Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:64/23.9BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:12/05/2024
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:VALOR ADUANEIRO
ERRO NOS PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Os critérios para fixar o valor aduaneiro de uma mercadoria (com vista à aplicação da pauta aduaneira comum), a que aludem os artigos 70º a 74º do CAU, têm entre si uma relação de subsidiariedade que importa respeitar, dando primazia ao método transacional com base no preço efetivamente pago.
II - Mercê da relação de subsidiariedade, o valor não pode ser fixado com base numa disposição sem se justificar a impossibilidade, que tem de ser absoluta, de recurso à modalidade anterior. Assim, será ilícita a conduta da Autoridade Aduaneira quando utilize um método de último recurso sem justificar capazmente o abandono pelo método precedente.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja em 09.11.2023, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M..........., S.A. (doravante Recorrida) e, em consequência, anulou o ato de liquidação de direitos aduaneiros e outros encargos, no valor de € 7.884,31, praticado pelo Chefe da Delegação Aduaneira de Sines, na sequência da declaração de importação n.º ...........65, de 04/03/2022 e condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Impugnante do valor que pagou com base nessa liquidação, designadamente em termos de garantia, acrescido de juros indemnizatórios computados nos termos legais.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes «CONCLUSÕES:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 09-11-2023, que julgou procedente a impugnação supra identificada, por ter entendido que a liquidação impugnada, objecto mediato da presente impugnação, padecia de falta de fundamentação e vicio de violação de lei, o que determinava a sua anulação;

B) Com a devida vénia não pode a Fazenda conformar-se com tal sentido decisório, considerando que existe erro, quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer de direito, entendendo que, na sua perspetiva, não existem razões válidas para julgar a impugnação procedente.

C) Com efeito, existe erro de julgamento quanto à matéria de facto, porquanto a douta sentença faz uma errada valoração e apreciação da prova carreada para os autos, na medida em que suporta conclusões em factos do probatório, factos esses que não permitiriam retirar tais ilações. Pelo contrário!

D) Existe erro de julgamento em matéria de direito por errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 22.º n.º6 do CAU e artigos 60.º n.º 7 e 77.º, n.º 1, da LGT, artigos 70.º e 74.º do CAU e artigos 140.º e 144.º do AE-CAU, não se conformando a Fazenda Pública com a interpretação e conclusões daquele douto tribunal;

E) E) Desde logo, porque resulta da prova carreada para os autos, que a Administração cumpriu o dever de fundamentação e a legislação aduaneira aplicável à situação dos autos quanto ao ato de liquidação notificado à impugnante.

Do erro de julgamento da matéria de facto e errada valoração da prova:

F) Analisados os elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, verifica-se que a fundamentação da decisão da DAS é clara e congruente e permite à impugnante ora recorrida, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração Tributária.

G) Na verdade, a fundamentação que é dada a conhecer à recorrida, consta do probatório nomeadamente através do ofício n.º 91/2022 (que consta da al. E) da matéria de facto provada), da informação para o exercício do direito de audição (informação n.º 24/2022(que consta da al. G) da matéria de facto provada) e da notificação de cobrança (que consta da alínea K) da matéria de facto provada);

H) São factos que foram relevados no probatório, e que se mostram suficientes para que a impugnante, aqui recorrida, pudesse ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na génese da liquidação.

I) Os referidos documentos, nomeadamente a informação n.º 24/2022 (que consta da al. G) da matéria de facto provada), contêm os elementos bastantes para que a recorrida tenha - ao contrário do que concluiu o douto tribunal a quo – conhecimento do porquê do valor declarado ter sido considerado pela DAS como excecionalmente baixo, tenha conhecimento do valor base Theseus proposto ou “valores médios” e valor declarado, e da “fonte” desse valor proposto;

J) Encontram-se ainda indicadas [no ponto 8 daquela informação n.º 24/2022 (que consta da al. G) da matéria de facto provada), a taxa de direitos, a taxa de IVA, o montante dos direitos apurados (pela “diferença” entre o valor declarado e o valor proposto), a base tributável do IVA e o montante de IVA (calculado pela “diferença”).

K) Dos elementos levados ao probatório, nomeadamente a informação n.º 24/2022 (que consta da al. G) da matéria de facto provada), consta ainda que o cálculo é efetuado pela diferença, apurada pela dedução do valor declarado ao valor proposto Theseus, sendo este conjunto de elementos suficiente, para o cabal esclarecimento sobre a motivação da liquidação e para sindicar o seu cálculo por mera operação aritmética.

L) Considerou o douto Tribunal a quo que, não obstante a documentação e as explicações dadas pela Impugnante, aqui recorrida, não se extrai da fundamentação da liquidação o porquê desses elementos não serem esclarecedores. Ora,

M) A motivação das razões pelas quais as explicações e documentos não foram suficientes para afastar as dúvidas da DAS, quer quanto ao valor declarado, quer quanto à aplicação do método de determinação do valor aduaneiro, encontra-se devidamente explanada na informação n.º 24/2022 (que consta da al. G) da matéria de facto provada).

N) Nesta informação que foi levada ao probatório, complementada pelo ofício n.º 91/2022 (que consta da alínea E) da matéria de facto provada) remetido pela recorrente, são expressas as razões, pelas quais a recorrida não conseguiu afastar as “dúvidas fundadas” que, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º140.º do AE-CAU, legitimam a Administração Tributária a decidir que o valor das mercadorias, não pode ser determinado de acordo com o artigo 70.º, n.º1 do Código Aduaneiro da União.

O) De igual forma, a Administração Tributária informou a ora recorrida, que a apresentação de documentos autênticos que atestassem o valor transacional declarado não invalidava que as autoridades aduaneiras mantivessem as dúvidas fundadas «caso esses documentos não permitam justificar o valor transacional declarado.

P) Ora, sendo certo que a impugnante não juntou prova bastante para justificar o preço declarado para a mercadoria em questão face ao valor Theseus correspondente, nem esclareceu, sem margem para qualquer dúvida, a razão de tal preço, não se vislumbra que outras considerações adicionais poderiam ter sido formuladas pela DAS relativamente às explicações dadas pela Impugnante ora recorrida.

Q) Considerou ainda a douta sentença recorrida que não se consegue compreender o porquê de ter sido excluída a aplicação do método de determinação do valor aduaneiro baseado no valor transacional e a necessidade de adotar métodos secundários, com o argumento de que não foi possível aceder às características das mercadorias;

R) Em relação a este aspeto importa, ter presente que, ao contrário do que conclui o douto tribunal, consta do ponto 7 da informação para o exercício do direito de audição já acima referida (que consta da al. G) da matéria de facto provada), o motivo: por um lado, a impossibilidade de aceder às características das mercadorias (que não, as abrangidas pela declaração aduaneira aqui em causa) e por outro, o facto da descrição dos itens das faturas ser demasiado genérica o que impedia uma caracterização objetiva das mercadorias.

S) Deveras, a AT não dispunha de outros elementos com vista a estabelecer um valor de substituição, que não fosse o recurso aos valores médios constantes das bases de dados disponibilizados na ferramentaTheseus.

T) Posto isto é forçoso concluir, que a fundamentação usada pela DAS para efeitos da rejeição do método do valor transacional, encontra-se plenamente realizada e é perceptível para o administrado “colocado na posição de um destinatário normal”.

U) Concluiu ainda o douto tribunal a quo que a Administração não ponderou nem se pronunciou, sobre o exercício do direito de audição exercido pela ora recorrida. Vejamos,

V) Segundo jurisprudência assente, o cumprimento dos direitos de defesa por parte das Administrações dos Estados membros (sempre que tomem decisões que recaem no âmbito de aplicação do direito da União) basta-se com a observância do prazo decorrido entre o momento em que a Administração em causa recebeu as observações da pessoa ou empresa em causa em sede de audição prévia e a data em que tomou a sua decisão, mas já não, que tenha em conta nas suas decisões as observações suscitadas;

W) Por outra via, a legislação aduaneira da União estabelece regras próprias em matéria de audição prévia do interessado antes de ser tomada uma decisão, pelas autoridades aduaneiras, que tenha consequências adversas para o interessado, veja-se o disposto no artigo 22.º, n.º 6 do CAU (aplicável no contexto da cobrança de uma dívida aduaneira em face do que dispõe o artigo 29.º do CAU), nos artigos 8.º a 10.º do AD-CAU e nos artigos 8.º e 9.º do AE-CAU.

X) Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma violação dos direitos de defesa, só implica a anulação da decisão se, na inexistência dessa irregularidade, o procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente.

Y) Em face do acima exposto, a audição prévia do interessado, no quadro de uma ação de cobrança de uma dívida aduaneira, deve atender ao regime legal consagrado no Direito da União, o qual deve ser interpretado à luz do principio fundamental do direito da União do respeito dos direitos de defesa, e a forma como esse princípio é interpretado pela jurisprudência designadamente do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Z) Termos em que, é forçoso concluir que a Administração Tributária não violou o disposto nessa norma.

AA) Por outra via, no âmbito do exercício do direito de audição, face aos requerimentos (anteriormente) apresentados pela recorrida, apenas foi trazido um elemento novo, ou seja, a recorrida contesta o facto da DAS arguir que não teve a possibilidade de aceder às mercadorias quando as mesmas foram objeto de controlo físico. Ora este elemento novo apresentado assenta no pressuposto errado de que a DAS se refere às mercadorias que constam da declaração aduaneiro objeto de liquidação.

BB) Por outro lado, esse argumento é apenas uma conclusão, pelo que, não se impunha, em face do que dispõe o n.º 7 do artigo 60.º da LGT, que a DAS tivesse de se pronunciar quanto à mesma em sede da fundamentação do ato de liquidação.

CC) Por fim, no cenário hipotético de se vir a concluir que as autoridades aduaneiras violaram o disposto no n.º 7 do artigo 60.º do LGT, sempre seria de considerar a jurisprudência do Tribunal de Justiça suprarreferida, que dita que o Tribunal nacional não deve, ainda assim, anular o ato de liquidação, já que, e pelas razões acima indicadas, se na ausência dessa alegada irregularidade, o procedimento não conduziria a um resultado diferente.

DD) Daí que não se acompanhe a sentença recorrida quando conclui pela não fundamentação do ato de liquidação.

EE) Pelo exposto, entende a Fazenda Pública que a douta sentença errou no seu julgamento, sendo imperioso concluir que a liquidação em apreço não padece do apontado vício de falta de fundamentação e violação de lei, impondo-se a revogação da sentença aqui em escrutínio.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com todas as legais consequências.»

A Entidade Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

1. As presentes Contra-Alegações têm por objeto o Recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (“TAF de Beja”), em 09/11/2023, no processo n.º 64/23.9BEBJA, a qual julga procedente a Impugnação Judicial apresentada pela aqui Recorrida do ato de liquidação praticado pela DAS no montante global de € 7.884,31 (sete mil, oitocentos e oitenta e quatro euros e trinta e um cêntimos), relativo a direitos aduaneiros e IVA, entendendo que tal ato de liquidação padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, e por falta de fundamentação,

2. Condenado a Fazenda Pública ao reembolso dos direitos aduaneiros pagos em excesso pela Recorrida, acrescido de juros indemnizatórios.

3. Em concreto, na sentença recorrida, o tribunal ad quo começa por se referir à disciplina legal subjacente à determinação do valor aduaneiro para efeitos de importação de mercadorias, sublinhando a regra da aplicação do método do valor transacional (valor efetivamente pago ou a pagar) sempre que tal seja possível e explicitando claramente que aquele método só poderá ser afastado em casos com características muito concretas e devidamente demonstradas pelas autoridades aduaneiras, sob pena de, se assim não for, a liquidação padecer do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, tal como sucede no caso em apreço.

4. Por outro lado, refere ainda o tribunal ad quo na Sentença Recorrida que o Ato Impugnado está ferido de vício de falta de fundamentação e de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito na medida em viola as regras de determinação do valor aduaneiro, designadamente no que concerne ao recurso a um método à margem da ordem de subsidiariedade pela qual eles se encontram previstos na legislação aduaneira.

5. Alega a Fazenda Pública que o ato de liquidação impugnado se encontra devidamente fundamentado, desenvolvendo toda a sua argumentação em torno desta temática que, em bom rigor, apenas foi suscitada pelo tribunal ad quo num cenário hipotético.

6. Sem prejuízo, a Fazenda Pública tece algumas considerações nas suas Alegações de Recurso que importa sindicar.

7. Desde logo, cumpre notar que a legislação aduaneira impõe como regra para a determinação do valor aduaneiro o método do valor transacional (preço efetivamente pago ou a pagar), sendo que tal regra apenas poderá ser afastada em desde que determinados requisitos, como sejam a impossibilidade de o importador demonstrar cabalmente e sem margem para dúvidas que o valor declarado corresponde ao preço pago pelas mercadorias.

8. A este respeito, diz a Sentença Recorrida que a legislação é clara, não podendo ser o conceito de ‘preço efetivamente ou a pagar’ ser confundido com o conceito de ‘preços médios estatísticos de mercadorias similares importadas nos últimos 6 meses’, entendimento que a Recorrida inteiramente subscreve.

9. Ora, é precisamente nesta confusão de conceitos que assenta a liquidação que se impugnou e que é o objeto do presente recurso.

10. Por outro lado, sempre será se sublinhar que a DAS falhou na fundamentação substantiva (e não apenas formal) do ato de liquidação em crise, quer do ponto de vista factual, quer do ponto de vista legal, uma vez que não indicou os factos e as normas legais que alegadamente justificariam e permitiriam que a suposta diferença entre o valor transacional declarado pelo importador (considerado “excecionalmente baixo”) e um valor médio estatístico contantes das bases de dados AMT/Theseus (as quais são de exclusivo conhecimento da Autoridade Aduaneira), poder ser, por si só, suficiente e legítimo para que a DAS desconsiderasse o valor transacional como método de determinação do valor aduaneiro, não obstante o importador ter demonstrado que o valor declarado corresponde inequivocamente à totalidade do preço de compra negociado e pago ao fornecedor e, em consequência.

11. Da mesma forma, e na sequência do que se acaba de referir, a DAS não indicou igualmente a DAS quais normas legais e factos que alegadamente permitem e legitimam a substituição do valor transacional declarado pelo importador pelo referido valor médio da ferramenta AMT para efeitos de determinação do valor aduaneiro da importação.

12. Sendo certo que a justificação para esta ausência de referência às normas legais que legitimassem o entendimento da DAS é simplesmente o facto de tais normas não existirem, uma vez que a legislação aduaneira, e muito em particular os artigos 70.º e seguintes do Código Aduaneiro da União (CAU), são muito claros no que toca a estabelecer que a determinação do valor aduaneiro para efeitos de cálculo das imposições devidas pela importação de mercadorias é feita, regra geral, com base no valor transacional das mesmas, isto é, com base no preço pago pelo importador ao vendedor, independentemente de tal preço ser reduzido ou não.

13. Aliás, continua a Fazenda Pública, nas suas Alegações de Recurso, a desconsiderar e ignorar em absoluto o teor e valor probatório da informação e documentação fornecidas pela Recorrida para dissipar as alegadas dúvidas das autoridades aduaneiras (mas sempre sem colocar em causa a autenticidade das mesmas).

14. Ora, tal como amplamente demonstrado nos presentes autos e confirmado pela Sentença Recorrida, ao longo do procedimento de liquidação foi junta pela Recorrida documentação diversa (incluindo Ordem de Compra e comprovativo de pagamento), bem como informação sobre os contornos da negociação com o fornecedor, assim se justificando que o valor declarado corresponde, efetivamente e sem margem para dúvidas, ao valor pago pelas mercadorias.

15. Sucede que, nas Alegações de Recurso, continua a Recorrente a referir apenas que a prova junta pela Recorrida não suficiente para justificar as discrepâncias verificadas entre o preço pago e o preço médio estatístico dos produtos em causa.

16. Ora, a este respeito importa esclarecer que não existe, no direito internacional, nem no direito da União Europeia, e menos ainda no direito nacional, qualquer norma que imponha aos importadores o dever/obrigação de explicarem às autoridades aduaneiras uma diferença entre o valor transacional declarado (correspondente ao preço por si negociado e pago – e, assim conhecido) e um “valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares” que naturalmente desconhecem.

17. O que a legislação prevê é apenas a obrigação de os importadores, sempre que instados a tal, demonstrarem às autoridades aduaneiras que o valor transacional declarado nas importações corresponde ao preço efetivamente pago,

18. Sendo que, para este efeito, podem os importadores – tal como fez a aqui Recorrida – e tendo em vista a cabal demonstração da circunstância de terem efetivamente pago o valor (transacional) que declararam, procurar explicar às autoridades aduaneiras o modo como o preço das mercadorias foi negociado, bem como fornecer todos os documentos e informações inerentes a tal negociação, como sejam as ordens de compra, as fichas técnicas dos produtos e os comprovativos de pagamento.

19. Ora, fornecida que foi toda esta documentação e informação e, adicionalmente, mantida à disposição das autoridades os registos contabilísticos para a consulta e verificações que se identifiquem adicionalmente necessárias, não concebe a Recorrida que a Recorrente entenda não ter sido junta prova suficiente,

20. Sendo ainda certo que a DAS, em momento algum, solicitou qualquer informação ou documento em concreto que não tenha sido fornecido, ou mesmo procurou aceder aos registos contabilísticos da Recorrida, aos quais pode aceder a todo o momento.

21. Por fim, não se aceita também a argumentação invocada pela Fazenda Pública no que respeita à impossibilidade de utilização de outro método de determinação do valor aduaneiro que não seja o método do último recurso, com utilização dos valores médios estatísticos AMT.

22. Desde logo porque, em primeiro lugar, tendo em consideração as circunstâncias do caso em apreço, não podem as autoridades aduaneiras simplesmente recusar a aplicação do método do valor transacional dado que os pressupostos de tal afastamento não se encontram reunidos.

23. Em segundo lugar, ainda que tais pressupostos efetivamente se verificassem no caso em discussão – o que não se admite e apenas se equaciona por cautela de patrocínio -, sempre seriam as autoridades aduaneiras obrigadas a realizar todas as diligências necessárias à utilização dos outros métodos, não se limitando a remeter tal obrigação para o importador, como aconteceu neste caso.

24. Em conformidade é o próprio TJUE que refere que “tendo em conta essa obrigação de diligência que lhes é imposta na aplicação dessa disposição, as autoridades aduaneiras são obrigadas a consultar todas as fontes de informação e bases de dados de que dispõem”,

25. O que aparentemente não aconteceu na importação em crise.

26. Por tudo o que se acaba de expor, não resta outra conclusão que não seja a de se confirmar o teor da Sentença Recorrida, e manter a decisão de anulação do ato de liquidação impugnado.

NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, CONFIRMANDO-SE A ILEGALIDADE DO ATO DE LIQUIDAÇÃO EM APREÇO E A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DO MESMO, COM TODAS AS DEMAIS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, DESIGNADAMENTE CONDENANDO-SE A RECORRENTE AO REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS PELA RECORRIDA ACRESCIDAS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!»


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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) A Impugnante é uma sociedade comercial que tem por objeto o comércio de diversos produtos, nomeadamente peças de vestuário – por acordo;

B) No exercício da sua atividade a Impugnante importa artigos de confeção originários de diversos países – por acordo;

C) Como tal, a sociedade Impugnante necessita de proceder a importação de tal mercadoria – por acordo;

D) A sociedade Impugnante importou para território nacional mercadorias ao abrigo de declaração de importação com o nº ...........65, de 04/03/2022, apresentada na Delegação Aduaneira de Sines – cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 211 a 396;

E) Em 08/03/2022, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines remeteram à Impugnante pedido de informação adicional respeitante a essa declaração, através do ofício nº 91/2022 - cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial (pi) e processo administrativo instrutor junto de fls. 211 a 396;

F) Em resposta ao ofício antes citado, a Impugnante apresentou a Fatura Comercial, a ordem de encomenda, o comprovativo de pagamento e as Fichas Técnicas dos artigos em questão na declaração de importação citada - cfr. doc. nº 3 junto com a pi e processo administrativo instrutor junto de fls. 211 a 396;

G) Em 21/03/2022, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines, emitiram a informação nº 24/2022 em conformidade com a qual foi projetada 13 decisão de liquidação e cobrança com o seguinte teor: Impugnante importou mercadorias ao abrigo da declaração de importação n.º 2021PT00067061328731 de 19.02.2021, apresentada na Delegação Aduaneira de Sines, com o seguinte teor:

- cfr. doc. nº 4 junto com a pi e processo administrativo instrutor junto de fls. 211 a 396;

H) Com data de 21/03/2022, recaiu sobre tal informação despacho de concordância - cfr. doc. nº 4 e processo administrativo instrutor junto de fls. 211 a 396;

I) A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre a proposta constante desta informação, através do ofício nº 115, datado de 21/03/2022 - cfr. doc. nº 4 e processo administrativo instrutor junto de fls. 211 a 396;

J) A Impugnante exerceu o direito de audição sobre o supra referido projeto de decisão – cfr. doc. nº 5 junto com a pi;

K) Mediante ofício nº 167/2022, datado de 16/05/2022, foi remetida à Impugnante a decisão de liquidação com o seguinte teor:

Cfr. doc. nº 6 e processo administrativo instrutor junto de fls. 211 a 396;

L) A Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação antes referida - cfr. doc. nº 7 junto com a pi;

M) Não se conformando com a mesma a Impugnante apresentou, em 20 11/08/2022, reclamação graciosa desta decisão, para o Diretor da Alfândega de Setúbal - cfr. doc. nº 1 junto com a pi processo administrativo instrutor junto de fls. 211 a 396;

N) Até 09/12/2022 a reclamação graciosa não havia sido decidida - cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 211 a 396;

O) Em 03/03/2023 a sociedade Impugnante apresentou a petição inicial que deu origem ao presente processo de impugnação.


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7. Factualidade Não Provada

Com relevo para a decisão inexistem outros factos, alegados ou de conhecimento oficioso, que devam ser considerados provados.»


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A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:

«A convicção do Tribunal sobre toda a matéria de facto resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos quer pela Impugnante quer pela Entidade Impugnada constantes do processo administrativo - os quais não foram impugnados - conforme referência efetuada em cada uma das alíneas da matéria de facto provada.»

III – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que anulou o ato de liquidação de direitos aduaneiros e outros encargos, no valor de € 7.884,31, praticado pelo Chefe da Delegação Aduaneira de Sines, na sequência da declaração de importação n.º ...........65, de 04/03/2022, por ter entendido, em síntese, que o ato impugnado padecia de vício de forma, por falta de fundamentação e de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos.

Ora, impõe-se conhecer, em primeiro lugar, dos fundamentos do recurso que visam atacar a sentença na parte em que reconheceu a existência de um vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos, com vista a assegurar uma tutela mais estável ou eficaz dos interesses ofendidos e atendendo, ainda, ao facto de ter ocorrido a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Considerou-se, a esse propósito, na decisão sob apreciação, o seguinte:

“(…) o critério prioritário estabelecido para a fixação do valor da mercadoria importada deverá ser o do seu valor transacional, este entendido como o valor efetivamente pago, ou a pagar, pelas mercadorias quando as mesmas são exportadas com destino ao território da União Europeia. O valor transacional é, afinal, o preço real do contrato de compra e venda da mercadoria no país exportador, celebrado entre o importador (comprador) e o exportador (vendedor).

Porém, efetivamente, previu o legislador do Código Aduaneiro que quando não for possível determinar tal valor transacional – por não ser possível apurá-lo ou por não ser possível, fundamentadamente, aceitá-lo - o valor aduaneiro das mercadorias importadas deverá ser efetuado com base em métodos substitutivos, segundo a sequência estabelecida nas alíneas a) a d) do nº 2 art. 74º do CAU.

Analisados tais métodos substitutivos temos como primeiro método a aplicar o método comparativo, que comporta dois critérios, ambos relacionados com o valor transacional, o relativo a mercadorias idênticas (primeiro critério) e o que respeita às mercadorias similares (segundo critério). Consagrado nas alíneas a) e b) daquele nº 2 do art. 74º do CAU.

Segue-se, a este, o método dedutivo, previsto no art. 74º, nº 2, alínea c) do CAU.

Não sendo possível apurar o valor aduaneiro da mercadoria por recurso a este método, há que convocar o método seguinte, o método do valor calculado, que está consagrado no art. 74º, nº 2, alínea d) do CAU.

Neste caso o valor aduaneiro é determinado a partir dos elementos constitutivos do preço, tal como descritos nas suas alíneas. Se, ainda assim, não for possível fixar o valor aduaneiro este será então estabelecido através de um método residual, de última instância ou método de último recurso, previsto no art. 74º, nº 3 do CAU.

Deste modo, resulta do regime instituído que, os critérios de fixação do valor aduaneiro de uma mercadoria são sequenciais, apresentando entre si um nexo de subsidiariedade, não podendo o valor aduaneiro ser fixado com base numa disposição sem que a precedente tenha sido excluída por impossibilidade de o determinar.

Entende o Tribunal que esta impossibilidade de determinação do valor não se basta com uma dificuldade abstrata ou intuitiva, encontrada na aplicação de um critério para justificar o abandono do mesmo e a passagem para o seguinte e assim sucessivamente. Diverso entendimento configura-se como violador das disposições do CAU que regulam a fixação do valor aduaneiro. Tal como preconizado pela Impugnante.

Isto visto, impõe-se concluir que a aplicação do método do último recurso sem que se mostre evidenciada a impossibilidade de aplicação de algum dos métodos anteriores não pode deixar de reputar-se violadora das normas supra invocadas e do princípio do valor aduaneiro dever ser equivalente ao valor transacional.

Em consequência, a decisão de uma autoridade aduaneira que não respeite o mecanismo previsto nas normas do CAU antes referidos, nem os princípios que enformam o ordenamento jurídico-aduaneiro da União, e que avance para a aplicação do método do último recurso, sem demonstrar a aplicação de todos aqueles métodos de que previamente se devia socorrer, não pode ser considerada como lícita porque infundamentada e contrária às normas.

Com efeito, no caso dos autos, todos os métodos foram rejeitados por alegada inaplicabilidade dado que não foram apresentados dados suficientemente esclarecedores quanto ao preço efetivamente pago. E, para tanto, foram invocados os valores da AMT que colocavam em causa a veracidade dos valores.

Aliás, invoca a Fazenda Pública a norma contida no art. 140º do Ato de Execução do Código Aduaneiro da União, segundo a qual pode ser efetuada uma razoabilidade flexibilidade na interpretação das normas contidas nos artigos 70º a 74º do Código Aduaneiro da União. Norma essa que recomenda o recurso a valores aduaneiros anteriormente determinados e proíbe a utilização de certos recursos.

Sucede que é invocada pela Fazenda Pública esta norma como meio de utilização, no caso, dos valores constantes da AMT, isto é, do European Anti-Fraud Office.

Efetivamente aceita-se que o artigo 74º, nº 3 do CAU, prevê que o valor aduaneiro seja determinado com base nos dados disponíveis na União, por meios razoáveis compatíveis com os princípios e as disposições gerais dos acordos internacionais que descreve e com as disposições do seu capítulo.

(…)

Todavia, como antes referido, no caso vertente o método de determinação do valor aduaneiro utilizado não afastou, de modo clarividente, os demais métodos previstos e em relação aos quais aquele se configura como de ultimo rácio.

Por outro lado, impõe-se registar que sempre que seja considerado que um sujeito passivo, na qualidade de agente importador, não fornece informações consideradas fidedignas, a flexibilidade razoável a que se refere a nota interpretativa a que se fez alusão (constante do Ato de Execução do CAU), não pode ser utilizada para sancionar a utilização de outros “dados disponíveis na União” que não sejam compatíveis com o disposto nº 3 do artigo 74º.

(…)

Em consequência, a utilização dos dados AMT para determinação do valor aduaneiro no caso apreciação estava impedida pelo disposto no artigo 74º, nº 3 do CAU.

Além de que inexistem elementos nos autos que permitam concluir que os valores fornecidos pela AMT são, sequer, referentes a mercadorias em concreto, idênticas ou similares às que aqui estão em causa, e não a meros valores por classificação pautal por referência à Nomenclatura Combinada.

(…)

Ante o exposto, a liquidação impugnada, que se configura como o objeto mediato da presente impugnação, padece de ilegalidade intrínseca porque contrária às normas de que faz aplicação (…)”.

Insurgindo-se contra o assim decidido, alega a Recorrente que a Administração cumpriu a legislação aduaneira aplicável à situação dos autos quanto ao acto de liquidação notificado à impugnante, salientando que a recorrida não conseguiu afastar as “dúvidas fundadas” que, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 140.º do AE-CAU, legitimam a Administração Tributária a decidir que o valor das mercadorias não pode ser determinado de acordo com o artigo 70.º, n.º1 do Código Aduaneiro da União.

Acrescenta que perante a impossibilidade de aceder às características das mercadorias (que não, as abrangidas pela declaração aduaneira aqui em causa) e por outro, o facto da descrição dos itens das faturas ser demasiado genérica o que impedia uma caracterização objetiva das mercadorias, a AT não dispunha de outros elementos com vista a estabelecer um valor de substituição, que não fosse o recurso aos valores médios constantes das bases de dados disponibilizados na ferramenta Theseus.

Ora, a matéria em discussão já foi objecto de apreciação em acórdãos deste Tribunal, designadamente no recente acórdão de 10/10/2024, tirado no processo nº 332/21.42BEBJA, a cuja fundamentação aderimos sem qualquer reserva e que, por forma a obtermos uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em obediência ao art. 8º do Código Civil, passamos a transcrever:

“Louvando-se numa análise correta dos artigos 70º e ss do CAU, em conjugação com o artigo 140º do AE-CAU, assim como em jurisprudência do TJUE, o Tribunal recorrido explica toda a dinâmica que norteia a fixação do valor aduaneiro, sobretudo quando existam dúvidas que têm de ser justificadas perante a AT, de acordo com o artigo 140º AE-CAU e artigo 70º do CAU.

Para o Tribunal recorrido, a AT não estava legitimada a recorrer a um método que não fosse o do valor transacional, não tendo aportado para o procedimento razões fáticas sólidas que justificassem o abandono pelo método transacional, não podendo louvar-se de métodos subsidiários e de último recurso (como o utilizado), e ao fazê-lo, nas circunstâncias factuais apuradas, afrontou o artigo 70º e 74º do CAU que estabelece uma ordem de subsidiariedade no cálculo do valor aduaneiro que deve ser respeitada, o que a AT desrespeitou ao usar um método secundário ou de ultimo recurso.

Lê-se da decisão recorrida, a este respeito, o seguinte:

“Dispõe o art.º 70.º n.º 1 do Código Aduaneiro da União que “A base principal do valor aduaneiro das mercadorias é o valor transacional, ou seja, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino ao território da União, ajustado, se necessário.”

O art.º 74.º n.º 1 do mesmo Código dispõe, por sua vez, que “Caso o valor aduaneiro das mercadorias não possa ser determinado nos termos do art.º 70.º, deve ser determinado pela aplicação sucessiva do n.º 2, alíneas a) a d), até à primeira destas alíneas que permita determinar esse valor.

Finalmente, o n.º 3 deste art.º 74.º estabelece que “Se o valor aduaneiro não puder ser determinado nos termos do n.º 1, deve ser determinado, com base nos dados disponíveis no território aduaneiro da União, por meios razoáveis compatíveis com os princípios e disposições gerais: a) Do Acordo relativo à Aplicação do artigo VII do acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio; b) Do artigo VII do Acordo Geral dobre Pautas Aduaneiras e Comércio; c) Do presente capítulo.”

Assim, estando em causa uma venda de mercadorias para exportação com destino ao território da União, o valor aduaneiro dessas mercadorias deve ser encontrado com base no valor seu valor transacional, tomando em consideração o valor efectivamente pagou ou a pagar pelo comprador, complementado pelos elementos integrantes desse valor transacional, elencados no art.º 71.º do CAU.

Como se pode ler no acórdão do TJUE C-306/04, de 16.11.2006, embora a propósito do (semelhante) art.º 29.º do Código Aduaneiro Comunitário “… o valor aduaneiro das mercadorias importadas é o seu valor transacional, isto é, o preço efectivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino ao território da Comunidade, eventualmente, após ajustamento segundo as disposições pertinentes do código aduaneiro.

(…) decorre da jurisprudência que a regulamentação comunitária relativa à avaliação aduaneira tem por objectivo o estabelecimento de um sistema equitativo, uniforme e neutro que exclui a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios (…). Por conseguinte, o valor aduaneiro deve reflectir o valor económico real de uma mercadoria importada e, portanto, levar em consideração todos os elementos desta mercadoria que tenham valor económico.

Assim, estando em causa uma venda de mercadorias para exportação com destino ao território da União, o valor aduaneiro dessas mercadorias deve ser encontrado com base no valor seu valor transacional, tomando em consideração o valor efectivamente pagou ou a pagar pelo comprador, complementado pelos elementos integrantes desse valor transacional, elencados no art.º 71.º do CAU.

Deste modo, a aplicação de outros métodos de determinação do valor aduaneiro das mercadorias que não o método do valor transacional, apenas pode ocorrer nas situações em que o preço efectivamente pago ou a pagar não possa ser encontrado, apesar de todas as diligências realizadas com essa finalidade.

E neste caso, o valor aduaneiro há de ser determinado com recurso a um dos métodos subsidiários, pela ordem em que tais métodos se encontram previstos.

Como se refere no acórdão do TJUE C-291/15, “… só quando o valor aduaneiro não puder ser determinado por aplicação de uma determinada disposição é que há que aplicar a disposição que vem imediatamente a seguir, na ordem estabelecida.”

Deste modo, o recurso a um determinado método de determinação do valor aduaneiro da mercadoria à margem da ordem de subsidiariedade pela qual eles se encontram previstos, inquina o acto tributário de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.

Do mesmo modo que o recurso a qualquer um dos métodos subsidiários ao método do valor transacional sem que fosse impossível determinar o preço efectivamente pago ou a pagar pela mercadoria, inquina o acto tributário de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, pois sendo possível determinar aquela que é a base do método do valor transacional, é este, e mais nenhum, o único critério de determinação do valor aduaneiro da mercadoria que pode ser utilizado.

Dir-se-á que, em princípio, o valor pago ou a pagar pela mercadoria corresponderá àquele que vier a ser declarado às instâncias aduaneiras.

(…)

Dito de outra forma, e por força do disposto no art.º 74.º n.º 1 do CAU, só se não for possível apurar o preço pago ou a pagar pela mercadoria, que corresponderá ao seu valor transacional, é que a Administração está habilitada a recorrer aos métodos subsidiários, de acordo com a ordem estabelecida no art.º 74.º, e de acordo com os requisitos e condições previstos para cada um deles.

Porque se trata de um pressuposto do acto tributário com recurso a tais métodos subsidiários, a Administração deverá demonstrar não ter sido possível apurar o preço efectivo da mercadoria, não bastando invocar que o valor declarado lhe causou dúvidas, ainda que fundadas, de que possa não corresponder àquele preço.

Ou seja, o pressuposto que tem que estar verificado para que se abandone o método do valor transacional, não é a demonstração de elementos e factos susceptíveis de gerar uma dúvida objectiva sobre se o valor declarado corresponde ao preço da mercadoria, mas sim a impossibilidade de encontrar o valor daquela que deve ser a base do valor aduaneiro das mercadorias, isto é, o preço efectivamente pagou ou a pagar pela mercadoria.

O que, naturalmente, implica a realização de diligências de instrução por parte da Administração, com vista a dissipar, ou não, essas dúvidas, e com vista a encontrar, ou a concluir pela impossibilidade de encontrar o preço efectivamente pago ou a pagar pela mercadoria.

E concluindo, de forma fundamentada, não ter sido possível apurar o preço efectivamente pagou ou a pagar, partir para a aplicação de um dos métodos subsidiários. (…)

Dispõe o art.º 140.º do Regulamento de Execução (AE) que “1. Sempre que as autoridades aduaneiras tenham dúvidas fundadas de que o valor transacional declarado representa o montante total efetivamente pago ou a pagar, referido no art.º 70.º, n.º 1, do Código, podem solicitar ao declarante que faculte informações adicionais. 2. Se as suas dúvidas não forem dissipadas, as autoridades aduaneiras podem decidir que o valor das mercadorias não pode ser determinado em conformidade com o art.º 70.º, n.º 1, do Código.”

Os mecanismos previstos neste artigo, dependem, antes de mais, da existência de uma dúvida, mas uma dúvida fundada, de que o valor transacional declarado não corresponde ao valor do preço efectivamente pago ou a pagar pela mercadoria. (…)”

Ou seja, para o Tribunal as liquidações não se podiam manter, quer por erro nos pressupostos de facto, como se viu, quer por erro nos pressuposto legais, por serem afrontados os normativos do CAU (70º e 74º) e 140º do AECAU, os quais impõe que seja respeitada a subsidiariedade prevista no artigo 70º do CAU e 74º daquele diploma.

E, decidiu bem.

Ao concluir que a AT andou mal ao ter usado um método que não o correspondente ao preço das mercadorias (transacional), impondo o artigo 70º e 74º do CAU que se dê primazia aquele método transacional, assim como o artigo 140º nº 2 do AE-CAU, donde decorre que (só) “Se as dúvidas não forem dissipadas, as autoridades podem decidir que o valor das mercadorias não pode ser determinado em conformidade com o art.º 70.º n.º 1 do Código.”

Deste modo, não é o facto de entender que o valor apresentado é excecionalmente baixo, face às estatísticas da União Europeia para a importação de mercadorias similares, bastante para abandonar o preço transacional, sobretudo quando as dúvidas acerca do preço das mercadorias foram dissipadas por via de documentos aceites e não contestados.

E é assim sobretudo em situações como a colocada em que não estão em causa situações de infração por fraude relacionada com subvalorização apresentada pelas importações, geradora de responsabilidade para os Estados membros, pelo incumprimento das obrigações de proteção dos interesses financeiros da UE, combate à fraude, assim como emergentes do incumprimento das obrigações decorrentes do Direito Aduaneiro da UE (artigo 258º e 325º do TFUE e 3º do CAU) – vd., a respeito, o acórdão do TJUE de 08.03.2022, Processo C-213/19.

Ora, a situação que nos é trazida, tem na mira a fixação do valor aduaneiro para efeito de fazer incidir os direitos aduaneiros (artigos 70º e 74º do CAU), em nada se relaciona, portanto, com situações de fraude por subvalorização relacionada com importações, nem com base em “operações” de investigação levadas a cabo pelo OLAF (em cooperação com Estados Membro) e Comissão Europeia, relacionadas com ações de incumprimento do direito da União e responsabilização pela perda de receita aduaneira, que vem sendo tratadas pelo TJUE, onde, no seio do esquema fraudulento, para apurar o impacto no valor orçamental da própria UE, é usual o recurso a valores estimados (de que é exemplo o acórdão do TJUE de 08.03.2022, Processo C-213/19, supra citado).

Na situação colocada, o Tribunal concluiu que, diante uma dúvida acerca do valor aduaneiro (para efeito de aplicação da pauta aduaneira), deveria a AT pedir esclarecimentos à recorrida com a finalidade de as dissipar, e ao serem enviados os elementos para justificar o valor transacional (nomeadamente a ordem de encomenda da mercadoria, a fatura comercial, o comprovativo do pagamento do preço, e ainda, a ficha técnica dos produtos), sem questionar a sua validade ou pedir outros esclarecimentos, as dúvidas foram supridas, por isso não havia justificação legal para abandonar o método principal (transacional) consoante imposto pelo CAU. Por essa razão, concluiu com acerto que, inexistindo justificação para lançar mão de um método de determinação do valor aduaneiro das mercadorias que não fosse o do seu valor transacional, violou, a AT, as regras de subsidiariedade previstas nos artigos 70º e 74º do CAU, enquanto pressuposto legal da sua atuação.

Com efeito, escudando-se a AT (apenas) no valor ditado pelas estatísticas da União Europeia (Método estatístico ditado pelas bases de dados AMT/Theseus), sem justificar e atentar às regras de subsidiariedade ditadas pelo CAU, ignorando os elementos levados ao procedimento pela recorrida para justificar o valor transacional (valor regra de que deve partir o valor aduaneiro com vista à aplicação da Pauta Aduaneira Comum), o ato está inquinado, também, por erro nos pressupostos legais.

A Administração Aduaneira não pode utilizar indistintamente os métodos vertidos nos artigos 70º e 74º do CAU, devendo respeitar a ordem estabelecida no artigo 74º, não podendo “abandonar” um método primeiramente estabelecido sem justificar esse abandono antes de avançar para o “seguinte” ou para um método de último recurso.

Os critérios para fixar o valor aduaneiro de uma mercadoria, a que aludem os artigos 70º a 74º do CAU, tem entre si uma relação de subsidiariedade que importa respeitar, dando primazia ao método transacional com base no preço efetivamente pago (com ajustamentos positivos e/ou negativos), como decorre dos artigos 70º a 74º do CAU e da Jurisprudência do TJUE de que é exemplo o acórdão de 16.06.2016, processo C-291/15, citado na decisão recorrida.

Não sendo possível fixar-se o valor de acordo com o preço pago (Método de determinação do valor aduaneiro baseado no valor transacional - artigo 70º), o CAU estabelece métodos secundários ou de substituição, no artigo 74º, ao estabelecer, logo no seu nº 1 que: “Caso o valor aduaneiro das mercadorias não possa ser determinado nos termos do artigo 70.º, deve ser determinado pela aplicação sucessiva do n.º 2, alíneas a) a d), até à primeira destas alíneas que permita determinar esse valor…”.

Assim, afastado o método transacional vertido no artigo 70º, a ordem a seguir, de acordo com o artigo 74º é a seguinte:

- Método do valor transacional de mercadorias idênticas (74 nº 2 al. a))

- Método do valor transacional de mercadorias similares (74 nº 2 al. b))

- Método do valor baseado no preço unitário (74 nº 2 al. c))

- Método do valor calculado (74º nº 2 al. d))

Decorre ainda o nº 3 do artigo 74º do CAU que, se o valor aduaneiro não puder ser determinado nos termos do n.º 1, deve ser determinado, com base nos dados disponíveis no território aduaneiro da União, por meios razoáveis compatíveis com os princípios e disposições gerais:

a) Do Acordo relativo à Aplicação do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio;

b) Do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio;

c) Do presente capítulo.

Assim, mercê da relação de subsidiariedade imposta pelo legislador, o valor não pode ser fixado com base numa disposição sem se justificar a impossibilidade, que tem de ser absoluta, de recurso à modalidade anterior- vd. cit. acórdão do TJUE de 16.06.2016, processo C-291/15 e ainda os considerandos 40, 41 e 42 do acórdão do TJUE de 08.03.2022, Processo C-213/19.

Deste modo, será ilícita a conduta da Autoridade Aduaneira quando utilize um método de último recurso sem justificar capazmente o abandono pelo método precedente, nomeadamente quando se apoie apenas em estatísticas que considere fidedignas.

Na situação colocada apoiou-se a entidade recorrente num valor calculado de acordo com estatísticas da União (AMT/Theseus), entendendo que o valor faturado das mercadorias importadas se encontrava bastante baixo em comparação com daqueles valores estatísticos médios da União Europeia para as mercadorias em causa, sem demonstrar que estava legitimada a aplicar outro método que não o transacional, desviandose do disposto nos artigos 70º a 74º do CAU, apenas porque os valores médios estatísticos eram diferentes, desconsiderando toda a realidade concreta.

Para a recorrente, contrariando o decidido pelo Tribunal a quo, não estava impedida de utilizar um método de último recurso, valendo-se de jurisprudência do STA (acórdão de 12 de março de 2014, proc. 01674/13) relativa à fundamentação dos atos, não sendo essa a situação trazida à discussão (vd. conclusão DD) do recurso).

Por fim,

Importa trazer aos autos o discorrido, a este respeito, no acórdão deste TCAS de 07.06.2018, processo nº 2199/13.7BELRS:

“b) A utilização do método do último recurso na determinação do valor aduaneiro das mercadorias em causa foi ilegal, quer por não ter sido demostrada e justificada a impossibilidade da sua determinação pelo valor transacional previsto no art.º 29.º do CAC, quer porque o abandono dos métodos sequenciais e substitutivos do n.º 2 do art.º 30.º, do mesmo diploma, se baseou numa mera impossibilidade abstrata sem apoio em factos que evidenciassem uma impossibilidade concreta de utilização de tais métodos”.

Explicitando aquele aresto que:

“d) Dada a sua natureza, os dados estatísticos obtidos a partir da AMT são imprestáveis para a determinação do valor aduaneiro de uma mercadoria, por a sua utilização estar impedida pelo disposto no artigo 31.º, n.º 2, al. g), do CAC.

e) Outros tipos de dados estatísticos podem ser utilizados na determinação do valor aduaneiro através do método do último recurso, desde que não seja possível fixá-lo através do valor transacional da mercadoria nem pelos métodos substitutivos e sequencias precedentes, sempre que este valor seja considerado desproporcionadamente baixo, mas só depois do importador não ter fornecido elementos de prova ou informações adicionais, quando solicitado para tal, que demonstrem a exatidão do valor transacional das mercadorias.”

Esta fundamentação do acórdão que se acabou de transcrever é totalmente transponível para os presentes autos, aqui também se concluindo que inexiste o apontado erro na interpretação e aplicação do quadro legal.

Em consonância com o exposto, é de manter a decisão do tribunal de 1ª instância que anulou o acto impugnado por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, e condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Impugnante do valor que pagou com base nessa liquidação, acrescido de juros indemnizatórios computados nos termos legais, ficando desse modo prejudicado o conhecimento dos fundamentos do recurso invocados em torno da inexistência do vício de forma por falta de fundamentação.

Sumário/Conclusões:

I. Os critérios para fixar o valor aduaneiro de uma mercadoria (com vista à aplicação da pauta aduaneira comum), a que aludem os artigos 70º a 74º do CAU, têm entre si uma relação de subsidiariedade que importa respeitar, dando primazia ao método transacional com base no preço efetivamente pago.

II. Mercê da relação de subsidiariedade, o valor não pode ser fixado com base numa disposição sem se justificar a impossibilidade, que tem de ser absoluta, de recurso à modalidade anterior. Assim, será ilícita a conduta da Autoridade Aduaneira quando utilize um método de último recurso sem justificar capazmente o abandono pelo método precedente.

Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu, nos termos expostos.

Lisboa, 5 de dezembro de 2024


(Ângela Cerdeira)

(Patrícia Manuel Pires)

(Tiago Brandão de Pinho)

Assinaturas eletrónicas na 1ª folha