conta ilidade da "C…" na conta corrente de A… como pagamento de uma factura de 2001.

• Fotocópia, no verso de uma folha timbrada da "C….", frente e verso do cheque n.°7…, sobre o BES, no valor de 24.940,00 €, emitido a favor da "F…" e já endossado por esta, antes de ter sido depositado, com a indicação manuscrita de "Sr. de Castelo Branco J…" (vd anexo n. o 3).

Face ao exposto, podemos concluir que:

= > J…, no ano de 2002, efectuou um negócio de cortiça com a "C…", no montante total de 61.190 kg, com pagamentos associados.”

c) A 26/04/2007 foi elabora relatório de inspecção (cfr. relatório a fls. 66 e ss. do PAT):

“No decurso de uma acção de inspecção efectuada pela Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária II, da Direcção de Finanças de Aveiro, à sociedade C… - S… Cortiças, Lda., N.I.P.C. 5…, com sede em Lourosa, e na sequência de buscas efectuadas nas instalações da empresa bem como no domicílio do seu Sócio-Gerente, foram recolhidos documentos através dos quais se constata que aquela sociedade, no exercício económico de 2002, adquiriu cortiça ao Sujeito Passivo J…, N.I.F. 1…, residente na Rua …, n.° …, em M…, Concelho de Castelo Branco.

Analisados os referidos documentos concluiu-se, que não obstante aquele Sujeito Passivo ter efectuado diversas vendas de cortiça, durante o mês de Abril de 2002, apenas emitiu uma factura, que não respeita à totalidade das mesmas.

Nesse sentido e em obediência ao determinado na Ordem de Serviço 01200600927, de 22/11/2006, efectuámos a correspondente acção inspectiva ao contribuinte J…, em resultado da qual nos cumpre informar:

1. Este Sujeito Passivo iniciou no dia 1 de Janeiro de 1986, o exercício das actividades de "Café à chávena, bebidas, sumos, cervejas e afins" e "Cortiça", sendo tributado em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, possuindo contabilidade regularmente organizada e encontrando-se enquadrado em Imposto sobre o Valor Acrescentado no Regime Normal Trimestral.

2. No exercício económico de 2002 emitiu as seguintes facturas:

(...)


«Imagem em texto no original»


Todas as facturas contém IVA à taxa legal

3. Tal como referimos anteriormente, na sequência de buscas efectuadas à sede da sociedade "C… Lda." foram recolhidos diversos documentos que comprovam a compra de cortiça por parte daquela empresa ao contribuinte J…, em quantidades e valores superiores ao montante por este facturado, documentos esses que passamos a indicar:

3.1. Fotocópia e duplicado do contrato de compra e venda de cortiça entre a “C…, Lda.” e J…, datado de 19 de Fevereiro de 2002, assinado por ambos, com as seguintes indicações (anexo I):

Primeira

(...)

Segunda

O preço de cada arroba de cortiça amadia é de Escudos 7.450$00...”

Terceira

(...)

Quarta

(...)

Quinta: “O pagamento será efectuado da seguinte forma: Dez milhões de escudos de sinal sendo a cortiça paga antes de levantar.”

3.2. Conta-corrente manual com indicação de “c…” e em obs. “Sr. J…”. Referente a 6 (seis) fornecimentos de cortiça, entre 15/4/02 e 20/4/02, no total de 61.190 kg(sessenta e um mil cento e noventa quilos) Anexo II);

3.2.1 Talões de pesagem processados pela “C…, Lda., aquando da entrada da cortiça nas suas instalações, em Lorosa (anexo II);

3.2.2 Venda a dinheiro correspondentes às mesmas pesagens, previamente efectuadas em Castelo Branco, nas instalações da empresa J… & F…, Lda. aquando do início do transporte da cortiça etre Castelo Branco e Lourosa (Anexo II).

4. Face ao exposto, conclui-se que o sujeito passivo J… vendeu efectivamente 63.190kg de cortiça amadia ao preço de de 37.16 (7.450) a arroba à empresa “c…, Lda. tendo, segundo o contrato, a cortiça sido “.paga antes de levantar", tendo ainda o Sujeito Passivo recebido "dez milhões de escudos de sinal" na data da celebração do mesmo -19 de Fevereiro de 2002 -, o que significa que o montante das VENDAS ascendeu a 151.589,83€ (cento e cinquenta e um mil quinhentos e oitenta e nove euros e oitenta e três cêntimos), VENDAS estas que foram omitidas na DECLARAÇÃO MODELO 3 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, designadamente no ANEXO C, a que se refere o Artigo 57.°, n.° 1 deste Código, respeitante ao EXERCÍCIO ECONÓMICO de 2002 e que, por consequência não foram tributadas.

4.1 Com este procedimento infringiu o disposto na alínea b) do n.° 3 do Artigo 17.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, por remissão do Artigo 32.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, dado que a sua contabilidade não reflecte todas as operações por si realizadas, por forma a permitir o apuramento correcto do lucro tributável, tal como preconiza aquele primeiro artigo.

4.2 Assim e porque esta conduta ilegítima não teve outro intuito senão o de proporcionar ao Sujeito Passivo uma vantagem patrimonial susceptível de causar diminuição da receita tributária, indicia a prática de crime de FRAUDE FISCAL, previsto e punido pelo Artigo 103.°, n.° 1, alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias

4.3 Nessa conformidade, a DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADOS, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, CATEGORIA C, referente ao EXERCÍCIO ECONÓMICO de 2002, é a seguinte:

4.4




5. Por outro lado, constata-se que foram depositados dois cheques, numa CONTA do B… - Banco E…, com o número 221 /03197/007. de que é titular o contribuinte J…, emitidos pela "C…, Lda." no montante 29.800,0 0€ (vinte nove mil e oitocentos euros), datados de 2002/09/10 (7.600,00€) e de 2002/12/15 (22.200,00€), (ANEXOU) que terão servido para pagamento parcial, da FACTURA n.° 2 que, em 20 de Julho desse mesmo ano, o Sujeito Passivo emitiu, no montante de 47.600,00€ (quarenta e sete mil e seiscentos euros), com LV.A. Incluído, respeitante à venda de 2000 arrobas de cortiça (amadia) ao preço unitário de 20.OO€. (ANEXOIII)

6. Importa referir que a CONTA do B… - Banco E…, com o n.° 221/03197/007 é a mesma que o Sujeito Passivo J… inscreveu no quadro 13 da DECLARAÇÃO DE INÍCIO DE ACTIVIDADE, por si apresentada dia 10 de Fevereiro de 1986, no Serviço de Finanças de Castelo Branco 2, cuja fotocópia se junta (ANEXO IV).

7. (...)

DIREITO DE AUDIÇÃO

Para os efeitos constantes do disposto nos Artigos 60 da Lei Geral Tributária e do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária, deslocámo- nos dia 12 de Abril de 2007 ao domicílio do Sujeito Passivo, com o intuito de o notificarmos pessoalmente para, no prazo de dez dias, exercer o DIREITO DE AUDIÇÃO referente ao PROJECTO DE RELATÓRIO DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA, que tínhamos elaborado.

Depois de receber o referido Projecto de Relatório, o Sujeito Passivo atirou-o para o chão, tendo-se recusado a assinar o duplicado do mesmo.

Foram testemunhas do acto, C… e C…, Inspectores Tributários Estagiários.

Junta-se o respectivo Termo de Diligência Externa (ANEXOV)

Nos termos do disposto dos artigos n.os 233.°, n.° 2, alínea a) e 237 A, n.° 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto nos Artigos 38.°, n.° 6 e 192, n.° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, considera-se o Sujeito Passivo notificado, tendo expirado dia 23 de Abril de 2007 o prazo dos dez dias concedidos, não tendo sido exercido o referido Direito de Audição.”

d) Da acção de inspecção conclui-se pela correcção à matéria colectável, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, em sede de IRS, no valor de 151.549,83 euros (cfr. quadro a fls. 65 do PAT)

e) A 12/04/2007 o impugnante marido foi notificado do relatório de inspecção (cfr. auto de diligências a fls. 98 do PAT)

f) A 08/05/2007 foi emitida liquidação de IRS n.°20075000055156, onde se apurou um rendimento global no valor de 115.958,24euros e um valor a pagar de 37.504,41 euros (cfr. nota de liquidação a fls. 26 dos autos);

g) A 09/10/2007 os impugnantes reclamaram graciosamente do acto aqui impugnado (cfr. fls. 3 do PAT Reclamação Graciosa);

h) A 24/04/2008 os impugnantes recorreram hierarquicamente do indeferimento tácito da reclamação graciosa (cfr. requerimento a fls. 2 do PAT — Recurso Hierárquico);

i) A 02/05/2008 foi proferido despacho onde se lê “a fim de ser junto ao processo de reclamação acima citado e uma vez que o mesmo ainda se encontra na Direcção de Finanças, remeta o presente processo de Recurso ao Exmo. Sr. Director de Finanças de Castelo Branco (cfr. despacho a fls. 24 do PAT — recurso hierárquico);

j) A 11/06/2008 a reclamação graciosa foi indeferida (cfr. despacho a fls. 56 dos autos);

k) A 18/06/2008 foi proferido despacho onde se lê: “Nos termos e com os fundamentos da informação infra mantenho a minha decisão de indeferimento da reclamação” (cfr. despacho a fls. 25 do PAT — Recurso hierárquico)

l) Relativamente ao IRS do ano 2006 foi emitida a liquidação com o n.°20075004417815, apurando-se um valor a reembolsar de 943,15 euros (cfr. nota de liquidação a fls. 32 dos autos);

m) A 11/09/2007 o valor do IRS a reembolsar indicado na alínea anterior foi utilizado para compensação da dívida proveniente da liquidação ora impugnada (cfr. nota de liquidação a fls. 32 dos autos e demonstração de compensação, a fls. 36 dos autos);»

n) Em data não concretamente apurada do ano de 2002 ocorreu uma alteração ao preço por arroba acordado no contrato identificado em b) o qual passou a ser de € 20,00 – cf. depoimento de A….


*
Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se que:
«Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.
No que respeita à prova testemunhal a mesma não se mostrou relevante para a decisão da causa.
Quanto à primeira testemunha, filho dos impugnantes, o seu depoimento foi feito no sentido de o preço estabelecido no contrato não ter sido o preço efectivamente pago, mas o depoimento desta testemunha é insuficiente para sem mais dar este facto como provado.
No que respeita à segunda testemunha este não demontrou conhecimento directos dos factos controvertidos, apenas descrevendo a sua experiência pessoal.»
*

III – 2. Da apreciação do recurso

No âmbito de acção de inspecção levada a efeito à sociedade C…, Lda, com recurso a buscas na sede da sociedade e no domicílio do sócio-gerente a AT obteve cópia de um contrato de compra e venda, conta corrente e extrato de conta manual cópias de cheques, talões de pesagem com base nos quais concluiu que a referida sociedade havia adquirido cortiça ao ora recorrente. Em acção de inspecção efectuada ao recorrente concluiu a Autoridade Tributária (AT) ter existido venda de cortiça superior ao valor facturado e declarado e em consequência, emitiu a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2002, aqui impugnada.

O Tribunal recorrido julgou a acção de impugnação parcialmente procedente no entendimento de que as provas recolhidas pela AT não eram totalmente concludentes no que se refere à quantidade de cortiça considerada no cálculo do rendimento omitido.

Assim, impõe-se decidir se o Tribunal recorrido efectuou errado julgamento da matéria de facto por errada interpretação dos factos alegados pelos recorrentes e errada apreciação da prova produzida quanto ao preço da cortiça efectivamente vendida como invocam os recorrentes.

Pretendem os recorrentes que sejam aditados os seguintes factos:

- o preço da arroba de cortiça amadia foi reduzido para 20,00€;

- os ora recorrentes apenas receberam 29.800,00 €, IVA (22 200,00 € a título de capital e 7 600,00 € a título de IVA) para pagamento parcial da fatura emitida no valor de 47.600,00€ referente à venda de 2000 arrobas de cortiça amadia.

Comecemos pela alteração contratual.

Os recorrentes alegam que houve uma alteração contratual no sentido da redução do preço da arroba para € 20,00 e que o aditamento não foi reduzido a escrito, no entanto consideram que tal facto resulta do depoimento da 1ª testemunha.

Mais alegam que a prova deveria ter sido valorizada conjuntamente no seu todo o que levaria a outra conclusão.

Colocam em causa que o contrato seja imutável e que as alterações devam ser obrigatoriamente reduzidas a escrito.

De facto, as alterações contratuais, enquanto declarações negociais só são nulas quando a lei prescreve uma forma legal e que não é cumprida, sendo a regra a da liberdade de forma, conforme resulta do disposto nos artigos 219.º e 220.º do Código Civil.

A questão que aqui se coloca é a da prova das declarações negociais de alteração de um contrato celebrado sob a forma escrita. Alegando o impugnante que ocorreu uma alteração contratual, cabe-lhe o ónus da prova de tal facto, conforme resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

Para sustentar a sua tese alegam os recorrentes que o Tribunal recorrido fez errada interpretação dos artigos 38.º a 46.º da petição.

Nos referidos artigos da petição inicial, era alegado que o impugnante efectuou uma única venda de 2.000 arrobas, ao preço de € 20,00 a arroba, tendo emitido factura no valor de € 47 600,00 correspondendo € 40 000,00 ao valor da venda e € 7 600,00 a IVA.

Que apesar do preço convencionado no contrato escrito ter sido de € 37,16 a arroba, a sociedade C… nunca cumpriu o contrato, pois não lhe pagou o adiantamento de € 10 000,00 ali acordado, tendo recebido daquela sociedade apenas o valor de € 47 600,00 no dia do levantamento da cortiça, alegando que o preço por arroba foi assim, reduzido para € 20,00.

Alegam assim, que o valor declarado em sede de IRS resulta da redução do valor contratado, factos que considera decorrerem da prova testemunhal e documental oferecida nos autos.

Antes de mais, importa sublinhar que a decisão do Tribunal não pode decorrer apenas da interpretação da petição inicial, como parece resultar da 2ª conclusão. Não bastava ao recorrente a alegação dos factos constantes dos artigos 38.º a 46.º para que os mesmos fossem, sem mais, dados como assentes. Tanto mais que não lhe são desfavoráveis.

A decisão deve decorrer da prova que for produzida sobre os factos essenciais alegados na petição inicial e os complementares que sejam adquiridos através da produção da prova.

Conforme resulta do disposto no artigo 115.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) em processo tributário são admitidos os meios gerais de prova.

O que significa que perante um facto provado por documento — no caso, o contrato de compra e venda de cortiça — no qual as partes acordaram o preço de cada arroba e a forma de pagamento, podem as partes produzir os meios de prova necessários a complementar, infirmar ou confirmar os factos que dele se extraem.

No que se refere às invocadas alterações contratuais não escritas, no sentido da redução do preço de venda da arroba para 20,00, alegam os recorrentes que da prova testemunhal (A…) consta a explicação do motivo pelo qual o preço foi reduzido e a factura emitida ter sido apenas paga parcialmente.

Mais consideram decorrer da prova que é comum os contratos que têm por objecto cortiça sofrerem reduções após a extração (testemunha M…).

A matéria de facto assente na sentença recorrida resultou da «prova documental constantes dos autos e não impugnados» e no que se refere à prova testemunhal, o Tribunal julgou que a mesma não se mostrou relevante para a decisão da causa com a seguinte motivação:
«Quanto à primeira testemunha, filho dos impugnantes, o seu depoimento foi feito no sentido de o preço estabelecido no contrato não ter sido o preço efectivamente pago, mas o depoimento desta testemunha é insuficiente para sem mais dar este facto como provado.
No que respeita à segunda testemunha este não demonstrou conhecimento directos dos factos controvertidos, apenas descrevendo a sua experiência pessoal.»

Se relativamente à segunda testemunha, pela generalidade do seu depoimento se pode afirmar que o seu depoimento não teve relevância para o apuramento dos factos, por não ter demonstrado conhecimento directos dos factos controvertidos, já o mesmo se não pode afirmar quanto à primeira testemunha.

Embora seja filho dos recorrentes, o depoimento da testemunha A… foi concreto indicando os motivos pelos quais houve alteração do preço por arroba: a compradora alegou que a qualidade da cortiça não era a esperada. Também depôs sobre o sinal previsto no contrato, afirmando que o mesmo não foi pago.

Do referido depoimento, em conjugação com o depoimento da 2ª testemunha que afirmou que constituía uma situação frequente, dependendo da qualidade da cortiça extraída em cada ano, importa dar por provado que ocorreu uma alteração contratual relativamente ao preço por arroba acordado, o qual passou a ser de € 20,00, facto que será aditado por inserção no ponto n) do probatório.

No que se refere ao valor efectivamente recebido, a mesma testemunha afirmou que apenas receberam € 29 800,00 para pagamento parcial da factura emitida no valor de € 47600,00 referente à venda de 2000 arrobas de cortiça amadia (conforme transcrição do depoimento na motivação de recurso).

Sobre este segmento do depoimento da testemunha julgou o Tribunal recorrido que «é insuficiente para sem mais dar este facto como provado».

Além da invocação da errada interpretação dos artigos 38.º a 46.º da petição, os recorrentes alegam no ponto 3º das suas conclusões que os elementos probatórios constantes dos autos demonstrativos da redução do preço aposto no contrato inicial, são o depoimento da pessoa que emitiu a factura, filho dos recorrentes, a mando destes, a própria factura e os únicos pagamentos efectuados e reconhecidos por ambas as partes nos autos.

Sucede, no entanto, que aqueles pagamentos não são os únicos reconhecidos pela Fazenda Pública, quer no relatório de inspecção e nos procedimentos de reclamação e recurso hierárquico, quer na contestação apresentada nos autos, a que acresce constituir questão que apenas veio a ser invocada em sede de alegações apresentadas ao abrigo do artigo 120.º do CPPT, pelo que importa verificar se é de atender a tal facto.

Vigora no nosso ordenamento processual o princípio da preclusão quanto aos factos essenciais, princípio que se encontra consagrado no artigo 5.º, n.º 1 do CPC.

Com efeito, os factos essenciais são aqueles factos alegados pelo autor que constituem e individualizam a causa de pedir, bem como os alegados pelo réu, que fundamentam as excepções invocadas. É quanto a estes factos que vigora o princípio do dispositivo na sua plenitude, sendo quanto a estes que incide o ónus de alegação, devendo ser alegados pelas partes no respectivo articulado, sob pena de preclusão.

A atendibilidade de factos essenciais que não constam da petição inicial decorre da alegação e prova da sua superveniência, como resulta do disposto no artigo 86.º do CPTA, aplicável por força do artigo 2.º alínea c) do CPPT, o que não sucede no caso dos autos.

O princípio da preclusão não é aplicável aos factos complementares ou concretizadores, nem aos factos instrumentais. Os primeiros são os que não sendo factos essenciais, têm por função complementá-los ou concretizá-los. Os segundos têm função clarificadora de conceitos jurídicos a que as partes se socorreram nos seus articulados. Enquanto os factos instrumentais têm apenas uma função indiciária de comprovação indirecta da verificação dos factos essenciais pois não interessam directamente à solução do caso concreto, por não integrarem os factos fundamentadores do direito das partes, no entanto auxiliam no processo de apreciação da prova.

Não estando submetidos ao princípio da preclusão, poderão ser introduzidos nos autos através da resposta ao convite de aperfeiçoamento dos articulados; ou quando resultem das diligências probatórias, conforme dispõem o artigo 5.º, n.º 2 alíneas a) e b) do CPC, sendo tais factos considerados pelo juiz no exercício dos seus poderes de cognição.

Sobre o princípio da preclusão v.g. o Acórdão do STA proferido no processo n.º 0571/15.7BEMDL 01005/17 datado de 11/09/2019: «Do princípio da preclusão [que encontra apoio, além do mais, nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e das respectivas razões de direito (cfr. a al. d) do nº 1 do art. 552º do CPCivil), bem como das excepções, quanto à defesa (cfr. o nº 1 do art. 573º do mesmo código)] resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser nas fases processuais legalmente definidas.»

No caso dos autos, como se deixou dito, está em causa um facto que não constitui um facto complementar nem concretizador, ou sequer instrumental, mas antes um facto que contraria outro facto alegado pelos recorrentes na petição inicial, pelo que não pode dar-se por provado.

Recorde-se que os recorrentes alegaram na petição inicial, nos artigos 38.º a 46.º da petição inicial (que sublinham na 2ª conclusão) mais especificamente no artigo 46.º «que, no dia convencionado pelas partes, apesar de ter levantado 2.000 arrobas de cortiça, a sociedade “C…, Lda” apenas entregou ao impugnante J… 47.600,00 € (quarenta e sete mil e seiscentos euros), tendo por isso o preço sido reduzido para 20,00 a arroba.»

Nada referindo em contrário, designadamente sobre terem recebido apenas parte do preço, nem se configurando como um facto superveniente, da posição processual assumida desde os procedimentos tributários e mantido na petição inicial, ponderando que os recorrentes enquanto destinatários do pagamento são quem se encontra em melhor posição de conhecer tal facto, importa retirar as devidas consequências, julgando improcedente a pretensão de aditamento do segundo facto a que alude o ponto 6.º das conclusões.

Tal facto já tinha sido alegado no artigo 24.º da reclamação graciosa, quer no artigo 27.º do recurso hierárquico nesses precisos termos.

Ora, uma coisa são os contornos concretos que assumiram as alterações contratuais, enquanto factos complementares do facto essencial alegado, consubstanciado na existência das alterações ao contrato escrito e que o Tribunal deve ter em conta se decorrerem da prova produzida, conforme resulta do disposto no artigo 5.º, n.º 2 alínea b) do CPC.

Outra bem diversa é a falta de alegação pela parte na petição inicial, de que não recebeu a totalidade do valor facturado, que apenas recebeu € 29 800,00 para pagamento parcial da factura emitida no valor de € 47 600,00 referente à venda de 2000 arrobas de cortiça amadia, quando resulta expressamente da petição inicial que confessa ter recebido a totalidade de tal valor.

A falta de recebimento de parte do valor facturado não integra um facto notório que deva ser tido em consideração, nem estamos perante facto instrumental ou sequer complementar ao facto essencial relativo à alteração contratual, pelo que a falta de alegação na petição de tal facto precludiu a possibilidade de alegação em sede de alegações.

Sempre seria de concluir do mesmo modo, atendendo a que os recorrentes conferiram mandato forense com poderes especiais nos quais se incluem os de confessar, embora este não constitua pressuposto essencial, a declaração ali referida, assume contornos confessórios.

Conforme se refere em Acórdão proferido pelo STJ «Mas se é certo, tal como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela[5], que « as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, com simples procuração “ad litem”, não valem como confissão», a verdade é que a exigência de poderes especiais não é necessária quando a confissão de factos é feita nos articulados, quer de forma tácita, resultante do efeito cominatório semi pleno, nos termos do art. 567º , nº 1do CPC (…), quer de forma expressa, nos termos do art.º 465º, n.º 2, todos do CPC.

Subjacente à confissão de factos feita nos articulados pelo mandatário e que vincula a parte está, tal como observa Antunes Varela[6], a ideia de que, estando o mandatário por via de regra em íntimo contacto com a parte sobre a matéria de facto da ação, ele conhece a realidade desta, tendo assim o seu reconhecimento da realidade de um facto desfavorável ao respetivo constituinte, em princípio, a mesma força de convicção que tem a confissão.»

Importa assim, concluir pela procedência parcial do recurso.


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IV – CONCLUSÕES

I – Em processo tributário são admitidos os meios gerais de prova;

II – O princípio do dispositivo vigora na sua plenitude quanto aos factos essenciais impondo-se à parte que deles pretende beneficiar o ónus de os alegar no respectivo articulado, sob pena de preclusão;

III – O princípio da preclusão vigora quanto aos factos essenciais não sendo aplicável aos factos complementares ou concretizadores, nem aos factos instrumentais podendo os mesmos resultar da instrução da causa.

V – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida quanto ao preço por arroba, mantendo-se a sentença no restante com a presente fundamentação.

Custas pelas partes em igual proporção.

Lisboa, 21 de Novembro de 2024.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Tânia Meireles da Cunha – 1.ª Adjunta

Maria da Luz Cardoso – 2.ª Adjunta