Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00226/04
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:07/14/2004
Relator:Cristina dos Santos
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
REGIME ESPECIAL UNITÁRIO – DL 134/98, 15.05
Sumário:O regime do recurso contencioso de actos relativos à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas prestação de serviços e fornecimento de bens previsto no DL 134/98 de 15.05 é aplicável unitáriamente quer a actos expressos quer a actos silentes, em correlação com a sua natureza jurídica de regime especial de recurso com carácter urgente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: A sociedade L..... Lda., com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida Pela Mma Senhora Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que indeferiu os pedidos cautelares deduzidos contra o Município de Cascais, de:
a) suspensão de eficácia do acto de adjudicação da empreitada da “casa Verdades de Faria – Museu da Música Portuguesa – recuperação e remodelação da casa existente” e
b) abstenção de proceder à celebração do contrato de empreitada
c) suspensão dos efeitos do contrato de empreitada e da execução da obra, caso já tenha sido assinado, até decisão transitada sobre a legalidade/ilegalidade da exclusão da Requerente,
dela vem recorrer para o que conclui como segue:

1. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida não procedeu, à correcta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis. Pois,
2. Estamos perante um acto indeferimento tácito de um recurso hierárquico necessário interposto antes da entrada em vigor do CPTA;
3. Antes da entrada em vigor do CPTA e no âmbito do Decreto-Lei n° 134/98, os particulares não tinham, ao contrário do sustentado na douta sentença recorrida, o ónus de impugnar os actos tácitos praticado no âmbito do procedimento concursal, entendimento que já foi, aliás, sufragado por este douto tribunal.
4. Ou seja, perante um acto de indeferimento tácito o concorrente poderia legitimamente aguardar a prática do acto expresso para proceder à sua impugnação.
5. Entender o contrário significaria desvincular a Administração pública do seu dever legal de decisão estabelecido no artigo 9° do CPA com frustração dos direitos e legitimas garantias dos particulares.
6. Nesse sentido depunha ainda inequivocamente o artigo 55° da LPTA ao prever, em caso de impugnação do acto tácito de indeferimento, a substituição do objecto do recurso pelo acto expresso entretanto proferido.
7. A douta sentença recorrida aplicou mal as regras sobre notificações e contagem de prazos constantes do artigo 59° do CPTA. Pois,
8. A contagem do prazo de impugnação inicia-se com a notificação quando o acto seja expresso e tenha sido notificado ou do seu conhecimento pelo interessado quando se trate de actos materiais que não são objecto de notificação ou no caso de execução de actos que não foram objecto de notificação como manda a lei.
9. Tal regra não abrange os actos de indeferimento tácito, relativamente aos quais não pode, pela sua natureza, haver notificação ou publicação.
10. Acresce que, a regra do artigo 59°, n° 4 do CPTA apenas se aplica quando se iniciou a contagem do prazo de impugnação, pois a referida norma regula a interrupção desse mesmo prazo nos casos em que o particular tenha utilizado qualquer meio de impugnação administrativa.
11. A referida norma veio acabar com a tradicional distinção entre Reclamações e recursos hierárquicos necessários e vinculativos. No entanto,
12. A dita norma não pode pela sua natureza aplicar-se a nos casos de recursos hierárquicos interpostos antes da sua entrada em vigor sob pena de se imputar ao particular o ónus de ter que ter impugnado judicialmente um acto que, antes da entrada em vigor do CPTA, estava sujeito a recurso hierárquico necessário, o que levaria a que tal acto já não fosse susceptível de impugnação por decurso do respectivo prazo.
13. A norma do artigo 59°, n° 4 do CPTA é uma norma geral que não revoga as disposições especiais que impõem a interposição de reclamações ou recurso hierárquicos, como vem sendo afirmado pela doutrina nesta matéria.
14. Relativamente a este mantém-se a lógica anterior, pelo que o prazo de impugnação apenas inicia a sua contagem com a decisão do recurso hierárquico necessário, sendo, tal decisão, a decisão que será objecto da impugnação ( e não a decisão de que se recorreu hierarquicamente).
15. No caso concreto, à data da instauração da presente providência, o recurso hierárquico ainda não tinha sido decidido, pelo que a Requerente decidiu fazer o uso do único meio actualmente disponível para reagir contra a inércia da Administração – a acção administrativa especial de condenação da Administração à prática do acto devido nos termos do artigo 66° do CPTA.
16. Na verdade, com o CPTA a impugnação do acto tácito de indeferimento foi substituída pelo meio processual supra referido no qual o particular pode pedir ao Tribunal a condenação da Administração no acto ilegalmente omitido,
17. Sendo que nos termos do artigo 71° do CPTA, o Tribunal não se limita, neste caso, a devolver a questão para o órgão administrativo competente mas pronuncia-se sobre a pretensão do particular.
18. Para intentar esta acção a Requerente dispunha do prazo que lhe é conferido pelo artigo 69° do CPTA, ou seja, do prazo de um ano.
19. Pelo que, ao contrário do sustentado na aliás douta sentença recorrida, é manifesta a tempestividade quer da providência cautelar quer da acção principal.
20. Ao não entender assim, a aliás douta sentença recorrida violou por errada interpretação o disposto no artigo 69° do CPTA pondo irremediavelmente em causa as garantias da Requerente consagradas no artigo 268° da CRP.
21. Finalmente, é manifesta a verificação do requisitos de que depende a concessão da presente providência. Pois,
22. A Comissão não podia ter excluído a ora Recorrente com os fundamentos alegados porque:
(i) a apreciação que lhe é inerente não cabe na fase da avaliação da capacidade técnica,
(ii) a lei determina com toda a clareza que a apresentação de alvará para as categoria e subcategorias postas a concurso é presunção de capacidade técnica e tal presunção não foi posta em causa por qualquer modo legítimo;
(iii) Quaisquer outros documentos deveriam ter sido exigidos no programa de concurso;
(iv) Não foram definidos requisitos mínimos ou específicos de habilitações literárias ou curriculum dos técnicos a afectar à obra, mas tão só a sua adequação à natureza da obra posta a concurso;
(v) A Recorrente apresentou serviços e técnicos que correspondem notória e manifestamente às exigências da obra posta a concurso e, finalmente
(vi) a Recorrente executou, conforme resulta dos documentos juntos, duas obras da mesma natureza e de montante superior ao valor base da obra posta a concurso,
(vii) Sendo que para tal apreciação e na ausência de um concreto critério definido no programa de concurso, deverá entender-se que a natureza da obra posta a concurso é a natureza de obras de restauro de património construído protegido
23. Ao entender como entendeu a Comissão, (e consequentemente a Câmara Municipal caso venha a confirmar por decisão expressa no âmbito do recurso hierárquico tal entendimento):
(i) violaram preceitos legais imperativos;
(ii) extravasaram as suas competências exercendo poderes da Comissão de Análise das Propostas e
(iii) puseram em causa o certificado de empreiteiro atribuido pelo IMOPPI no exercício das suas competências exclusivas;
24. Pelo que, o acto de exclusão padece irremediavelmente dos seguinte vícios:
(iv) vício de violação de lei por erro manifesto quanto aos pressupostos de facto e por violação de disposições legais imperativas;
(v) vício de incompetência absoluta por violar competências atribuídas a outras entidades administrativas;
(vi) vício de forma por falta de fundamentação.
25. Com a presente medida cautelar a Requerente pretende evitar a consumação da sua exclusão e a celebração do contrato e respectiva execução.
26. Os quais tornarão inútil a acção principal a intentar com vista à anulação daquelas decisões administrativas. É manifesto que o prosseguimento da normal tramitação do processo concursal, que culminará, em breve, com a celebração do contrato poderá por em causa irremediavelmente e de fornia grave os direitos e interesses legalmente protegidos da ora Requerente. No caso concreto, revela-se de forma notória o dano que a Requerente sofrerá com a execução irremediável do contrato pois a proposta apresentada pela Requerente é aquela que apresenta o preço mais baixo e o prazo mais curto para execução da empreitada.
27. Deste modo, caso a Câmara Municipal de Cascais prossiga a tramitação do concurso com a consequente assinatura do contrato e sua execução, o prejuízo da requerente será no valor de € 797.899,99 valor correspondente ao valor da sua proposta e que será o montante que deixará de auferir em virtude de lhe não vir a ser adjudicada a obra.

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O Recorrido Município de Cascais apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença proferida.
O Contra-interessado MIU – Gabinete Técnico de Engenharia, Lda. não contra-alegou.

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Com substituição de vistos por cópias entregues aos Exmos Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs.147º nº 2 CPTA e 707º nº 2 CPC ex vi artº 1 CPTA.

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Pela Senhora Juiz foi fixada a seguinte factualidade:

1. Em 24 de Junho de 2003 foi publicitada, por aviso publicado no DR III Série, a abertura de concurso público para realÍ2ação da empreitada designada por "Casa Verdades Faria — Museu da Música Portuguesa — recuperação e remodelação da casa existente" — Doc. n.° l junto ao Req.;
2. Em 30 de Setembro de 2003 a requerente foi notificada nos termos dos n.° 5 e 6 do artigo 98.° do Decreto-Lei n.° 59/99, de 2 de Março, de que a Comissão de Abertura do Acto Público do concurso referido em 1., deliberou admitir os concorrentes STAP, TEIXEIRA DUARTE/BELBETÕES, LOURENÇO SIMÕES & REIS E MIU e deliberou excluir os concorrentes LN RIBEIRO e LUSECA, porquanto os admitidos demonstram aptidão para a execução da obra posta a concurso, e quanto ao excluído, verifica-se que não demonstrou aptidão para a execução da obra – Doc. n.° 2 junto ao Req.;
3. Em 6 de Outubro de 2003 a requerente reclamou da deliberação referida em 2., para a Comissão de Abertura do Acto Público, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 98.°, n.° 6 e 49.° n.° l do Decreto-Lei n.° 59/99, de 2 de Março, solicitando a sua revogação e substituição por outra que a admita — Doc. n.° 3 junto ao Req.;
4. Em 30 de Outubro de 2003 a requerente interpôs recurso hierárquico, para a Câmara Municipal de Cascais, do acto tácito de indeferimento da reclamação referida em 3., nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 98.°, n.° 6 e 99.° n.° l do Decreto-Lei n.° 59/99, de 2 de Março, solicitando a revogação do acto de indeferimento tácito da reclamação apresentada da exclusão do concurso e em consequência a sua admissão — Doc. n.° 4 junto ao Req.;
5. Em 21 de Novembro de 2003 a Requerente foi notificada, em resposta a reclamação referida em 3.
6. , em sede de audiência prévia, de que por deliberação da Comissão de Abertura do Acto Público do Concurso, há intenção de manter a deliberação de exclusão uma vez que a requerente, com os documentos apresentados a concurso, no âmbito do cumprimento do exigido em 15.1 do Programa do Concurso, não demonstrou aptidão técnica para a execução da obra — Doc. n.° 5 junto ao Req.;
7. Em 18 de Dezembro de 2003 a Requerente pronunciou-se, em sede de audiência prévia, quanto ao projecto de deliberação referido em 5. solicitando a revogação da deliberação que a excluiu e a substituição por outra que a admita — Doc. n.° 6 junto ao Req.;
8. Em 23 de Janeiro de 2004 a Requerente foi notificada, em resposta a reclamação referida em 3., de que por deliberação da Comissão de Abertura do Acto Público do Concurso, se manteve a deliberação de exclusão uma vez que a requerente, com os documentos apresentados a concurso, no âmbito do cumprimento do exigido em 15.1 do Programa do Concurso, não demonstrou aptidão técnica para a execução da obra concursada – Doc. n.° 7 junto ao Req.;
9. Em 30 de Janeiro de 2004 a requerente requereu à Câmara Municipal de Cascais que fosse substituído o objecto do recurso hierárquico, referido em 4., pela deliberação expressa da Comissão de Abertura do Acto Público do Concurso, datada de 20 de Janeiro de 2004, que indeferiu a reclamação apresentada – Doc. n.° 8 junto ao Req.;
10. Em 16 de Fevereiro de 2004 a Requerente foi notificada, em resposta ao recurso hierárquico da deliberação de exclusão, em sede de audiência prévia, de que por despacho de 4 de Fevereiro de 2004 do Presidente da Câmara, exarado no Parecer Jurídico elaborado aos 2 de Fevereiro de 2004, há intenção de manter a exclusão uma vez que o Relatório de Qualificação conjugado com a deliberação da Comissão de Abertura do Acto Público do Concurso, sobre a reclamação apresentada pela recorrente, não enferma de qualquer dos vícios alegados por aquela. — Doc. n.° 9 junto ao Req.;
11. Por deliberação da Câmara Municipal de Cascais, de l de Março de 2004, a empreitada "Casa Verdades de Faria — Museu da Música Portuguesa - recuperação e remodelação da casa existente" foi adjudicada à sociedade comercial denominada MIU - Gabinete Técnico de Engenharia Lda. – Doc. n° l junto aos autos pela AR em 27 de Abril de 2004.
12. Em 26 de Março de 2004 foi celebrado o contrato de adjudicação da empreitada "Casa Verdades de Faria — Museu da Música Portuguesa - recuperação e remodelação da casa existente", entre o Município de Cascais e a sociedade comercial denominada MIU - Gabinete Técnico de Engenharia Lda. — Doc. n° l junto aos autos pela AR em 27 de Abril de 2004.


DO DIREITO

Assaca a Recorrente a sentença de incorrer em violação primária de direito adjectivo por erro de julgamento em matéria de:

1. acto silente e âmbito de aplicação do recurso urgente do DL 134/98 de 15.05 ........................... ítens 1 a 21 das conclusões de recurso;
2. vícios do acto de exclusão da Recorrente .................................................. ítens 22 a 27 das conclusões de recurso.

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Em matéria de caducidade do direito de acção cautelar, pela Mma. Senhora Juiz foi sufragada a fundamentação que se transcreve de seguida, com sublinhados nossos:

“(..)
No caso sub judice, estaremos perante um caso não de fumus boni iuris mas de fumus malus, ou seja, ao contrário do que defende a Requerente, não é evidente a procedência da pretensão a formular na acção principal, mas pelo contrário é evidente a sua improcedência porquanto existem questões que obstam ao conhecimento do mérito.
A Requerente propõe-se instaurar, no prazo legal, acção administrativa de impugnação da sua exclusão do concurso bem como da adjudicação da empreitada para o que pretende solicitar a anulação do acto expresso de indeferimento do recurso hierárquico que entretanto venha a ser proferido ou a condenação da Câmara Municipal de Cascais a admitir a ora Requerente e em consequência pretende também obter a anulação do acto de adjudicação e a condenação da Câmara a adjudicar-lhe a obra.
Entende que não estava vinculada a impugnar um eventual acto tácito de indeferimento do recurso hierárquico, estando legitimada pelo CPTA a fazer valer em juízo o seu direito ao acto ilegalmente omitido no prazo de um ano previsto no artigo 69.° daquele código.
Vejamos se assim é.
*

Notificada em 30 de Setembro de 2003 da deliberação, da Comissão de Abertura do Acto Público, que a excluiu do concurso, por não demonstrar aptidão para a execução da obra (alínea B) [2.] dos factos provados), a requerente interpôs reclamação em 6 de Outubro de 2003 (alínea C) [3.] dos factos provados).
Nos termos do n.° 6 do artigo 98.° do Decreto-Lei n.° 59/99, de 2 de Março, a deliberação da comissão que exclua um concorrente, em sede de avaliação da capacidade financeira, económica e técnica dos concorrentes, é susceptível de reclamação, seguindo-se o disposto no artigo 49.°.
Estipula o n.° 3 do artigo 49.° do Decreto-Lei n.° 59/99 que a reclamação se considera indeferida se o reclamante não for notificado da decisão no prazo de 10 dias após a sua apresentação.
Não tendo sido notificada, até então, da decisão da reclamação, a requerente interpôs, em 30 de Outubro de 2003, recurso hierárquico, para a Câmara Municipal de Cascais, do acto tácito de indeferimento da reclamação (alínea D) [4.] dos factos provados).
Dispõe o n.° l do artigo 99.° do Decreto-Lei n.° 59/99 que das deliberações sobre reclamações apresentadas nos termos do artigo 98.° cabe directamente recurso para a entidade competente o qual deverá ser interposto no prazo de 15 dias (alínea b) do n.° 2 do artigo 99.°).
Nestes termos, a requerente presumindo o indeferimento tácito da reclamação interpôs, em tempo, recurso hierárquico desse indeferimento, o qual se verificou em 20 de Outubro de 2003.
Estabelece o n.° 4 do artigo 99.° do Decreto-Lei n.° 59/99 que este recurso tem efeito suspensivo e considera-se indeferido se o recorrente não for notificado da decisão no prazo de 10 dias após a sua apresentação.
Assim, não tendo havido notificação da decisão expressa o recurso hierárquico interposto em 30 de Outubro de 2003 considera-se indeferido em 13 de Novembro de 2003.
Nesta data encontrava-se em vigor o Decreto-Lei n.° 134/98, de 15 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, o qual estabelecia o regime jurídico do recurso contencioso dos actos administrativos relativos à formação dos contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens.
Nos termos do n.° 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 134/98 o prazo para a interposição de recurso, dos actos relativos à formação destes contratos, é de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar à notificação, a partir da data do conhecimento do acto.
Assim, tendo a requerente conhecimento de que o indeferimento tácito do recurso hierárquico se formou em 13 de Novembro de 2003, já que conhecia a data de interposição do recurso hierárquico e o prazo legal de decisão, tinha, de acordo com o n.° 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 134/98 um mês para interpor o recurso contencioso, o que não fez - neste sentido ver o acórdão do STA, de 24 de Abril de 2002, Proc. n.° 44147 in www.dgsi.pt no qual se sumariou:
" I — O Dec. Lei n." 134/98, de 15 de Maio, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n." 89/665/CEE, do Conselho, que impunha que fosse assegurada uma tutela célere e eficaz dos interesse dos particulares nos processos deformação dos contratos de direito público de obras, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, estabelecendo "uma forma de recurso urgente contra todos os actos administrativos ofensivos dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, em sede de formação dos mencionados contratos" (preâmbulo do mesmo) e consagrando um regime jurídico especial de recurso c ontencioso para esses actos (artigo 1º").
II — Assim sendo, este recurso é o meio processual único para o fim em vista e não uma alternativa ao recurso comum, conclusão que se impõe e se extrai não só do carácter especial do recurso contencioso ele estabelecido, como do princípio da adequação do meio processual, segundo o qual para a protecção de cada direito existe a acção adequada, excepto quando a lei determine o contrário (artigo 2.", n.° 2 do C.P.C.), sendo certo que nada no Decreto-Lei n." 134/'98 permite extrair que o recurso urgente nele criado seria mais um meio contencioso ao dispor dos interessados e que os fins nele visados e já referenciados em L, aos quais acresce o do próprio interesse da Administração em ver rapidamente sindicada a legalidade dos seus actos, precavendo eventuais anulações de contratos já celebrados e possivelmente já executados, apontam claramente em sentido contrário.
III — O prazo para a interposição de recurso contencioso dos actos por ele regulados é o estabelecido no nº 2 do seu artigo 3º, quer se trate de actos expressos, quer de actos de indeferimento tácito, pois que o regime especial nele estabelecido é unitário, contando-se o prazo, nos casos de indeferimento tácito, a partir da sua formação, que aos interessados incumbe controlar, presumindo-se, por isso, o seu conhecimento." (Sublinhado nosso).
Face ao exposto, é evidente a improcedência da pretensão a formular do processo principal já que o ataque ao acto de exclusão é manifestamente intempestivo.

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Entende, no entanto, a Requerente que assim não é, já que não estava vinculada a impugnar um eventual acto tácito de indeferimento do recurso hierárquico, estando legitimada pelo CPTA a fazer valer em juízo o seu direito ao acto ilegalmente omitido no prazo de um ano previsto no artigo 69.° daquele código.
Alega a Requerente que não está obrigada a presumir e a atacar um indeferimento tácito já que o CPTA acabou com essa ficção legal.
Concordamos que, face ao CPTA, já não faz sentido a figura do indeferimento tácito; contudo, o acto tácito de indeferimento do recurso hierárquico em apreço formou-se ainda na vigência do Decreto-Lei n.° 134/98 e da LPTA, pelo que cai por base esta argumentação.

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Por outro lado, face ao CPTA, ao contrário do que defende a Requerente, o particular, perante um acto de exclusão, no âmbito dum procedimento de formação dum contrato de empreitada, tem que utilizar o meio a que se referem os artigos 100.° e seguintes - Contencioso Pré-Contratual.
Assim, a impugnação da exclusão deve ser intentada no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto (Cfr. artigo 101.° do CPTA).
E qual a relevâncias neste caso de ter sido interposta reclamação e recurso hierárquico dessa exclusão?
E qual o procedimento, em caso de não haver, em tempo, decisão expressa desse recurso hierárquico?
Dispõe o n.° l do artigo 100.° que a impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada se rege pelo disposto na secção referente ao contencioso pré-contratual e, subsidiariamente, pelo disposto na Secção I, do Capítulo II, do título III do CPTA.
Nos termos do n.° 4 do artigo 59.° do CPTA a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.
Nestes termos, a interposição de reclamação e recurso hierárquico da exclusão do procedimento relativo a formação do contrato de empreitada suspende o prazo de um mês para a sua impugnação, suspensão esta que, porém, só dura até que o recurso seja decidido expressamente ou até que tenha decorrido o prazo legal de decisão.
Assim, mesmo que, por absurdo, se entendesse que face a decisão expressa da reclamação se tinha aberto novamente a via contenciosa, a Requerente solicitou em 30 de Janeiro de 2004 que fosse substituído o objecto do recurso hierárquico (alínea H) [8.] dos factos provados), pelo que, considerando que o prazo de decisão é de 10 dias, terminaria o efeito suspensivo do prazo de impugnação em 13 de Fevereiro de 2004.
Assim, mesmo face ao CPTA o prazo de impugnação do acto de exclusão estaria ultrapassado, já que a partir do decurso do prazo de legal de decisão do recurso hierárquico a requerente só tinha um mês para impugnar o acto.
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Chegados a esta conclusão de que, quanto ao acto de exclusão, se verificou a caducidade do direito de impugnar, o que obsta ao conhecimento do mérito do processo, forçoso é também concluir que face a esta caducidade o requerente perde a legitimidade para impugnar a adjudicação, já que só os candidatos admitidos a concurso a possuem – neste sentido o acórdão do STA, de 27 de Janeiro de 2004, Proc. n.° 1692/03 in www.dgsi.pt, no qual se sumariou:
"IV — Improcedendo o recurso contencioso no que respeita ao acto de exclusão da proposta da recorrente, fica prejudicada a apreciação dos vícios imputados pela recorrente ao acto de adjudicação, pois mantendo-se a exclusão da sua proposta, falece à recorrente legitimidade, por falta de interesse em agir para impugnar aquele acto."
Este entendimento, de que falta legitimidade ao candidato excluído para atacar a adjudicação, que vinha sendo firmado pela jurisprudência, encontra consagração expressa no n.° 3 do artigo 51.° do CPTA.
A circunstância de não ter impugnado o acto que determinou a sua exclusão do procedimento impede o interessado de impugnar o acto final, com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento.
Acresce que, não podendo impugnar o acto de exclusão por manifesta caducidade desse direito e não podendo impugnar o acto de adjudicação por falta de legitimidade, carecerá a Requerente, também, de legitimidade numa eventual acção relativa à invalidade consequente do contrato, já que a legitimidade é atribuída a quem tenha impugnado um acto relativo à formação do contrato (cfr. alínea d) do n.° l do art. 40.° do CPTA - Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Em conclusão, é evidente a improcedência da pretensão a formular no processo principal, por existirem circunstâncias que obstam ao conhecimento do seu mérito: caducidade do direito de impugnar o acto que determinou a exclusão do concurso e falta de legitimidade para impugnar a adjudicação e para intentar uma acção relativa à invalidade consequente do contrato. (..)”.

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Desde já se adianta que o decidido é para confirmar, na medida da explanação doutrinária supra que a presente formação deste TCA Sul também sufraga sem qualquer declaração de voto contrária – sem que se desconheça a frontal oposição da Doutrina no que respeita ao âmbito do recurso e medidas cautelares previstos no DL 134/98 de 15.05(1) -, fundamentadora da decisão no sentido do sentenciado e que se confirma inteiramente – cfr. artº 713º nº 5 CPC, ex vi artº 1º CPTA.
Assim, nas circunstâncias, quer de facto quer de direito do caso concreto versado nos autos, cumpria ao interessado destinatário do despacho de exclusão interpor reclamação e, na sequência dos indeferimentos “tácitos” decorridos os prazos legais de 10 dias, recurso hierárquico necessário e recurso contencioso, v.g. as disposições conjugadas dos artºs. 99º nº 1, 49º nº 3 e 99º nº 4 do DL 59/99 de 2.3 e artº 3º nº 2 do DL 134/98 de 15.05, na redacção introduzida pelo artº 5º da Lei 4-A/2003 de19.02.
Circunstâncias de facto porque tanto os requisitos de validade dos actos como as garantias contenciosas accionáveis por quem tem legitimidade para tal, são aferidos em função da lei substantiva e adjectiva vigentes no momento em que o acto é praticado ou se afigura o acto silente e, num caso ou noutro, os interessados tomem conhecimento.
Como na hipótese se trata de actos silentes, rege todo o enquadramento jurídico substantivo e adjectivo vigente nas datas em que, por imperativo legal, se consideraram indeferidos a reclamação graciosa e o recurso hierárquico necessário, este em 13.11.2003, no domínio dos já citados DL 59/99 de 2.3 e 134/98 de 15.05 sendo que o regime de recurso contencioso estatuído por este último diploma, nomeadamente no que respeita ao prazo de 1 mês – alterado que foi o prazo primitivo de 15 dias pela Lei 4-A/2003 - é aplicável unitáriamente quer a actos expressos quer a actos silentes, exactamente porque se trata de um regime especial de recurso com carácter urgente; portanto, tendo por referência a formação de acto silente em 13.11.2003, tinha a Recorrente um mês, prazo sob o regime do artº 279º CC, para interpor o recurso contencioso, o que não fez.
Consequentemente, no que tange às circunstâncias de direito e em face do probatório nos exactos termos afirmados na sentença sob recurso, porque o acto silente se firmou em 13.11.2003 é inaplicável o CPTA que entrou em vigor em 01.01.2004 conforme estatuído no artº 7º da Lei 15/2002 de 22.02 a que foi dada nova redacção pelo artº 2º da Lei 4-A/2003 de 19.02 - a data primitiva de entrada em vigor do CPTA passou de 22.02.2003 para 01.01.2004 - razão porque perdem relevância todas as questões suscitadas em sede de recurso no sentido da aplicação das disposições daquele Código.

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Pelo que vem de ser dito, não logram ganho de causa as questões suscitadas pela Recorrente nas conclusões sob os ítens 1 a 21, em sede de erro de julgamento no domínio de aplicação do recurso urgente do DL 134/98 de 15.05, não cumprindo conhecer das demais questões contidas nas conclusões 22 a 27.


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Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – 2º Juízo, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo da Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em € 300 (trezentos) e a procuradoria em metade.


Lisboa, 14. 07.2004.

(1) v.g. Alexandra Leitão, Duas questões a propósitos da aplicação do DL 134/98, de 15 de Maio, CJA, 19, Jan.Fev./2000, pág. 60; A protecção judicial dos terceiros nos contratos da administração pública, Almedina, /2002, págs. 320 e 321; Bernardo Diniz de Ayala, A tutela contenciosa dos particulares em procedimentos de formação de contratos de administração pública – reflexões sobre o Decreto-Lei nº 134/98, de 15 de Maio, CJA, 14, Mar.Abr./1999, pág. 12; Paulo Otero, Legalidade e administração pública – o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina/2003, págs.539 e 540.


(Cristina dos Santos)

(Teresa de Sousa)

(Coelho da Cunha)