Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:923/18.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:09/26/2024
Relator:MARGARIDA REIS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
NULIDADES
Sumário:I - Sendo o IRS um imposto criado e regulado por lei, não tem aplicação o disposto na alínea k) do art. 161.º do CPA, pois, e ainda que se conclua que as liquidações impugnadas não respeitam a CDT em causa, não está um qualquer ato que crie “obrigações pecuniárias não previstas na lei”.
II - Não se enquadrando as ilegalidades que imputa aos atos de liquidação em qualquer das situações elencadas no art. 161.º do CPA, ou em qualquer outra norma da qual possa decorrer a qualificação do respetivo desvalor jurídico como nulidade, não resta senão concluir que a sentença andou bem ao desfechar pela respetiva anulabilidade e, consequentemente, pela verificação da exceção dilatória de caducidade do direito de ação.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

C.........., inconformada com a sentença proferida em 2023-02-16 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância na impugnação que interpôs tendo por objeto as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referentes aos anos de 2009, 2010 e 2011, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

B) CONCLUSÕES:

A) No caso sub judice está em causa também a legalidade do acto administrativo, o que tem como consequência a sua invalidade, que se consubstancia no valor negativo que afecta o acto administrativo em virtude da sua inaptidão intrínseca para a produção dos efeitos jurídicos que devia produzir

D) A invalidade do acto administrativo de nulidade previsto no artigo 161 do CPA, é arguível a todo o tempo e por consequência directa a tempestividade da acção;

E) Fundamenta-se a Douta Sentença recorrida no Acórdão do STA, proferido no processo 0886/07 de 13 de Fevereiro de 2008, fundamenta-se este acórdão no artigo 102 do CPPT, ex vi artigo 133 do CPA.

F) O normativo no qual a Douta Sentença se fundamenta, artigo 133.º do CPA, foi revogado pelo DL n.º 4/2015 de 7 de Janeiro, pelo que já não está em vigor há 6 anos;

G) O regime das nulidades, estão agora previstos no novo artigo 161 do CPA, que, a este respeito introduz alterações significativas, tendo-se alargado os casos de nulidade expressamente previstos na lei; pelo que, também com este fundamento deve a Douta sentença ser revogada;

H) Fundamenta-se ainda a Douta sentença no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, prolatado no processo n.º 01130/19.0BEAVR, a 15.04.2021, que analisa as consequências para o desvalor do acto administrativo da aplicação de normas inconstitucionais;

I) O recorrente não alega a inconstitucionalidade de quaisquer normas, argumentado o acto administrativo está ferido de nulidade nos termos da al. k) do n.º 1 do artigo 161 do CPC, e que a AT ao não respeitar a isenção de tributação concedida no artigo 15 n.º 3 pela CDT outorgada entre Portugal e a Noruega, está por razões de hierarquia das normas, a violar o artigo 8.º da CRP.

J) Assim, a Douta sentença, fundamenta-se em factos não arguidos pelo recorrente, pelo que, deve ser revogada;

L) A decisão da AT revela-se contrária à Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República de Portugal e o Reino da Noruega, plenamente em vigor nos dois ordenamentos jurídicos;

M) Trata-se de uma vinculação internacional do Estado português, à qual todos os poderes se encontram vinculados: o poder legislativo (não poderá aprovar actos legislativos cujo conteúdo seja desconforme com o constante na Convenção para evitar a Dupla Tributação), o poder jurisdicional (encontra-se vinculado a aplicar a Convenção e a desaplicar normas a ela contrárias) e o poder administrativo (está obrigado a aplicar a Convenção celebrada entre Portugal e o Reino da Noruega – vertente positiva – e a abster-se de praticar actos que firam o conteúdo preceptivo da referida vinculação);

N) Assim sendo, a Convenção de Dupla Tributação integra o bloco de legalidade que vincula a administração tributária, gerando o acto jurídico-tributário que lhe seja desconforme o vício de violação de lei;

O) O desvalor de tal acto tributário: é a nulidade, não produzindo o acto quaisquer efeitos ab initio, a declaração de invalidade retroage ao momento da sua prática, é insuprível, não podendo ser convalidado por acto posterior da Administração Tributária, nem pelo próprio particular;

P) A nulidade justifica-se pela especial posição das Convenções Internacionais no sistema de fontes de Direito português, na CRP está plasmada a primazia do direito internacional, como princípio geral, e os acordos internacionais, vêm indicados antes dos diplomas legislativos;

Q) As normas internacionais vinculativas de Portugal prevalecem sobre as normas legais, sejam anteriores ou posteriores, constituindo uma limitação à tributação do Estado Português, que não pode tributar, quando a CDT dela isenta, in casu, os rendimentos do trabalho prestado na Noruega, e neste Reino pagando os seus impostos, não pode pelos mesmos rendimentos ser tributado em Portugal, artigo 15.º n.º 3 da CRP e artigo 8.º n.º 2 da CRP;

R) A inexistência do facto tributário – que é, em suma, o se que invoca –, fere de ilegalidade o acto de liquidação de IRS concretamente praticado por violação de norma de hierarquia superior sendo esta ilegalidade a que se verifica quando é liquidado imposto a quem dele está isento ou não sujeito, por força do artigo 15.º n.º 3 da CDT.

S) Estão feridas as liquidações de ilegalidade por violação de normas hierarquicamente superiores, por limitação do Estado Português na tributação de rendimentos, nos casos previstos no artigo 15 n.º 3 da CRP, e em consequência ferias de nulidade, pelo que deve a Douta sentença ser revogada;

Termina pedindo:

Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui Douto suprimento de V. Exa., deve ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a decisão recorrida com os termos, fundamentos e conclusões supra expostas fazendo-se assim, Justiça!


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.

Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por não ter qualificado corretamente o desvalor jurídico decorrente do vício de que, alegadamente, padecem os atos de liquidação recorridos.


II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

1) Em 21-07-2012 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a liquidação de IRS do ano de 2009 n.º 2012 4004860623 no valor a pagar de € 0,00 (cf. demonstração a págs. 21 de fls. 287 a 343 do SITAF);

2) Em 10-10-2012 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a liquidação de IRS do ano de 2010 n.º 2012 4005002544 no valor a pagar de € 0,00 (cf. demonstração a págs. 22 de fls. 287 a 343 do SITAF);

3) Em 27-11-2012 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a liquidação de IRS do ano de 2011 n.º 2012 4005082839 no valor a pagar de € 5.162,11 (cf. demonstração a págs. 23 de fls. 287 a 343 do SITAF);

4) Em 21-12-2012 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista a reclamação graciosa da liquidação do IRS do ano de 2011, descrita em 3) (cf. requerimento a págs. 3 a 13 de fls. 287 a 343 do SITAF);

5) Em 29-12-2012 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a liquidação de IRS do ano de 2011 n.º 2012 4005126729 no valor a pagar de € 4.204,66 (cf. demonstração a fls. 133 do SITAF);

6) Em 20-02-2013 os serviços da AT deferiram parcialmente a reclamação descrita em 4), tendo considerado o valor do imposto pago no estrangeiro pela Impugnante (cf. despacho e informação a págs. 26, 27 e 29 de fls. 287 a 343 do SITAF);

7) Em 28-05-2013 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante o relatório da inspeção tributária relativa ao IRS dos anos de 2009 e de 2010 (cf. RIT a págs. 6 a 16 de fls. 223 a 238 do SITAF);

8) Em 15-06-2013 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a liquidação de IRS do ano de 2009 n.º 2013 4003297937 no valor a pagar de € 7.403,69 (cf. demonstração a fls. 134 do SITAF);

9) Na mesma data os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a liquidação de IRS do ano de 2010 n.º 2013 4003298428 no valor a pagar de € 8.945,07 (cf. demonstração a fls. 135 do SITAF);

10) Em 26-10-2018 deram entrada neste Tribunal os presentes autos (cf. registo do SITAF).


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II.2. Fundamentação de Direito

Em causa está o recurso da sentença que julgou procedente a exceção dilatória de caducidade do direito de ação relativamente à impugnação interposta pela aqui Recorrente tendo por objeto as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referentes aos anos de 2009, 2010 e 2011, e que, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.

A Recorrente imputa à sentença o erro de julgamento de direito, pois não se conforma com a qualificação do desvalor jurídico do vício que imputa aos atos de liquidação de IRS, a saber, a sua desconformidade com a Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República de Portugal e o Reino da Noruega, insistindo que o regime aplicável ao mesmo é o da nulidade, e não o da anulabilidade dos atos administrativos.

Assim, e na sua tese, os atos de liquidação em causa seriam nulos porque desconformes à referida CDT, atenta a sua particular posição na hierarquia das normas, porque tal desconformidade implica uma violação do disposto no art. 8.º da CRP, e, por fim, porque ao caso seria de aplicar o disposto na alínea k) do n.º 2 do art. 161.º do CPA, na redação que lhe foi conferida pelo DL 4/2015, de 7/1, que determina a aplicação do regime da nulidade aos atos administrativos que “que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei”.

Sobre esta matéria, é a seguinte a fundamentação constante na sentença recorrida:

(…)

Todavia, como vimos, afirma a Impugnante que os atos são nulos por violação da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República de Portugal e o Reino da Noruega, criando, assim, uma obrigação pecuniária não prevista na lei, pelo que, conforme determina o n.º 3 do artigo 102.º do CPPT, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.

Ora, na redação do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aplicável por remissão da alínea d) do artigo 2.º do CPPT, dispõe-se, com interesse, que:

“1 - São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

2 - São, designadamente, nulos:

a) Os atos viciados de usurpação de poder;

b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;

c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;

d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;

e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;

f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;

g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;

h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;

i) Os atos que ofendam os casos julgados;

j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;

k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;

l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido”.

Designadamente no que à invocada alínea k) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA diz respeito, indica a doutrina que «[...] deverá a disposição citada ser interpretada no sentido de cominar com a nulidade todos os atos que constituam obrigações pecuniárias sem que exista um suporte normativo de origem legal para o efeito – ainda que, em determinados casos, em conformidade com a respetiva admissibilidade constitucional, possa a previsão legal que “autoriza” a cobrança do valor pecuniário em causa ser intermediada por atos normativos de valor infralegal [...]» (SILVA, Hugo Flores, “O impacto da reforma do CPTA e do CPA no processo e procedimento tributário”, Procedimento e Processo Tributário – 2016, Centro de Estudos Judiciários, 2017, disponível em https://cej.justica.gov.pt/).

Resulta do exposto que o conceito previsto na alínea k) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, apenas será preenchido se faltar por absoluto a norma que origina o tributo.

No caso, porém, face às normas dos artigos 2.º, 15.º e 16.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, as liquidações ora impugnadas têm, efetivamente, uma base legal.

Assim sendo, face à doutrina supra descrita, não obstante possa existir alguma ilegalidade nas liquidações, nomeadamente por a Impugnante ser, alegadamente, não residente à data dos factos, esta invalidade terá de relevar ao nível da anulabilidade do ato administrativo, nos termos do artigo 163.º do CPA, mas já não como nulidade por não se preencher o conceito da alínea k) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA.

Quanto à nulidade por violação de convenção internacional, refere a Impugnante que a nulidade se justifica pela especial posição destas convenções no sistema de fontes de Direito português, através do n.º 2 do artigo 8.º da CRP.

Todavia, como já expressamente se referiu na jurisprudência quanto à dupla tributação por existir uma convenção que vincula diretamente o Estado Português:

«[...] Porém, daqui não resulta que seja nulo – e não apenas anulável – um acto tributário de liquidação que desrespeite norma constante de uma convenção internacional.

A regra, para os actos administrativos, em matéria tributária ou não, ofensivos de normas ou princípios jurídicos, independentemente da sua sede, é a mera anulabilidade, conforme resulta do disposto no artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). A nulidade é reservada para os actos a que falte algum elemento essencial, ou para aqueles que a lei expressamente qualifique como nulos, como se vê no artigo 133º do CPA.

Este o entendimento da jurisprudência desde há muito tempo firmada neste Tribunal, como pode ver-se, nomeadamente, nos acórdãos de 31 de Outubro de 2001, no processo nº 26392, 9 de Novembro de 1995, no processo nº 669/05, 9 de Outubro de 1996, no processo nº 20873, e 7 de Abril de 1995, no processo nº 1108/03, este último do Pleno da Secção, e nos numerosos arestos aí referidos. Deste modo, ainda que tenha ocorrido ofensa de normas ínsitas na Convenção invocada pelo impugnante (Convenção e normas que, de resto, não concretizou na petição, ao contrário do que afirma na primeira das suas conclusões), o acto recorrido não enferma, por isso, de outro vício que não seja a anulabilidade. E daí decorre que a impugnação judicial tinha que ser deduzida, sob pena de caducidade do respectivo direito, dentro do prazo fixado no artigo 102º nº 2 do CPPT, o qual, como se viu, foi largamente excedido. [...]» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0886/07, de 13-02-2008, disponível em www.dgsi.pt).

E, apesar de também na jurisprudência ser claro que existe supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário, conforme consagrado nos artigos 8.º da CRP e 1.º da Lei Geral Tributária (LGT), tal não obsta a que uma qualquer violação desse direito internacional consubstancie uma nulidade, porquanto conforme decisão que se transcreve:

«[...] É pacífico na doutrina e na jurisprudência que, de entre as ilegalidades do acto administrativo, a anulabilidade é regra geral.

Um acto que, em aplicação da lei ordinária, viole, por exemplo, o princípio da legalidade tributária não é nulo mas anulável (cf., entre outros, os Acs. do Supremo Tribunal Administrativo, recursos nºs. 022251, de 30.06.99, 2ª secção e 01259/04, de 22.06.05 do Pleno da secção do Contencioso Tributário).

Mas já assim não será relativamente a actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, actos esses que são nulos.

Com efeito nos termos do art. 133º nºs 1 e 2 al. d) do Código de Processo Administrativo (redacção então em vigor) são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.

Porém, a situação configurada nos autos - de violação da liberdade de circulação de capitais - não integra o conteúdo essencial de um desses direitos fundamentais.

É que os actos feridos de erro nos pressupostos de direito, por desconformidade, com normas de direito comunitário, das normas jurídicas nacionais aplicadas são meramente anuláveis, por ser esta a regra no nosso direito para os actos administrativos ofensivos dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis, conforme estabelecia o artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo (na redacção então em vigor), a não ser que a lei preveja outra sanção para essa violação, como resulta da conjugação deste artigo com o 133º nº 1 e 2.

Com efeito não se tratando de acto “a que falte qualquer dos elementos essenciais” (artigo 133º nº 1, citado), e não havendo norma que expressamente comine com a nulidade o acto praticado em ofensa a regras de direito comunitário, a sanção só pode ser a da anulabilidade do respectivo acto.

É o que igualmente acontece com os actos que aplicam normas legais inconstitucionais já que a jurisprudência não os vem considerando, em regra, nulos, mas apenas anuláveis, ou feridos de “invalidade atípica”, de qualquer forma, submetidos às regras próprias dos actos anuláveis, no que concerne à tempestividade da sua impugnação judicial.

Neste sentido se tem pronunciado este Supremo Tribunal Administrativo, em jurisprudência reiterada, nomeadamente nos acórdãos de 20.03.2002, recurso 026774, de 29.05.2002, recurso 368/02 e de 29.05.2002, recurso 368/02, para além dos citados pelo Exmº Magistrado do Ministério Público (acórdãos do STA de 9/10/96 (rec. 20.873), in Ap. DR de 28/12/98, pp. 2843 e ss, de 10/04/2002, proc 026390, de 05/06/2002, proc 026515, e de 26/06/2005, proc. 01259/04.) [...]» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0830/11.8BEALM 0588/16, de 06-05-2020, disponível em www.dgsi.pt).

A decisão da situação supra, em que estava em causa a violação do direito comunitário, é, portanto, totalmente aplicável aos autos, porquanto o Estado Português também se vinculou àquele direito, nomeadamente através da outorga dos tratados comunitários.

Assim sendo, tanto no caso supra descrito, como no presente, a violação de normas, mesmo que supralegais, fonte de direito português através do n.º 2 do artigo 8.º da CRP, constitui um fundamento de anulabilidade do ato, e já não de nulidade, uma vez que, como vimos, não está em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental.

Conclui-se, desta forma, que o vício invocado tem por base a desconformidade dos atos impugnados, estando em causa possível vício deviolação de lei cuja verificação determinará somente a anulabilidade desses atos e já não uma possível nulidade ou inexistência.

(…)

Ora, nada há a apontar à sentença, que faz uma correta apreciação e aplicação do direito ao caso.

De facto, é correta a asserção de que sendo o IRS um imposto criado e regulado por lei, não tem aplicação o disposto na alínea k) do art. 161.º do CPA, uma vez que não está em causa um qualquer ato que crie “obrigações pecuniárias não previstas na lei”.

Ou seja, “não está em causa nenhum acto criador de um imposto legalmente não previsto. Está em causa um acto praticado pela Administração Tributária, a impor ao Recorrente o pagamento de um determinado valor, com fundamento num imposto criado por lei (…), na interpretação que fez dos factos que apurou e na conclusão que extraiu de que esse pagamento era exigível(cf. Acórdão proferido pelo STA em 2021-03-10 no proc. 0781/16.0BEBRG 216/18, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Por outro lado, e quanto ao demais, nenhuma das alterações introduzidas no CPA pelo DL 4/2015, de 7/1, concretamente, nenhuma das novas situações ali previstas se reporta às circunstâncias em apreço nos presentes autos, sendo certo, aliás, que a Recorrente se limita a invocar a norma em abstrato, não especificando em que medida é que a referida alteração põe em causa a argumentação constante na sentença.

Mantém, por isso, toda a pertinência a jurisprudência citada na sentença.

Assim sendo, e não se enquadrando as ilegalidades que imputa aos atos de liquidação em qualquer das situações elencadas naquela norma, ou em qualquer outra da qual possa decorrer a qualificação do respetivo desvalor jurídico como nulidade, não resta senão concluir que a sentença andou bem ao desfechar pela respetiva anulabilidade e, consequentemente, pela verificação da exceção dilatória de caducidade do direito de ação.

Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente.


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Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.

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Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. Sendo o IRS um imposto criado e regulado por lei, não tem aplicação o disposto na alínea k) do art. 161.º do CPA, pois, e ainda que se conclua que as liquidações impugnadas não respeitam a CDT em causa, não está um qualquer ato que crie “obrigações pecuniárias não previstas na lei”.

II. Não se enquadrando as ilegalidades que imputa aos atos de liquidação em qualquer das situações elencadas no art. 161.º do CPA, ou em qualquer outra norma da qual possa decorrer a qualificação do respetivo desvalor jurídico como nulidade, não resta senão concluir que a sentença andou bem ao desfechar pela respetiva anulabilidade e, consequentemente, pela verificação da exceção dilatória de caducidade do direito de ação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 26 de setembro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Teresa Costa Alemão – Isabel Silva.