Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3440/24.6BELSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:12/18/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, CONSULTA DE DOCUMENTOS E PASSAGEM DE CERTIDÕES 
ARTIGO 20º, Nº4 DO CPTA
Sumário:
Votação:DECISÃO SINGULAR
Indicações Eventuais:Vice-Presidente em substituição do(a) Juiz (a) Presidente
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Decisão

[art.º 105.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC)]


I. Relatório

O Sindicato …………………… – S…. (doravante Reclamante), em representação e defesa do seu associado R…………………, veio recorrer da decisão proferida no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Juízo Administrativo Comum, na qual aquele Tribunal se julgou territorialmente incompetente para o conhecimento da intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões que apresentou contra o Ministério da Administração Interna.

Distribuídos os autos na Subsecção Administrativa Comum da Secção do Contencioso Administrativo deste TCAS, foi proferida decisão sumária, a 30.11.2024, no sentido de, da decisão em causa, caber reclamação, ao abrigo do art.º 105.º, n.º 4, do CPC, e não recurso, ordenando a apresentação dos autos à Presidente deste TCAS. A mencionada decisão foi notificada, nada tendo sido dito.

O Reclamante sustenta a sua discordância com o decidido, fundamentalmente, no seguinte:

- Foi formulado um pedido de informação, no âmbito de procedimento administrativo que corre termos no Comando Metropolitano do Porto da Polícia de Segurança Pública;

- Nos presentes autos é requerido o Ministério da Administração Interna, com sede em Lisboa;

- O TAC de Lisboa interpretou erradamente o art.º 105.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA);

- “[N]a interpretação do artigo 105.º, n.º 1 do CPTA, vigora o regime legitimidade passiva previsto no artigo 10.º, n.º 2 do CPTA, segundo o qual ‘Quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.’”;

- O Comando Metropolitano do Porto integra a estrutura geral da Polícia de Segurança Pública, que se encontra organicamente dependente do Ministério da Administração Interna;

- Logo, deve o TAC de Lisboa ser considerado o territorialmente competente, atento o local da sede da entidade demandada.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Qual o tribunal territorialmente competente para a instrução e conhecimento da presente intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões?

II. Fundamentação

II.A. Para a apreciação da presente reclamação, são de considerar as seguintes ocorrências processuais, documentadas nos autos:

1) Em 19.04.2024, o S ……………………….. – S….. intentou, no TAC de Lisboa, em representação e defesa do seu associado R ………………….., intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, contra o Ministério da Administração Interna, na qual, a final, formula o seguinte pedido:

“Nestes termos e nos melhores de direito ao caso aplicáveis, e sempre com o douto suprimento de V. Exa., deve a presente ação de intimação ser considerada procedente por provada, devendo o R. ser condenado, no órgão do Comando Metropolitano do Porto da Polícia de Segurança Pública, a fornecer as informações solicitadas e relativas ao associado da A. R ………………………, com o nº de matrícula ……., nomeadamente se foram despesas indicadas nestes artigos 10.º e 12.º – a fls. 55, 70, 71, 72 e 72 V do processo NUP 2013…………..SAN – ressarcidas ao associado, e em que data, ou em caso negativo, os motivos nos quais residiu o não ressarcimento das despesas do associado” (cfr. documento com o n.º 005339943 de registo no SITAF neste TCAS).

2) Foi proferida sentença, a 22.04.2024, no TAC de Lisboa – Juízo Administrativo Comum, na qual o mesmo se declarou territorialmente incompetente para conhecer da presente intimação, indicando como competente o Tribunal Administrativo de Círculo do Porto (Juízo Administrativo Comum), constando da mesma designadamente o seguinte:

“(…) O requerente pede a intimação da entidade requerida, no órgão do Comando Metropolitano do Porto da Polícia de Segurança Pública, a fornecer as informações relativas ao seu associado R……………………., com o nº de matrícula …………., especificamente se as despesas indicadas a fls. 55, 70, 71, 72 e 72 V do processo NUP 2013……………SAN lhe foram ressarcidas, em que data, ou em caso negativo, os motivos nos quais residiu o não ressarcimento das despesas do associado.

Os autos foram conclusos, nos termos do artigo 590.º, n.º 1, do CPC2023, em fase liminar, por se verificar a incompetência territorial deste Tribunal.

A competência afere-se tendo em conta a forma como a pretensão é introduzida em juízo.

Ao presente caso é aplicável o critério especial de determinação da competência em razão do território previsto no artigo 20.º, n.º 4, do CPTA: «O conhecimento dos pedidos de intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões é da competência do tribunal da área onde deva ter lugar a prestação, consulta ou passagem pretendida.»


*

O autor alega que as informações devem ser prestadas pelo Comando Metropolitano do Porto da Polícia de Segurança Pública, pelo que, nos termos conjugados do artigo 20.º, n.º 4, do CPTA, artigo 3.º do DL n.º 325/2003, de 29/12, e respetivo mapa anexo o tribunal territorialmente para decidir a presente causa é o Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, designado por Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Nos termos e com os fundamentos expostos:

I. Declaro este tribunal incompetente em razão do território para conhecer da presente intimação.

II. Registe-se, notifiquem-se os autores e o DMMP do presente despacho.

III. Transitada em julgado a presente decisão, remeta-se o processo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Juízo Comum)…” (cfr. documento com o n.º 005339951 de registo no SITAF neste TCAS).

II.B. Apreciando.

Considera o Reclamante, em síntese, que o TAC de Lisboa é o competente para apreciar a intimação em causa porquanto é requerido nos presentes autos o Ministério da Administração Interna, com sede em Lisboa, sendo que, em seu entender, a redação que a reforma de 2015 conferiu, designadamente, ao art.º 105.º, n.º 1, do CPTA aponta nesse sentido.

Vejamos, então.

A competência do tribunal, em qualquer das suas espécies, deve ser aferida pelo tipo de pretensão deduzida pelo autor (pedido) e pelas normas que a disciplinam (fundamentos jurídicos).

Nos termos do art.º 13.º do CPTA, “[o] âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.

Este diploma contém um conjunto de regras, em termos de competência em razão do território, que cumpre ter presentes, previstas nos seus art.ºs 16.º a 22.º.

Para além da regra geral, prevista no art.º 16.º, há várias regras especiais. Uma delas está prevista no art.º 20.º, n.º 4, do CPTA, nos termos do qual:

“O conhecimento dos pedidos de intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões é da competência do tribunal da área onde deva ter lugar a prestação, consulta ou passagem pretendida”.

Por seu turno, dispõe o n.º 1 do art.º 105.º do mesmo Código que:

“1 - A intimação deve ser requerida contra a pessoa coletiva de direito público, o ministério ou a secretaria regional cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão”.

Ora, desde já se adiante que carece de razão o Reclamante, que confunde regras de legitimidade com regras de competência em razão do território e, bem assim, local da sede da entidade requerida com lugar da “prestação, consulta ou passagem pretendida”.

O art.º 20.º, n.º 4, do CPTA prevê, como referido, uma regra especial em matéria de competência territorial para casos como o dos autos, que se prende com o local “onde deva ter lugar a prestação, consulta ou passagem pretendida”.

A ratio desta opção do legislador foi no sentido de aproximar o Tribunal competente do local onde é prestada a informação, efetuada a consulta ou passada a certidão.

Referem, a este respeito, Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2021, p. 178):

“A revisão de 2015, mediante a nova redação dada ao n.º 4 deste artigo 20.º, introduziu uma alteração no que se refere aos pedidos de intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões, passando a declarar territorialmente competente o ''tribunal da área onde deva ter lugar a prestação, consulta ou passagem pretendida", e não o "tribunal da área da sede da autoridade requerida", como constava da versão originária do preceito.

Este novo regime tem pressuposta a ideia de que os documentos administrativos sobre que incide o direito à informação podem encontrar-se na disponibilidade de serviços periféricos das entidades demandadas ou pertencer a arquivos ou registos situados em local diverso da sede da autoridade requerida. Estando em causa a prestação de informações, a consulta de processos ou a reprodução mecânica de documentos, justifica-se, por razões de praticabilidade, que o tribunal competente seja o da área em que se deva efetivar o direito à informação, em vez de contribuir para concentrar ações nos tribunais da área da sede das entidades demandadas” (sublinhados nossos).

Assim, quando estamos perante serviços periféricos, como é o caso, onde se requer que seja o Comando Metropolitano de Polícia do Porto, um dos comandos territoriais de polícia [cfr. art.º 19.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto], a prestar informação, é por referência à sua localização que se tem de aferir qual o Tribunal competente territorialmente, independentemente de a sede do Ministério a que pertença o serviço ser em Lisboa.

Como tal, sendo o lugar da “prestação, consulta ou passagem pretendida” a cidade do Porto, é área de competência do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto [a funcionar agregado com o Tribunal Tributário do Porto, sob a designação unitária Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Porto]. Logo, é este o tribunal territorialmente competente [cfr. art.º 20.º, n.º 4, do CPTA, conjugado com o art.º 3.º, n.ºs 1 a 3 e com o mapa anexo ao DL n.º 325/2003, de 29 de dezembro].

Assim, bem andou o TAC de Lisboa ao decidir como decidiu, não assistindo razão ao Reclamante.

III. Decisão

Face ao exposto:

a) Indefere-se a reclamação apresentada;

b) Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 1/2 (meia) UC;

c) Registe e notifique;

d) Baixem os autos.


Lisboa, d.s.

A Vice-Presidente, em substituição da(o) Juiz Presidente,

(Tânia Meireles da Cunha)