Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2552/22.5BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 07/11/2024 |
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Relator: | JOANA MATOS LOPES COSTA E NORA |
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Descritores: | NOVOS FUNDAMENTOS EM RECURSO INCOMPETÊNCIA RELATIVA USURPAÇÃO DE PODER SUSPENSÃO DA EFICÁCIA INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL |
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Sumário: | I - A alegação, em sede de recurso, da nulidade dos actos suspendendos com base em fundamentos não invocados no requerimento inicial mostra-se inovadora, pelo que, não havendo acordo das partes quanto à alteração da causa de pedir, é de rejeitar o recurso nessa parte. II - A invocação de nulidade de actos por os mesmos terem sido praticados pelo Director Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa, sendo a competência, para o efeito, da Câmara Municipal de Lisboa, reconduz-se ao vício de incompetência relativa, e não de usurpação de poder. III - A incompetência relativa é insusceptível de gerar a nulidade dos actos. IV - Sendo peticionada, em sede cautelar, a suspensão da eficácia de acto, a procedência da questão prévia da intempestividade da prática do acto processual afasta a verificação do pressuposto do fumus boni iuris na medida em que a sua procedência, enquanto excepção dilatória cuja procedência obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa – cfr. artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea k), do CPTA -, determina a absolvição da instância no processo principal e, consequentemente, a providência requerida deixa de ter qualquer efeito útil para assegurar a tutela principal. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A…, LDA, instaurou processo cautelar contra o Município de lisboa, pedindo (i) a suspensão da eficácia do despacho que procedeu à denúncia do contrato de arrendamento, e bem assim, do despacho de despejo administrativo, datado de 27.06.2022, da cave e rés-do-chão do prédio sito na Rua d…, n.ºs …-…, freguesia de S…, Lisboa, com a descrição predial ficha 1… e o artigo matricial U-7…., com entrada pelo n.º 6, bem como (ii) o reconhecimento, ainda que provisório, com efeitos circunscritos à deliberação aqui em crise, da ilegalidade do artigo 137.º do Regulamento Património Imobiliário do Município de Lisboa, e, em consequência, a suspensão da execução do despejo. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença de absolvição da instância do requerido por verificação das excepções dilatórias da litispendência, da inimpugnabilidade do acto de despejo e da caducidade do direito de acção. O requerente interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “a) Vem o presente recurso da sentença de fls. … que julgou improcedente a providência cautelar requerida, com fundamento na “litispendência”, ainda que parcial e na “caducidade”; b) A decisão recorrida começa por dar como verificada - “… a … tripla identidade, sendo até manifesta a coincidência quanto aos sujeitos, a parte do pedido e a parte da causa de pedir da presente ação judicial com o processo cautelar que correu termos neste Tribunal …”; Porém, conclui que: - “… será de julgar verificada a exceção dilatória da litispendência, a título parcial, e, por conseguinte, absolver a Entidade Requerida da instância nessa mesma medida …”; c) A decisão recorrida não conclui nem esclarece em que medida é que absolve a Entidade Requerida da instância. d) Concretamente, a decisão recorrida não esclarece o que significa “verificada a exceção dilatória da litispendência, ainda que parcial”? e) Existe, assim, ambiguidade e obscuridade na sentença. f) A decisão recorrida considera que: - “ … o despacho do Diretor da Direção Municipal de Gestão consubstancia uma verdadeira decisão de proceder à execução do ato de denúncia do contrato de arrendamento, fixando os respetivos moldes em que a mesma irá ocorrer”. Sendo que, tal despacho “… apenas inovou quanto aos aspetos que nele foram definidos pela primeira vez …”; Por conseguinte, o despacho … só é impugnável pelos vícios próprios que lhe sejam assacados pela Requerente”; Daí que, “… dos fundamentos alegados … não resulta qualquer vício de usurpação de poderes”; “… os fundamentos invocados … subsumem-se ao regime da incompetência (relativa) a qual sempre seria geradora de mera anulabilidade, por não estar previsto, para tal vício, a sanção da nulidade …”; “O mesmo sucedendo com o vício de abuso do direito, …”; Concluindo, assim, que “Em face da ausência de pressupostos processuais da ação principal, será de absolver a Entidade Requerida da presente instância”; g) Nos presentes autos estão em causa atos regulados nos termos da lei que fixa o regime jurídico das autarquias locais (lei 75/2013); Atos esse praticados no âmbito das competências delegadas e subdelegadas. h) O Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa é um mero diretor de serviço, exerce as competências no âmbito da unidade orgânica em que se integra e desenvolve a sua atividade de harmonia com os princípios enunciados no respetivo estatuto. i) Só que, como bem se refere na decisão recorrida, na prática dos atos o Sr. Diretor extravasou esses poderes. j) O despacho do Sr. Diretor inovou; k) O Sr. Diretor atuou, assim, por iniciativa própria; l) Confundindo a sua função de mero executor de deliberações, com as do próprio órgão a que estatutariamente pertence, este sim, com poderes deliberativos. m) Ao praticar um ato deliberativo em representação do órgão a que pertence, o Sr. Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa praticou um ato como se de um órgão colegial se tratasse, no caso substituindo-se à Câmara Municipal de Lisboa; n) Com este seu comportamento, o Sr. Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa atuou com usurpação de competências. o) Tal conduta configura uma modalidade da usurpação de funções. p) E tanto é assim, que, o número 2 do artigo 161.º do CPA distingue nas alíneas a) e b), os atos praticados a) Os atos viciados de usurpação de poder; b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre; q) Em que, o conteúdo da alínea b) referido consubstancia a prática de ato por um órgão da administração cuja competência é de outro poder ou órgão da administração; r) A interpretação constante da decisão recorrida esvazia de conteúdo o teor da alínea b) do número 2 do artigo 161.º do CPA. s) O que não é legalmente admissível. t) A prática dos atos pelo Sr. Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa tem como efeito a nulidade desses mesmos atos. u) O regime da invalidade do ato administrativo está previsto nos artigos 161.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo; v) O número 1 dispõe que: “São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade” refere Por sua vez, o número 2 faz uma enumeração exemplificativa de atos nulos. w) A enumeração exemplificativa deixa ao interprete o ónus de aplicar a lei em função da gravidade do ato. x) Do ponto de vista orgânico os atos praticados pelo Sr. Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa constituem uma ofensa ao regime jurídico das autarquias, regulado nos termos da lei 75/2013, o qual, de harmonia com o seu artigo 2.º, n.º 1: “As normas constantes da presente lei são de aplicação imperativa e prevalecem sobre as normas especiais atualmente em vigor, salvo na medida em que o contrário resulte expressamente da presente lei.” y) Bem como, tais despachos violam o disposto nos artigos 32.º e seguintes e artigo 38.º, ambos da referida lei 75/2013; z) Pois, em nenhum dos citados artigos consta como matéria delegável e subdelegável, a “denúncia administrativa de contratos de arrendamento”, e bem assim, também não consta a execução do “despejo administrativo”; aa) Pelo que, os mencionados despachos foram proferidos por quem não tem poderes para a prática dos atos, porquanto respigando do artigo 44.º, n.º 1, do CPA, se não verifica a condição nuclear, donde “(…)sempre que para tal estejam habilitados por lei(…)”. bb) Assim sendo, os mencionados despachos (datado de 05/11/2020, 18/01/2021 e 27/06/2022), proferidos pelo Senhor Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial estão feridos de nulidade, ferindo a ordem jurídica com vício de usurpação de competências/poder (cfr. artigo 161.º, n.º 2, al, a) do CPA). Acresce cc) O número 2 do artigo 161.º indica, a título exemplificativo, diversos tipos de atos nulos. Como sejam: c) …; d) …; e) …; f) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental; g) …; h) …; i) Os atos que careçam em absoluto de forma legal; j) …; k) …; l) …; m) …; n) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido dd) A propriedade privada constitui um direito fundamental e carateriza-se pelo molde jurídico onde se vaza o poder humano de usar, de gozar, ou de dispor dos bens de forma plena (Mota Pinto – preleções). ee) No caso em apreço a Recorrente é proprietária do estabelecimento comercial há mais de cem anos; ff) Enquanto proprietária do estabelecimento a Recorrente usa, goza e dispõe em exclusivo de todo o património que ao mesmo pertence, o qual é composto por um complexo objetivo de bens reunidos que compreende as coisas materiais e corpóreas, mas também os próprios bens imateriais, direitos e relações contratuais que compõem por inteiro o estabelecimento e lhe dão o seu valor económico e “aisense” instrumental, como, designadamente, o aviamento, ou seja, aquela qualidade em freguesia certa e volume de negócios que permite a solvência do estabelecimento; gg) Com o seu comportamento, de denúncia do contrato, despejo administrativo, a Entidade Recorrida põe em causa o direito de propriedade da aqui Recorrente sobre o estabelecimento. hh) A perda do estabelecimento constitui para a Recorrente a violação de um direito fundamental consubstanciado no direito de propriedade do mesmo. ii) A qual resultará, como consequência direta imediata e necessária, da prática de atos por parte da Entidade Recorrida, como são os atos/despachos aqui postos em crise. jj) Deste modo, os atos do Sr. Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental como é o direito de propriedade privada que a Recorrente possui sobre o estabelecimento, enquadrando-se tal comportamento na alínea d) do número 2 do artigo 161.º do CPA. Ainda que assim se não entenda kk) Sempre os atos em causa carecem de forma legal, nos termos da alínea m) do número 2 do artigo 161.º do CPA; Ou, ll) Para o caso de assim se não entender, dado que se trata de atos praticados com preterição total de procedimento legalmente exigido, e não foi invocado estado de necessidade, tais atos serão sempre nulos nos termos da alínea m do número 2 do artigo 161.º do CPA: mm) A sentença recorrida é obscura e ambígua, faz errada interpretação da lei, nomeadamente no que respeita à lei 75/2023, bem como, do artigo do 161.º, n.º 1 e 2, do CPA, e artigos 576.º, 577.º, 581.º, todos do CPC;” Notificado das alegações apresentadas, o requerido, ora recorrido, contra-alegou, mas não apresentou conclusões. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu pronúncia. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR As questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber: a) Se a sentença é nula por ambiguidade ou obscuridade; b) Se a sentença padece de erro de julgamento de direito. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou indiciariamente provados: “1. Por despacho do Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa, de 5 de novembro de 2020, exarado em informação dos serviços, cujo teor se dá por reproduzido, foi decidido proceder à denúncia administrativa do contrato de arrendamento em que figura como locatária a sociedade A…, Lda., ora Requerente, relativo ao locado sito na Rua d…, n.º …, R/c, em Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 137.º do Regulamento do Património Imobiliário do Município de Lisboa – cfr. doc. n.º 2 junto com o RI, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 2. A decisão que antecede foi tomada no exercício das competências delegadas e subdelegadas pelo Despacho n.º 113/P/2019, publicado no 3.º suplemento ao Boletim Municipal n.º 1339, de 17 de outubro de 2019 – facto admitido por acordo das partes (cfr. artigos 4.º e 16.º do RI e 114.º da oposição); cfr., ainda, neste sentido, o doc. n.º 1 junto com o RI, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 3. A Requerente deduziu reclamação administrativa contra o despacho acima mencionado, cujo teor se dá por reproduzido – cfr. doc. n.º 3 junto com o RI, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 4. Por despacho do Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa, de 18 de janeiro de 2021, exarado em informação dos serviços, cujo teor se dá por reproduzido, foi confirmado o ato reclamado – cfr. doc. n.º 4 junto com o RI, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 5. A ora Requerente intentou providência cautelar neste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, distribuída sob o processo com o n.º 431/21.2BELSB, cujo requerimento inicial se dá por integralmente reproduzido, e aí requerendo o seguinte: ―Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente providência Cautelar ser julgada procedente por provada e, em consequência, a) Ser suspensa eficácia da deliberação proferida pelo Requerido, através da qual decidiu proceder à denúncia do contrato de arrendamento da Cave e Rés-do-Chão do prédio com 6 andares, sito na Rua d…, n.ºs …-…, freguesia de S…, Lisboa, descrição predial ficha 1…, artigo matricial U-7…, e locado pela aqui Requerente na sua Cave e R/C, com entrada pelo n.º …, para além da cessação do estado de emergência, melhor identificado em 58 a 64, anteriores. b) Ser reconhecida, ainda que provisoriamente, com efeitos circunscritos à deliberação aqui em crise, a ilegalidade do art.º 137.º do Regulamento Património Imobiliário do Município de Lisboa, e, em consequência e ser suspensa a execução do despejo constante do referenciado artigo 137.º, nos termos do art.º 130.º do CPTA, com efeitos circunscritos à deliberação aqui em crise; c) Mais Requer a V. Exa. se digne face a situação especial de urgência, melhor atrás exposta, e por se encontrarem verificados os pressupostos o decretamento da presente providência, requerendo, que seja conclusa ao juiz para que este se digne decretar provisoriamente no prazo de 48 h, nos termos do art.º 131.º do CPTA.‖ – cfr. doc. n.º 1 junto com a oposição, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 6. Na pendência do processo com o n.º 431/21.2BELSB, a Requerente deduziu, ainda, articulado superveniente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – cfr. doc. n.º 1 junto com a oposição, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 7. O articulado superveniente acima mencionado foi admitido, nos termos definidos pelo despacho de 27 de maio de 2022, cujo teor se dá por reproduzido – cfr. doc. n.º 2 junto com a oposição, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 8. Também por despacho de 27 de maio de 2022, foi determinada a antecipação do juízo sobre a causa principal, ao abrigo do disposto no artigo 121.º do CPTA – cfr. doc. n.º 2 junto com a oposição, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 9. Nesse mesmo dia 27 de maio de 2022, foi proferida sentença no processo n.º 431/21.2BELSB, cujo teor se dá por reproduzido, na qual, para o que por ora releva, foi julgado improcedente o pedido de declaração de nulidade ou anulação da decisão de denúncia do contrato de arrendamento do locado sito na Rua d…, n.ºs ... a …, de que a Requerente é locatária, bem como foi julgado improcedente o pedido de reconhecimento de ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo 137.º do Regulamento do Património Imobiliário do Município de Lisboa, com efeitos circunscritos ao caso concreto – cfr. doc. n.º 2 junto com a oposição, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 10.A sentença referida no ponto que antecede foi objeto de recurso da Requerente para o Tribunal Central Administrativo Sul, não tendo ainda sido proferida decisão quanto ao mesmo – cfr. alegações de recurso e print da tramitação do processo n.º 431/21.2BELSB, constante do SITAF, a ser junto pela Unidade Orgânica, ao abrigo do disposto no artigo 412.º n.º 2 do CPC, para os quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidos; 11.Por despacho do Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa, de 27 de junho de 2022, exarado em informação dos serviços, foi decidido aprovar os atos de execução tendentes à desocupação do locado acima mencionado – cfr. doc. n.º 1 junto com o RI, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 12.A informação dos serviços na qual foi exarado o despacho que antecede tem o seguinte teor: ―(…) Na sequência do PRA - Programa de Renda Acessivel referente á Rua d…, em Lisboa, e da necessidade de dar continuidade à desocupação dos espaços municipais não habitacionais de acordo com o legalmente previsto no Regulamento do Património Imobiliário do Município de Lisboa, adiante também abreviadamente designado por RPIML, submete-se à consideração Superior. tendo em conta as competências subdelegas pelo Despacho n.0 2001P/2021, publicado no Suplemento ao Boletim Municipal n.º 1453, de 23 de dezembro, a seguinte, PROPOSTA I. Nos termos conjugados do disposto no Despacho n.0 21/P/2019, publicado no 2.º Suplemento ao Boletim Municipal n.º 1305, de 21 de fevereiro, com o teor do n.º 3 do artigo 57.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, datado de 14/08/2020, exarado na INF/40/DAP/DMGP/CML/20, foi aprovada, por despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente J…, a proposta de denúncia administrativa do contrato de arrendamento em que é Locatária — proposta que se dá por integralmente reproduzida: N.º - Fração - Nome: … a … - "A…, Lda." 2. Notificada a Locatária para, querendo, se pronunciar em sede de audiência prévia, apresentou pronúncia. 3. Ponderada a audiência prévia apresentada, veio a ser proferida decisão final de denúncia administrativa do contrato de arrendamento celebrado com a referida arrendatária para os locados identificados, ao abrigo do disposto no artigo ao abrigo do disposto no artigo 137.º do RPIML (…), aprovada por despacho do então Exmo. Sr. Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial, Dr. A…, datado de 05/11/2020, exarado a fls. 25, da INF/854/DGC/DAP/DMGP/CML/20, no exercício das competências delegadas e subdelegadas pelo Despacho n.º 113/P/2019, publicado no 3.º Suplemento ao Boletim Municipal n.º 1339, de 17 de outubro de 2019. 4. A referida foi notificada à Locatária, mais tendo sido notificados, de acordo com a proposta aprovada, para: a. proceder à desocupação do locado no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, nos termos do disposto n.º 3 do artigo 137.º do RPIML, a contar do dia útil seguinte ao da receção da notificação; b. vir fazer prova dos seus direitos indemnizatórios. nos termos previstos no artigo 138.º do RPIML, apesar de os direitos indemnizatórios em resultado da denúncia administrativa apenas emergirem da desocupação do locado – nos temos do disposto no n.º 1 do artigo 138.º do RPIML. 5. Por fim, foi a Locatária ainda notificada de que, sendo, em qualquer caso, intuito do Município alcançar uma solução consensual, caso viesse a ser obtido acordo após a notificação do ato final de denúncia administrativa do contrato de arrendamento, com a entrega da posse do locado se procederia à revogação do ato de denúncia. 6. Ora. no que concretamente respeita aos contratos de arrendamento entre o Município e aquela Locatária, encontra-se ultrapassado o prazo de 120 dias, contados do inicio da produção de efeitos da denúncia administrativa dos contratos de arrendamento — isto é, contados de 01.07.2021, atendendo à suspensão das denuncias dos contratos de arrendamento impostas, no âmbito das medidas excecionais destinadas a assegurar a mitigação e o tratamento da doença COVID-19 no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a proteger e salvaguardar, numa perspetiva económica. as famílias e as atividades desenvolvidas por pessoas coletivas e singulares, que foi sendo sucessivamente prorrogada até 30 de junho de 2021. 7. Adicionalmente, a providência cautelar de suspensão de eficácia da denúncia adiministrativa requerida pela Locatária (a que esteve associada, nos termos da Lei, a proibição de executar o ato administrativo suspendendo) e que correu termos no Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o n.º 431/21.2BELSB, foi indeferida por Sentença (que também antecipou o juízo da causa principal) de 27 de maio de 2022, pelo que não se verifica qualquer impedimento, de natureza jurídico-processual, à produção de efeitos da denúncia administrativa. 8. Dispõe o Regulamento do Património Imobiliário do Município de Lisboa, no seu artigo 137.º, o seguinte: n.º 3: Se o arrendatário não desocupar o prédio no prazo de 120 dias, a contar da notificação a que se refere o número anterior, fica sujeito a despejo imediato, sem dependência de ação judicial n.º 4: A notificação para efeitos do disposto no n.º 1 e a execução do despejo são efetuadas pelos serviços municipais, podendo haver recurso às autoridades policiais competentes. Assim, tendo consideração que: a. Esta atuação do Município é juridicamente enquadrada no Regulamento do Património Imobiliário do Município e que, na falta de legislação especial quanto aos respetivos trâmites, é aplicável o regime geral previsto do Código de Procedimento Administrativo (―CPA‖), de acordo com o qual, estando em causa a obtenção coerciva de entrega de coisa certa (cf. n.º 1 do artigo 175.º do CPA), a execução coerciva se pode dar ―nos casos e segundo as formas e termos expressamente previstos na lei, ou em situações de urgente necessidade pública devidamente fundamentada‖ (cf. n.º 1 do artigo 176.º do CPA) b. O ato administrativo exequendo – a denúncia – está praticado (decisão emitida e notificada) e é eficaz – cf. n.º 1 do artigo 177.º do CPA, 9. É agora necessário que a CML, em cumprimento do n.º 2 do artigo 177.º, com vista à execução da desocupação do locado, emita uma nova decisão (no sentido de proceder à execução), determinando o conteúdo e os termos da execução. 10. Para o efeito de dar execução à desocupação, nos termos explicitados no ponto anterior, deverão ser adotados os seguintes procedimentos: i. Notificar a locatária, para, em prazo razoável – cf. n.º 3 do artigo 177.º do CPA –, que se propõe ser de 15 dias corridos, proceder definitivamente à desocupação do respetivo tocado, completamente livre de pessoas e bens; ii. Notificar a locatária que, na circunstância de no prazo que vier a ser concedido não proceder à desocupação do respetivo locado, o Município: i. Procederá à obtenção de mandado judicial, com vista à realização das diligências de execução coerciva da desocupação; ii. Requererá, sem prejuízo da competência regulamentar dos serviços administrativos (e, por essa via, também da Polícia Municipal), que seja oficiada a Polícia de Segurança Pública (PSP), para coadjuvar na manutenção da ordem pública (para o caso de os atos de execução a virem a afetar); iii. Removerá os bens que nele se encontrem e entregando-os ao respetivo locatário ou, se isso não for possível, inventariá-los-á e depositá-los-á em local adequado, 11. Em qualquer caso, de forma a acautelar o previsto no artigo 178.º do CPA, devendo os meios coercivos ser proporcionais e provocar o menor prejuízo possível para os interesses dos arrendatários: i, O arrombamento das portas só deverá ocorrer na falta de resposta do arrendatário; ii, Se a arrendatária solicitar, fundamentadamente, um período adicional para a desocupação, que não deverá ser superior a 7 dias, o mesmo deverá ser conferido. Nestes termos, tendo presente tudo quanto exposto propõe-se: a. A aprovação dos atos de execução tendentes à desocupação do locado, concretamente: i. A concessão de um prazo de 15 dias corridos, contados da notificação dos atos de execução, para proceder à desocupação do locado, livre de pessoas e bens; ii. A entrega das chaves do locado, no mesmo prazo – de 15 dias corridos; iii. No caso de a Locatária não proceder à desocupação do locado, naquele prazo: (i.) Se proceda à obtenção de mandado judiciai, com vista à realização das diligências de execução coerciva da desocupação; (ii.) Se requeira, sem prejuízo da competência regulamentar dos serviços administrativos (e, por essa via, também da Polícia Municipal), que seja oficiada a Polícia de Segurança Pública (PSP), para coadjuvar na manutenção da ordem pública (para o caso de os atos de execução a virem a afetar). iv. Nas diligências com vista à execução coerciva da desocupação: (i.) O arrombamento das portas só deverá ocorrer na falta de resposta da arrendatária; (ii.) Se a arrendatária solicitar, fundamentadamente (designadamente, pelo tipo de bens em causa), a possibilidade de ser concedido um prazo adicional para a desocupação, que não deverá ser superior a 7 dias, deverá ser conferido. b. A notificação da Locatária, através de notificação pessoal com recurso à Polícia Municipal, e do respetivo mandatário, da aprovação dos atos de execução e respetivos trâmites; c. A notificação da Locatária para, no prazo de 10 dias úteis contados da receção da notificação, fazer prova dos seus direitos indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 138.º do RPIML. É o que se oferece informar, sendo que V. Exa. sempre melhor decidirá.‖ – cfr. doc. n.º 1 junto com o RI, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 13.O despacho do Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa, de 27 de junho de 2022, acima mencionado, foi tomado no exercício das competências delegadas e subdelegadas pelo Despacho n.º 200/P/2021, publicado no 1.º suplemento ao Boletim Municipal n.º 1453, de 23 de dezembro de 2021 – cfr. doc. n.º 1 junto com o RI, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 14.Em 6 de agosto de 2022, a Requerente, na pessoa do seu mandatário, recebeu o ofício n.º OF/520/DGC/DAP/DMG/CML/22, emitido pela Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa, que se dá por integralmente reproduzido, dando-lhe conhecimento do despacho do Diretor da Direção Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa, de 27 de junho de 2022 – cfr. doc. n.º 1 junto com o RI, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; facto confessado pela Requerente quanto à data da receção do referido ofício (cfr. artigo 2.º do RI); 15.Na sequência do ofício n.º OF/520/DGC/DAP/DMG/CML/22, a Requerente solicitou à Entidade Requerida a suspensão do despejo administrativo, em virtude de doença do seu gerente, ―[s]em prejuízo do recurso à via judicial com vista à suspensão da deliberação a que se reporta o ofício (…)‖ – cfr. doc. n.º 3 junto com a oposição, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 16.Na sequência do ofício n.º OF/520/DGC/DAP/DMG/CML/22, a Requerente veio também a apresentar requerimento, junto da Entidade Requerida, com vista a fazer prova dos seus direitos indemnizatórios, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – cfr. doc. n.º 4 junto com a oposição, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido; 17.O requerimento inicial que espoletou o hodierno processo cautelar foi intentado pela Requerente no dia 21 de agosto de 2022, através do SITAF – cfr. fls. 1 e ss. do SITAF, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas; 18.Até à presente data, a Requerente não intentou a ação principal de que o hodierno processo cautelar é instrumental – cfr. fls. 510 e ss. do SITAF, bem como impressão dos resultados da pesquisa de processos intentados pela Requerente neste Tribunal, constante do SITAF, a ser junto pela Unidade Orgânica, ao abrigo do disposto no artigo 412.º n.º 2 do CPC, para os quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidos.” IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A. Da nulidade da sentença Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Não obstante a recorrente não configurar a questão como de nulidade da sentença, alega a mesma que a sentença recorrida não conclui nem esclarece em que medida é que absolve a entidade requerida da instância, não esclarecendo o que significa “verificada a exceção dilatória da litispendência, ainda que parcial”, pelo que importa analisar se, atenta tal alegação, a sentença recorrida padece da nulidade prevista na citada alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Resulta de tal norma legal que a sentença é nula quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Vejamos, então, o que discorre a sentença quanto à absolvição da requerida da instância por litispendência: “(…) No caso dos autos, verifica-se a referida tripla identidade, sendo até manifesta a coincidência quanto aos sujeitos, a parte do pedido e a parte da causa de pedir da presente ação judicial com o processo cautelar que correu termos neste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa n.º 431/21.2BELSB e que, por ora, aguarda decisão do Tribunal Central Administrativo Sul. Com efeito: i. Nas duas ações judiciais, a Autora é a A…, Lda., e o Réu é o Município de Lisboa; ii. Nas duas ações judiciais, visam-se exatamente os mesmos efeitos jurídicos, consubstanciados na suspensão da decisão de denúncia do contrato de arrendamento, na suspensão (da decisão de/) do despejo e no reconhecimento da ilegalidade do artigo 137.º do Regulamento Património Imobiliário do Município de Lisboa; iii. Nas duas ações judiciais há uma inegável identidade entre as respetivas causas de pedir, sendo os fundamentos esgrimidos em tudo semelhantes, ainda que apenas parcialmente. Vejamos melhor os pontos ii. (identidade entre os pedidos) e iii. (identidade entre as causas de pedir). * Como é sabido, ocorre a identidade entre os pedidos quando, nas ações, se pretenda obter o mesmo efeito jurídico. Sendo inexorável que os pedidos de suspensão da decisão de denúncia do contrato de arrendamento e de reconhecimento da ilegalidade do artigo 137.º do Regulamento Património Imobiliário do Município de Lisboa visam o mesmo efeito jurídico (o que não é sequer debatido pela Requerente, na sua resposta à matéria de exceção), tal é também o que sucede com o pedido de suspensão da decisão de despejo. Tal sucede porque é manifesto que, mediante o processo cautelar n.º 431/21.2BELSB, a Requerente também pretendeu obstar ao seu despejo do locado. Isso transparece, inequivocamente, da leitura desse mesmo requerimento inicial, nomeadamente quando a Requerente aí referiu que: “Esta actuação administrativa do Requerido determina a existência de fundado receio de constituição de uma situação de facto consumada ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal, com a execução do despejo decorrente da denúncia efectuada por parte do Município de Lisboa, aqui Requerido” (Sublinhado nosso) – artigo 6.º do requerimento inicial deduzido no processo n.º 431/21.2BELSB; “Que com o despejo e denúncia imediata, a atividade da Requerente fica em cheque, pois depende essencialmente da sua localização, que na gíria comercial se conhece por ponto ou pelo “good will” do estabelecimento” – artigo 157.º do requerimento inicial deduzido no processo n.º 431/21.2BELSB; “A prossecução dos efeitos desta denúncia e consequente despejo imediato, determinam para a Requerente um prejuízo irreparável, pois a Requerente é privada irremediavelmente, da possibilidade do exercício da sua actividade que exercia de forma ininterrupta desde 28/05/1919” – artigo 170.º do requerimento inicial deduzido no processo n.º 431/21.2BELSB; “A suspensão de eficácia do acto de denúncia e consequente despejo não lesa manifestamente qualquer interesse público prosseguido pelo Requerido” – artigo 172.º do requerimento inicial deduzido no processo n.º 431/21.2BELSB; “Por conseguinte, os interesses públicos e privados, devidamente ponderados convergem para o mesmo sentido, a intimação do Requerido à abstenção da prática do despejo e/ou execução do mesmo, decorrente do despacho de denúncia do contrato de arrendamento, pelo que, a adopção da presente providencia cautelar respeita o princípio da proporcionalidade e adequação” (Sublinhado nosso) – artigo 178.º do requerimento inicial deduzido no processo n.º 431/21.2BELSB. É natural que assim seja, uma vez que a Requerente visava suspender os efeitos da decisão de denúncia do contrato de arrendamento e que o despejo da Requerente é, justamente, uma das consequências da aludida denúncia contratual (no caso de incumprimento voluntário da desocupação do locado – cfr. o artigo 137.º n.ºs 1 a 3 do Regulamento Património Imobiliário do Município de Lisboa). Mas mais. A Requerente peticionou ao Tribunal que reconhecesse, provisoriamente, e com efeitos circunscritos ao caso concreto, a ilegalidade do artigo 137.º do Regulamento Património Imobiliário do Município de Lisboa e, como consequência, que suspendesse a execução do despejo – cfr. al. b) do petitório do requerimento inicial deduzido no processo n.º 431/21.2BELSB. Simplesmente, com o decurso do tempo, o despejo veio a ser determinado por novo ato administrativo. Porém, apesar de a redação dos pedidos formulados não ser exatamente a mesma (nem tem que ser), através da presente ação cautelar a Requerente visou obter exatamente os mesmos efeitos jurídicos que procurou que lhe fossem concedidos/reconhecidos no seio do processo n.º 431/21.2BELSB, aqui incluindo a suspensão do despejo ocorrido na sequência da decisão de denúncia do contrato de arrendamento. Por conseguinte, há identidade quanto aos pedidos. * Por outro lado, determina a lei que ocorre a identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico; sendo que, nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido – cfr. o artigo 581.º n.º 4 do CPC, aplicável por via do artigo 1.º do CPTA. Ora, é manifesto, do cotejo entre as ações, que a Requerente repetiu, praticamente ipsis verbis, a quase totalidade dos fundamentos esgrimidos ao longo do processo n.º 431/21.2BELSB (i.e., quer no requerimento inicial, quer no articulado superveniente aí deduzido), em especial, para efeitos do fumus boni iuris. Com efeito, na presente ação, a Requerente repetiu a argumentação por si esgrimida quando alega que é provável a procedência da ação principal porque o arrendamento se rege pelo direito privado, porque o procedimento foi iniciado antes de obtido visto pelo Tribunal de Contas, porque o Regulamento Património Imobiliário do Município de Lisboa está ferido de inconstitucionalidade formal e material e ofende as normas da aplicação da lei no tempo, porque o Concurso Público n.º 27/CPI/DA/CML/2017 é nulo por inelegibilidade da adjudicatária, porque os despachos suspendendos erraram uma vez que era possível a manutenção do arrendamento, porque padecem de falta de fundamentação e porque foi preterida a audiência dos interessados. Todos estes fundamentos carecem de ser decididos (com trânsito em julgado) no processo n.º 431/21.2BELSB. A sua reapreciação no âmbito da presente ação judicial levaria, inevitavelmente, a que este Tribunal fosse colocado na possibilidade de contradizer ou de reproduzir a decisão que vier a ser tomada (com trânsito em julgado) no processo n.º 431/21.2BELSB. E sublinhe-se que, pese embora a Requerente tenha aduzido alguma fundamentação acrescida quanto a determinados aspetos (já anteriormente invocados), como sucede com a natureza do contrato de arrendamento (cfr. artigos 21.º a 48.º e 90.º do requerimento inicial) ou com a ilegalidade do Regulamento Património Imobiliário do Município de Lisboa (92.º a 95.º do requerimento inicial), nem por isso deixa de ocorrer identidade de causa de pedir entre as ações quanto a tais fundamentos, por os vícios invocados provirem dos mesmos factos. Tirando isso, tudo o que resta, essencialmente, a respeito do requisito do fumus boni iuris, é saber se os despachos suspendendos estão feridos de nulidade por usurpação de poder (artigos 7.º a 20.º do requerimento inicial) e se a Entidade Requerida agiu com abuso de direito (artigos 172.º a 183.º do requerimento inicial) – sublinhando-se que nem a própria Requerente logrou, na resposta à matéria de exceção, identificar outros factos jurídicos em que não ocorra identidade de causa de pedir. Em face do exposto, será de julgar verificada a exceção dilatória da litispendência, a título parcial, e, por conseguinte, de absolver a Entidade Requerida da instância nessa mesma medida, prosseguindo a ação para apreciação de tudo o sobrante.” O que se retira da citada fundamentação da sentença é que coincidem os sujeitos (a requerente A…, Lda, e o requerido Município de Lisboa), parte do pedido (suspensão da decisão de denúncia do contrato de arrendamento, suspensão do despejo e reconhecimento da ilegalidade do artigo 137.º do Regulamento Património Imobiliário do Município de Lisboa) e parte da causa de pedir (início do procedimento antes de obtido visto pelo Tribunal de Contas, inconstitucionalidade formal e material do Regulamento Património Imobiliário do Município de Lisboa, nulidade do Concurso Público n.º 27/CPI/DA/CML/2017 por inelegibilidade da adjudicatária, e ilegalidade dos despachos suspendendos) da presente acção judicial com o processo cautelar que correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o n.º 431/21.2BELSB e que aguarda decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, e foi com base em tais coincidências que se julgou verificada a excepção dilatória da litispendência, a título parcial, e, por conseguinte, se absolveu a entidade requerida da instância nessa mesma medida. O que foi invocado a mais nos presentes autos foi a nulidade dos despachos suspendendos por usurpação de poder e a ocorrência de abuso de direito por parte da entidade recorrida, pelo que, relativamente a esta parte, o Tribunal recorrido considerou não ocorrer litispendência. Ou seja, está claro que a absolvição da requerida da instância por litispendência é parcial porquanto entendeu o Tribunal a quo que a excepção não abrangia a invocação da nulidade dos despachos suspendendos por usurpação de poder nem a ocorrência de abuso de direito por parte da entidade recorrida, por não constatar aquela coincidência. Por conseguinte, não se verifica qualquer ambiguidade ou obscuridade, muito menos qualquer ininteligibilidade, da sentença que a fira de nulidade, pelo que improcede a invocação desta questão. B. Do erro de julgamento de direito Alega ainda a recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito por não ter considerado que os despachos (datados de 05.11.2020, 18.01.2021 e 27.06.2022), proferidos pelo Director da Direcção Municipal de Gestão Patrimonial padecem de nulidade por: (i) serem da competência da Câmara Municipal de Lisboa, pelo que aquele actuou com usurpação de competências, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA; (ii) a denúncia do contrato e o despejo administrativo ofenderem o conteúdo essencial do direito de propriedade da recorrente sobre o estabelecimento, enquadrando-se na alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA; (iii) carecerem de forma legal, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA; (iv) terem sido praticados com preterição total de procedimento legalmente exigido, não tendo sido invocado estado de necessidade, nos termos da alínea l) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA. Vejamos. No r.i., a requerente – ora recorrente – pede a suspensão da eficácia do despacho que procedeu à denúncia do contrato de arrendamento, datado de 05.11.2020, e bem assim, do despacho de despejo administrativo, datado de 27.06.2022, da cave e rés-do-chão do prédio sito na Rua d…, n.ºs …-…, freguesia de S…, Lisboa, com a descrição predial ficha 1… e o artigo matricial U-7…, com entrada pelo n.º …. Para o efeito, alega que tais despachos são nulos (i) por usurpação de poder, por terem sido proferidos por quem não tinha poderes para os praticar, pois que, nem a denúncia administrativa dos contratos de arrendamento, nem a execução do despejo administrativo são matérias delegáveis, nos termos do artigo 38.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro; (ii) por a denúncia do arrendamento não ter operado nos termos da legislação do arrendamento constante do Código Civil e diplomas conexos; (iii) porque o procedimento foi iniciado antes de obtido visto pelo Tribunal de Contas; (iv) porque o Regulamento do Património Imobiliário do Município de Lisboa está ferido de inconstitucionalidade formal e material e ofende as normas da aplicação da lei no tempo, bem como determina a exclusão do recurso à expropriação; e (v) porque o Concurso Público n.º 27/CPI/DA/CML/2017 é nulo por inelegibilidade da adjudicatária. Mais alega que os mesmos despachos padecem de falta de fundamentação, preterição de audiência dos interessados e abuso de direito. Assim, e antes de mais, importa precisar que a alegação de nulidade dos actos suspendendos com base nos fundamentos previstos nas alíneas d) (ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental), g) (carência em absoluto de forma legal) e l) (preterição total do procedimento legalmente exigido) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, se mostra inovadora neste recurso, na medida em que não consta do r.i.. Ora, como anota pertinentemente ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES (Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, 2022, p. 133, nota de rodapé 231), “O objeto do recurso está dependente do objeto da ação, sendo este definido essencialmente a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos arts. 264.º e 265.º. Por conseguinte, salvo nos casos em que se estabeleça acordo das partes, está afastada a possibilidade de alterar ou ampliar o pedido ou a causa de pedir em sede de recurso. Alguma iniciativa do recorrente, fora do caso previsto no art. 264.º, deve motivar a rejeição do recurso nessa parte (…).” Assim sendo, o recurso jurisdicional apenas pode ter por objecto questões que tenham sido anteriormente suscitadas, e não questões novas, salvo se forem de conhecimento oficioso – idem, ibidem, pp. 139 e 140. Não constando do r.i., a invocação da nulidade dos actos suspendendos com base nos fundamentos previstos nas alíneas d), g) e l) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA consubstancia uma ampliação da causa de pedir, possibilidade esta que, no caso, carece de fundamento legal, pelo que se impõe a rejeição do recurso nesta parte, o que se determina. Quanto à invocada nulidade dos actos suspendendos por serem da competência da Câmara Municipal de Lisboa, e por ter o seu autor actuado com usurpação de competências, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, escreve-se na sentença recorrida, a propósito “Da caducidade do direito de ação”, o seguinte: “Como é notório, dos fundamentos alegados pela Requerente não resulta qualquer vício de usurpação de poderes. “A usurpação de poderes consiste na prática por um órgão da Administração de acto que decide uma questão que é da competência dos outros poderes do Estado (legislativo, moderador e/ou judicial)” – cfr., por todos, o Ac. do TCA Norte, de 27-01-2017, proferido no processo n.º 03691/11.3BEPRT, disponível em www.dgsi.pt. Salvo melhor entendimento, os fundamentos invocados pela Requerente a este respeito subsumem-se ao regime da incompetência (relativa), a qual sempre seria geradora de mera anulabilidade, por não estar expressamente previsto, para tal vício, a sanção da nulidade – cfr. os artigos 161.º n.ºs 1 e 2 e 163.º n.º 1 do CPA.” E bem andou a sentença recorrida ao assim decidir. Com efeito, a recorrente faz assentar a nulidade dos actos suspendendos na circunstância de os mesmos terem sido praticados pelo Director Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa, sendo a competência, para o efeito, da Câmara Municipal de Lisboa. Tal alegação reconduz-se ao vício de incompetência, e não de usurpação de poder. Como escreve FREITAS DO AMARAL (in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2001, p. 387), a “incompetência” “(…) pode ser definida como o vício que consiste na prática, por um órgão administrativo, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão administrativo.” A incompetência é absoluta “(…) quando um órgão administrativo pratica um acto fora das atribuições da pessoa colectiva a que pertence.”; e é relativa “quando um órgão administrativo pratica um acto que está fora da sua competência, mas que pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva.” O vício de incompetência absoluta gera a nulidade do acto, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA; o vício de incompetência relativa torna o acto anulável, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CPA. Diferentemente, “a «usurpação de poder» é o vício que consiste na prática por um órgão administrativo de um acto incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador, ou do poder judicial, - e, portanto excluído das atribuições do poder executivo.” – idem ibidem, p. 347. O acto administrativo viciado de usurpação de poder é nulo – cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA. No caso, atenta a alegação da recorrente – no sentido da prática de um acto por outro órgão da mesma pessoa colectiva -, está em causa a incompetência relativa, insusceptível de gerar a nulidade do acto. Nestes termos, conforme decidiu o Tribunal a quo, os actos suspendendos não se mostram nulos por terem sido praticados pelo Director Municipal de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa, mesmo que a competência legal para a prática do acto fosse da Câmara Municipal de Lisboa, pelo que improcede o recurso nesta parte. Mais alega a recorrente que a sentença recorrida errou por não ter concluído que os mesmos actos violam os artigos 32.º e ss. e 38.º, ambos da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, dado que em nenhum dos citados artigos consta como matéria delegável e subdelegável a “denúncia administrativa de contratos de arrendamento”, nem a execução do “despejo administrativo”. Acontece que esta violação de lei que a recorrente imputou aos actos suspendendos para sustentar o pressuposto do fumus boni iuris não foi conhecida na sentença recorrida em virtude de ter decorrido o prazo de impugnação dos mesmos, considerando que as causas de invalidade invocadas são geradoras de anulabilidade, e a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses, contados da data da sua notificação, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA. E, também neste ponto, não procede o recurso. Na verdade, a procedência da questão prévia da intempestividade da prática do acto processual afasta a verificação do pressuposto do fumus boni iuris na medida em que a sua procedência, enquanto excepção dilatória cuja procedência obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa – cfr. artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea k), do CPTA -, determina a absolvição da instância no processo principal e, consequentemente, a providência requerida deixa de ter qualquer efeito útil para assegurar a tutela principal. Ora, a recorrente não põe em causa o julgamento feito quanto à verificação da referida excepção dilatória, pelo que, mantendo-se o mesmo, não poderia o Tribunal a quo ter conhecido das ilegalidades imputadas aos actos suspendendos, nem o pode, consequentemente, nesta sede recursiva, este Tribunal de recurso. Termos em que se impõe julgar o presente recurso improcedente. * Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em: a) Rejeitar o recurso na parte relativa à invocação da nulidade dos actos suspendendos com base nos fundamentos previstos nas alíneas d), g) e l) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA b) Negar provimento ao recurso interposto. Custas pela recorrente. Lisboa, 11 de Julho de 2024 Joana Costa e Nora (Relatora) Lina Costa Pedro Nuno Figueiredo |