Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3153/12.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
CARTA REGISTADA
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - A presunção de notificação contemplada no artigo 39.º, nº1, do CPPT não pode ser accionada nos casos em que a carta seja devolvida ao remetente.
II – Não se confirmando a intempestividade da reclamação graciosa, deve ser revogada a decisão que julgou a impugnação improcedente por tomar por objecto “caso decidido ou resolvido”, baixando os autos à 1ª Instância para apreciação das restantes questões suscitadas, se a tal nada mais obstar.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

M........, doravante Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 01/07/2019, que julgou improcedente a Impugnação, por ter por objecto “caso decidido ou resolvido”.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

I - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos que correm sob o n.9 3153/12.1BELRS, da 3.9 Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi considerada improcedente a impugnação judicial aí deduzida, com fundamento na alegada intempestividade da reclamação graciosa apresentada pela Impugnante em 19.11.2012.

II - Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que a impugnante não exerceu atempadamente o direito de ação que lhe assistia - em virtude da alegada caducidade do direito à reclamação graciosa, do ato tributário, nos termos do artigo 70.9 do CPPT, - por considerar que a mera expedição das missivas a notificar do exercício de direito de audição e da liquidação adicional, para um endereço diverso do constante do cadastro da Impugnante - cuja diferença radicava na letra "B" a seguir ao número "10" - é bastante para que a mesma se presuma notificada, ao abrigo do disposto no n.9 1 do artigo 39.9 do CPPT.

III - O tribunal a quo deu como provado os seguintes factos:

"1. Em 14 de Fevereiro de 2011 no âmbito da análise da sua declaração de IRS, referente ao ano de 2008, foi pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 7 endereçada à Impugnante, para morada sita na "RUA L........ LOTE 10 …. ANDAR ESQ 1300-…..0 LISBOA", notificação através de carta registada com aviso de recepção, para audição prévia;

2. A notificação foi devolvida ao remetente com informação de "endereço insuficiente;

3. Em 29 de Agosto de 2011, para o mesmo fim, foi expedida, para o endereço sito na "RUA L........ LOTE 10 … ANDAR ESQ 1300-…0 LISBOA", 22 notificação para audição prévia, a qual foi, igualmente, devolvida ao remetente com a informação de "endereço insuficiente”;(...)

6. A liquidação e a nota de cobrança antes referida foram endereçadas à Impugnante, para a morada indicada em 1., vindo a ser devolvidas ao remetente."

IV - Dos factos dados como assentes pelo Tribunal a quo apura-se que os ditos ofícios foram devolvidos com a menção "endereço insuficiente", o que atesta a única realidade fáctica possível nos autos: a impugnante não foi notificada, quer do direito de audição, quer da liquidação adicional.

V - Para que pudesse prevalecer a presunção prevista no n.º 1, do artigo 39.º do CPPT (perfeição da notificação), a missiva enviada para esse efeito nunca poderia ser devolvida pelos serviços postais com a menção ''endereço insuficiente", pois nesse caso, é seguro que a notificação nunca chegou efetivamente ao seu destinatário, nem tampouco lhe chegou ao conhecimento de que havia sido enviada uma carta com esse propósito.

VI - Se a carta foi devolvida, como sucedeu no caso dos autos e, se na sequência dessa devolução a Administração Tribuária não logrou provar que a Impugnante teve conhecimento do ato notificado (cabendo a esta o ónus de demonstrar a correta efetivação da notificação) dúvidas não restam que, face à ausência de uma notificação válida, a impugnante não poderá, em momento algum, considerar-se notificada, nem tampouco ter conhecimento da presente liquidação adicional.

VII - Aparentemente, a receção ou não dos ofícios tributários radicou na mera diferença da letra "B" a seguir ao número "10", do endereço constante do cadastro da Impugnante (o que estranhamente, só relevava para os ofícios registados com aviso de receção) podendo, a Administração Tributária, se o entendesse, apurar a razão de ser da morada insuficiente, quer emitindo um mandado de notificação por funcionário para averiguar a irregularidade, como sugerido em sede de petição inicial, quer, em sede de execução fiscal, recorrendo à citação edital.

VIII - Além de que a mera diferença da letra "B", muito provavelmente, teve origem num lapso da Administração Tributária, ao digitar o endereço da Impugnante, aquando da indicação do mesmo, o que, naturalmente, poderá suceder.

IX - E, mesmo que assim não se entendesse, há que confrontar a parte inicial do n.º 2, do artigo 43.º do CPPT com a exigência constitucional, feita no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e, com o direito de impugnação contenciosa assegurado pelo n.º 4 do mesmo preceito, pois, tratando-se de atos que afetem a esfera patrimonial dos contribuintes, não poderá considerar-se efetuada uma notificação quando se demonstra que ela não foi efetivamente efetuada, como sucede nos casos em que a carta enviada para notificação seja devolvida.

X - Tanto assim foi, que a Impugnante ao ser notificada, em Agosto de 2012, da penhora de bens no processo de execução fiscal ........38, solicitou junto da Administração Tributária uma certidão, nos termos do artigo 37.º do CPPT, para apurar qual a origem e natureza das suas dívidas tributárias e, só a partir da receção da mesma, em 25.09.2012, tomou conhecimento dos respetivos ofícios: liquidação adicional de IRS n.2 2011 5005075612, de 10 de Outubro de 2012: demonstração de liquidação de juros: demonstração de acerto de contas: citação do processo de execução fiscal: notificação de audição prévia e, respetivos documentos de registos e avisos de receção. - Facto esse que o Tribunal a quo omite, não o dando como documentalmente provado, o que, não se compreende, na medida em que tinha e tem interesse para a boa decisão da causa. -

XI - É pacífico que a Impugnante apenas tomou conhecimento de todo o procedimento administrativo de liquidação efetuado pela Administração Tributária, após a receção da certidão solicitada, nos termos do artigo 37.º do CPPT, o que demonstra e, faz prova, que a reclamação graciosa apresentada era tempestiva, pois, sendo utilizada a faculdade concedida no n.º 1 do referido artigo, o início do prazo da reclamação graciosa não se conta ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 70.º do CPPT, mas a partir da notificação ou entrega da certidão, ou seja, in casu, o prazo para o efeito iniciava no dia 26.09.2012 e terminava a 28.01.2013, tendo sido a mesma deduzida em 19.11.2012.

XII - Por outro lado, e, contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, a questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a Impugnante foi validamente notificada da liquidação adicional de IRS e, não o sendo, de que forma e em que momento tomou conhecimento da sua situação tributária, pois, para que o Meritíssimo Juiz decidisse pela tempestividade ou intempestividade da reclamação graciosa, sempre teria de aferir da validade ou invalidade da dita notificação.

XIII – A Impugnante alegou e provou que a reclamação graciosa havia sido apresentada dentro do prazo, o que fez, demonstrando que não foi validamente notificada da liquidação impugnada e, que apenas tomou conhecimento da mesma, após a receção, em 25.09.2012, da certidão por si solicitada, nos termos do artigo 37.º do CPPT, data essa em que se iniciou o aludido prazo.

XIV - Aliás o prazo para dedução deste meio processual é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso, não cabendo à Impugnante alegar como causa de pedir a tempestividade da reclamação graciosa.

XV - A impugnante pugnou pela anulação das presentes liquidações (de IRS e juros compensatórios), respeitando o prazo para o fazer, conforme alegou, demonstrou e provou, mediante a apresentação tempestiva da reclamação graciosa.

XVI - Por sua vez, a jurisprudência e a doutrina têm vindo a afirmar que o ato se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática e, não tendo a Impugnante recebido quaisquer notificações, quer para o exercício da audição prévia, quer da liquidação adicional, difícil se torna acompanhar todo o percurso cognoscitivo, pelo que, não sendo possível acompanhar tal percurso e, na ausência de notificação de fundamentação (caso exista), claro será, que a liquidação de IRS, referente ao ano 2008, encontra-se inquinada, devendo ser anulada em conformidade.

XVII - A ausência das referidas notificações constituem uma preterição de formalidades essenciais, pois, no primeiro caso, impediu a Impugnante, in casu, de apresentar atempadamente os documentos necessários e justificativos da sua situação tributária (o que comprovaria a manifesta ilegalidade de qualquer liquidação a elaborar pela Administração Tributária, nos termos do artigo 10.9, n.º 5, al a), do CIRS, dando origem a um vício do ato tributário, determinante da anulação do mesmo) - e, no segundo caso, sendo aquela um ato administrativo que afeta os direitos e interesses do contribuinte, só produz efeitos em relação a este quando lhe seja validamente notificado, na medida em que só através da notificação é permitido ao contribuinte ter total conhecimento do conteúdo e teor dos atos em questão para se pronunciar.

XVIII - Estas formalidades essenciais não degeneram, de forma alguma, em formalidades não essenciais, na medida em que nunca foi permitido à Impugnante - nem em sede de reclamação graciosa - demonstrar a regularidade da sua situação tributária, em conformidade com o disposto na al. a), n.9 5, do artigo 10.3 do CIRS, pelo que a dita liquidação e os respetivos juros compensatórios devem ser anulados.

XIX - Por outro lado, quando a Impugnante reinvestiu o montante resultante da venda do imóvel (valores esses declarados a título de reinvestimento, de que a Administração tributária fez tábua rasa), fê-lo para adquirir outro bem imóvel, sendo possível à Administração Tributária verificar esta aquisição, quer mediante consulta às liquidações de IMT, quer através da consulta ao património predial atribuído à Impugnante, pelo que, podia e devia ter diligenciado no sentido de obter as informações necessárias, por forma a apurar a veracidade da declaração do contribuinte/lmpugnante, antes de promover pela liquidação oficiosa, pois tendo a declaração do contribuinte, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 75.2 da Lei Geral Tributária ("LGT"), uma presunção de veracidade, impunha-se à Administração Tributária pôr em causa tal declaração, não o tendo feito, não podia proceder à liquidação adicional, nos moldes em que o fez, cabendo à contribuinte, impugnar esse ato tributário, por ser ilegal.

XX - Mais, nos termos do n.9 5 do artigo 10º do CIRS (com a redação vigente à data), os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar são excluídos da tributação se:

(i) no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido à amortização de eventual empréstimo contraído para aquisição do imóvel, for

reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, situado em território português e;

(ii) o sujeito passivo manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionado, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir.

XXI - A Impugnante, em 26.05.2008 celebrou escritura pública de compra e venda do prédio urbano sito em Lisboa, na Travessa das Atafonas, números 4, 8, 10 e 12, descrito na terceira Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número ….4, freguesia de Santos-o-Velho, inscrito na matriz dos Prazeres sob os artigos ….8 e ….9. - Doc. n.s 4 junto à petição inicial -

XXII - Com a alienação do referido imóvel, destinado exclusivamente à habitação própria permanente da Impugnante e do seu agregado familiar, gerou-se mais-valias, as quais foram devidamente participadas na declaração modelo 3 do respetivo ano, 2008, onde manifestou, ainda, que o valor de realização que se pretendia reinvestir era de €126.048,74 (cento e vinte seis mil quarenta e oito euros e setenta e quatro cêntimos), sendo que dessa quantia o valor de €36.048,74 (trinta e seis mil quarenta e oito euros e setenta e quatro cêntimos) seria reinvestido no ano da alienação.

XXIII - Conforme manifestou e ficou provado nos autos, mediante a apresentação da escritura pública de compra e venda outorgada em 26.05.2008, no cartório notarial de A........., o valor de €36.048,74 (trinta e seis mil quarenta e oito euros e setenta e quatro cêntimos) foi utilizado para adquirir metade indivisa do usufruto da fração autónoma designada pela letra "J", correspondente ao primeiro andar esquerdo, do prédio urbano sito em Alcântara, na Rua L........, n.º ….., Lote 10, freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa, sob o número 775 e com o artigo matricial 1983, efetuando, assim, o reinvestimento no dito ano da alienação.

XXIV - Tendo o valor remanescente, €90.000,00 (noventa mil euros), sido reinvestido nos vinte e quatro meses seguintes (alínea a), do n.º 5, do artigo 10.º do CIRS, com a redação vigente à data) - para a aquisição da nua propriedade da fração "J" supra descrita, através da outorga de escritura pública de compra e venda, em 26.05.2010, no cartório notarial de I........., conforme documento n.º 5 junto à petição inicial.

XXV - A Impugnante, cumprindo os requisitos impostos pela al. a), do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, para que lhe fosse aplicável a exclusão da tributação, reinvestiu:

- No ano de alienação, €36.048,74, na aquisição de metade indivisa do usufruto da fração acima descrita e,

- Passado 24 meses da data de realização, €90.000,00, na aquisição da nua propriedade da dita fração, cujo destino foi o de habitação própria e permanente.

XVI - A Impugnante não só manifestou a intenção de proceder ao reinvestimento, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, indicando o valor que tencionava reinvestir, como no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, utilizou o valor da mesma para adquirir a propriedade de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino e situado em território português.

XXVII - Tendo a Impugnante logrado provar o reinvestimento nos termos exigidos para a exclusão da tributação prevista no n.º 5, do artigo 10.º, do CIRS (com a redação vigente à data), é pacífico, que se encontram preenchidos todos os pressupostos para que a presente liquidação seja considerada ilegal, por violação de lei.

XXVIII - Por todo o exposto e, atendendo à matéria de facto dada como provada e, aquela que devia ter sido dado como provada documentalmente nos presentes autos, dúvidas não há que a douta sentença enferma de erro de julgamento no que toca à interpretação e aplicação do caso concreto.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, anulando-se a liquidação adicional de IR5 e liquidação de juros compensatórios referentes ao ano de 2008, assim fazendo V. Exas. a costumada

Justiça

Regularmente notificada do presente recurso, a Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.


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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

A questão a apreciar consiste em saber se a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento, por errada subsunção dos factos ao direito no que respeita à impossibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas por existir “caso decidido ou resolvido”.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

«1. Em 14 de Fevereiro de 2011 no âmbito da análise da sua declaração de IRS, referente ao ano de 2008, foi pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 7 endereçada à Impugnante, para morada sita na "RUA L........ LOTE …1 ANDAR ESQ 1300-….. LISBOA", notificação através de carta registada com aviso de recepção, para audição prévia;

2. A notificação foi devolvida ao remetente com informação de "endereço insuficiente”;

3. Em 29 de Agosto de 2011, para o mesmo fim, foi expedida, para o endereço sito na "RUA L........ LOTE …1 ANDAR ESQ 1300-….. LISBOA", 2ª notificação para audição prévia, a qual foi, igualmente, devolvida ao remetente com a informação de "endereço insuficiente”;

4. Em 10 de Outubro de 2011, com referência à Impugnante, a Direcção-Geral de Impostos emitiu a liquidação adicional de IRS nº 2011 5005075612, referente ao ano de 2008, no montante de Euros 37.342,05, (incluindo juros compensatórios);

5. Na sequência da liquidação adicional foi emitida a nota de cobrança n.º ……88, com a data limite de pagamento em 2011.11.23;

6. A liquidação e a nota de cobrança antes referida foram endereçadas à Impugnante, para a morada indicada em 1., vindo a ser devolvidas ao remetente.

7. O domicílio fiscal da Impugnante constante do cadastro da Administração Fiscal, era à data, na "RUA L........ LOTE …..1 ANDAR ESQ 1300-…. LISBOA";

8. Em 4 de Outubro de 2012 a Impugnante alterou o seu domicilio fiscal para "RUA L........ n.° …. LOTE ….. 1 ANDAR ESQ 1300-…… LISBOA";

9. Tomando a liquidação adicional por objecto, a Impugnante reclamou graciosamente no dia 16 de Novembro de 2012;

10. Por despacho de 28 de Novembro de 2012 foi a reclamação graciosa indeferida liminarmente com fundamento na sua intempestividade;

11. A decisão do procedimento de reclamação graciosa foi comunicada à Impugnante, na pessoa da sua Mandatária, por carta registada com aviso de recepção, enviada em 03.12.2012, e recebida em 04.12.2012;

12. Na sequência do não pagamento da liquidação antes referida foi instaurado o processo de execução fiscal n.° ........38;

13. A petição inicial da presente impugnação foi enviada para o tribunal em correio registado no dia 18.12.2012.

Para além da factualidade já antes fixada, não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

A decisão sobre a matéria de facto assentou na análise crítica das informações oficiais e dos documentos constantes dos autos.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a presente Impugnação, com fundamento na verificação de “caso decidido ou resolvido”, decorrente da intempestividade da reclamação graciosa que apresentara anteriormente contra a liquidação adicional impugnada.

Sustenta, desde logo, que alegou e provou que a reclamação graciosa havia sido apresentada dentro do prazo, demonstrando que não foi validamente notificada da liquidação impugnada e, que apenas tomou conhecimento da mesma, na sequência da notificação da penhora de bens no processo de execução fiscal que veio a ser instaurado e após a receção, em 25.09.2012, da certidão por si solicitada, nos termos do artigo 37.º do CPPT, data essa em que se iniciou o prazo para reclamar graciosamente.

Mais refere, convocando o disposto no artigo 268.º n.ºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa, que estando em causa atos que afetem a esfera patrimonial dos contribuintes, não poderá considerar-se efetuada uma notificação quando se demonstra que ela não foi efetivamente efetuada, como sucede nos casos em que a carta enviada para notificação seja devolvida.

Vejamos se assiste razão à Recorrente.

Para o efeito importa, desde já, ter presente a fundamentação jurídica em que se fundou a improcedência da impugnação judicial:

“Nos termos do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, “As notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”.

Por seu turno, o n.º 3 do artigo 38.º do CPPT, estipulava que, “As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada”.

No âmbito do procedimento de liquidação da sua declaração de IRS foi concedido à Impugnante o direito de participação através da audição prévia à emissão de liquidação adicional.

Assim, a notificação prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT deve presumir-se efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. A Impugnante deve, pois, presumir-se notificada, nada vindo provar em sentido diverso.”

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece do erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente, começando por convocar o regime jurídico que para os autos releva.

À data da prática dos atos de comunicação dispunha o artigo 36.º, n.º 1, do CPPT que: “[o]s atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”, constituindo o direito à notificação uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração Tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância – cfr. acórdão do STA de 09.06.2021, proferido no processo 0385/13.9BELRA, disponível em www.dgsi.pt.

Por sua vez, decorre do nº 3 do artigo 38º do referido código, que as notificações relativas às liquidações que resultem de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos de direito de audição são efectuadas por carta registada.

Quanto à perfeição das notificações efetuadas por carta registada, consigna, expressamente, o artigo 39.º, nºs 1 e 2 do CPPT:

“1 - As notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efetiva da receção.”

No atinente à aludida presunção importa realçar que a mesma apenas atua caso a notificação tenha sido concretizada de acordo com os formalismos legais, concretamente, expedição de carta registada para o domicílio da pessoa a notificar, circunscrevendo-se o ónus de tal demonstração na esfera jurídica da AT.

E, bem assim, que a aludida presunção apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, conforme se infere, desde logo, do teor citado no nº 2 do artigo 39.º do CPPT, na qual se retira que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, e já não quando a notificação não tiver ocorrido, nomeadamente, porque a carta foi devolvida.

Como se pode ler no acórdão do STA, proferido no âmbito do processo nº 017/12, de 31 de janeiro de 2012:

“… a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil (cfr. nº 1 do art. 39º do CPPT e nº 6 do art. 45º da LGT). O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.

A atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite porém inferir a certeza de que o seu destinatário a recebeu naquele prazo. Como tal forma de notificação não exclui o risco da carta não ser efectivamente recebida pelo destinatário, o nº 2 do artigo 39º permite que o notificado possa ilidir tal presunção “quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida”, solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção». Esta norma põe em luz o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec nº 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributário do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente.

Mas se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Se nenhum aviso foi deixado no domicílio do notificando, nem sequer há a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias, como a ausência temporária do domicílio (vg. trabalho, férias, doença, etc.), podem impedir o acesso à carta. Daí que a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando. A consequência lógica que a lei deduz do registo da carta, ou seja, que se presume que demora três dias a ser posta alcance do destinatário, deixa de poder ser feita, pelo menos com o mesmo grau de probabilidade, se a carta for devolvida. Certamente por isso, o nº 2 do art. 39º apenas prevê a possibilidade da prova em contrário na situação em que a notificação ocorre em data posterior à presumida, sem aludir à situação em que não há notificação. Desde há muito, e pelo menos no que se refere aos particulares, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a defender que «a presunção do nº 2 do artigo 39º do CPPT, não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida», quer na situação de carta registada (cfr. acs. de 18/2/87, rec nº 004015, de 2/6/99, rec. 022529, e mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec nº 0270/09 e de 13/4/2011, rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acs. de 21/5/2008, rec nº 01031/07 e de 8/7/2009, rec nº 0460/09).”.

De convocar, igualmente, o sumariado no acórdão mais recente do STA, proferido no âmbito do processo nº 0435/16, de 10 de março de 2021, do qual se extrata, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“V- A presunção prevista no citado artº.39, nº.1, do C.P.P.T., tem como pressuposto que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. Mais se devendo referir que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação cabe à Fazenda Pública.

VI - A presunção sob exame apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no nº.2 do mesmo preceito, em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, e já não quando a notificação não tiver ocorrido, nomeadamente, porque a carta foi devolvida. " (sublinhado próprio).

Revertendo ao caso dos autos, ressalta do probatório que “A liquidação e a nota de cobrança (…) foram endereçadas à Impugnante, para a morada indicada em 1., vindo a ser devolvidas ao remetente” (ponto 6.).

Sendo assim, e na medida em que a Impugnante alega que não foi notificada do sindicado acto de liquidação adicional, apenas tendo tomado conhecimento do mesmo na sequência da notificação da penhora de bens no processo de execução fiscal que veio a ser instaurado e após a receção, em 25.09.2012, da certidão por si solicitada, nos termos do artigo 37.º do CPPT, sendo certo que do probatório não resulta o contrário, podendo apreender-se, isso sim, que as cartas endereçadas pela AT para proceder à notificação da Impugnante foram devolvidas ao remetente, não é possível accionar a presunção prevista no nº 1 do artigo 39º do CPPT.

Nesta medida, não podemos acompanhar a afirmação vertida na decisão recorrida no sentido de que “a impugnante deve, pois, presumir-se notificada” e bem assim a conclusão extraída dessa situação para o desfecho dos autos (“a presente Impugnação deverá, pois, ser julgada improcedente por tomar por objecto “caso decidido ou resolvido”), o que determina a procedência do presente recurso, a revogação do decisão recorrida e a baixa dos autos à 1ª Instância para apreciação das restantes questões suscitadas, se a tal nada mais obstar.

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:

I - A presunção de notificação contemplada no artigo 39.º, nº1, do CPPT não pode ser accionada nos casos em que a carta seja devolvida ao remetente.
II – Não se confirmando a intempestividade da reclamação graciosa, deve ser revogada a decisão que julgou a impugnação improcedente por tomar por objecto “caso decidido ou resolvido”, baixando os autos à 1ª Instância para apreciação das restantes questões suscitadas, se a tal nada mais obstar.


V. Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA
e determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para apreciação DAS RESTANTES QUESTÕES SUSCITADAS, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Maio de 2024


(Ângela Cerdeira)

(Maria da Luz Cardoso)

(Cristina Coelho da Silva)