Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 316/25.3BESNT.CS1 |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/20/2025 |
| Relator: | ALDA NUNES |
| Descritores: | SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE ATO ADMINISTRATIVO DESOCUPAÇÃO E ENTREGA VOLUNTÁRIA DE HABITAÇÃO MUNICIPAL PERICULUM IN MORA |
| Sumário: | |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
Relatório AA, residente na ..., requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 112º, nº 1 e 2, al a), 114º e segs e 131º do CPTA, na pendência da ação administrativa de impugnação de ato administrativo que corre termos sob o processo n.º ....9..., providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo que lhe determinou a desocupação do imóvel sito na ... contra o Município de Sintra, pedindo: a. A suspensão da eficácia da decisão publicada pelo requerido, em edital, com data de 21.2.2024; b. se decrete provisoriamente este procedimento, nos termos do artigo 131º do CPTA; c. e seja reconhecido à requerente o direito de poder continuar a habitar a casa que está na sua posse há mais de quinze anos e que serve de morada de família de todo o seu agregado familiar. O Tribunal proferiu sentença a 10.6.2025, julgou a providência cautelar improcedente, por manifesta falta de periculum in mora, e totalmente improcedente o pedido de condenação da requerente por litigância de má fé. A requerente, inconformada com a decisão, interpôs recurso, com alegações e as seguintes conclusões: 1. O presente recurso de apelação visa colocar em crise a sentença proferida pelo TAF de Sintra no procedimento cautelar de suspensão da eficácia, com decretamento provisório dessa providência, instaurada pela agora apelante contra o Município de Sintra, nos termos dos nos termos dos artigos 112º, nº 1 e nº 2, alínea a), 113º, nº 1, 114º, 128º, 129º e 131º, todos do CPTA, que julgou não estar preenchido o pressuposto do “periculum in mora”. 2. Pese embora não terem sido os factos julgados provados e não provados que serviram de fundamento à decisão que levou ao soçobramento da pretensão de decretamento da providência cautelar almejada pela requerente, julgando a providência cautelar totalmente improcedente, a sentença incorre em manifesto erro na apreciação da prova. 3. Esse erro na apreciação da prova acabou por redundar ainda num erro de julgamento quanto ao não preenchimento do pressuposto do “periculum in mora” decidido pela sentença e que está consagrado na primeira parte do nº 1 do artigo 120º do CPTA. 4. O erro notório na apreciação da prova está, num primeiro momento, traduzido em a sentença ter julgado não provado que a requerente não tomou conhecimento pessoal do teor do edital dado como provado na alínea L) do probatório (único facto julgado não provado, na página 11). 5. Na alínea L) do probatório a sentença julgou provado que em 21.02.2024, agentes da Polícia Municipal de Sintra afixaram um edital na porta do imóvel sito na ..., cujo conteúdo a sentença até reproduziu. 6. Resulta deste facto provado que a requerente não tomou conhecimento pessoal do teor desse edital, nem a sentença justifica sequer que a afixação de um edital possa constituir uma notificação pessoal dirigida à requerente. 7. Na motivação da decisão de facto a sentença escreve - no segundo parágrafo dessa motivação, ainda na página 11 – que este facto julgado provado se ficou a dever ao teor dos documentos juntos aos autos pela requerente com o requerimento inicial, cuja genuinidade não foi impugnada pela entidade requerida. 8. Nos pontos 12 e 13 do requerimento inicial a requerente invocou que não tinha sido notificada desse edital e que nem resulta desse edital que tenha sido notificada do mesmo. 9. A sentença confunde citação edital com citação pessoal. 10.A citação edital é um tipo de citação utilizada quando a pessoa a ser citada não pode ser encontrada pessoalmente, seja por estar em local incerto ou por outras razões nos termos dos artigos 236º e 240º do CPC. 11. A citação pessoal é aquela em que a comunicação do ato processual é feita diretamente à pessoa do citando, tal como previsto no artigo 225º do CPC. 12.Resulta assim que a sentença incorre, quanto ao conhecimento pessoal da requerente do teor do edital, em erro notório na apreciação da prova. 13.Erro que se estende, num segundo momento, por considerar não preenchido o requisito da providência cautelar quanto ao pressuposto do perigo iminente de que a decisão a proferir no processo principal, já não venha a tempo de dar uma resposta adequada às situações jurídicas do litígio. 14.No edital reproduzido pela sentença está escrito, preto no branco, para o ocupante da fração autónoma sita na ..., entregar ao requerido, no prazo máximo de três dias, a sua habitação, livre de pessoas e bens.
15. Prossegue ainda o referido edital que:
16. O edital contém uma ameaça séria de ser ordenado o despejo dessa fração caso essa entrega não fosse efetuada no prazo máximo de três dias. 17. Uma correta apreciação da prova só poderia ter concluído que estava preenchido o pressuposto do “periculum in mora” só que a sentença decidiu, incompreensivelmente, fechar os olhos ao preenchimento desse pressuposto. 18. Atendendo a esse erro, a decisão de julgar improcedente a providência cautelar, unicamente devido ao não preenchimento do perigo iminente de que a sentença que vier a ser proferida no processo do qual esta providência constitui apenso, já não venha a tempo de dar uma resposta adequada à situação jurídica do litígio, é a todos os títulos, inusitada, salvo o devido respeito. 19. O "erro notório na apreciação da prova" é um vício que se verifica quando a decisão judicial demonstra uma apreciação manifestamente incorreta ou ilógica da prova produzida, contrariando as regras da experiência comum ou lógica jurídica. 20. O vício de apreciação da prova, especificamente o "erro notório", ocorre quando o tribunal faz uma apreciação das provas que é tão manifestamente incorreta e contrária às regras da experiência comum que a sua incorreção é óbvia e facilmente percebível para um homem médio. 21. Este vício não se refere a simples divergências de opinião sobre a valoração da prova, mas sim a uma apreciação tão equivocada que a decisão se torna injustificável (vg., entre outros, acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 4 de março de 2024, no processo 1/23.0...-PICRS, disponível em www.dgsi.pt) 22. Este vício permite que o tribunal de recurso reveja a decisão de facto, corrigindo-a se o erro for evidente e não escapa a um homem médio. 23. Para além do erro notório na apreciação da prova, a sentença incorre em erro de julgamento (error in judicando) por resultar de uma distorção da realidade factual (error facti) de forma a que o decidido não corresponde à realidade ontológica. 24. Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual por falsa representação da mesma. (vg. acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 30 de setembro de 2010, no processo 341/08.9..., e em 3 de março de 2021, no processo 3157/17.8..., disponíveis em www.dgsi.pt). 25. Por fim, na ação com o nº ....9..., na qual foi apensa o presente procedimento cautelar foi apresentado um articulado superveniente, em 29 de junho de 2025, por não ter sido possível apresentá-lo anteriormente e já depois de ter sido proferida a sentença recorrida, nos seguintes termos: “1. Antes de tomar posse do ... da ..., em ..., essa habitação foi cedida pela então Presidente da Junta de Freguesia de ...-..., BB, à mãe da requerente, por se encontrar devoluta. 2. Na data em que essa cedência foi efetuada o proprietário desse apartamento era o Instituto de Gestão da Segurança Social, ainda longe de passar a ser propriedade do Município de Sintra. 3. A requerente habita nessa habitação há bem mais do que os 15 anos referidos na petição inicial. 4. Este facto não foi incluído na petição inicial, por a autora não pretender colocar em questão a então Presidente da sua Junta de Freguesia. 5. Acontece que BB se disponibilizou para prestar depoimento neste processo, no sentido de ser apurada a verdade material que levou a autora a instaurar a presente ação, bem como a providência cautelar que lhe corre por apenso. 6. Termos em que se requer o presente articulado superveniente seja admitido. 7. Mais se requerendo que CC seja notificada para prestar depoimento, na seguinte morada: .... 8. Subsidiariamente, requer-se a testemunha possa ser apresentada em audiência de julgamento.” 26. Existe assim necessidade de a providência cautelar poder ser instruída no sentido de apurar, tanto os pressupostos previstos no artigo 120º do CPTA, como os factos invocados pela recorrente, nomeadamente daqueles que só no articulado superveniente da ação foram invocados pela apelante. Termos em que se requer: 1. A sentença que julgou improcedente a presente providência cautelar pelo não preenchimento do pressuposto do “periculum in mora” seja anulada por: a. Erro notório na apreciação da prova; b. erro de julgamento; c. Violação dos artigos 225º, 236º e 240º do CPC; d. Errada interpretação do artigo 120º do CPTA; 2. Requerendo-se, ainda, seja proferido acórdão que determine o prosseguimento dos autos, no sentido de apurar, tanto os pressupostos previstos no artigo 120º do CPTA, como os factos invocados pela recorrente, nomeadamente daqueles que só no articulado superveniente da ação foram invocados pela apelante. O recorrido contra-alegou o recurso concluindo: A. Em 10.06.2025, o Tribunal a quo proferiu a Sentença recorrida, mediante a qual julgou o procedimento cautelar totalmente improcedente, por considerar que inexiste periculum in mora, já que o procedimento cautelar visa a suspensão da eficácia de um suposto ato de despejo que, afinal, não foi praticado. B. Inconformada, intentou a Recorrente o presente recurso, invocando (i) erro na apreciação da prova; o qual conduziu a (ii) errado juízo sobre a não verificação de periculum in mora. Todavia, não existe erro quanto à matéria de facto; e, mesmo que tivesse ocorrido, o mesmo nem sequer se prendeu com a fundamentação para a decisão de não verificação do pressuposto cautelar de periculum in mora. C. A Recorrente começa por afirmar que a sentença incorre em manifesto erro na apreciação da prova, por suposta contradição entre o Facto Provado L) e o Facto Não Provado 1. Com efeito, o Tribunal a quo julgou provado que: «L) Em 21.02.2024, agentes da Polícia Municipal de Sintra afixaram um edital na porta do imóvel sito na ..., cujo teor se reproduz infra: [segue-se imagem do mesmo] (cfr. doc. 11 junto pela Requerente – ato administrativo suspendendo);)» Por outro lado, o Tribunal a quo julgou não provado que: 1. A Requerente não tomou conhecimento pessoal do teor do edital dado como provado na alínea L) do probatório.» D. Sustenta a Recorrente que, se o Tribunal a quo julgou provado que a notificação do ato suspendendo ocorreu editalmente, então deveria também ter julgado provado que a Recorrente não conhece pessoalmente o seu teor. E. Ora, a argumentação não tem qualquer sentido: o facto de a notificação se ter realizado editalmente, não significa que o notificado não tenha tido conhecimento efetivo da notificação. F. Aliás, se a Recorrente o junta aos autos com o Requerimento Inicial; se pede a suspensão da sua suposta eficácia neste procedimento cautelar; e se o impugna na ação principal, é porque o conhece o Edital e o seu conteúdo. G. Como bem nota a Sentença recorrida: «caso contrário não se compreenderia a propositura da presente providência cautelar». H. Em todo o caso, nenhum destes factos influiu na decisão impugnada: o Tribunal a quo julgou que o ato suspendendo não é um ato de despejo [e que, portanto, inexiste risco iminente de despejo], mas o mero primeiro ato de um procedimento no termo do qual poderá vir a ser proferida (ou não) uma decisão de despejo. Ou seja: no juízo do Tribunal a quo foi irrelevante determinar se o ato suspendendo é, ou não, do conhecimento pessoal da Recorrente (o que, manifestamente, é – ou nem haveria procedimento cautelar). I. Em todo o caso, desfaçam-se as dúvidas. J. Em 21.02.2024, foi afixado Edital, mediante o qual se notificou os ocupantes de que, ocupando sem título o imóvel em apreço, deveriam abandoná-lo voluntariamente no prazo máximo de 3 dias úteis. – Facto Provado L). Esta determinação foi feita, sob a cominação de se iniciar procedimento no qual se viesse a determinar o despejo. Resulta do texto da notificação (!). Ou seja: não é um ato de despejo. K. Pelo contrário, o ato suspendendo é o primeiro passo de um procedimento de despejo, que consiste em notificar os ocupantes para entregar voluntariamente o bem que ilicitamente ocupam. L. E não foi o Recorrido quem inventou este primeiro passo: é a lei que o determina. M. Nos termos do disposto no artigo 35.º, da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, o procedimento de despejo (n.º 3) de ocupante ilegais de imóveis públicos (n.º 1) só pode iniciarse se os mesmos, após comunicação feita para o efeito (n.º 2), não o entregarem voluntariamente. N. Como certeiramente apontou a Sentença recorrida: «Findo o prazo concedido aos ocupantes (…), a cominação que resulta expressamente da lei (…) e consta do texto do edital em causa nestes autos, é o ato de despejo, (…). Isto significa que o não acatamento voluntário (…) não tem como consequência, ao contrário do alegado pela Requerente, que a Entidade Requerida tome posse da habitação por si ocupada, e que ocorra o seu despejo.» O. Logo, não há fumus boni iuris. P. Antes de eventualmente vir a ser ordenado o despejo, existem muitas outras diligências e trâmites procedimentais a adotar: (i) nova deslocação da Polícia Municipal ao imóvel em apreço para constatar a persistência da situação de ocupação; (ii) encaminhamento pessoal da Recorrente para soluções alternativas e legais de acesso à habitação, nos termos do n.º 6 do artigo 28.º do NRAAH; (iii) elaboração do Relatório de Avaliação Social do agregado da Recorrente; (iv) elaboração, pelos serviços da Câmara Municipal, de proposta de despejo ao Vereador com competência para o efeito; (v) submissão da proposta de desejo pelo Vereador competente à Câmara; (vi) elaboração de projeto de decisão de despejo; (vii) notificação da Recorrente do projeto de decisão de despejo, para se pronunciar em sede de audiência prévia; (viii) apreciação da pronúncia da Recorrente nessa sede; e, (ix) prolação de decisão final. Q. Ora, a Recorrente fundou o periculum in mora na existência de fundado receio de vir a ser despejada pelo Recorrido da habitação por si ocupada, em caso de incumprimento da ordem de desocupação voluntária da habitação municipal no prazo máximo de três dias úteis. R. Todavia, a análise do enquadramento legal que serve de base à notificação, bem como a análise do texto da mesma, permitem concluir que o receio não é objetivamente fundado, por não estar em causa, sequer, um ato de despejo. Termos em que se requer seja o recurso apresentado pela Recorrente julgado improcedente, confirmando-se a Sentença recorrida, assim se fazendo Justiça. O Ministério Público, notificado nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão. Objeto do recurso Os recursos devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas) – cfr artigos 635º e 639 do CPC, «ex vi» do artigo 1º do CPTA. Atentas as conclusões de recurso, que delimitam o seu objeto, as questões a decidir consistem em saber se o Tribunal a quo errou na apreciação da prova e no juízo sobre a não verificação do periculum in mora. Fundamentação De facto O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: A. «Em 02.05.2005, nasceu DD, filha da aqui Requerente e de EE FF (cfr. doc. 3 junto pela Requerente); B. Em 20.06.2007, nasceu na freguesia de ..., no concelho da Amadora, GG, filha da aqui Requerente e de FF (cfr. doc. 4 junto pela Requerente); C. Em 07.06.2011, nasceu na freguesia de ..., no concelho da Amadora, EE ..., filho da aqui Requerente e de FF (cfr. doc. 5 junto pela Requerente); D. Pelo menos desde fevereiro de 2010, até à presente data, que a Requerente ocupa o imóvel sito na ..., juntamente com o seu agregado familiar (cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos pela Requerente); E. Em 14.04.2010, a Requerente dirigiu um requerimento ao Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da ... Social, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a solicitar habitação, no âmbito do qual alegou, em síntese, uma situação de vida muito complicada, por estar a viver num quarto com os quatro filhos, ter um emprego precário e receber ajuda alimentar da Junta de Freguesia de Monte Abrão, mais referindo a existência de várias casas vazias no ... Maio, sem que ninguém estivesse a usufruir delas (cfr. doc. 9 junto pela Requerente); F. Em 20.04.2010, a Requerente dirigiu um novo requerimento ao Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da ... Social, a solicitar habitação em termos idênticos ao requerimento referido na alínea anterior (cfr. doc. 9 junto pela Requerente); G. Por ofício de 25.05.2010, com a referência DPI-..., enviado em resposta à carta da Requerente referida na alínea anterior, o IGFSS, I.P. comunicou-lhe o seguinte: “Na sequência da carta de V.Exª, datada de 20.04.2010, relativo ao assunto supra referenciado, informamos que as casas de renda económica propriedade do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. se destinam a agregados familiares em risco de exclusão social e sem alternativas habitacionais. Caso V. Exª. se encontre naquelas condições, deverá dirigir-se aos serviços de ação social da V. área de residência, para análise da situação e eventual encaminhamento adequado, caso tal se justifique. Mais informamos que atualmente não existem fogos devolutos e com condições de habitabilidade, propriedade deste Instituto, disponíveis para atribuição, na zona de ....” (cfr. doc. 10 junto pela Requerente); H. Por ofício de 14.06.2010, com a referência DPI-..., enviado em resposta a nova carta da Requerente de 01.06.2010, referente a pedido de habitação, o IGFSS, I.P. comunicou-lhe o seguinte: “Na sequência da carta de V. Exa., datada de 01.06.2010, relativa ao assunto supra referenciado, informamos que as casas de renda económica propriedade do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., se destinam a agregados familiares em risco de exclusão social e sem alternativas habitacionais. Caso V. Exa. se encontre naquelas condições, deverá dirigir-se aos serviços de ação social da área da sua residência, para análise da situação e eventual encaminhamento adequado, caso tal se justifique. Mais informamos, no que se refere ao atendimento, que o mesmo se realiza na ....” (cfr. doc. 10 junto pela Requerente); I. No ano de 2013, o Município de Sintra adquiriu a propriedade do imóvel sito na ..., na sequência de transferência de património pertencente ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P.) (acordo entre as partes); J. Em 29.06.2021, através de email, a Requerente foi informada pela Divisão de Habitação e Serviços Comunitários da Entidade Requerida do seguinte: “Exmo/a Sr/a, Existindo nos nossos serviços uni pedido de habitação em seu nome e tendo a Divisão de Habitação da Câmara Municipal de Sintra adotado um novo procedimento vimos informar que, caso se mantenha a necessidade e/ou motivo pelos quais fez seu pedido, se deverá inscrever na PLATAFORMA ELETRONICA DO ARRENDAMENTO APOIADO que se encontra disponível NO PORTAL DA HABITAÇÃO em http://eaaxortaldahabitacao.pt/ Para obter esclarecimentos sobre esta plataforma, poderá ser contactada a linha de apoio do IHRU — Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, através do telefone n.º ..., de segunda a sexta feira, entre as 10:00 e as 17:00 horas. Caso tenha dificuldades no acesso à Plataforma do Arrendamento Apoiado, poderá dirigir-se aos postos de atendimento da Câmara Municipal de Sintra, onde poderão obter ajuda no acesso à plataforma, necessitando para o efeito de apresentar Número de identificação fiscal (número de contribuinte) e a senha de acesso; ou Cartão do Cidadão e a senha de acesso; ou Chave móvel digital e a senha de acesso. (…)” (cfr. fls. 1 a 3 do PA); K. Durante o ano de 2023 e início de 2024, a Equipa de Habitação da Polícia Municipal da Entidade Requerida deslocou-se por diversas vezes ao imóvel sito na ..., porém nunca conseguiu contatar pessoalmente com a ocupante e o seu agregado familiar ou identificá-lo, uma vez que nunca responderam às tentativas de contato (cfr. “Resposta da ...” de 24.04.2025, a fls. não numeradas do PA); L. Em 21.02.2024, agentes da Polícia Municipal de Sintra afixaram um edital na porta do imóvel sito na ..., cujo teor se reproduz infra:
(cfr. doc. 11 junto pela Requerente – ato administrativo suspendendo); M. Em 9 e 28 de novembro de 2024, uma Representante da Requerente dirigiu um email à Polícia Municipal da Entidade Requerida, com o seguinte conteúdo: “(…) Vimos por este meio solicitar que analisem a situação abaixo uma vez que a AA reside na habitação descrita na (documentação em anexo) desde pelo menos 2010 assim como todo o seu agregado familiar composto por 5 filhos. Tendo pago desde esta data até á data de hoje todas as despesas que lhe são inerentes (finanças, renda, Smas etc). Enviamos ainda Edital do Tribunal como a Srª Sra AA está insolvente (processo 10207/24.O...) Aguardamos um parecer dado que a mesma se encontra numa situação precária necessitando de ajuda. Agradecemos regularização desta situação o mais breve possível de forma a sanar esta questão. (…)” (cfr. fls. 33 do PA); N. Em 03.12.2024, em resposta ao email referido na alínea anterior, a Divisão de Gestão do Parque Habitacional Municipal da Entidade Requerida informou a Representante da Requerente do seguinte: “Na sequência do seu email datado de 28-11-2024, ao qual foi atribuído registo ..., incumbe-me o Exmo. Chefe da Divisão de Gestão do Parque Habitacional Municipal, Arqto. HH, de informar V. Exa. que não apresenta qualquer documento nesse sentido. Mais se informa, que não existe nenhum contrato de arrendamento celebrado entre o Município de Sintra e esta fração. (…)” (cfr. fls. 40 do PA); O. Em data concretamente não apurada, a Requerente submeteu uma candidatura a um concurso para arrendamento apoiado junto dos serviços da Entidade Requerida (cfr. doc. 12 junto pela Requerente). * Dos factos não provados Com relevância para a decisão da presente causa não resultou provado nos autos que: 1. A Requerente não tomou conhecimento pessoal do teor do edital dado como provado na alínea L) do probatório. * Motivação da decisão de facto A formação da convicção do Tribunal, que permitiu julgar provado o facto constante da alínea I) do probatório, deveu-se ao acordo entre as partes, evidenciado pelo confronto entre os respetivos articulados. Já os factos ínsitos nas alíneas A) a H), L) e O) do probatório, ficaram a dever a sua prova ao teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente com o r.i., cuja genuinidade não foi impugnada pela Entidade Requerida. Por sua vez, a prova dos factos constantes das alíneas J) a K), M) e N) do probatório, deveu-se ao exame crítico e atento do processo administrativo instrutor, junto aos autos pela Entidade Requerida. Finalmente, não resultou provado o facto acima indicado no ponto 1., na medida em que, tendo sido invocado pela Requerente no r.i., sem qualquer suporte probatório, foi expressamente impugnado pela Entidade Requerida. Cumpre, de resto, referir que aquele facto invocado pela Requerente não tem qualquer lógica ou faz qualquer sentido, caso contrário não se compreenderia a propositura da presente providência cautelar, e da respetiva ação principal, em que a Requerente visa reagir contra o teor daquele edital – o que pressupõe, evidentemente, o conhecimento pessoal do mesmo. * Quanto ao mais, não foram considerados, seja como provados, seja como não provados, quaisquer outros factos alegados pelas partes, por se considerar que os mesmos não relevam para o teor da decisão a proferir, são conclusivos, ou consubstanciam alegações de direito». O Direito. A recorrente imputa à sentença manifesto erro na apreciação da prova, consubstanciado na contradição entre o facto provado na al L) e o facto não provado no ponto nº 1. Isto porque defende a recorrente que se o tribunal julgou provado que a notificação do ato suspendendo ocorreu editalmente, então também devia ter julgado provado que a recorrente não tomou conhecimento pessoal do teor do edital, porque a afixação de um edital não constitui uma notificação pessoal dirigida à requerente nem uma citação feita diretamente à pessoa do citando, tal como previsto no art 225º do CPC. Analisemos. Na al L) dos factos provados consta que: Em 21.02.2024, agentes da Polícia Municipal de Sintra afixaram um edital na porta do imóvel sito na ..., cujo teor se reproduz: … O meio de prova que sustenta o facto é o documento nº 11 junto pela requerente com o requerimento inicial. O tribunal justificou a sua convicção na prova pelo documento nº 11, por a genuinidade do documento não estar impugnada pela entidade requerida. No ponto 1 dos factos não provados lê-se que: a requerente não tomou conhecimento pessoal do teor do edital dado como provado na al L) do probatório. A motivação da falta de prova deste facto resultou de o facto ter sido invocado pela requerente no requerimento inicial, sem qualquer suporte probatório e ter sido expressamente impugnado pela entidade requerida. Referindo ainda a sentença que aquele facto invocado pela Requerente não tem qualquer lógica ou faz qualquer sentido, caso contrário não se compreenderia a propositura da presente providência cautelar, e da respetiva ação principal, em que a Requerente visa reagir contra o teor daquele edital – o que pressupõe, evidentemente, o conhecimento pessoal do mesmo. A recorrente não traz ao recurso argumentos nem provas que infirmem a decisão de facto da sentença recorrida, nos termos e para efeitos do disposto no art 640º do CPC ex vi arts 1º e 140º, nº 3 do CPTA. Com efeito, apesar da requerente ter alegado no requerimento inicial (arts 12 e 13) que não tomou conhecimento pessoal do teor do edital, a mesma não ofereceu prova sumária do facto alegado e o facto em causa foi expressamente impugnado pela entidade requerida (no art 1º da oposição). Das conclusões do recurso nº 1 a 12, o que resulta é uma interpretação e aplicação incorreta, desconforme com a lei, das figuras jurídicas da notificação edital, da notificação pessoal, da citação edital e da citação pessoal. A recorrente considera que a afixação de um edital pela entidade requerida, aqui recorrida, não constitui uma notificação pessoal dirigida a si. Por isso entende que da prova do facto da alínea L) do probatório – em 21.2.2024 os agentes da Polícia Municipal de Sintra afixaram um edital na porta do imóvel sito na ... – resulta provado que a requerente não tomou conhecimento pessoal do teor desse edital. A recorrente confunde a forma de notificação edital dos atos administrativos com a notificação pessoal e com o conhecimento pessoal do conteúdo da notificação e chama à colação, nas conclusões nº 9, 10 e 11 do recurso, a citação edital e pessoal, pretendendo com esta alegação que o facto julgado não provado passe para a matéria de facto provada. O ato suspendendo encontra-se reproduzido na al L) da matéria de facto provada e corresponde ao teor da notificação edital. O ato administrativo, que determina à requerente que proceda à desocupação e à entrega voluntária da habitação camarária livre de pessoas e bens, foi-lhe notificado por edital, que não é uma forma de notificação pessoal, mas é uma forma de notificação da decisão administrativa. A notificação administrativa é o ato procedimental através do qual a Administração Pública dá a conhecer uma decisão ou um facto a um determinado destinatário. A regra no procedimento administrativo são as notificações por via postal (cfr artigo 114º, nº 1, al a) do CPA). A possibilidade de a notificação ser feita por contacto pessoal e através da publicação em edital ou em jornal (oficial ou não) só são admissíveis em determinadas circunstâncias, previstas no art 114º, nº 1, als b) e d) e nº 3 do CPA. Mais, a notificação edital considera-se efetuada no dia em que os editais sejam afixados ou publicados na Internet, consoante o que ocorrer em último lugar (cfr art 113º, nº 8 do CPA). A citação é o ato processual pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação judicial e se chama ao processo para se defender. Assim, a figura jurídica da citação não tem aplicação à questão que estamos a analisar, relativa à notificação de um ato administrativo por via edital e ao conhecimento pessoal do teor desse edital dado como provado na al L) do probatório. Pelo que, as conclusões 9 a 11 são destituídas de fundamento, não sendo aplicável à situação em apreço o disposto nos arts 225º, 236º e 240º do CPC, consequentemente a sentença sob recurso não incorreu na violação destes preceitos legais. No caso concreto, a notificação da decisão administrativa por via edital é o ato pelo qual o Município de Sintra pretende assegurar à requerente e ao seu agregado familiar o conhecimento da ordem para desocupar e entregar voluntariamente a habitação municipal que usam sem título que habilite a ocupação. O que significa que, nos termos do art 113º, nº 8 do CPA, a notificação do ato suspendendo considera-se efetuada no dia 21.2.2024, dia em que o edital foi afixado na porta do imóvel, sito na ..., que a recorrente ocupa juntamente com o seu agregado familiar. O conhecimento pessoal pela requerente do conteúdo do edital existiu, se não antes, pelo menos à data da apresentação do requerimento inicial da presente providência cautelar, bem como na data da instauração da ação principal, ou seja, a 11.4.2025. Decerto que a requerente ao instruir o requerimento inicial com o documento nº 11 conheceu pessoalmente o teor do edital dado como provado na al L) dos factos provados. Isto dito, o facto não provado no ponto 1 não é uma decorrência lógica do facto provado na al L), isto é, da notificação edital, como alega a recorrente (conclusão 6). Antes, o facto fixado no ponto 1 não resultou provado porque a recorrente alegou-o, sem oferecer prova sumária da respetiva existência, e a entidade recorrida impugnou-o expressamente, como decidiu o tribunal a quo. E por assim ser a sentença recorrida, em face da prova produzida, fixou corretamente a matéria de facto provada na al L) e não provada no ponto nº 1, interpretou corretamente as normas da notificação dos atos administrativos e não aplicou ao caso as normas da citação pessoal e edital que constam da alegação completamente descontextualizadas. Improcedem os fundamentos do recurso levados às conclusões 1 a 12. Prosseguindo na análise, A recorrente alega que o manifesto erro na apreciação da prova, do teor do edital afixado no dia 21.2.2024, redunda ainda num erro de julgamento quanto ao não preenchimento do pressuposto do periculum in mora. Para o efeito, diz a recorrente, que no edital reproduzido pela sentença está escrito para o ocupante da fração autónoma sita na ..., entregar ao requerido, no prazo máximo de três dias, a sua habitação, livre de pessoas e bens. E, para o caso de não ocorrer a desocupação e entrega da habitação no prazo máximo de três dias, o edital contém uma ameaça séria de ser ordenado o despejo dessa fração. Ora, uma correta apreciação do teor do edital só poderia ter concluído que estava preenchido o pressuposto do “periculum in mora”. A recorrente discorda da interpretação que o tribunal a quo fez do teor do ato suspendendo e do disposto nos arts 28º e 35º da Lei n.º 81/2014, de 19.12, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32/2016, de 24.8, que estabelece o Novo Regime de Arrendamento Apoiado para Habitação. Considerou o tribunal que: Analisado o teor do edital afixado em 21.02.2024 na porta do imóvel ocupado pela Requerente e pelo seu agregado familiar, dado como provado na alínea L) do probatório, e que constitui o ato administrativo suspendendo nestes autos, verifica-se que o mesmo se destina a comunicar aos ocupantes, a ordem de desocupação da habitação municipal e a sua entrega, livre de pessoas e bens, no prazo máximo de 3 (três) dias úteis, sob pena de vir a ser ordenado o despejo, nos termos do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, que estabelece o Novo Regime de Arrendamento Apoiado para Habitação (NRAAH). (…) a ordem de desocupação e entrega voluntária da habitação cuja suspensão é requerida nestes autos, consubstancia um ato prévio ao procedimento administrativo de despejo, que consiste na notificação formal dos ocupantes da habitação municipal sem título, aqui feita através de edital, para que desocupem voluntariamente o imóvel (cfr. artigo 35.º, n.ºs 1 e 2 do NRAAH). Findo o prazo concedido aos ocupantes – in casu, a Requerente o seu agregado familiar – para o abandono e entrega da habitação municipal, a cominação que resulta expressamente da lei, nos termos do n.º 3 do artigo 35.º do Novo Regime de Arrendamento Apoiado para Habitação, e consta do texto do edital em causa nestes autos, é o ato de despejo, a ser praticado em conformidade com o artigo 28.º do NRAAH. Isto significa que o não acatamento voluntário da ordem de desocupação e entrega da habitação municipal aqui em causa, não tem como consequência, ao contrário do alegado pela Requerente, que a Entidade Requerida tome posse da habitação por si ocupada, e que ocorra o seu despejo. Como bem alegou a Entidade Requerida na sua oposição, antes de eventualmente vir a ser ordenado o despejo da Requerente e do seu agregado familiar da habitação municipal em apreço, existem muitas outras diligências e trâmites procedimentais a adotar, nomeadamente: i. nova deslocação da Polícia Municipal ao imóvel em apreço para constatar a persistência da situação de ocupação; ii. encaminhamento pessoal da Requerente para soluções alternativas e legais de acesso à habitação, nos termos do n.º 6 do artigo 28.º do NRAAH; iii. elaboração do Relatório de Avaliação Social do agregado da Requerente; iv. elaboração, pelos serviços da Câmara Municipal, de proposta de despejo ao Vereador com competência para o efeito; v. submissão da proposta de desejo pelo Vereador competente à Câmara; vi. elaboração de projeto de decisão de despejo; vii. notificação da Requerente do projeto de decisão de despejo, para se pronunciar em sede de audiência prévia; viii. apreciação da pronúncia da Requerente nessa sede; e, (ix) prolação de decisão final. Assim, apesar de a Requerente ter fundado o periculum in mora nestes autos na existência de fundado receio de vir a ser despejada da habitação por si ocupada, em virtude de a Entidade Requerida tomar posse da mesma, em caso de incumprimento da ordem de desocupação voluntária da habitação municipal no prazo máximo de três dias, e de assim se tornar sem abrigo por não dispor de alternativa habitacional, a análise jurídica do enquadramento legal que lhe serve de base, permite-nos concluir que este receio não é objetivamente fundado, por não estar em causa, sequer em abstrato, a possibilidade de vir a ser despejada. Por isso, na medida em que o não decretamento da presente providência cautelar, não tem como consequência que a Requerente e o seu agregado familiar fiquem privados de continuar a habitar no imóvel municipal aqui em causa, ou que a Entidade Requerida tome posse da mesma, a ordem de desocupação voluntária da habitação não é apta a produzir os prejuízos irreparáveis ou de muito difícil reparação invocados pela Requerente, que assim, inexistem. Em suma, importa concluir pela não verificação, no caso sub iudice, do pressuposto do periculum in mora, que é imprescindível para o decretamento da presente providência cautelar. Analisemos o acerto da análise jurídica do requisito cautelar periculum in mora. Nos termos do art 120º, nº 1 e 2 do CPTA, a procedência dos pedidos formulados no presente processo cautelar depende da verificação de três requisitos: i. Haver fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que ela visa assegurar no processo principal - periculum in mora; ii. Ser provável que a pretensão formulada, ou a formular nesse processo principal, venha a ser julgada procedente - fumus boni juris; iii. Não serem os danos que resultariam para os interesses públicos com a sua concessão superiores àqueles que podem resultar da sua recusa para os interesses particulares, sem que aqueles danos possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências. Estes três requisitos – dois positivos e um negativo - são cumulativos e, portanto, indispensáveis para a concessão da providência ou providências cautelares requeridas. O que significa que a não verificação de um dos requisitos positivos impõe desde logo o indeferimento da providência, e que a análise do requisito negativo apenas se exigirá no caso de se verificarem os outros dois - «periculum in mora» e «fumus boni juris». No caso sub judice, foi entendido pelo tribunal recorrido não estar preenchido o requisito do periculum in mora e, em consequência, ficar prejudicado o conhecimento dos restantes requisitos cautelares. E, na verdade, em face dos factos alegados e provados, matéria que não vem impugnada no recurso, assim sucede. Porque, O ato suspendendo, notificado por edital afixado no dia 21.2.2024, determinou à requerente/ recorrente/ ocupante da fração autónoma sita na ..., sem contrato ou documento de atribuição ou autorização que habilite tal ocupação, o seguinte: • fica notificado que se encontra legalmente obrigado a proceder à desocupação e à entrega voluntária da habitação camarária livre de pessoas e bens, dispondo para o efeito do prazo máximo de 3 dias … • caso não venha a ocorrer a desocupação e a entrega da habitação nos termos e no prazo determinado, ordenar-se-á o despejo … • fica igualmente notificado que, com a tomada de posse da habitação pela autarquia, nos termos referidos, quaisquer bens móveis deixados na habitação serão considerados abandonados a favor do Município … Este ato administrativo não decide pela tomada de posse da habitação nem ordena o despejo da requerente e respetivo agregado familiar da fração que ocupam sem título desde fevereiro de 2010. O ato ordena a desocupação e entrega voluntária da habitação municipal, livre de pessoas e bens, no prazo de três dias, nos termos do disposto no art 35º, nº 1 e nº 2 da Lei nº 81/2014. Apenas no caso de incumprimento da obrigação de desocupação e entrega voluntária da habitação municipal, o nº 3 do art 35º da Lei nº 81/2014 determina a aplicação do disposto no art 28º do mesmo diploma. O mesmo é dizer que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega voluntária da habitação no prazo concedido, cabe à entidade proprietária/ requerida e recorrida nos autos levar a cabo os procedimentos subsequentes, como seja o previsto no art 28º, nº 6 da Lei nº 81/2014. O ato suspendendo cumpre os termos legais, contendo a decisão de desocupação e entrega voluntária da habitação municipal – art 35º, nº 1 e nº 2 da Lei nº 81/2014 – e a advertência do nº 3 da norma. Para requerer a suspensão de eficácia do ato administrativo de 21.2.2024 com fundamento em fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a requerente visa assegurar no processo principal, a requerente alegou no requerimento inicial o seguinte: 14. A requerente, para todos os efeitos legais, por não dispor de alternativa habitacional e por se encontrar em efetiva carência habitacional, teria sempre de ser considerada sem abrigo, caso fosse obrigada a abandonar a habitação que ocupa há mais de quinze anos. 25. A tomada de posse pelo requerido da casa que serve de habitação à requerente, há mais de quinze anos, privará a requerente de poder continuar a nela habitar. 31. Está, em causa a possibilidade de a requerente poder residir no imóvel, destinado à habitação permanente do seu agregado familiar. A justificação do fundado receio da requerente em ficar sem habitação até ser proferida sentença no processo principal interpreta o ato suspendendo como um ato de despejo, que não é. De todo o modo, a alegação da requerente, ora recorrente, de ficar sem habitação por não dispor de alternativa habitacional, não ficou demonstrada nos autos e a recorrente não impugna no recurso a decisão sobre a matéria de facto. Dito de outro modo, o receio que a requerente alega, de ficar privada de habitação e, por não dispor de alternativa habitacional e se encontrar em efetiva carência habitacional, passar a residir na rua com o seu agregado familiar, na situação de sem abrigo, não ficou provado. Assim sendo, nada provando a recorrente no sentido da verificação do requisito do periculum in mora da decisão que lhe determinou desocupação e a entrega voluntária da habitação camarária livre de pessoas e bens, não pode, por conseguinte, o desfecho do pedido cautelar ser outro que não a improcedência por falta de verificação do requisito do periculum in mora. E isso implica, ainda, ser inútil aferir, como também bem decidiu o tribunal recorrido, se se encontram preenchidos os demais requisitos, atinentes ao fumus boni iuris e à ponderação dos interesses, necessários para ser decretada a providência à luz do disposto no artigo 120º, nº 1 e nº 2 do CPTA, pois os requisitos cautelares são de verificação cumulativa. A recorrente, na conclusão 25, vem dizer que apresentou um articulado superveniente na ação principal, nº ....9..., no dia 29.6.2025, portanto, depois de ter sido proferida a sentença que estamos a analisar, onde alegou factos novos e indicou prova testemunhal. E na conclusão 26 invoca a necessidade de na presente providência cautelar se apurarem os factos invocados no articulado superveniente da ação principal. Esta alegação, mesmo que a recorrente tivesse obtido ganho de causa, aparece totalmente desprovida de fundamento. Se os factos foram alegados, apenas, na ação principal não têm de ser conhecidos na presente instância e surgem aqui como uma nova questão fática que não cumpre a este tribunal de recurso conhecer, nem determinar ao tribunal a quo que os apure. Porque os recursos jurisdicionais são meios de impugnação de decisões judiciais, não devem ser utilizados como meio de julgamento de questões que não tenham sido oportunamente invocadas (e, portanto, debatidas e decididas). Significa isto que depois de proferida a decisão em primeira instância não pode ser apreciada, designadamente em sede de recurso jurisdicional, qualquer questão nova. Assim, improcedem as conclusões 25 e 26 do recurso. Decisão Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional e, com fundamentação não totalmente coincidente, confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe esteja concedido. Notifique. * Lisboa, 2025-11-20, (Alda Nunes) (Mara de Magalhães Silveira) (Joana Costa e Nora). |