Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1422/08.4BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 05/29/2024 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | PUBLICAÇÕES FEITAS EM JORNAIS DIREITOS DE AUTOR ÓNUS DA PROVA RETENÇÕES DE IRS |
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Sumário: | I - Nem todas as publicações efetuadas em jornais são protegidas pelos direitos de autor, não constituindo objeto de proteção “[a]s notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgados” [art.º 7.º, n.º 1, al. a), do CDACD]. II - Em sede de ação inspetiva, a AT, em cumprimento do disposto no art.º 74.º da LGT, tem de carrear ao procedimento elementos factuais suficientes para sustentar o seu entendimento, o que não se compadece com afirmações de caráter genérico e conclusivo. III - Para que a AT possa concluir que determinado pagamento respeita a propriedade intelectual, pretendendo, assim, afastar a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º, n.º 1, da LGT, é imprescindível que faça uma análise da publicação em causa, designadamente para efeitos de aferição da situação de exclusão mencionada em I. IV - Não tendo feito tal análise, não só tal espelha uma análise perfunctória da situação e um défice instrutório, como fere a correção de ilegalidade, por falta de cabal demonstração dos respetivos pressupostos de facto. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acórdão I. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 30.04.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por S… - S… Editorial, S.A. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico apresentado na sequência de indeferimento da reclamação graciosa, que, por seu turno, versou sobre a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) – retenções e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2000. Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “a) Os serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Lisboa, atento a ordem de serviço n.º 86022, procederam a um procedimento inspetivo à aqui Recorrida no sentido de analisar os pagamentos a pessoas não residentes, declarados no modelo 130, do período de 2000; b) Os Serviços Tributários enquadraram na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º do Código do IRS, na redação à data dos factos, os rendimentos de propriedade intelectual auferidos por não residentes, nomeadamente artigos jornalísticos e trabalhos fotográficos publicados em jornais, porquanto aqueles estavam sujeitos a retenção na fonte; c) Não obstante a existência de convenção para evitar a dupla tributação internacional com a maioria dos países indicados na declaração modelo 130, a verdade é que não se comprovou, em sede de inspeção tributária, a qualidade de não residentes dos correspondentes beneficiários de rendimentos; d) A Recorrida exerceu o correspondente direito de audição, em sede de procedimento de inspeção tributária, não tendo, contudo, logrado apresentar prova no sentido de contrariar as conclusões da inspeção; e) A Recorrida apresentou reclamação graciosa da liquidação entretanto instaurada, a qual foi parcialmente deferida, por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, exarado em 2006.08.30; f) Não se conformando, a Recorrida intentou recurso hierárquico da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, o qual não colheu provimento, por despacho do Subdiretor-Geral, exarado em 2008.04.24; g) Em conformidade com o artigo 17.º do Código do IRS, na redação à data dos factos, consideram-se obtidos em território português os rendimentos do trabalho decorrentes de atividades nele exercidas, ou, por prestações de serviços previstas no n.º 4 do artigo 3.º daquele Código, assim como os rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial, da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector comercial, devidos por entidades que nele tenham residência; h) De acordo com o preceituado no artigo 74.º do Código do IRS estão sujeitas a retenção na fonte, a título definitivo, os rendimentos do trabalho independente e as prestações de serviços pagos ou colocados à disposição de não residentes em território português, assim como os provenientes da propriedade intelectual; i) É ao beneficiário que cabe proceder, junto desta AT, à prova dos concernentes pressupostos; j) Os rendimentos pagos a não residentes a título de propriedade intelectual são tributáveis; k) Relativamente às entidades constantes da declaração modelo 130 que a própria entregou, a Recorrida nunca reteve qualquer imposto, não pagou o devido imposto, nem justificou a sua dispensa; l) Incontestavelmente, estamos perante rendimento de propriedade intelectual, ademais que a Recorrida, em todo o procedimento, nunca logrou provar o contrário; m) Os rendimentos provenientes da propriedade intelectual são considerados rendimentos da categoria B (rendimentos empresarias e profissionais), quando auferidos pelo seu titular originário, considerando-se como tais, os direitos de autor e direitos conexos (alínea c) do n.º 1 e n.º 5 do artigo 3.º do Código do IRS); n) Nos termos do preceituado no Código do Direito do Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, as quais compreendem, nomeadamente, as previstas nas alíneas a) a m) do artigo 2.º do CDADC; o) O título de jornal ou de qualquer outra publicação periódica enquadra-se no domínio de propriedade intelectual (n.º 1 do artigo 5.º do CDADC); p) Nos termos do preceituado no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1/99, de 1 de janeiro (Estatuto dos Jornalistas), em vigor à data dos factos: Os jornalistas têm o direito à protecção dos textos, imagens, sons ou desenhos resultantes do exercício da liberdade de expressão e criação, nos termos das disposições legais aplicáveis; q) Sendo que, o Estatuto dos Jornalistas, na sua versão atualizada, dita expressamente que: Consideram-se obras, protegidas nos termos previstos no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e na presente lei, as criações intelectuais dos jornalistas por qualquer modo exteriorizadas, designadamente os artigos, entrevistas ou reportagens que não se limitem à divulgação de notícias do dia ou ao relato de acontecimentos diversos com o carácter de simples informações e que traduzam a sua capacidade individual de composição e expressão (n.º 1 do artigo 7.º-A do Estatuto dos Jornalistas); r) Os artigos jornalísticos são efetivamente criações intelectuais, portanto, protegidas pela Lei, e, manifestamente, enquadráveis no regime de propriedade intelectual, ao contrário do que foi entendido na douta sentença; s) O mesmo se diga quanto aos trabalhos fotográficos publicados em jornais; t) Andou mal o Tribunal a quo quando ao não reconhecer aos artigos jornalísticos e fotográficos, em apreço no procedimento inspetivo, o carácter de obra literária; u) Não colhe a afirmação da douta sentença que: (…) não estando, assim, suficientemente demonstrado pela Administração tributária que se trate de rendimentos da propriedade intelectual e, consequentemente, sujeitos a tributação em IRS (…); v) Por um lado, foi feita uma errónea interpretação do quadro jurídico-tributário, por outro, o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre o quadro legal vigente, e não o fazendo, a douta sentença padece de um evidente erro e, ainda, ausência, deficiência e défice de fundamentação legal, que exige seja corrigido; w) A AT não está subordinada à iniciativa do autor do pedido, mas o princípio do inquisitório, que tem as suas expressões máximas nos artigos 58.º e 72.º da LGT e artigo 50.º do CPPT, tem as suas balizas fixadas nos factos alegados pelos contribuintes e por aqueles de que tem conhecimento oficioso; x) A AT pauta-se por critérios objetivos, independentemente do seu pendor favorável ou não; y) In casu foram efetuadas as devidas correções, tendo em conta o declarado pela Recorrida, tendo a AT indagado, investigado e realizado todas as diligências tendentes à descoberta da verdade material; z) Estando todo o procedimento em apreço nos autos ausente de qualquer mácula e ungido de uma infalível fundamentação e robusta prova; aa) Também não podemos escamotear que a AT e os contribuintes estão vinculados a um dever de colaboração recíproca, de boa-fé e que as declarações dos contribuintes se presumem de boa-fé e verdadeiras (artigos 59.º e 75.º, ambos da LGT); bb) Assim, torna-se evidente que a decisão ora recorrida não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub judice; cc) O Tribunal a quo é parco na sua apreciação, omitindo uma explanação mais concreta e cristalina sobre o seu entendimento; dd) O erro do julgamento é manifesto, porquanto o Tribunal a quo deixou de cumprir com o seu dever de apresentar o seu itinerário cognoscitivo o qual deve ser vertido numa explanação coerente, acessível e compreensível; ee) O Tribunal a quo optou por resumir a posição das partes e apresentar o fundamento da sua decisão por uma mera transcrição do procedimento administrativo tributário e de um acórdão, que, com o devido respeito, não tem aplicabilidade total ao caso concreto, sem que depois exponha de forma clara em que medida tal informação tem aplicação ao caso em apreço e as respetivas ilações que daí se podem retirar que possam efetivamente fundamentar a sua decisão; ff) Existe na decisão em causa uma errada interpretação jurídico-tributária, assim como uma omissão de pronúncia fundamentada que permita fundamentar a sua decisão final, e que, indubitavelmente nos conduzem a um erro de julgamento; gg) Atento à decisão proferida e salvo o devido respeito, a Fazenda Pública não se pode conformar, nem tão pouco concordar com a douta sentença do tribunal a quo, por julgar procedente a impugnação, anulando os atos de liquidação sindicados. Termos em que, com o mui douto suprimento de Vs. Ex.ªs, e atento a motivação e conclusões supra enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por Acórdão que julgue improcedente, in totum, por não provada, e, em consequência mantenha vigente no ordenamento jurídico-tributário, por legais, os atos ora impugnados”. A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: “Nos termos supra expostos, a ora Recorrida concluiu as suas contra- alegações requerendo que se mantenha a decisão a quo que decidiu que o ato impugnado enferma de vício de violação de lei, confirmando-se a ilegalidade do tributo adicional que lhe foi notificado e respetivos juros, nos termos julgados pelo Tribunal a quo e naqueles que resultariam da apreciação dos demais vícios considerados prejudicados pelo tribunal a quo, com os seguintes fundamentos: A. O presente Recurso da Fazenda tem por objeto a sentença que decidiu a procedência total da impugnação judicial por erro de violação de lei, tendo o tribunal a quo considerado que: «os elementos recolhidos pela administração fiscal não permitem concluir que o respetivo pagamento visasse remunerar qualquer obra com caracter literário ou científico, não estando assim suficientemente demonstrado pela administração fiscal que se trate de rendimentos da propriedade intelectual e, consequentemente sujeitos a tributação em IRS». (11- Cfr. Pagina 47 da sentença) B. O Recurso pretende demonstrar que na decisão recorrida: «por um lado foi feita uma errónea interpretação do quadro jurídico- tributário, por outro, o tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre o quadro legal vigente e não o fazendo, a douta sentença padece de um evidente erro, e, ainda, ausência, deficiência e défice de fundamentação legal, que exige seja corrigido» (12- Cfr. §. 32 das alegações de recurso). C. Porém, não é nada disso que se obtém com o presente Recurso, pois das próprias alegações da Recorrente, conclusões que, como é bem sabido, delimitam o âmbito do presente recurso - verifica-se a ausência de justificação factual e de direito que imponha a alteração da decisão. D. Deste modo, a Fazenda Pública, ao contrário de rebater a decisão a quo, nas suas posições e respetivas apreciações que levaram ao reconhecimento da razão que assiste à Recorrida, limita-se a secundar, de modo confuso e incoerente, a posição da AT no relatório da fiscalização e a atacar a conduta da ora Recorrida; E. A Fazenda não contesta o julgamento da matéria de facto efetuado pelo Tribunal a quo (capítulo III, pp. 5 a 43 da Sentença). F. Ora, conclui bem o tribunal que: «Os elementos recolhidos pela administração tributária consistentes apenas em algumas facturas (cf. Letras D e H do probatório) não permitem concluir que o respetivo pagamento visasse remunerar qualquer obra com caracter literário ou científico, não estando assim suficientemente demonstrado pela administração fiscal que se trate de rendimentos da propriedade intelectual e, consequentemente sujeitos a tributação em IRS (cf. artigo 74.°, n.° 1, da LGT)». G. Ora, a Fazenda Pública falha redundantemente na contestação da sentença emitida pelo Tribunal a quo, não cumprindo o ónus de concretizar, por referência a cada facto impugnado, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi proferida pelo Tribunal tributário, limitando-se a proceder a uma indicação genérica e em bloco para um conjunto de factos, sem indicar os concretos meios de prova - documentos e as passagens de cada um dos depoimentos que discrimina que impunham a pretendida alteração; não se mostra assim cumprido, pela apelante, o ónus exigido pelo artigo 640.° n.° 1, al. b), do CPC. H. No caso em apreço, analisando as conclusões da Fazenda Pública, constata-se que esta optou por reproduzir o defendido pela AT, sem lograr refutar o que foi decidido pelo Tribunal a quo, o que nos permite imediatamente concluir no sentido da improcedência do recurso dos Autos. I. Sem esgotar os factos provados selecionam-se os seguintes que o tribunal a quo vem, ainda que nem sempre de forma explícita julgar provados e indica-se matéria de facto que deve ser dada como assente nos termos e para os efeitos dos artigos 640.°, n.° 3, e 662.° do CPC: a) A Recorrida exerce a atividade de edição e publicação de jornais e revistas - facto constante do probatório. b) No âmbito da sua atividade, a Recorrida efetua pagamentos de serviços a pessoas singulares e coletivas, na sua qualidade de correspondentes em países estrangeiros dos jornais da sua propriedade - facto constante do probatório. c) Durante o ano de 2000, a Recorrida efetuou diversos pagamentos a correspondentes estrangeiros sem domicílio ou instalação fixa em Portugal, pela prestação, sob encomenda, de serviços de jornalismo - facto provado pelo doc. n.° 12 em anexo à p.i. d) Não constitui facto controvertido a residência dos prestadores de serviços nos países com os quais Portugal celebrou acordos de dupla tributação - facto que deve ser dado como assente nos termos e para os efeitos dos artigos 640.°, n.° 3, e 662.° do CPC; e) No âmbito do projeto de relatório de inspeção, a Administração fiscal qualificou os pagamentos efetuados como royalties e não como pagamento de prestações de serviços, propondo ainda a realização de correções por considerar que, não obstante a existência de CDT entre Portugal e os Estados de residência dos beneficiários, estes últimos não apresentaram os respetivos formulários autenticados pelas autoridades competentes dos Países de origem - facto provado pelo doc. n.° 2 em anexo à p.i. f) Totalmente indiferente aos argumentos aduzidos pela Recorrida, no exercício do direito de audição prévia relativo ao projeto de relatório de inspeção, a Administração fiscal limitou-se a converter o projeto de conclusões de relatório em relatório de correções definitivo. g) Discordando do entendimento da Recorrida que aplicou as CDT, a Administração fiscal procedeu à liquidação adicional de € 83.334,63 de imposto que reputa em falta, aplicando directa e automaticamente a taxa interna de 15% aos supostos royalties pagos a pessoas singulares não residentes - facto provado pelo doc. n.° 5 em anexo à p.i.. h) Nas notificações do projeto de relatório e do relatório conclusivo não foi apresentada fundamentação jurídica suficiente, não tendo sequer sido definido o âmbito de incidência do imposto - IRS -e dos juros compensatórios. i) Como suporte para a liquidação, AT limitou-se a produzir um mapa que sintetiza o imposto que supostamente deveria ter sido retido na fonte e a indicação de «propriedade intelectual»- facto que deve ser dado como assente nos termos e para os efeitos dos artigos 640.°, n.° 3, e 662° do CPC. j) Ficou ainda por indicar quem é o sujeito passivo do imposto - i.e., a norma de incidência subjetiva - que tipo de rendimento está efetivamente em causa - i.e., a norma de incidência objetiva - sob que regras se determinou a sua matéria coletável - i.e., as normas de determinação da matéria coletável - e a razão pela qual se chamou a ora Recorrida a pagá-lo - norma de responsabilização do suposto substituto tributário (cfr. doc. n.° 4 acima referido). k) A Recorrida deduziu a devida reclamação graciosa quando tomou conhecimento do despacho de deferimento parcial da mesma, o qual procedia (apenas...) a uma pequena correção da liquidação dos juros compensatórios reduzindo-se a discussão para o montante de € 82.443,96 - doc. n.° 9 anexo à p.i. l) Não se conformando com a decisão da Administração fiscal, a Recorrida interpôs dela recurso hierárquico ao qual veio a ser negado provimento pela Administração fiscal sem nada ter acrescentado ao que havia já argumentado em sede de resposta à reclamação graciosa pelo que foi necessário apresentar a impugnação que mereceu provimento por parte do tribunal a quo. J. Não subsistem quaisquer dúvidas de que deve ser mantida a decisão do tribunal a quo ao reconhecer o erro de julgamento nos pressupostos de facto e na sua subsunção ao direito aplicável. K. Como bem decidiu o tribunal a quo, a Administração fiscal não deveria ter liquidado imposto sobre os pagamentos feitos a não residentes no âmbito de contratos de prestações de serviços, pessoas singulares, com o suposto fundamento de que esses rendimentos seriam derivados de propriedade intelectual. L. Não há um único elemento de identificação ou descrição de que obras literárias seriam essas. M. Aliás, a Recorrida demonstrou que o entendimento que a Administração fiscal sempre teve sobre esta matéria é o de que não se trata de rendimentos da propriedade intelectual (Informação n.° AL12/2003, sancionada com o despacho concordante do Diretor Geral dos Impostos exarado em 12-06-2003 supra citada e que aqui se deve considerar reproduzida). «(...) são escritos sem carácter literário, com uma função predominantemente utilitária, pois os textos jornalísticos não são uma criação livre, no sentido em que são instrumentalizados à função informativa/formativa, que visam prosseguir.» (cfr. doc. n.° 11 que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido). N. Demonstrou-se que é este precisamente o enquadramento que deve fazer-se dos rendimentos em causa: a ora Recorrida encomenda aos seus colaboradores e correspondentes no estrangeiro, a título de prestação de serviços jornalísticos, artigos para as suas publicações. O. É que o normativo legal referente a royalties, constante das CDT aplicáveis ao presente caso, não faz meramente referência a «direitos de autor», mas antes a «direitos de autor sobre obras literárias». P. Razão pela qual os rendimentos em análise devem considerar-se liminarmente excluídos do conceito convencional de royalties, não podendo, em consequência, aplicar-se o respetivo regime. Q. Acresce ainda que se constatou que a própria Administração fiscal não fundamenta suficiente e convenientemente a qualificação - errónea - que faz destes rendimentos. R. Ora, apenas as retribuições pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária podem ser tributadas por retenção na fonte em Portugal, a título de royalties, nos termos das Convenções celebradas por Portugal com os Estados supra mencionados. S. Assim, aplicando-se as referidas Convenções e vigorando o primado da supremacia das Convenções sobre a lei interna e não podendo aqueles rendimentos ser qualificados como royalties, deverão os mesmos ser qualificados como rendimentos obtidos pelo exercício de uma profissão liberal, nos termos do disposto no artigo 14.° - de epígrafe «Profissões Independentes» - das referidas Convenções. T. Aliás, por se tratar de prestações de serviços não sujeitas a retenção na fonte n competiria à AT conforme resulta explicitamente do n.° 1 do artigo 74.° da LGT o ónus da prova do contrário, o que não logrou fazer. U. Acresce que, no pressuposto - nunca aceite pela ora Recorrida - de que tais rendimentos corresponderiam a royalties e não a rendimentos obtidos pelo exercício de uma profissão liberal, e uma vez que todos os requisitos de aplicação das Convenções supra referidas se encontravam preenchidos, então a retenção a efetuar não poderia ultrapassar os limites previstos nas várias Convenções - de 5% ou 10% na maioria das Convenções aplicáveis ao contrário daquilo da atuação da AT que vem sem mais liquidar 15% de imposto. V. Reafirma-se também para efeitos da qualificação dos rendimentos o primado das CDT sobre a lei interna, como decorre do que já ficou exposto, pelo que nos parece, igualmente a este título, ser de concluir que bem andou o tribunal a quo ao anular o acto impugnado pois ele era absolutamente ilegal por violação da lei, designadamente da lei superior, ou seja, dos artigos 14.°, ou, se assim não se entender, dos artigos 12.° ou 13.° (royalties) de cada uma das Convenções aplicáveis ao caso sub judice. W. Acresce que, caso não se considerasse verificado o vício de violação de lei por errada qualificação dos rendimentos, o que de modo algum se concede, nunca o recurso poderia obter provimento pois deveria ser apreciado e reconhecida a verificação dos restantes vícios invocados na impugnação e de que se destacam o de forma por falta de fundamentação e o de violação do direito convencional. X. Com efeito, in casu, da notificação dos actos impugnados - o despacho de não provimento do recurso hierárquico bem como a liquidação adicional de IRS em crise - não é possível i) apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo do órgão decidente e ii) conhecer as razões que motivaram que se decidisse assim e não de outro modo. Y. Constatou-se que a própria Administração fiscal não fundamenta suficiente e convenientemente a qualificação - errónea - que faz destes rendimentos. Z. De facto, não se fundamentaram concretamente as razões porque os rendimentos pagos pela ora Recorrida estavam sujeitos à taxa interna e a que título aquela entidade é responsável por pagar tal imposto, para além de nem sequer terem sido discriminadas as razões da liquidação de imposto a respeito de cada pagamento, sendo certo que a obrigação de imposto para cada pagamento seria uma «obrigação única», autónoma e independente das demais, pelo que a fundamentação deveria necessariamente processar-se dessa forma específica. AA. Por outro lado, a Administração fiscal não indicou sequer quais as normas de incidência e de determinação da matéria coletável relevantes ou as que permitiriam, em última instância, fundamentar a responsabilização da ora Recorrida enquanto responsável tributário, como impõe expressamente o artigo 62.°, n.° 2, alíneas f) e g) do RCPIT. BB. Tal como também não explicitou a razão pela qual os rendimentos pagos aos correspondentes não residentes como contraprestação pelos serviços prestados, relacionados com notícias do dia e relatos de acontecimentos diversos, foram qualificados como rendimentos de propriedade intelectual. CC. Com efeito, no Relatório de inspeção que sustenta a liquidação adicional, pouco mais se fez além do enquadramento da situação nos artigos 17.°, n.° 1, alínea d) e 74.°, n.° 4, alínea c) do Código do IRS, sem proceder à devida concretização ou fundamentação. DD. Dito isto, nos termos do artigo 77.° da LGT e do artigo 268.°, n.° 3, da CRP, por falta de fundamentação clara, suficiente e congruente, de facto e de direito, os atos impugnados sempre teriam de ser anulados por estarem feridos do vício de forma. EE. Assim sendo, nunca a pretensão da Recorrente poderia prosseguir perante o evidente vício de forma por falta de fundamentação do indeferimento do recurso hierárquico em crise e, bem assim, da liquidação de imposto, por violação dos artigos 268.°, n.º 3 da CRP e 77.° da LGT, pelo que também a esse titulo a decisão deveria ser no sentido da sua anulação. Ficou também demonstrado o vício invocado pela Recorrida na p.i. de violação de lei pela não aplicação das CDT. FF. Com efeito, decorre das regras das CDT - mais concretamente do artigo 14.° respetivamente -que os rendimentos de profissão independente - incluindo os pagamentos efetuados pela prestação de serviços de jornalismo - apenas são tributados no Estado da residência dos beneficiários. GG. Em sentido contrário, a Administração fiscal veio arguir a impossibilidade de aplicar no presente caso as CDT, defendendo que a aplicação destas estaria dependente da apresentação pelos beneficiários dos pagamentos, de um formulário comprovativo da sua residência no outro Estado contratante da CDT. HH. Do que se trata é da dispensa total de retenção na fonte de IRS sobre rendimentos auferidos por pessoas singulares não residentes quando, por força de uma Convenção destinada a eliminar a dupla tributação que vincula o Estado português, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos não seja atribuída ao Estado da fonte, mas ao Estado de residência. II. Neste sentido, à época da ocorrência dos factos relevantes, para a aplicação das Convenções era apenas exigido (i) que a entidade pagadora fosse residente em Portugal, (ii) que o beneficiário fosse residente do Estado contratante da Convenção (iii) e a primeira entidade fizesse pagamentos à segunda que fossem considerados como rendimentos previstos e tratados nas Convenções. JJ. Nenhum destes factos é controvertido, uma vez que foram aceites pela Administração fiscal, ao longo do procedimento. KK. O direito português consagra uma cláusula geral de recepção automática plena do direito internacional convencional. LL. Nessa medida, a Recorrida não podia ter atuado de outra forma quando, ao invés de aplicar as taxas constantes do artigo 74.º do Código do IRS, não reteve na fonte, em função do disposto nas respetivas CDT, sob pena de não o fazendo estar a cometer uma violação das mesmas. MM. De todo o modo, as CDT assinadas não contêm qualquer norma procedimental específica em que se estabeleça como requisito para a respetiva aplicação, a apresentação de um formulário comprovativo da residência dos beneficiários dos rendimentos no outro Estado contratante da CDT. NN. E a lei interna em vigor à data também não continha qualquer exigência a este respeito. OO. É sabido que a existência de circulares que estabeleçam eventuais regras eventuais regras procedimentais, não podem de modo algum ser oponíveis aos contribuintes, vinculando exclusivamente a Administração fiscal - é este o entendimento que o Supremo Tribunal Administrativo vem clarificando - e.g. Acórdão do STA, proferido em 15/11/95: «as Circulares administrativas em matéria tributária têm valor simplesmente administrativo, vinculando apenas os órgãos da Administração fiscal mas sem nenhum carácter normativo directo para os contribuintes ou para os tribunais». PP. Desta forma, o eventual formalismo constante dessas Circulares para a aplicação das convenções, é, à data da verificação dos factos, absolutamente irrelevante na medida em que não vinculava a Recorrida que nem tinha a obrigação de ter conhecimento do mesmo. QQ. A referida exigência de preenchimento de formulários apenas veio a ser regulada por via legal -artigo 101.°-C do Código do IRS em 2003, i.e. três anos após a verificação dos factos controvertidos nos presentes Autos. RR. Pelo que se deve concluir que à data da ocorrência dos factos controvertidos, a aplicação pela Recorrida das CDT não estava dependente do preenchimento dos formulários, como pretendeu a Administração fiscal e a Recorrente manteve nas suas alegações ao dizer que «não obstante a existência de Convenção de dupla tributação com a maioria dos países indicados na declaração modelo 130, a verdade é que não se comprovou, em sede de inspeção tributária, a qualidade de não residentes dos correspondentes beneficiários de rendimentos» (13- Cfr. § c) das conclusões das alegações da Recorrente.). SS. Assim, também por este motivo, cujo conhecimento o tribunal a quo considerou prejudicado sempre seria de concluir pela ilegalidade – por violação de lei superior, nomeadamente das Convenções - do acto impugnado, na medida em que este absorveu os vícios dos actos primários de liquidação, pelo que deve ser completamente anulado. TT. Acresce aos vícios invocados que parte dos rendimentos no montante de € 64.640,62 foram pagos pela ora Recorrida já durante o ano de 2001 e seguintes pelo que qualquer imposto seria devido nesse ano de 2001 e não naquele a que se referem os autos. UU. Finalmente em qualquer caso sempre se deveria reconhecer a ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios mantida no valor de € 12.979,40 nos termos expostos na p.ie e que aqui se devem considerar reproduzidos. Termos em que se requer a V. Exas que seja negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida que julgou procedente a ação dos Autos, com a necessária anulação dos atos de liquidação de IRS e juros relativos a 2000. Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA”. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
É a seguinte a questão a decidir: a) Verifica-se erro de julgamento, em virtude de estarmos perante rendimentos de propriedade intelectual, que configuram obra, para efeitos de proteção pelos direitos de autor, tendo a administração tributária (AT) realizado todas as diligências tendentes a esta configuração?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A. A Impugnante desenvolve a actividade de “Edição de Jornais”, com o CAE 22120 (cf. doc. 2, junto com a p. i. a fls. 46 e segs., cujo teor se dá integralmente reproduzido); B. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 86 022, de 14 de Julho de 2003, foi efectuada uma acção de inspecção à Impugnante, “a fim de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes aos pagamentos de rendimentos a não residentes, no exercício de 2000” (Idem); C. No Relatório de Inspecção Tributária (RIT), de 12 de Janeiro de 2004, foram propostas correcções respeitantes a IRC e IRS (não retido) de € 42.391,70 e € 69.464,56, respectivamente (cf. fls. 273 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); D. Para efectuar as aludidas correcções, os Serviços de Inspecção Tributária consideraram o seguinte (Idem): «Imagem em texto no original»
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F. Na sequência da acção de inspecção levada a efeito, foram efectuadas as liquidações de IRS e Juros Compensatórios referentes ao exercício de 2000, no valor global de € 83.334,63, sendo € 69.464,56 de IRS e € 13.870,07 de Juros Compensatórios (cf. doc. 5, junto com a p. i. a fl. 68, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 262 e 263 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); G. Em 10 de Setembro de 2004, a Impugnante apresentou reclamação graciosa (cf. doc. 6, junto com a p. i. a fls. 69 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido); H. A Impugnante juntou à reclamação graciosa, entre outros, “documentos representativos de pagamentos a entidades não residentes efectuados após o termo do exercício de 2000”, igualmente juntos com a presente impugnação judicial, com o seguinte teor essencial (cf. doc. 12, junto com a p. i. a fls. 166 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
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«Imagem em texto no original» I. Em 27 de Outubro de 2004, foi instaurado o Processo de Execução Fiscal n.º 3123200401029525, que se encontra suspenso desde 27 de Outubro de 2004 pela apresentação da reclamação graciosa, com associação da garantia n.º 197, em 6 de Dezembro de 2004 (cf. fls. 265 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); J. Por ofício n.º 055240, de 18 de Julho de 2006, foi a Impugnante notificada do projecto de decisão e para o exercício do direito de audição, com base em informação com o seguinte teor essencial (cf. doc. 7, junto com a p. i. a fls. 106 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
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K. A Impugnante exerceu o seu direito de audição (cf. doc. 8, junto com a p. i. a fls. 120 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido); L. Por oficio n.º 73315, de 13 de Setembro de 2006, foi a Impugnante notificada do despacho que convolou em definitivo o projecto de decisão, com base em informação com o seguinte teor essencial (cf. doc. 9, junto com a p. i. a fls. 127 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido): (…) M. Em 16 de Outubro de 2006, a Impugnante interpôs recurso hierárquico (cf. fls. 3 e segs. do processo de recurso hierárquico constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); N. Por ofício n.º 041692, de 29 de Maio de 2008, foi a Impugnante notificada do despacho que negou provimento ao recurso hierárquico, proferido com base em informação com o seguinte teor essencial (cf. doc. 1, junto com a p. i. a fls. 33 e segs.):
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O. Em 29 de Agosto de 2008, deduziu a Impugnante a presente impugnação judicial (cf. fl. 260, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); P. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 11, junto com a p.i. a fls. 160 e segs., que se consubstancia na Informação n.º AL 12/2003 da Direcção Geral dos Impostos”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados, tal como referido em cada letra do probatório. A prova testemunhal não foi relevada, uma vez que a testemunha inquirida se limitou, no seu depoimento, a dar a sua opinião/interpretação quanto à materialidade facto-jurídica vertida na prova documental já existente nos autos e no PAT apenso”.
II.D. Dada a incorreta formulação do designado facto “P.” (uma vez que se limita a remeter para um meio de prova e não a extrair do mesmo qualquer facto), nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, procede-se à respetiva alteração, passando o mesmo a ter a seguinte redação: P. Foi emitida, pelo gabinete do diretor-geral da então direção-geral dos impostos, a Informação n.º AL 12/2003, de 02.06.2003, sobre a qual foi aposto despacho de concordância, da qual consta designadamente o seguinte: “…
…” (cfr. documento n.º 11, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do erro de julgamento Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, em virtude de estarmos perante rendimentos de propriedade intelectual, que configuram obra, para efeitos de proteção pelos direitos de autor, tendo a AT realizado todas as diligências tendentes a esta configuração. Antes de mais, refira-se que a Recorrente, na sua conclusão ff), faz menção à existência de uma omissão de pronúncia fundamentada na sentença. Cumpre, desde logo, sublinhar que, não obstante a expressão “omissão de pronúncia” seja própria da nulidade de sentença prevista no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, e no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar), o que a Recorrente aqui invoca, e aliás, conclui nessa conclusão ff), é que há um erro de julgamento sustentado também numa fundamentação menos correta da sentença. Como tal, não foi invocada qualquer nulidade da sentença, mas tão-só um erro de julgamento. Prosseguindo. In casu, o Tribunal a quo considerou que não estava cabalmente demonstrado, pela AT, que os pagamentos efetuados visassem remunerar qualquer obra com carácter literário ou científico, ou seja, que estivéssemos perante rendimentos de propriedade intelectual. Vejamos. Como resulta provado, a Recorrida, que desenvolve a atividade de edição de jornais, foi objeto de ação inspetiva por parte da AT, visando a análise do cumprimento das obrigações fiscais inerentes a pagamentos de rendimentos a não residentes em 2000. Perscrutando o relatório de inspeção tributária (RIT), no qual reside a fundamentação dos atos de liquidação objeto mediato da impugnação, resulta que: a) A AT refere que foram feitos pagamentos a não residentes (pessoas singulares e coletivas) e não houve qualquer retenção na fonte; b) Quanto ao IRS, considerando que são as correções ao mesmo respeitantes aquelas que estão em causa nos presentes autos, verifica-se que, sob a designação Rendimentos de propriedade intelectual, é elencado um conjunto de beneficiários, com indicação do valor pago e, em termos de natureza do rendimento, com a simples menção “R. Propriedade Intelectual”; c) Num parágrafo global, a AT menciona no RIT que se trata de artigos jornalísticos e trabalhos fotográficos. Nos termos do art.º 3.º do Código do IRS (CIRS), na redação à data (à qual correspondem as futuras menções): “1 - Consideram-se rendimentos do trabalho independente: a) Os auferidos, por conta própria, no exercício de atividades de carácter científico, artístico ou técnico; b) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário. (…) 3 - Para efeitos deste imposto, consideram-se como provenientes da propriedade intelectual os direitos de autor e direitos conexos”. Por seu turno, nos termos do art.º 17.º do mesmo código: “1 - Consideram-se obtidos em território português: (…) d) Os rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial, da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector comercial, industrial ou científico, ou do uso ou concessão do uso de equipamento agrícola, comercial ou científico, quando não constituam rendimentos prediais, bem como os derivados de assistência técnica, devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento”. O art.º 74.º do mesmo código prescrevia, por seu turno, que: “1 - Estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, os rendimentos obtidos em território português constantes dos números seguintes e, bem assim, os rendimentos mencionados na alínea b) do nº 2 do artigo 94º, às taxas liberatórias neles previstas. (…) 4 - São tributados à taxa de 15%: (…) c) Os rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência no sector industrial, comercial ou científico, auferidos por titulares originários não residentes em Portugal”. Considerando este contexto, há que atentar à disciplina atinente aos direitos de autor. De acordo com o art.º 1.º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC): “1 - Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa proteção os direitos dos respetivos autores”. Por sua vez, o art.º 2.º do mesmo diploma elenca, exemplificativamente, o que se entende por obras originais: “1 - As criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objetivo, compreendem nomeadamente: a) Livros, folhetos, revistas, jornais e outros escritos; b) Obras dramáticas e dramático-musicais e a sua encenação; c) Conferências, lições, alocuções e sermões; d) Obras coreográficas e pantominas, cuja expressão se fixa por escrito ou por qualquer outra forma; e) Composições musicais, com ou sem palavras; f) Obras cinematográficas, televisivas, fonográfica, videográfica e radiofónicas; g) Obras de desenho, tapeçaria, pintura, escultura, cerâmica, azulejo, gravura, litografia e arquitetura; h) Obras fotográficas ou produzidas por qualquer processo análogos aos da fotografia; i) Obras de arte aplicadas, desenho ou modelos industriais e obras de design que constituam criação artística, independentemente da proteção relativa à propriedade industrial; j) Ilustrações e cartas geográficas; l) Projetos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitetura, ao urbanismo, à geografia ou às outras ciências; m) Lemas ou divisas, ainda que de carácter publicitário, se se revestirem de originalidade; n) Paródias e outras composições literárias ou musicais, ainda que inspiradas num tema ou motivo de outra obra”. Por outro lado, o art.º 3.º do mesmo código define quais as obras derivadas que são equiparadas a obras originais. Uma obra, para merecer a proteção conferida pelo direito de autor, tem de conter os seguintes requisitos: i. Exteriorização, na medida em que tem de tomar forma, ainda que não seja divulgada; ii. Originalidade; iii. Irrelevância do mérito; iv. Inexigibilidade de formalidades para que a proteção se verifique. Nos termos do art.º 7.º do mesmo código: “1 - Não constituem objeto de proteção: a) As notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgados”. Sobre a proteção atinente a direitos de autos sobre obra publicada em jornal, é ainda de atentar nos art.ºs 173.º e 174.º do CDADC. Para aferir da existência efetiva de uma obra protegida pelos direitos de autor e, em termos tributários, sujeita ao regime específico previsto para o respetivo rendimento, é fundamental a individualização e a identificação das obras em causa. Assim, sendo certo que pode haver obras publicadas em jornais protegidas pelos direitos de autor, como decorre do art.º 7.º, n.º 1, do mesmo código, há situações excluídas dessa proteção [aliás, foi justamente este o entendimento plasmado, v.g., no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.11.2012 (Processo: 0649/12), a propósito da análise de determinadas crónicas publicadas em jornal, aresto em que aquele Supremo Tribunal considerou não demonstrado o caráter de obra]. Posto isto, conclui-se, desde já, que, para que possamos falar na existência de uma obra suscetível de proteção pelos direitos de autor e remunerada nesse contexto, há um aspeto imprescindível: a análise da (potencial) obra. Só esta análise permite aferir se estamos perante uma situação de inclusão ou exclusão no âmbito dos direitos de autor. Esta circunstância conduz-nos às regras de distribuição do ónus da prova. Nos termos do art.º 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), “[o] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Atenta a presunção de veracidade de que gozam as declarações e a contabilidade dos contribuintes (art.º 75.º, n.º 1, da LGT), cabe, em primeira linha, à AT carrear ao procedimento, mormente ao procedimento inspetivo, elementos suficientes para, do ponto de vista factual, sustentar a sua posição. Ora, tais elementos não constam do procedimento inspetivo nem resulta do mesmo que a atividade instrutória da AT não fosse se não uma atividade perfunctória, sem qualquer análise das situações em concreto, como se exigia. A AT limitou-se a concluir que determinados rendimentos respeitavam a propriedade intelectual, referindo, sem qualquer tipo de especificação ou concretização, como se impunha, tratar-se de artigos jornalísticos e trabalhos fotográficos. Mesmo em sede de análise do direito de audição, quando justamente a Recorrida alega não se tratar de rendimentos de propriedade intelectual, a AT limita-se a afastar globalmente o alegado, persistindo na não especificação individualizada das situações. Considerando que nem tudo o que é publicado num jornal é abrangido pela proteção conferida pelos direitos de autor e não é, por isso, considerado obra para esse efeito, não se pode concluir que a AT tenha cumprido com o ónus da prova a que estava obrigada. Para que o ónus da prova passasse a ser do contribuinte [que, aliás e como resulta provado, juntou elementos, designadamente em sede de reclamação graciosa, que revelam tratar-se, prima facie, de situações enquadráveis no art.º 7.º, n.º 1, al. a), do CDADC, atento o título das publicações ali referidas], como a Recorrente parece advogar, seria necessário que a AT, num primeiro momento, cumprisse o seu, o que não sucedeu, nos termos já explanados. Essa circunstância fere, na sua essência, a correção efetuada, por falta de demonstração dos pressupostos de facto em que assenta o entendimento da AT. Como tal, não assiste razão à Recorrente, resultando prejudicado o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto efetuada pela Recorrida e que, por lei, é de caráter subsidiário (cfr. art.º 636.º, n.º 2, do CPC). O demais alegado pela Recorrida, a título de ampliação do objeto do recurso, não é igualmente de apreciar, não só por não se tratar de verdadeira ampliação (já que esta abrange os fundamentos em que a Recorrida tivesse decaído em primeira instância e não as questões cujo julgamento foi considerado prejudicado – cfr. art.ºs 636.º, n.º 1, e 665.º, n.º 2, ambos do CPC), mas também porque, considerando o exposto, não há que proceder a qualquer conhecimento em substituição das questões julgadas prejudicadas, dada a não procedência da apelação.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso; b) Custas pela Recorrente; c) Registe e notifique. Lisboa, 29 de maio de 2024 (Tânia Meireles da Cunha) (Maria da Luz Cardoso) (Vital Lopes) |