Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 303/22.3BEBJA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/05/2025 |
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Relator: | VITAL LOPES |
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Descritores: | DIREITOS ADUANEIROS VALOR ADUANEIRO VALOR TRANSACCIONAL ERRO NOS PRESSUPOSTOS |
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Sumário: | i)Os critérios para fixar o valor aduaneiro de uma mercadoria (com vista à aplicação da pauta aduaneira comum), a que aludem os artigos 70º a 74º do CAU, tem entre si uma relação de subsidiariedade que importa respeitar, dando primazia ao método transaccional com base no preço efectivamente pago.
ii)Mercê da relação de subsidiariedade, o valor não pode ser fixado com base numa disposição sem se justificar a impossibilidade, que tem de ser absoluta, de recurso à modalidade anterior. Assim, será ilícita a conduta da Autoridade Aduaneira quando utilize um método de último recurso sem justificar capazmente o abandono pelo método precedente. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada, vem interpor recurso da decisão proferida pelo TAF de Beja em 09.05.2023 na qual foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida por M ……………………….., S.A., na sequência do acto tácito de indeferimento que se formou sobre a reclamação graciosa oportunamente apresentada contra o acto de liquidação de direitos e outros encargos, no valor de € 5 139,63, praticado pelo Sr. Chefe da Delegação Aduaneira de Sines, no âmbito da declaração de importação nº …………………..245, de 06.10.2021. Apresentou alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões: « A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, que julgou a impugnação totalmente procedente, com fundamento em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, condenando ainda a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios e custas processuais. B) Com a devida vénia, a Fazenda Pública não se pode conformar com tal decisão, considerando que a mesma padece de erro de julgamento em matéria de facto e de direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue a impugnação totalmente improcedente, com todas as consequências legais. C) Com efeito, refere a douta sentença recorrida que: “Neste quadro, e em face de tudo o que consta do procedimento administrativo que antecedeu a decisão impugnada, a dúvida fundada de que o valor transacional declarado não representava o preço efetivamente pago ou a pagar, e que no início do procedimento justificou o pedido de informações à Impugnante, deixou de existir no final do mesmo procedimento, ou seja, foi dissipada pelas explicações e pelos documentos fornecidos, não contestados pela Administração, D) Concluindo que: “O que significa que a liquidação impugnada padece de vício de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que não poderá manter-se na ordem jurídica. E) Com a devida vénia, apesar do douto Tribunal recorrido ter considerado existir vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, não identificou, como deveria, quais os factos que foram considerados na decisão administrativa e que estavam objetivamente desconformes com a realidade, de modo a questionar a validade substancial da decisão da AT, de modo a justificar a sua decisão de anulação da liquidação por erro nos pressupostos de facto. F) Se o douto tribunal recorrido entendeu que a AT não explicou quais as razões para manter as dúvidas fundadas, nunca poderia ter determinado a anulação da liquidação por vício de violação de lei, mas sim por vício de falta de fundamentação. G) Contrariamente ao entendimento vertido na douta sentença, considera a Fazenda Pública que os documentos que a Impugnante forneceu na resposta ao oficio n.° 350/21 e as explicações que apresentou na referida resposta e no exercício do direito de audição, nada esclarecem sobre «a formação da operação, o seu acompanhamento, a sua intervenção junto do processo produtivo, as particularidades concretas da produção das mercadorias em causa”, que justificassem a divergência de preços que está na origem dos presentes autos. H) Efetivamente, os documentos e as explicações fornecidas pela Impugnante em resposta ao oficio 350/2021 e aquando do exercício do seu direito de audição prévia, nada acrescentam ou esclarecem sobre a operação dos autos, contrariamente ao entendimento do douto Tribunal recorrido. I) Não compete à Administração Tributária indicar ao Contribuinte quais os elementos a fornecer para justificar os preços praticados, contrariamente ao que parece resultar da douta sentença recorrida. J) Conforme esclarece o acórdão do TJUE no Processo C-291/15 que a apresentação de documentos autênticos que atestem o valor transacional declarado não implica, necessariamente, que as dúvidas fundadas sejam dissipadas. K) Para o efeito, será necessário que esses documentos permitam perceber a razão pela qual o valor aduaneiro declarado é extremamente baixo quando comparado com o valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares, o que, manifestamente, não sucedeu no caso dos autos, já que, como se disse, os documentos e explicações fornecidos pela Impugnante nada acrescentam sobre os aspetos envolvidos na formação do preço e na sua discrepância relativamente ao valor médio para a importação de mercadorias semelhantes. L) Com a devida vénia, atentos os factos assentes, não poderia concluir-se, como concluído na douta sentença, que a Impugnante justificou que o valor declarado representou o preço efetivamente pago ou a pagar referido no art.° 70.° do CAU, ou que a Impugnante explicou validamente o afastamento excecional do preço efetivamente praticado para a média dos valores das aquisições de mercadorias idênticas ou similares. M) Contrariamente ao decidido, a AT fundamentou devidamente o ato impugnado, justificando a razão de não considerar dissipadas as dúvidas de que o valor transacional declarado não correspondia ao preço efetivamente pago ou a pagar, por não aceitar como suficientes os documentos e explicações apresentadas. N) Ao julgar procedente a presente causa, incorreu a douta sentença em erro de julgamento em matéria de facto - porquanto faz errada valoração da prova carreada para os autos, ao sustentar conclusões em factos do probatório [alíneas c), a j) da matéria de facto provada], que não permitiriam retirar tais ilações e em, O) Erro de julgamento em matéria de direito, por errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 70.° e 74.° do CAU e artigos 140.° e 144.° do AE-CAU, não se conformando a Fazenda Pública com a interpretação e conclusões daquele douto tribunal. Nestes termos, com o douto suprimento, deverá o presente recurso ser admitido e julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por douto acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente, mantendo a liquidação dos autos na ordem jurídica, com todas as consequências legais.” 1. As presentes Contra-Alegações têm por objeto o Recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja ("TAF de Beja"), em 09/05/2023, no processo n.° 303/22.3BEBJA, a qual julga procedente a Impugnação Judicial apresentada pela aqui Recorrida do ato de liquidação praticado pela DAS no montante global de € 5.139,63 (cinco mil, cento e trinta e nove euros e sessenta e três cêntimos), relativo a direitos aduaneiros e IVA, entendendo que tal ato de liquidação padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, 2. Condenado a Fazenda Pública ao reembolso dos direitos aduaneiros pagos em excesso pela Recorrida, acrescido de juros indemnizatórios. 3. Em concreto, na sentença recorrida, o tribunal ad quo começa por se referir à disciplina legal subjacente à determinação do valor aduaneiro para efeitos de importação de mercadorias, sublinhando a regra da aplicação do método do valor transacional (valor efetivamente pago ou a pagar) sempre que tal seja possível e explicitando claramente que aquele método só poderá ser afastado em casos com características muito concretas e devidamente demonstradas pelas autoridades aduaneiras, sob pena de, se assim não for, a liquidação padecer do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, tal como sucede no caso em apreço. 4. Por outro lado, refere ainda o tribunal ad quo na Sentença Recorrida que o Ato Impugnado está ferido de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito na medida em viola as regras de determinação do valor aduaneiro, designadamente no que concerne ao recurso a um método à margem da ordem de subsidiariedade pela qual eles se encontram previstos na legislação aduaneira. 5. Alega a Fazenda Pública que o ato de liquidação impugnado se encontra devidamente fundamentado, desenvolvendo toda a sua argumentação em torno desta temática que, em bom rigor, apenas foi suscitada pelo tribunal ad quo num cenário hipotético. 6. Sem prejuízo, a Fazenda Pública tece algumas considerações nas suas Alegações de Recurso que importa sindicar. 7. Desde logo, cumpre notar que a legislação aduaneira impõe como regra para a determinação do valor aduaneiro o método do valor transacional (preço efetivamente pago ou a pagar), sendo que tal regra apenas poderá ser afastada em desde que determinados requisitos, como sejam a impossibilidade de o importador demonstrar cabalmente e sem margem para dúvidas que o valor declarado corresponde ao preço pago pelas mercadorias. 8. A este respeito, diz a Sentença Recorrida que a legislação é clara, não podendo ser o conceito de 'preço efetivamente ou a pagar' ser confundido com o conceito de 'preços médios estatísticos de mercadorias similares importadas nos últimos 6 meses', entendimento que a Recorrida inteiramente subscreve. 9. Ora, é precisamente nesta confusão de conceitos que assenta a liquidação que se impugnou e que é o objeto do presente recurso. 10. Por outro lado, sempre será se sublinhar que a DAS falhou na fundamentação substantiva (e não apenas formal) do ato de liquidação em crise, quer do ponto de vista factual, quer do ponto de vista legal, uma vez que não indicou os factos e as normas legais que alegadamente justificariam e permitiriam que a suposta diferença entre o valor transacional declarado pelo importador (considerado "excecionalmente baixo") e um valor médio estatístico contantes das bases de dados AMT/Theseus (as quais são de exclusivo conhecimento da Autoridade Aduaneira), poder ser, por si só, suficiente e legítimo para que a DAS desconsiderasse o valor transacional como método de determinação do valor aduaneiro, não obstante o importador ter demonstrado que o valor declarado corresponde inequivocamente à totalidade do preço de compra negociado e pago ao fornecedor e, em consequência. 11. Da mesma forma, e na sequência do que se acaba de referir, a DAS não indicou igualmente a DAS quais normas legais e factos que alegadamente permitem e legitimam a substituição do valor transacional declarado pelo importador pelo referido valor médio da ferramenta AMT para efeitos de determinação do valor aduaneiro da importação. 12. Sendo certo que a justificação para esta ausência de referência às normas legais que legitimassem o entendimento da DAS é simplesmente o facto de tais normas não existirem, uma vez que a legislação aduaneira, e muito em particular os artigos 70.° e seguintes do Código Aduaneiro da União (CAU), são muito claros no que toca a estabelecer que a determinação do valor aduaneiro para efeitos de cálculo das imposições devidas pela importação de mercadorias é feita, regra geral, com base no valor transacional das mesmas, isto é, com base no preço pago pelo importador ao vendedor, independentemente de tal preço ser reduzido ou não. 13. Aliás, continua a Fazenda Pública, nas suas Alegações de Recurso, a desconsiderar e ignorar em absoluto o teor e valor probatório da informação e documentação fornecidas pela Recorrida para dissipar as alegadas dúvidas das autoridades aduaneiras (mas sempre sem colocar em causa a autenticidade das mesmas). 14. Ora, tal como amplamente demonstrado nos presentes autos e confirmado pela Sentença Recorrida, ao longo do procedimento de liquidação foi junta pela Recorrida documentação diversa (incluindo Ordem de Compra e comprovativo de pagamento), bem como informação sobre os contornos da negociação com o fornecedor, assim se justificando que o valor declarado corresponde, efetivamente e sem margem para dúvidas, ao valor pago pelas mercadorias. 15. Sucede que, nas Alegações de Recurso, continua a Recorrente a referir apenas que a prova junta pela Recorrida não suficiente para justificar as discrepâncias verificadas entre o preço pago e o preço médio estatístico dos produtos em causa. 16. Ora, a este respeito importa esclarecer que não existe, no direito internacional, nem no direito da União Europeia, e menos ainda no direito nacional, qualquer norma que imponha aos importadores o dever/obrigação de explicarem às autoridades aduaneiras uma diferença entre o valor transacional declarado (correspondente ao preço por si negociado e pago - e, assim conhecido) e um "valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares" que naturalmente desconhecem. 17. O que a legislação prevê é apenas a obrigação de os importadores, sempre que instados a tal, demonstrarem às autoridades aduaneiras que o valor transacional declarado nas importações corresponde ao preço efetivamente pago, 18. Sendo que, para este efeito, podem os importadores - tal como fez a aqui Recorrida - e tendo em vista a cabal demonstração da circunstância de terem efetivamente pago o valor (transacional) que declararam, procurar explicar às autoridades aduaneiras o modo como o preço das mercadorias foi negociado, bem como fornecer todos os documentos e informações inerentes a tal negociação, como sejam as ordens de compra, as fichas técnicas dos produtos e os comprovativos de pagamento. 19. Ora, fornecida que foi toda esta documentação e informação e, adicionalmente, mantida à disposição das autoridades os registos contabilísticos para a consulta e verificações que se identifiquem adicionalmente necessárias, não concebe a Recorrida que a Recorrente entenda não ter sido junta prova suficiente. 20. Sendo ainda certo que a DAS. em momento algum. solicitou qualquer informação ou documento em concreto que não tenha sido fornecido. ou mesmo procurou aceder aos registos contabilísticos da Recorrida. aos quais pode aceder a todo o momento. 21. Por fim. não se aceita também a argumentação invocada pela Fazenda Pública no que respeita à impossibilidade de utilização de outro método de determinação do valor aduaneiro que não seja o método do último recurso. com utilização dos valores médios estatísticos AMT. 22. Desde logo porque. em primeiro lugar. tendo em consideração as circunstâncias do caso em apreço. não podem as autoridades aduaneiras simplesmente recusar a aplicação do método do valor transacional dado que os pressupostos de tal afastamento não se encontram reunidos. 23. Em segundo lugar. ainda que tais pressupostos efetivamente se verificassem no caso em discussão - o que não se admite e apenas se equaciona por cautela de patrocínio -. sempre seriam as autoridades aduaneiras obrigadas a realizar todas as diligências necessárias à utilização dos outros métodos. não se limitando a remeter tal obrigação para o importador. como aconteceu neste caso. 24. Em conformidade é o próprio TJUE que refere que "tendo em conta essa obrigação de diligência que lhes é imposta na aplicação dessa disposição, as autoridades aduaneiras são obrigadas a consultar todas as fontes de informação e bases de dados de que dispõem", 25. O que aparentemente não aconteceu na importação em crise. 26. Por tudo o que se acaba de expor. não resta outra conclusão que não seja a de se confirmar o teor da Sentença Recorrida. e manter a decisão de anulação do ato de liquidação impugnado. NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE E, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DECIDINDO-SE PELA PROCEDÊNCIA DO RECURSO QUANTO À INEXISTÊNCIA DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO DO ATO DE LIQUIDAÇÃO, DEVERÃO SER APRECIADOS OS VÍCIOS ARGUIDOS PELA RECORRIDA EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, CONCLUINDO-SE PELA ILEGALIDADE DO ATO DE LIQUIDAÇÃO EM APREÇO E A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DO MESMO, COM TODAS AS DEMAIS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS. ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!». O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitiu douto parecer no qual conclui que o recurso não merece provimento Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.
* Não existem outros factos, alegados ou de conhecimento oficioso, relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados provados.* MotivaçãoA convicção do Tribunal sobre toda a matéria de facto resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos pela Impugnante, e aos documentos constantes do processo administrativo, nenhuns deles impugnados, tal como se foi fazendo referência em cada uma das alíneas da matéria de facto provada.”. * O Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida, contra o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa que teve por objeto o ato de liquidação de direitos aduaneiros no valor de €5.139,63, praticado pelo Sr. Chefe da Delegação Aduaneira de Sines, no âmbito da declaração de importação nº ……………….245 de 06.10.2021. A Fazenda Pública não se conforma com tal decisão, por considerar que o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento por errada valoração dos factos e por erro na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 70.º e 74.º do CAU e artigos 140.º e 144.º do AE-CAU. Trata-se de objeto de recurso idêntico ao acórdão proferido em 26-09-2024, no âmbito do processo nº314/21.6BEBJA, relatado pelo aqui relator (consultável in https://www.dgsi.pt.), no qual, seguindo entendimento que vem sendo sufragado no TAC Sul, nomeadamente no ac. de 11/07/2024, tirado no proc.º 331/21.6BEBJA, se negou provimento ao recurso. Por não vermos razões para alterar o nosso entendimento, e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito como preconizado no art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil., passamos, a transcrever o discurso fundamentador do Arresto tirado no proc.º 303/21.0BEBJA, aplicável à situação dos autos com as devidas e necessárias adaptações. Aí deixou-se consignado que: “ «Para a recorrente, a decisão recorrida, ao concluir pelo erro nos pressupostos de facto e de direito do ato, considerou que a Administração não fundamentou a decisão de liquidação, por não questionar as explicações levadas ao procedimento pela recorrida e os documentos juntos, e por isso, a dúvida fundada que existia no início do procedimento (que o valor transacional declarado não representava o preço efetivamente pago ou a pagar), deixou de existir no final do procedimento de liquidação (Cf. conclusões G) e H) do recurso). Concluindo que, se a decisão recorrida entendeu que a AT não explicou quais as razões para manter as dúvidas fundadas (não aceitando assim, as explicações levadas ao procedimento pela recorrida), nunca poderia ter determinado a anulação da liquidação por vício de violação de lei, mas, sim e à semelhança de outros processos, por vício de falta de fundamentação (Cf. conclusão Q) do recurso). Diz ainda a recorrente, nas suas alegações e conclusões recursivas que, da prova carreada para os autos se conclui que a Administração cumpriu o dever de fundamentação do ato de liquidação. Defende, ao mesmo passo, que, o Tribunal recorrido não identifica sequer os factos que foram considerados assentes na decisão posta em crise, que estavam em desconformidade com a realidade, de modo a concluir pelo erro nos pressupostos de facto e que os elementos carreados para o procedimento eram válidos e suficientes para encontrar o valor transacional nos termos do artigo 70º do CAU (cf. conclusões N), O) e P) do recurso). Antes de mais importa sublinhar que, a decisão recorrida é clara e inequívoca ao concluir que o vício que fulmina as liquidações é o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e legais e não a falta de fundamentação. Se bem percebemos, para a recorrente, a decisão do Tribunal recorrido, à semelhança de outras decisões deveria seguir o sentido da ilegalidade dos atos por falta de fundamentação, insistindo que inexiste essa falta de fundamentação (o que não encerra o desfecho do litígio, como se disse). Porém, no ataque que inflige ao Tribunal a quo (também) advoga que a decisão recorrida, ao concluir pela ilegalidade dos atos por erro nos pressupostos de facto e de direito, errou na valoração de facto e de direito, evidencia que bem conhece o caminho percorrido pelo Tribunal a quo para o desfecho do litígio. Pese embora se diga na decisão recorrida que a fundamentação da AT é insuficiente, o Tribunal fá-lo sem daí extrair conclusão alguma quanto ao desfecho da lide, fundamentando a ilegalidade de que padecem os atos impugnados no erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que a falta de fundamentação a que a recorrente se apega não é questão que tenha sido apreciada, não se impondo a este Tribunal o seu conhecimento das questões em seu redor. Na verdade, consultando a decisão recorrida, ali se consignou de modo inequívoco, que: “(…) Neste quadro, e em face de tudo o que consta do procedimento administrativo que antecedeu a decisão impugnada, a dúvida fundada de que o valor transacional declarado não representava o preço efectivamente pagou a pagar, e que no início do procedimento justificou o pedido de informações à Impugnante, deixou de existir no final do mesmo procedimento, ou seja, foi dissipada pelas explicações e pelos documentos fornecidos, não contestados pela Administração. O que significa que a liquidação impugnada padece de vício de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que não poderá manter-se na ordem jurídica (…)” [vd. pág.33 da sentença recorrida nestes autos]. Posto isto, importa analisar se a decisão recorrida, ao concluir pelo vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e legais, é merecedora da censura que lhe dirige a recorrente. Olhando os factos provados dali se colhe que a AT não concordou com o valor aduaneiro declarado pela recorrente por entender que o mesmo se encontrava cerca de 44% abaixo do valor aduaneiro determinado com base nos valores estatísticos da UE constante do AMT/Theseus, sendo por isso os preços das mercadorias muito baixos, não tendo atentado ao valor transacional das mesmas. Informa ainda o probatório que, perante essa desconfiança acerca do valor aduaneiro declarado por referência ao preço pago, a AT solicitou à ora recorrida esclarecimentos, que esta prestou, tendo remetido ao procedimento documentos para justificar que o valor aduaneiro era o valor correspondente ao do preço (transacional), o que fez em resposta ao [cf. ofício n.º 209/2020 de 21.07.2020, na resposta ao ofício n.º 236/2020 de 06.08.2020 – pontos c) na g) da matéria assente], e em sede de exercício do direito de audição, fornecendo, nomeadamente: - a ordem de encomenda da mercadoria; a fatura comercial; o comprovativo do pagamento do preço, e ainda, a ficha técnica dos produtos. Diante destes elementos e explicações carreados para o procedimento, que não mereceram impugnação por parte da AT, o Tribunal recorrido entendeu que as dúvidas do afastamento do valor aduaneiro face aos dados estatísticos da UE (com base no método estatístico das bases de dados AMT/Theseus) estavam removidas. E assim sendo, concluiu que a AT errou nos pressupostos fácticos em que se alavancou para sustentar as liquidações na medida em que as dúvidas foram dissipadas, à luz dos artigos 70º, 74º do Cau e 140º do AE-CAU. A este respeito, reza assim a sentença recorrida: “(…) No caso em apreço, as dúvidas da Administração aduaneira de que o valor transacional declarado não corresponderia ao preço efectivamente pago ou a pagar pelas mercadorias terão surgido porque esse valor se encontrar excepcionalmente baixo em comparação com o valor estatístico médio da União Europeia, para a importação de mercadorias similares. (Cfr alíneas c), f), h), e l) da matéria de facto provada) (…) Perante essa dúvida, aquilo que o art.º 140.º n.º 1 permitia (como decorre da expressão as autoridades aduaneiras podem, e não as autoridades aduaneiras devem), era o pedido de informações adicionais à Impugnante, respeitantes à importação, com a finalidade de dissipar, ou não, as dúvidas surgidas por aquele alegado afastamento do valor declarado, do valor médio de mercadorias idênticas ou similares às mercadorias em causa. E foi, de resto, esse poder que a Delegação Aduaneira de Sines começou por exercer, exercício que nem sequer é posto em causa pela Impugnante, nem se afigura que o pudesse ser. (…) Esta alegada discrepância entre tais valores, a verificar-se nos termos invocados pela Administração, seria o facto objectivo que conduziria à dúvida fundada de que o valor transacional declarado não representaria o preço efectivamente pagou ou a pagar pela Impugnante por aquela mercadoria. Ora, para o cumprimento deste ónus a Impugnante prestou explicações à Administração Aduaneira e forneceu um conjunto de documentos respeitantes a vários elementos da operação. E fê-lo por mais do que uma vez. Na resposta [ao ofício n.º 350/21, de 21.07.2020,], no exercício do seu direito de audição, a Impugnante deu uma explicação com um mínimo de credibilidade e que, admitindo a sua inteira correspondência com a realidade, explica a formação da operação, o seu acompanhamento, a sua intervenção junto do processo produtivo, as particularidades concretas da produção das mercadorias em causa, em termos tais que poderão justificar a razão pela qual o preço da mercadoria adquirida poderá efectivamente ser um preço inferior ao preço de mercadorias idênticas ou similares no mercado internacional. (Cfr alíneas c), d), e), f), g), h), i) e k) da matéria de facto provada) Já relativamente à operação concreta, a Impugnante forneceu à Administração a ordem de encomenda da mercadoria, a factura comercial, o comprovativo do pagamento do preço, e ainda, a ficha técnica dos produtos. (Cfr alíneas d) e e) da matéria de facto provada) Sublinhe-se que em parte alguma a Administração questionou aquela explicação, questionando, por exemplo, os factos que ali eram relatados, ou questionando que tais relatos pudessem razoavelmente ser suficientes para a formação de preços mais baixos do que a média dos preços dessa mercadoria. Como não questionou, em nenhum dos seus aspectos, formais e materiais, nenhum dos documentos juntos. (…) Diferente seria, como se disse, se tanto as explicações apresentadas, como a veracidade ou autenticidade dos documentos apresentados pela Impugnante tivesse sido, pelo menos, posta em causa pela Administração. Ou então, se para além da alegada discrepância entre o valor declarado para aquela mercadoria e o valor médio de mercadoria idêntica ou similar, a Administração tivesse recolhido qualquer outro facto índice de que aquele valor não correspondeu ao preço que foi pago pela Impugnante ao fornecedor da mercadoria. Designadamente, e se possível, através de colaboração de entidades fiscais e aduaneiras de outros Estado, ou de entidades bancárias através das quais o pagamento foi efectuado. Contudo, como se disse, não foi isso que aconteceu. Ora, o recurso a qualquer método de determinação do valor aduaneiro das mercadorias que não seja o do seu valor transacional, apenas pode acontecer se este método não puder ser aplicado, o que poderá acontecer, designadamente, nas situações em que as explicações e os elementos apresentados pelo importador não possam ser consideradas suficientes para dissipar das dúvidas fundadas da Administração. (…). Neste quadro, e em face de tudo o que consta do procedimento administrativo que antecedeu a decisão impugnada, a dúvida fundada de que o valor transacional declarado não representava o preço efectivamente pago ou a pagar, e que no início do procedimento justificou o pedido de informações à Impugnante, deixou de existir no final do mesmo procedimento, ou seja, foi dissipada pelas explicações e pelos documentos fornecidos, não contestados pela Administração. O que significa que a liquidação impugnada padece de vício de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que não poderá manter-se na ordem jurídica (…)” (O sublinhado é nosso.; vd. pág.30 a 33 da sentença recorrida nestes autos].). Como se vê, o Tribunal elencou as razões fácticas pelas quais padeciam os atos tributários de erro nos pressupostos de facto, ao salientar que, perante as dúvidas cabia à AT fazer diligências para as esclarecer e à impugnante (recorrida) esclarecer as mesmas, o que esta fez, tendo remetido vários documentos que comprovam a justificação do valor declarado (transacional) e, por isso, não tendo posto em causa a validade daqueles documentos (faturas, notas de encomenda, ficha técnica, preço pago), os quais dissipavam as dúvidas, errou nos pressupostos de facto ao persistir em desviar-se do método transacional enquanto método primário que deve eleger. Ao concluir assim, o Tribunal fez uma correta valoração dos factos, assim como uma subsunção jurídica acertada dos mesmos, concluindo pelo erro nos pressupostos de facto.
Assim, diversamente do alegado pela recorrente, o Tribunal a quo identifica os factos que considera desconformes com a realidade, tendo feito uma valoração acertada dos mesmos, improcedendo, por isso, as conclusões do recurso nesta parte. Afronta ainda a recorrente a decisão recorrida por entender que a mesma errou na interpretação e aplicação do direito, mais precisamente, dos artigos 70.º e 74.º do CAU e artigos 140.º e 144.º do AE-CAU. Também aqui carece a recorrente de razão. Vejamos. Louvando-se numa análise correta dos artigos 70º e ss do CAU, em conjugação com o artigo 140º do AE-CAU, assim como em jurisprudência do TJUE, o Tribunal recorrido explica toda a dinâmica que norteia a fixação do valor aduaneiro, sobretudo quando existam dúvidas que têm de ser justificadas perante a AT, de acordo com o artigo 140º AE-CAU e artigo 70º do CAU. Para o Tribunal recorrido, a AT não estava legitimada a recorrer a um método que não fosse o do valor transacional, não tendo aportado para o procedimento razões fáticas sólidas que justificassem o abandono pelo método transacional, não podendo louvar-se de métodos subsidiários e de último recurso (como o utilizado), e ao fazê-lo, nas circunstâncias factuais apuradas, afrontou o artigo 70º e 74º do CAU que estabelece uma ordem de subsidiariedade no cálculo do valor aduaneiro que deve ser respeitada, o que a AT desrespeitou ao usar um método secundário ou de ultimo recurso. Lê-se da decisão recorrida, a este respeito, o seguinte: Dispõe o art.º 140.º do Regulamento de Execução (AE) que “1. Sempre que as autoridades aduaneiras tenham dúvidas fundadas de que o valor transacional declarado representa o montante total efetivamente pago ou a pagar, referido no art.º 70.º, n.º 1, do Código, podem solicitar ao declarante que faculte informações adicionais. 2. Se as suas dúvidas não forem dissipadas, as autoridades aduaneiras podem decidir que o valor das mercadorias não pode ser determinado em conformidade com o art.º 70.º, n.º 1, do Código.” Os mecanismos previstos neste artigo, dependem, antes de mais, da existência de uma dúvida, mas uma dúvida fundada, de que o valor transacional declarado não corresponde ao valor do preço efectivamente pago ou a pagar pela mercadoria. (…)”
(..)». Ou seja, para o Tribunal as liquidações não se podiam manter, quer por erro nos pressupostos de facto, como se viu, quer por erro nos pressupostos legais, por serem afrontados os normativos do CAU (70º e 74º) e 140º do AE-CAU, os quais impõe que seja respeitada a subsidiariedade prevista no artigo 70º do CAU e 74º daquele diploma. E, decidiu bem. Ao concluir que a AT andou mal ao ter usado um método que não o correspondente ao preço das mercadorias (transacional), impondo o artigo 70º e 74º do CAU que se dê primazia aquele método transacional, assim como o artigo 140º nº 2do AE-CAU, donde decorre que (só) “Se as dúvidas não forem dissipadas, as autoridades podem decidir que o valor das mercadorias não pode ser determinado em conformidade com o art.º 70.º n.º 1 do Código.” Deste modo, não é o facto de entender que o valor apresentado é excecionalmente baixo, face às estatísticas da União Europeia para a importação de mercadorias similares, bastante para abandonar o preço transacional, sobretudo quando as dúvidas acerca do preço das mercadorias foram dissipadas por via de documentos aceites e não contestados. E é assim sobretudo em situações como a colocada em que não estão em causa situações de infração por fraude relacionada com subvalorização apresentada pelas importações, geradora de responsabilidade para os Estados membros, pelo incumprimento das obrigações de proteção dos interesses financeiros da EU, combate à fraude, assim como emergentes do incumprimento das obrigações decorrentes do Direito Aduaneiro da UE (artigo 258º e 325º do TFUE e 3º do CAU) – vd., a respeito, o acórdão do TJUE de 08.03.2022, Processo C-213/19. Para o Tribunal, diante uma dúvida devia a AT pedir esclarecimentos à recorrida com a finalidade de as dissipar, e ao serem enviados os elementos para justificar o valor transacional (nomeadamente a ordem de encomenda da mercadoria, a fatura comercial, o comprovativo do pagamento do preço, e ainda, a ficha técnica dos produtos), sem questionar a sua validade ou pedir outros esclarecimentos, as dúvidas foram supridas, por isso não havia justificação legal para abandonar o método principal (transacional) consoante imposto pelo CAU. Por essa razão, concluiu com acerto que, inexistindo justificação para lançar mão de um método de determinação do valor aduaneiro das mercadorias que não fosse o do seu valor transacional, violou, a AT, as regras de subsidiariedade previstas nos artigos 70º e 74º do CAU, enquanto pressuposto legal da sua atuação. Com efeito, escudando-se a AT (apenas) no valor ditado pelas estatísticas da União Europeia (Método estatístico ditado pelas bases de dados AMT/Theseus), sem justificar e atentar às regras de subsidiariedade ditadas pelo CAU, ignorando os elementos levados ao procedimento pela recorrida para justificar o valor transacional (valor regra de que deve partir o valor aduaneiro com vista à aplicação da Pauta Aduaneira Comum), o ato está inquinado, também, por erro nos pressupostos legais. A Administração Aduaneira não pode utilizar indistintamente os métodos vertidos nos artigos 70º e 74º do CAU, devendo respeitar a ordem estabelecida no artigo 74º, não podendo “abandonar” um método primeiramente estabelecido sem justificar esse abandono antes de avançar para o “seguinte”, ou para um método de último recurso. Os critérios para fixar o valor aduaneiro de uma mercadoria, a que aludem os artigos 70º a 74º do CAU, tem entre si uma relação de subsidiariedade que importa respeitar, dando primazia ao método transacional com base no preço efetivamente pago (com ajustamentos positivos e/ou negativos), como decorre dos artigos 70º a 74º do CAU e da Jurisprudência do TJUE de que é exemplo o acórdão de 16.06.2016, processo C-291/15, citado na decisão recorrida. Não sendo possível fixar-se o valor de acordo com o preço pago (Método de determinação do valor aduaneiro baseado no valor transacional - artigo 70º), o CAU estabelece métodos secundários ou de substituição, no artigo 74º, ao estabelecer, logo no seu nº 1 que: “Caso o valor aduaneiro das mercadorias não possa ser determinado nos termos do artigo 70.º, deve ser determinado pela aplicação sucessiva do n.º 2, alíneas a) a d), até à primeira destas alíneas que permita determinar esse valor…”. Assim, afastado o método transacional vertido no artigo 70º, a ordem a seguir, de acordo com o artigo 74º é a seguinte: - Método do valor transacional de mercadorias idênticas (74 nº 2 al. a)) - Método do valor transacional de mercadorias similares (74 nº 2 al. b)) - Método do valor baseado no preço unitário (74 nº 2 al. c)) - Método do valor calculado (74º nº 2 al. d)) Decorre ainda o nº 3 do artigo 74º do CAU que, se o valor aduaneiro não puder ser determinado nos termos do n.º 1, deve ser determinado, com base nos dados disponíveis no território aduaneiro da União, por meios razoáveis compatíveis com os princípios e disposições gerais: a) Do Acordo relativo à Aplicação do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio; b) Do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio; c) Do presente capítulo. Assim, mercê da relação de subsidiariedade imposta pelo legislador, o valor não pode ser fixado com base numa disposição sem se justificar a impossibilidade, que tem de ser absoluta, de recurso à modalidade anterior – vd. cit. acórdão do TJUE de 16.06.2016, processo C-291/15 e ainda os considerandos 40, 41 e 42 do acórdão do TJUE de 08.03.2022, Processo C-213/19. Deste modo, será ilícita a conduta da Autoridade Aduaneira quando utilize um método de último recurso sem justificar capazmente o abandono pelo método precedente, nomeadamente quando se apoie apenas em estatísticas que considere fidedignas. Na situação colocada apoiou-se a entidade recorrente num valor calculado de acordo com estatísticas da União (AMT/Theseus), entendendo que o valor faturado das mercadorias importadas se encontrava bastante baixo em comparação com daqueles valores estatísticos médios da União Europeia para as mercadorias em causa, sem demonstrar que estava legitimada a aplicar outro método que não o transacional, desviando-se do disposto nos artigos 70º a 74º do CAU, apenas porque os valores médios estatísticos eram diferentes, desconsiderando toda a realidade concreta. Para a recorrente, contrariando o decidido pelo Tribunal a quo, não estava impedida de utilizar um método de último recurso, fazendo referência ao acórdão do TJUE de 08.03.2022, Processo C-213/19.
Contudo, o citado acórdão do TJUE não respeita a situações como a trazida. Naquele aresto estava em causa uma ação de incumprimento contra o Reino Unido por não ter tomado medidas de proteção dos interesses financeiros da União no combate à fraude, bem como o incumprimento decorrente do direito aduaneiro (artigos 310º e 325º do TFUE e 3º, 104º e 105 do CAU), sem ter sido colocado à disposição da União receitas próprias da mesma, violando o dever de cooperação leal (artigo 4º TFUE). Naquele processo, o valor aduaneiro foi considerado “extremamente baixo” no seio de um esquema de fraude em larga escala, envolvendo empresas “fenix” ou “fantasma”, sem recursos e com intuito fraudulentos, organizado por grupos criminosos de risco assinalado, o que foi assinalado e constatado por processos de investigação levados a cabo pelo OLAF (Organismo Europeu de Luta antifraude), onde, aquele organismo veio a fixar um valor estimado para encontrar os montantes gerados com a inação do Reino Unido (vd. considerandos 357, 359, 365, 374, 378 3 394 do citado acórdão), que veio a ser condenado por incumprimento. Ora, a situação que nos é trazida, tem na mira a fixação do valor aduaneiro para efeito de fazer incidir os direitos aduaneiros (artigos 70º e 74º do CAU), em nada se relaciona, portanto, com situações de fraude por subvalorização relacionada com importações, nem com base em “operações” de investigação levadas a cabo pelo OLAF (em cooperação com Estados Membro) e Comissão Europeia, relacionadas com ações de incumprimento do direito da União e responsabilização pela perda de receita aduaneira como a tratada no acórdão em que se esteia. Por fim, Importa trazer aos autos o discorrido, a este respeito, no acórdão deste TCAS de 07.06.2018, processo nº 2199/13.7BELRS: “b) A utilização do método do último recurso na determinação do valor aduaneiro das mercadorias em causa foi ilegal, quer por não ter sido demostrada e justificada a impossibilidade da sua determinação pelo valor transacional previsto no art.º 29.º do CAC, quer porque o abandono dos métodos sequenciais e substitutivos do n.º 2 do art.º 30.º, do mesmo diploma, se baseou numa mera impossibilidade abstrata sem apoio em factos que evidenciassem uma impossibilidade concreta de utilização de tais métodos”.
Explicitando aquele aresto que: d) Dada a sua natureza, os dados estatísticos obtidos a partir da AMT são imprestáveis para a determinação do valor aduaneiro de uma mercadoria, por a sua utilização estar impedida pelo disposto no artigo 31.º, n.º 2, al. g), do CAC. e) Outros tipos de dados estatísticos podem ser utilizados na determinação do valor aduaneiro através do método do último recurso, desde que não seja possível fixá-lo através do valor transacional da mercadoria nem pelos métodos substitutivos e sequencias precedentes, sempre que este valor seja considerado desproporcionadamente baixo, mas só depois do importador não ter fornecido elementos de prova ou informações adicionais, quando solicitado para tal, que demonstrem a exatidão do valor transacional das mercadorias.(…)”. |