Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 166/14.2BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 04/24/2024 |
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Relator: | TERESA COSTA ALEMÃO |
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Sumário: | A indemnização paga ao inquilino, na sequência da extinção do contrato de arrendamento do imóvel alienado, pode integrar o conceito de “encargo com a valorização do bem” constante da al. a) do art. 51.º do CIRS, na redacção anterior à da Lei n.º n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença proferida em 14 de Dezembro de 2020 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação apresentada por J...F..., melhor identificado nos autos, como consequência do indeferimento do recurso hierárquico que manteve a decisão de reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») n.º 2012 5002806591, e dos respectivos juros compensatórios, referentes a 2007, vem apresentar a presente impugnação judicial. A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes: «A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por J...F..., na sequência do indeferimento do recurso hierárquico que manteve a decisão de reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») n.º 2012 5002806591, e os respetivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2007, determinando a anulação dos atos de liquidação impugnados, e a sua substituição por outros que relevem a indemnização de €200.000,00, paga pelo mesmo, nos termos e para os efeitos da alínea a) do art.º 51.º do Código do IRS. B) O IRS incide, designadamente, sobre o valor anual dos incrementos patrimoniais, classificados como rendimento da categoria G, nos termos do n.º 1 do art.º 1.º do CIRS. C) Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, ao abrigo do art.º 9.° n.° 1 alínea a) e alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS. D) Refira-se que estão abrangidos pelas disposições anteriores não apenas a transmissão do direito de propriedade sobre imóveis, mas também outros os direitos reais menores, como é o caso do usufruto, direito de superfície, uso e habitação, desde que a sua transmissão não se faça por um tempo determinado, ainda que vitalício. Veja-se a este propósito a Informação Vinculativa proferida no âmbito do processo n.º 2168/2009, com despacho concordante do Subdiretor Geral, de 2009-06-24. E) Com base no disposto no n.º 3 do art.º 10.º do CIRS, os ganhos, caso não se insiram em nenhuma das alíneas constantes da mesma disposição legal, consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1 do art.º 10.º do CIRS. F) In casu, os ganhos consideram-se obtidos no momento da alienação onerosa do prédio urbano sito na Rua do Brasil, n.º 13, Estoril, Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1.286 [alínea e) dos factos dados como provados], ao abrigo do art.º 10.º n.º 1 alínea a) e n.º 3 do CIRS. G) Tendo a referida alienação ocorrido a 04-05-2007, o facto tributário gerador de eventual mais valia concretizou-se em 2007. H) O ora Recorrido, na declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos de 2007, entregue a 07-06-2011, declarou que pretendia reinvestir, sem recurso ao crédito, €500.000,00, no ano da alienação, para aquisição do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 10646, estando tal facto refletido na liquidação resultante das correções efetuadas no âmbito do procedimento de inspeção. I) Sendo certo que o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, conforme consta dos artigos 10.° n.° 4 alínea a) do CIRS, importa apurar quer o valor de aquisição, quer o valor de realização da alienação do prédio supra melhor identificado. J) Nos termos do n.º 1 do artigo 46.º do CIRS, “no caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT)” ou não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto (n.º 2 do art.º 46.º do CIRS). K) Ao abrigo do n.º 1 do art.º 12.º do CIMT, o IMT incide sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior. L) A divergência entre as partes reside no que é aceite fiscalmente a título de despesas e encargos, ao abrigo do art.º 51.º do CIRS, e concretamente nos autos, se a indemnização paga pelo ora Recorrido ao inquilino na sequência da extinção de contrato de arrendamento sobre o imóvel posteriormente vendido, se pode inserir na referida disposição legal. M) Nos termos da alínea a) do art.º 51.º do CIRS, na redação ao tempo, “Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º (…)”; N) A teleologia da dedutibilidade destas despesas no cômputo das mais-valias inscreve-se no princípio genérico de que o rendimento sujeito a tributação deve ser um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efetivamente adquirida. O) Pelo que os encargos comprovadamente incorridos que apresentem uma conexão evidente ou necessária com a obtenção do rendimento, mesmo tratando-se de um rendimento de natureza não recorrente, irregular ou fortuito, como é o caso das mais-valias, devem ser subtraídos ao valor de realização. P) O Tribunal a quo, na linha de entendimento do ora Recorrido, veio a considerar que a indemnização paga pelo ora Recorrido ao inquilino na sequência da extinção de contrato de arrendamento sobre um imóvel, posteriormente vendido, se insere na alínea a) do art.º 51.º do CIRS e, portanto, considera-se um encargo com a valorização do bem. Q) Discordamos da posição do Tribunal a quo, desde logo, porque os encargos a que a alínea a) do art.º 51.º do CIRS se refere são os encargos diretamente relacionados com a valorização do próprio bem imóvel, isto é, são as despesas que, por natureza, traduzem ao imóvel um valor adicional, como por exemplo, as obras de beneficiação. R) O pagamento de uma indemnização ao inquilino possibilita que se disponha do imóvel em melhores condições, mas não faz aumentar o seu valor intrínseco, embora o valor de mercado possa vir a ser superior. S) Além disso, a inclusão da indemnização a inquilino no conceito de despesas e encargos traria dificuldades acrescidas de quantificação, desconhecendo-se qual o limite da indemnização que deveria ser considerada como encargo de valorização. T) Mais grave será nos casos, como o dos autos, em que a indemnização para pôr fim ao contrato de arrendamento foi fixada por acordo entre as partes [alínea c) dos factos dados como provados]. U) Seria abrir a porta a conluios que favoreciam a fraude. V) Efetivamente provou-se que o ora Recorrido procedeu, em 20-09-2005, à transferência para J... P... do montante de €200.000,00, o valor de indemnização fixado pelas partes a título de compensação pela cessação do contrato de arrendamento [alínea d) dos factos dados como provados]. W) No entanto, tal não é suficiente para retirar a dúvida relativamente à indemnização a título de compensação pela cessação do contrato de arrendamento, uma vez que nada impede que a transferência tenha sido revertida posteriormente. X) Assim, os encargos com o despejo de ocupantes do imóvel não são dedutíveis na determinação do rendimento coletável, mais-valias em IRS a título de despesas necessárias inerentes à aquisição e alienação, bem, como o não são, a título de encargos com a valorização nos termos do artigo 51.º do CIRS. Y) De acordo com o disposto na alínea a) do art.º 51.º do CIRS, o encargo para que possa ser acrescido ao valor de aquisição, terá de ser inerente à aquisição ou à transmissão do imóvel, sendo a letra da lei perfeitamente clara relativamente a este aspeto. Z) Ainda que a alteração legislativa operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro tenha enquadrado na redação da alínea a) do art.º 51.º do Código do IRS as indemnizações comprovadamente pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, certo é que a lei não é interpretativa. AA) Vejamos o Acórdão do STJ, de 13.11.2007, no âmbito do processo n.º 07A3564, disponível em www.dgsi.pt, “Para que uma lei nova possa ser interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderia, chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou intérprete, em face dos textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”. BB) Pelo que, a alteração à redação da alínea a) do art.º 51.º do CIRS não configura uma concretização ou uma clarificação do que se enquadra no conceito de encargos com a valorização dos bens, a que se podia chegar por via da interpretação e/ou aplicação da lei, sendo antes uma nova solução dada pela lei. CC) O legislador usou, de facto, conceitos indeterminados no art.º 51.º do CIRS, conceitos que carecem de preenchimento, causando algumas dificuldades hermenêuticas. DD) No entanto, nos termos do n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. EE) A indemnização por virtude da cessação do arrendamento existente não resulta numa despesa necessária inerente àquela alienação ou num encargo com a valorização do bem. FF) A indemnização paga ao inquilino por virtude da cessação do arrendamento não tem por objeto mediata ou imediato a venda do imóvel arrendado, sendo que juridicamente (nos termos da lei civil), aquele direito pessoal de gozo não é afetado pela venda do bem. GG) Pelo que tal rescisão apenas interessa às relações entre arrendatário e senhorio. HH) Aquele direito de propriedade deixa de estar limitado por aquele direito pessoal na esfera do transmitente nada influenciando no apuramento devido das mais-valias. II) Exatamente porque o encargo incorrido não tem por escopo a valorização do bem. JJ) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base na factualidade dada por provada, se ter concluído que a indemnização paga a inquilino, na sequência da extinção de contrato de arrendamento sobre o imóvel posteriormente vendido pelo ora Recorrido integra o conceito de “encargo com valorização dos bens”, constante da alínea a) do art.º 51.º do CIRS. KK) Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento fazendo uma má apreciação jurídica dos factos que à luz da experiência comum suportaram a sua decisão e uma errada aplicação do disposto no artigo 51.º alínea a) do CIRS. LL) Impunha-se à douta sentença recorrida, perante o probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o decidido, o que não aconteceu, manifestando a fundamentação jurídica da decisão uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta, o que conduziu à injusta decisão contra o ora Recorrente. MM) Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a impugnação judicial. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.» **** O Recorrido, J...F..., notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.**** Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, devendo a douta sentença sob recurso ser revogada, na senda do pretendido pela Recorrente.**** Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento quando considerou que a indemnização paga ao inquilino, na sequência da extinção do contrato de arrendamento do imóvel alienado, integra o conceito de “encargo com a valorização do bem” constante da al. a) do art. 51.º do CIRS. **** Após vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. **** II.1. De facto A sentença recorrida deu como provados os eguintes factos: «a) No dia 01-10-1969, A... F...e J... P...celebraram contrato de arrendamento da moradia sita na Rua …l, n.º …, Estoril, Cascais, de que aquele era proprietário, no qual foram acordadas, além do mais, as seguintes cláusulas: “5.º Não poderá o inquilino fazer quaisquer obras sem prévia licença escrita do senhorio nem alegar retenção, nem pedir indemnização por benfeitorias voluptuárias ou úteis, ou por montagem de instalações eléctricas nem levantar as que fizer na casa, as quais só poderão ser executadas com autorização escrita do senhorio, ficando este com a faculdade de fazer quaisquer obras em benefício da casa, sem necessidade de autorização do inquilino. 6.º O inquilino obriga-se, também sob pena de indemnização: a) A conservar em bom estado como actualmente se encontram as canalizações de água, luz, esgotos, despejos e seus pertences, pagando à sua custa as reparações necessárias, se elas se entupirem ou romperem por sua culpa; b) Exceptuando-se a deterioração derivada do uso normal da habitação a manter em bom estado os soalhos, vidros e pinturas obrigando-se a reparar as deteriorações quando deixar a casa; c) A permitir que o senhorio ou quem o representar, veja a casa. […]» (provado por documento, a fls. 57 e 58 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos); b) O Impugnante, J...F..., adquiriu o prédio urbano sito na Rua …, n.º …, Estoril, Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…. (facto não controvertido e confirmado a fls. 17 a 23 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos autos); c) Em 21-07-2005, o Impugnante e J... P..., enquanto primeiro e segundo outorgantes, respetivamente, assinaram documento particular, em que declararam pôr termo ao contrato de arrendamento sobre o prédio sito na Rua ..., nº ...., Estoril, onde foi acordada, além do mais, a seguinte cláusula: «[…] 5º Considerando que o pedido para a cessação do contrato de arrendamento partiu do 1º outorgante com vista a facilitar o processo de venda do local arrendado, e ainda a idade avançada dos 2ºs outorgantes, estes acordam cessar o dito contrato de arrendamento, desde que, aquando da entrega do local arrendado, no estado em que se encontra, lhes seja paga a quantia de € 200.000, 00 (duzentos mil euros), por meio de transferência bancária em dólares americanos para conta a indicar em banco americano, ou cheque bancário em dólares, à taxa de câmbio fixada na mesma data. A compensação acordada destina-se a cobrir o seguinte: a) Todos os custos e despesas incorridos e a incorrer pelos 2.ºs outorgantes decorrentes da cessação do contrato de arrendamento, incluindo os custos de uma nova habitação adequada, de carácter temporário ou permanente, e ainda os custos da mudança dos bens pertencentes aos 2ºs outorgantes, tais como transporte e armazenagem. b) Todos e quaisquer custos e despesas suportadas pelos 2.ºs outorgantes na manutenção e reparação do local arrendado, desde o início do contrato de arrendamento em 1 de Outubro de 1969, por forma a assegurar as condições de habitabilidade do mesmo. c) Dificuldades e incómodos causados aos 2.ºs outorgantes, face à sua idade avançada e condições de saúde frágil, com a saída do local arrendado e procura de nova habitação» (provado pelo documento n.º 5 junto à petição inicial); d) Em 20-09-2005, o Impugnante transferiu para J... P... a quantia de €200.000,00, a título de compensação pela cessação do contrato de arrendamento identificado na alínea a) do probatório, nos termos previstos na cláusula 5.ª do contrato de cessação do contrato de arrendamento identificado na alínea anterior (provado pelo documento n.º 5 junto à petição inicial); e) Por escritura pública de 04-05-2007, o Impugnante vendeu, pelo preço de €1.300.000,00, a J... A..., a I... A...e a M... A...., em comum, o prédio urbano sito na Rua …l, n.º …, Estoril, Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…. (provado pelo documento n.º 4 junto à petição inicial); f) Por escritura pública de 17-05-2007, o Impugnante comprou, pelo preço de €500.000,00, o prédio urbano sito na Praceta de …., Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 10.646 (provado por documento, de fls. 14 a 16 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos); g) Até ao dia 25-05-2008, o Impugnante não apresentou a declaração anual de rendimentos, para efeitos de IRS, referente a 2007 (provado por consulta aos elementos constantes dos autos e dos processos administrativos tributários, apensos aos autos); h) No dia 28-02-2011, foi elaborada, para o Impugnante, declaração modelo 3 de IRS oficiosa, referente aos rendimentos de 2007, na qual foi assinalada a opção, no quadro 04 da folha de rosto relativo ao motivo do preenchimento, «faltosos [Art.º 76.º, n.º 1, al. b) e c)]» (provado por documento, a fls. 46 do processo administrativo tributário apenso aos autos); i) Na declaração identificada na alínea anterior, foi oficiosamente preenchido o anexo G, relativo aos rendimentos de mais-valias e outros incrementos patrimoniais, tributados de acordo com as regras da categoria G, tendo sido inscrito que o Impugnante, em maio de 2007, obteve um valor de realização de €1.300.000,00, de um prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1286, adquirido em dezembro de 1997, pelo valor de aquisição de €15.201,44 (provado por documento, a fls. 47, verso, do processo administrativo tributário, apenso aos autos); j) Esta declaração deu origem à liquidação n.º 2011 5000077053, relativa aos rendimentos de 2007 sujeitos a IRS, da qual resultou um valor a pagar de €291.463,95 e onde se pode ler:
(provado por documento, a fls. 49 do processo administrativo tributário, apenso aos autos); k) No dia 07-06-2011, o Impugnante apresentou declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos de 2007, na qual foi assinalada a opção, no quadro 10 da folha de rosto, de que a declaração de substituição tinha sido entregue dentro do prazo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e que a mesma ia ser convolada em reclamação (provado por documento, a fls. 50 do processo administrativo tributário, apenso aos autos); l) Na declaração identificada na alínea anterior, preencheu o anexo G, relativo aos rendimentos de mais-valias e outros incrementos patrimoniais, tributados de acordo com as regras da categoria G, declarando que, em maio de 2007, obteve um valor de realização de €1.300.000,00 da venda um prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 1286, adquirido em dezembro de 1989, pelo valor de €15.204,48, e que suportou encargos no valor de €348.453,33 (provado por documento, a fls. 50, verso, do processo administrativo tributário, apenso aos autos); m) Nessa mesma declaração, preencheu o campo 5 do anexo G, relativo ao reinvestimento do valor de realização de imóvel relativo a habitação própria e permanente, declarando que pretendia reinvestir, sem recurso ao crédito, €500.000,00, no ano da alienação, para aquisição do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 10646 (provado por documento, a fls. 50, verso, do processo administrativo tributário, apenso aos autos); n) Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI201106273, de 10-11-2011, foi aberto procedimento inspetivo externo, com o objetivo de verificar a situação tributária do Impugnante em sede de IRS, relativamente aos ganhos obtidos na alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, no ano de 2007, que constituem mais-valias e incrementos patrimoniais sujeitos a tributação de acordo com o regime da categoria G (provado por documento, de fls. 200 a 214 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos); o) Na sequência desse procedimento inspetivo, foi elaborado relatório de inspeção, datado de 02-05-2012, onde foram propostas as seguintes correções meramente aritméticas: «III.4 - Correções Meramente Aritméticas Pelo exposto, constatámos que o sujeito passivo alienou um imóvel que veio à sua posse em três momentos distintos, isto é, em 1989/12/16, 1992/06/10 e 1996/07/26, que não procedeu ao englobamento do valor de €300.000,00, nos termos do artigo 22.° do Código do IRS, para efeitos de apuramento do rendimento coletável e procedeu ao reinvestimento parcial do valor de alienação do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Estoril, sob o artigo 1…., na aquisição do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cascais, sob o artigo 1…, pelo que vamos proceder às devidas correções. […] III.4.2 - Correções Meramente Aritméticas
a) Correspondente a 3/16 do valor de alienação do imóvel (3/16 x €1.600.000,00). b) Correspondente a 3/16 do valor patrimonial do imóvel, à data da abertura da herança de A… F…. (3/16 x €11.693,42). c) Correspondente ao valor proporcional do Imposto sobre as Sucessões e Doações, referente ao imóvel objeto de alienação, por óbito de A… F…, calculado no ponto III.3.2.3. d) Correspondente a 1/16 do valor de alienação do imóvel (1/16 x €1.600.000,00). e) Correspondente a 1/16 do valor patrimonial do imóvel, à data da abertura da herança de M…. F…. (1/16 x € 11.693,42). f) Correspondente ao valor proporcional do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, referente ao imóvel objeto de alienação, por óbito de M... F...., calculado no ponto III.3.2.3 g) Correspondente a 3/4 do valor de alienação do imóvel (3/4 x €1.600.000,00). h) Correspondente ao valor pago a título de tornas, na partilha realizada em 1996/07/26. III.4.3 - Apuramento da Mais Valia Foi apurada a Mais Valia no Valor de €542.850,27, com base nos seguintes cálculos: Artigo 1286 (3/16) MV = [VR - (VA x Coef + Desp)] MV = [€300.000,00 - (€2.192,52 x 2.21 + €75,52)] = €295.079,03
Artigo 1286 (3/16) MV = [VR - (VA x Coef + Desp)] MV = [€100.000,00 - (€730,84 x 1,61 + €38,53)] = €98.784,82 Artigo 1286 (3/4) MV = [VR - (VA x Coef + Desp)] MV = [€1.200.000,00 - (€11.024,85 x 1,33)] = €1.185.336,94
Valor da mais valia = €1.579.200,79 (€ 295.079,03 + €98.784,82 + €1.185.336,94). No entanto, por aplicação do n.° 5 do artigo 10.° do Código do Imposto Sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (CIRS), verificámos que 31,25% do valor de alienação do imóvel objeto de apreciação encontram-se excluídos de tributação, conforme se demonstra abaixo, uma vez que o sujeito passivo reinvestiu o valor de €500.000,00 na aquisição da propriedade de outro imóvel com o mesmo destino. €1.600.000,00 -----------100% €500.000,00 ------------ x X = 31,25% O que quer dizer, que os restantes 68,75 (100% - 31,25%) da mais valia estão sujeitos a tributação, ou seja: Mais Valia Fiscal - €1.579.200,79 (mais valia) x 68,75 % = €1.085.700,54 No entanto, nos termos do n.° 2 do artigo 43.°, a mais valia é tributada apenas a 50% pelo que teremos. €1.085.700,54 x 50% = €542.850.27 III.4.4 - Determinação do rendimento coletável Assim, nos termos do n.° 4 do artigo 65.° do Código do IRS, propõe-se a correcção ao rendimento colectável do ano de 2007, constante da liquidação n.° 2011.5000077053 (efetuada pelos Serviços) no valor de - €97.192,78 , conforme quadro que segue.
(…)» (provado por documento, de fls. 201 a 214 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos); p) Na sequência da citada ação de inspeção tributária, ao Impugnante foram emitidos, em 24-05-2012, os atos de liquidação de IRS n.º 2012 5002806591, e dos respetivos juros compensatórios, referentes aos rendimentos de 2007, da qual resultou um valor a pagar de €246.218,66 e onde se pode ler:
(provado pelo documento n.º 2 junto à petição inicial); q) Em 20-06-2011, deu entrada, no serviço de finanças de Cascais 1, de uma reclamação graciosa, apresentada pelo Impugnante contra a liquidação de IRS referente a 2007, e dos respetivos juros compensatórios, na qual pediu a sua anulação (provado por documento, de fls. 2 a 6 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos); r) Através do ofício n.º 075748, de 02-10-2012, da Direção de Finanças de Lisboa, o Impugnante foi notificado de que, por despacho de 28-09-2012, a reclamação graciosa que apresentou tinha sido parcialmente deferida, com os seguintes fundamentos: «II - Análise do Pedido (…) 3. Em sede de reclamação graciosa pretende o reclamante que lhe sejam considerados € 348.543,00 de encargos directamente relacionados com o imóvel alienado e que parte do produto da venda do imóvel art. 1286, seja considerada no reinvestimento de outro imóvel adquirido pelo montante de € 500.000 00 em 16-05-2007. 4. Estabelece para o montante de encargos que totalizam os € 348.543,33, as importâncias correspondentes a € 100.000,00 de tornas + € 200.000,00 de indemnização ao inquilino que habitava o imóvel alienado + € 4.335,85 de custos notariais + € 28.914 de SISA + € 15.203 48 de imposto sucessórios. 5. Após a abertura do procedimento de Reclamação e estando o pedido em apreciação por esta Divisão de Justiça Administrativa, tomou-se conhecimento da abertura em 2011-11-10, de ordem de serviço, pela Inspecção Tributária Departamento A com o objectivo de verificar a situação tributária do sujeito passivo relativamente aos ganhos obtidos na alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, no ano aqui reclamado (2007). Em 20-03-2012 foi solicitado por aquele departamento o processo de reclamação, tendo em conta os elementos nele constantes, não só os anexados pelo Reclamante como também os já solicitados ao Serviço de Finanças por esta Divisão no âmbito da apreciação do pedido do Sujeito Passivo e que seriam úteis ao processo de Inspecção. 6. Nesta data concluído o procedimento, e elaborado o documento de correcção tendo em conta o apuramento efectuado pela Inspecção Tributária, e devolvido o processo de reclamação a esta Divisão, verifiquei que pelas razões notificadas ao sujeito passivo naquele processo de inspecção, foi corrigida a liquidação relativamente aos valores introduzidos no anexo G – Mais Valias e outros Incrementos Patrimoniais. 7. Nas correcções efectuadas foi reflectido temporalmente as diferentes datas de aquisição do imóvel – 11….-U-…. - bem como os valores de aquisição e alienação entretanto apurado. Foi considerado o valor dos encargos pretendido pelo Reclamante, pelo montante de imposto sucessório correspondente ao Imóvel art. 1286 pago no conhecimento 252 de € 75,52 e no conhecimento 828 de € 38,53, no total de € 114,05 e foi também atendida a pretensão do Reclamante na parte respeitante ao reinvestimento do montante de € 500.000,00, no imóvel 11…-U-…. 8. Neste procedimento de reclamação o SP pretendia que fossem aceites os encargos suportados com o imóvel no montante de € 348.543,33 e o reinvestimento pelo montante de € 500.000,00. 9. Conclui-se que tendo sido apreciado no procedimento da Inspecção os documentos trazidos a este processo respeitantes às despesas que pretendia ver reflectidas na liquidação e tendo sido aceite o montante de € 114,05 [€ 75,52 (para 1989) + € 38,53 (para 1992)] de encargos com o Imposto sucessório, conforme fundamentos descritos no ponto 111.4.1 do relatório da Inspecção tributária notificado ao Reclamante com os quais se concorda, não devem ser, neste procedimento, de aceitar pelas razões invocadas outros encargos dos solicitados pelo Reclamante. 10. Verifica-se também atendida a pretensão do Reclamante na parte respeitante ao reinvestimento do montante de € 500.000,00 no imóvel 11…-U-…. 11. Da correcção resultou a liquidação 2012 5002806591, no montante de € 246.218,66 (fls 221), validamente notificada em 5-06-2012, conforme fotocópia da certidão de notificação anexa a fls. 225, efectuada pela inspecção Tributária - Departamento A. III - PROPOSTA DE DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, deve a presente Reclamação ser deferida parcialmente na parte do pedido respeitante ao valor de encargos no montante de € 114,05 cujos efeitos já se encontram reflectidos na nova liquidação e arquivar o pedido relativamente ao reinvestimento, por também já se encontrar atendido e reflectido na liquidação resultante das correcções efectuadas no âmbito do procedimento de inspecção. (…) V - DECISÃO Deste modo e decorrido o prazo acima referido, sem que a reclamante tenha exercido o seu direito e tendo presente os factos e fundamentos invocados no projecto de decisão constante a fls. 226 a 228 e acima descritos, propõe-se que o mesmo se convole em definitivo, no sentido o deferimento parcial do pedido de acordo com os fundamentos anteriormente descritos.» (…)» (provado por documento, de fls. 231 a 236 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos); s) Em 09-11-2012, deu entrada, na Direção de Finanças de Lisboa, de recurso hierárquico apresentado pelo Impugnante contra a decisão de reclamação graciosa, no qual, a final, formula o seguinte pedido: «a decisão padece de ilegalidade por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto na determinação da matéria coletável, quando não considera aplicável à indemnização paga aos inquilinos para abandonar o imóvel em causa como encargos a acrescer ao valor de aquisição, de conformidade com o art.º 51º do CIRS, pelo que deve ser revogada, ordenando-se a anulação da liquidação adicional de IRS de 2007 nessa parte» (provado por documento, de fls. 2 a 6 do procedimento de recurso hierárquico, apenso aos autos); t) Através do ofício n.º 075156, de 25-10-2013, o Impugnante foi notificado de que o recurso hierárquico tinha sido indeferido, por despacho de 12-07-2013 da Subdiretora-Geral, por subdelegação de competências, com os seguintes fundamentos: «[…] APRECIAÇÃO DO RECURSO […] 3 - Analisado o recurso hierárquico verifica-se que o que está em causa é a indemnização paga aos inquilinos para desocuparem o imóvel (melhor identificado nos autos) ser considerada despesas e encargos para efeitos do disposto no artigo 51º do Código do IRS. 4 - Sobre este assunto (possibilidade de indemnização a inquilino ser considerado despesas e encargos nos termos do disposto no artigo 51° do Código do IRS) foi emitida pelos serviços uma informação vinculativa, cujo teor é o seguinte: Processo: 2483/2004 FICHA DOUTRINÁRIA Dioloma: CIRS - Artigo: 51° - alínea a) Assunto: Indemnização paga a inquilino, Mais-valias - Despesas e Encargos, determinação do rendimento líquido da categoria. Processo: 2483/2004, com despacho concordante da Senhora Directora de Serviços de 2005-03-04 Conteúdo: Nos temos do artigo 51º do Código do IRS (CIRS), para a determinação das maisvalias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 5 anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticas, inerentes à aquisição e alienação de direitos reais sobre bens imóveis. Os encargos dizem respeito à valorização do próprio bem imóvel, isto é, são as despesas que, por natureza, trazem ao imóvel um valor adicional, como por exemplo as obras de beneficiação. O pagamento de uma indemnização ao inquilino, possibilita que se disponha do imóvel mas não faz aumentar o seu valor intrínseco, embora o valor de mercado possa vir a ser superior. A Administração Fiscal tem vindo a considerar, como despesas necessárias e inerentes à aquisição e alienação, o Imposto Municipal sobre Transmissões e os encargos notariais e de registo predial, por, sem elas, a operação não se poder vir a realizar. Este assunto foi analisado pela Direcção de Serviços Jurídicos e do Contencioso nas Informações n/s 173/0304 e 8/04, sobre as quais foi exarado o despacho do Exmº Senhor Director-Geral de 2003-11-03 e 2004-03-04, respectivamente, no sentido de que, os encargos com o processo judicial de despejo de ocupantes de um imóvel não são dedutíveis na determinação do rendimento colectável (mais-valias) em IRS a título de despesas necessárias inerentes à aquisição e alienação, bem, como não o são, a título de encargos com a valorização nos atermos do artigo 51º do CIRS. 5 – Saliente-se que, nos termos do previsto no n.º 1 do art.º 68.º-A da LGT, a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias. 6 – Ora, sendo esse o entendimento da Autoridade Tributária e tendo sido a reclamação graciosa (bem como o procedimento de inspeção externa) decidida nesse mesmo sentido, nada se poderá apontar à atuação da entidade decisora. 7 - É certo que o recorrente vem referir um Acórdão do STA onde, num caso semelhante, foi entendido que a indemnização ao inquilino era enquadrável no artigo 51º do Código do IRS. 8 – Refira-se, no entanto, que essa decisão judicial se aplica apenas àquele caso em concreto. 9 – Além disso, a inclusão da indemnização a inquilino no conceito de despesas e encargos traria dificuldades acrescidas de quantificação, isto é, qual o limite até ao qual a indemnização deveria ser considerada como encargo de valorização. 10 - Por exemplo, não poderá aceitar-se como encargo “indemnizações” fixadas por acordo entre as partes (como é o caso na situação objeto do presente recurso hierárquico) para pôr fim ao contrato de arrendamento. Seria abrir a porta a conluios que favoreceriam a fraude. […]» (provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial).» **** «Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.» **** «A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário apenso, conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada.» ***** A sentença recorrida julgou a presente impugnação procedente e, consequentemente, anulou parcialmente o acto de liquidação de IRS n.º 2012 5002806591 do ano de 2007 e os respectivos juros compensatórios, tendo determinado a sua substituição “por outros que relevem a indemnização de €200.000,00, paga pelo mesmo, nos termos e para os efeitos da alínea a) do art.º 51.º do Código do IRS.” Para tanto, e seguindo de perto o Acórdão do STA, proferido no proc. N.º 0587/11, de 21-03-2012, considerou que “Em síntese, esta jurisprudência reconheceu que a letra da alínea a) do art.º 51.º do Código do IRS permite uma interpretação extensiva, suscetível de compreender, como encargo com a valorização económica do bem, as despesas suportadas pelo senhorio com o intuito de alienar o bem imóvel devoluto de pessoas e bens, não parecendo ter sido outra, efetivamente, a intenção do legislador (8) - Cfr. n.os 2 e 3 do art.º 9.º do Código Civil, aplicável por remissão do n.º 1 do art.º 11.º da Lei Geral Tributária. Em reforço dessa tese, veja-se a alteração legislativa operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, de acordo com a qual a alínea a) do art.º 51.º do Código do IRS veio a ter uma nova redação, que vem aclarar este regime, ambíguo e carente de densificação interpretativa, prevendo que «[p]ara determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: (…) a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 10.º».” Concluiu a decisão recorrida, após análise dos mesmos, esterem reunidos os pressupostos legais cumulativos para aceitação do valor da indemnização a acrescer ao valor de aquisição, previsto no art. 51.º a) do CIRS, na redacção então vigente, de que i) o encargo tenha valorizado o imóvel e ii) tenha sido realizado, comprovadamente, nos últimos 5 anos. Como resulta das alegações de recurso, o requisito temporal não foi posto em causa, assim como também não foi posto em causa o efectivo aumento de valor de mercado do imóvel, que a Recorrente até parece admitir em tese (cfr. Conclusão R)). A discordância da Recorrente prende-se, isso sim, com a inclusão deste tipo de despesa no conceito de “encargo com a valorização do imóvel”. Com efeito, defende que “(…) os encargos a que a alínea a) do art.° 51.° do CIRS se refere são os encargos diretamente relacionados com a valorização do próprio bem imóvel, isto é, são as despesas que, por natureza, traduzem ao imóvel um valor adicional, como por exemplo, as obras de beneficiação” (conclusão Q)), que “O pagamento de uma indemnização ao inquilino possibilita que se disponha do imóvel em melhores condições, mas não faz aumentar o seu valor intrínseco, embora o valor de mercado possa vir a ser superior.” (R)), que “Além disso, a inclusão da indemnização a inquilino no conceito de despesas e encargos traria dificuldades acrescidas de quantificação, desconhecendo-se qual o limite da indemnização que deveria ser considerada como encargo de valorização”, que “Mais grave será nos casos, como o dos autos, em que a indemnização para pôr fim ao contrato de arrendamento foi fixada por acordo entre as partes [alínea c) dos factos dados como provados].”, “Seria abrir a porta a conluios que favoreciam a fraude” (conclusões S), T) e U)). que “A indemnização paga ao inquilino por virtude da cessação do arrendamento não tem por objeto mediata ou imediato a venda do imóvel arrendado, sendo que juridicamente (nos termos da lei civil), aquele direito pessoal de gozo não é afetado pela venda do bem.”, “Pelo que tal rescisão apenas interessa às relações entre arrendatário e senhorio.”, “Aquele direito de propriedade deixa de estar limitado por aquele direito pessoal na esfera do transmitente nada influenciando no apuramento devido das mais-valias”, “Exatamente porque o encargo incorrido não tem por escopo a valorização do bem” (conclusões FF), GG), HH), II)). Defende, por outro lado, que a alteração legislativa, operada pela Lei n.° 82-E/2014, de 31-12, à redacção da alínea a) do art.° 51.° do Código do IRS, nela tendo passado a incluir “as indemnizações comprovadamente pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens”, não tem natureza interpretativa, embora admitindo que “o legislador usou, de facto, conceitos indeterminados no art.° 51.° do CIRS, que carecem de preenchimento, causando algumas dificuldades hermenêuticas” (conclusões Z), BB) e CC)). Vejamos, pois, a questão da inclusão deste tipo de despesa no conceito lato de “encargo com a valorização do imóvel”, começando por referir que o legislador usou, de facto, conceitos indeterminados e com um amplo espectro de densificações possíveis, e que têm dado azo a diversas interpretações da doutrina e da jurisprudência, algumas contraditórias. Sobre as questões levantadas pela Recorrente, espelhando a posição de alguma doutrina de referência na matéria e enfrentando a posição contrária da AT, bem como fazendo apelo às regras da interpretação, é por demais elucidativo da questão que nos ocupa o Acórdão do STA, de 21-03-2012, proferido no proc. n.º 0587/11, citado na decisão recorrida, com o qual concordamos inteiramente, e que, por isso, aqui voltamos a transcrever nas partes mais relevantes, desde logo, no seu sumário: “I – A al. a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente.” Prossegue, depois, tal Acórdão, referindo que: “(…) .2. O ganho sujeito a IRS é, portanto, constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (al. a) do nº 4 do art. 10º), este calculado de acordo com o disposto nos arts. 46º e segts. E de acordo com a letra do transcrito art. 51º do CIRS acrescem ao valor de aquisição «Os encargos com a valorização dos bens (…), comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do nº 1 do art. 10º. Este conceito de «encargos com a valorização dos bens» encerra alguma margem de indeterminação e necessita de ser preenchido. Ora, atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Ou seja, não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor. Mas que valor? Apenas o valor físico e material do bem ou também o seu valor de alienação? Reportando ao disposto na al. a) deste art. 51º do CIRS e à eventual valorização do bem em resultado de cessação de contrato de arrendamento que o onerava, efectuada mediante acordo de cessação desse contrato e com indemnização paga ao respectivo inquilino, a AT considerou, além do mais, que «O pagamento de uma indemnização ao inquilino, possibilita que se disponha do imóvel em melhores condições, mas não faz aumentar o seu valor intrínseco, embora o valor de mercado possa vir a ser superior» (cfr. o despacho de 4/3/2004, da sra. Directora de Serviços, proferido no processo nº 2483/2004 – com cópia a fls. 23 dos autos). Pronunciando-se sobre este entendimento da AT, o Prof. Xavier de Basto (IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 460-465.) manifesta a sua resistência em aceitá-lo, considerando que, embora só as despesas que valorizem o bem estejam em causa, de entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. No entender deste autor, «Se o objectivo da norma fosse atender só às valorizações materiais ou físicas e excluir os demais encargos, tê-lo-ia dito expressamente. Bem ao invés, o uso de uma formulação aberta ¯ “encargos com a valorização dos bens” ¯ parece indiciar que se não quis restringir o alcance da norma, como pretende o citado despacho da administração fiscal. Por outro lado, a dedução de encargos ¯ através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição ¯ é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento ¯ neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação ¯ é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo.» Sobre esta matéria se pronunciara, igualmente, Manuel Faustino (em comentário ao ac. do TCAS, de 25/1/2005, no rec. nº 00297/03, por nós relatado), discordando do que refere ser uma visão exclusivamente jurídica da interpretação do conceito de valorização. Para este autor, embora seja «verdade que não se pode estabelecer uma correlação de equivalência directa entre o montante despendido na indemnização e o aumento do valor do imóvel», também não deixa de ser verdade «que, como é do senso comum, e no Acórdão se reconhece, um imóvel desocupado tem um valor de mercado superior ao um imóvel idêntico que esteja arrendado; e que o “excesso” de mais-valia gerado, na alienação deste último imóvel, é em grande parte meramente nominal, porque tem, por contrapartida, um empobrecimento patrimonial decorrente da ablação patrimonial que a indemnização representou», acrescendo «o facto de que se esta operação tivesse por actores uma empresa, ou mesmo uma pessoa individual agindo no âmbito de uma actividade empresarial, certamente se não deixaria de reconhecer a indispensabilidade do custo (indemnização) à realização do proveito». Daí que, do seu ponto de vista, pareça «mais correcta, no plano tributário, para situações como a descrita, a visão do bem, não como uma coisa em sentido meramente jurídico, mas como uma fonte de rendimento, com um aspecto económico que não pode ser desprezado. E nessa perspectiva, tudo o que possa contribuir para a valorização económica do bem, necessariamente deve ser considerado como “encargo de valorização”» sob pena de se cometer «uma injustiça», por se tributar «uma capacidade contributiva inexistente: a “capacidade contributiva” equivalente ao valor da indemnização paga que, em contrapartida, não foi considerada encargo.» (Boletim APECA nº 121, 2º trimestre de 2005, Jurisprudência Fiscal, p. 60.) 4.3. Não deixa de impressionar esta argumentação. Embora não possam esquecer-se, igualmente, as dificuldades que dela derivam. ¯ Desde logo, as apontadas pelo próprio Xavier de Basto quando salienta: «É certo que a relevância da indemnização por despejo suscita uma dificuldade e essa pode eventualmente justificar que, em certos casos, não se possa aceitar a sua relevância e acabe por só se considerar como encargos as eventuais despesas com a valorização material ou física dos prédios. Essa dificuldade é a de saber o limite da indemnização que deve ser considerada como encargo de valorização. Como é evidente, terá sempre de existir um limite, não podendo aceitar-se como encargo “indemnizações” fixadas por acordo entre as partes para pôr fim ao contrato de arrendamento. Seria abrir a porta a conluios que favoreceriam a fraude. Todavia, as indemnizações por denúncia do contrato de arrendamento que se contenham nos limites da lei geral do arrendamento, fixadas judicialmente, não levantam esse problema, sendo controlável o seu montante. É o que sucede, por exemplo, nos casos de denúncia do senhorio com fundamento em necessidade de habitação ou de construção de edificação para residência ou de denúncia de arrendamento comercial ou industrial. Não vemos razão para negar que tais indemnizações devam acrescer ao valor de aquisição e seguramente que a distinção entre “valor intrínseco” e valor de mercado, que o despacho administrativo invoca, não tem sustentação legal, nem peso argumentativo para fundamentar que os encargos se restrinjam às despesas com a valorização material ou física do imóvel.» ¯ Por outro lado, as dificuldades resultantes da dificuldade de estabelecer uma correlação de equivalência directa entre o montante despendido na indemnização e o aumento do valor do imóvel, acrescendo que se é certo que decorre do senso comum que o prédio pode, na actual conjuntura, ser vendido por maior valor se estiver desocupado, também é certo que, a ser vendido por montante inferior, por estar arrendado, também o valor de realização para efeitos de mais-valias será menor, com a consequente redução da respectiva base tributável em sede da categoria G (mais-valias), não sendo de afastar, igualmente, a hipótese (ainda que teórica) de um determinado imóvel poder estar arrendado por uma quantia elevada, constituindo, nesse caso, o montante da renda um factor valorizador da compra do imóvel e constituindo, ao invés, a cessação de tal arrendamento (com a eventual indemnização pela respectiva cessação) um factor de desvalorização do mesmo imóvel. 4.4. De todo o modo, considerando toda a argumentação exposta e, sobretudo, o facto de o rendimento a tributar como mais-valia dever ser, em princípio, um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efectivamente adquirida, devendo, por outro lado, evitar-se a dupla tributação económica (pois que a indemnização percebida pelo inquilino será incidente de IRS) e evitar-se, igualmente, uma interpretação que favoreça a fraude fiscal, aquelas dificuldades parecem não dever obstar, como aponta o MP, a que interpretando extensivamente (A possibilidade de interpretação extensiva ocorre quando «o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei ¯ Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 185.) o referido normativo (a al. a) do art. 51º do CIRS) se possa concluir (revendo-se, neste âmbito, a argumentação constante do dito ac. do TCAS, de 25/1/2005, no rec. nº 00297/03) pela subsunção deste tipo de encargo, desde que verificados os condicionalismos acima apontados, na previsão e estatuição dessa norma, sendo que embora as normas que definem os elementos essenciais dos impostos não possam ser objecto de aplicação analógica, por a tal se oporem os princípios constitucionais da tipicidade e legalidade tributária, podem ser objecto de interpretação extensiva (Cfr. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2ª ed. actualizada, Almedina, 1972, p. 208, bem como o ac. do STA, de 15/12/93, rec. n° 16105, Ap. DR, de 20/5/96, p. 4457.) e sendo que, em termos de interpretação da lei, o próprio nº 1 do art. 11º da LGT impõe que «Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.» E porque na interpretação de factispecies em que se inserem conceitos indeterminados se deve atender à “ratio” específica de determinado imposto e à lógica material que deve ser encontrada nas exclusões e restrições de tributação, com o casuísmo legislativo a servir de guia para a definição dessa lógica material nos casos em que se não pode afirmar previamente se um certo quid se encontra ou não excluído, (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra Editora, 2007, § Interpretação e aplicação das normas fiscais, p. 140.) complementando, se for caso, com uma interpretação que atenda ao sentido e ao fim da norma a interpretar (interpretação teleológica) e, em última instância, com uma interpretação conforme à Constituição, (Saldanha Sanches, Ibidem, pp. 146 a 152. Sobre a interpretação das normas fiscais cfr. ainda, Leite de Campos, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, 17 a 33.) no caso, parece ser de aceitar tal interpretação no sentido de que a referida al. a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas, abrangendo ainda os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente. Sem prejuízo, obviamente, do poder de fiscalização cometido à AT para proceder às correcções legais que se impuserem, e do recurso à tutela jurisdicional por parte do contribuinte. (…)” (realce nosso). Concordando inteiramente com a jurisprudência citada e, consequentemente, com a decisão recorrida, também este Tribunal entende que se compreende na letra da alínea a) do art. 51.º do Código do IRS, na redacção anterior à da Lei do OE para 2015, como encargo com a valorização económica do bem, as despesas suportadas pelo senhorio com o intuito de alienar o bem imóvel devoluto de pessoas e bens. E, por isso, a decisão recorrida não merece qualquer censura quando concluiu “que a indemnização paga pelo Impugnante a J... P... constituiu um verdadeiro encargo, nos termos e para os efeitos da alínea a) do art.º 51.º do Código do IRS. E que esta é a solução que, no caso em apreço, melhor se enquadra na teleologia daquela norma e que mais faz sentido no IRS, que adotou o conceito de rendimento-acréscimo. Ora, o montante pago a título de indemnização acresce ao valor de aquisição do imóvel, mas permite também que a mais-valia tributada em sede de IRS apresente um valor superior decorrente do aumento do valor de realização, uma vez que, conforme referido, um imóvel desocupado e não onerado será vendido no mercado por um preço superior ao de um prédio ocupado por um arrendatário. Como referido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, acima transcrito, é esta a solução que decorre também do princípio da tributação do rendimento real, que resulta diretamente do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa. Ou seja, para que, em sede de IRS, seja tributado o rendimento realmente auferido pelos contribuintes, haverá que ser permitida a dedução dos encargos efetivamente suportados e que contribuíram para a origem desse mesmo rendimento, como é o caso do pagamento da indemnização que aqui é considerada, uma vez que a mesma permitiu que o Impugnante procedesse à venda do imóvel aqui em causa ou que, pelo menos, permitiu que essa venda se realizasse por um valor superior ao que seria atingido caso o bem se mantivesse onerado.” Tanto vale para concluir que a sentença que assim decidiu não incorre em erro de julgamento e deve ser confirmada – o que abaixo, no segmento decisório, se determinará – ficando prejudicado o conhecimento da restante questão suscitada no recurso, por manifesta desnecessidade. III. DECISÃO Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em confirmando a decisão recorrida, negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente (art. 527.º do CPC).
Lisboa, 24 de Abril de 2024
------------------------------- [Tânia Meireles da Cunha] -------------------------------- [Isabel Ferreira da Silva] |