Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:321/20.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/20/2025
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:IRC
CORREÇÕES TÉCNICAS
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA MATÉRIA COLETÁVEL
PRESUNÇÕES
Sumário:I- No âmbito das correcções técnicas ou meramente aritméticas, não são admissíveis juízos indiciários ou presuntivos.
II- A mera identificação de anotações em “folhas de caixa” da contabilidade de um cliente do sujeito passivo, que não encontram correspondência nos rendimentos contabilizados e/ou declarados por este, podendo ser indício de que há omissão de rendimentos, não permite, per se, caraterizar as mesmas como rendimentos.

III- A identificação de fluxos financeiros, com origem num cliente do sujeito passivo, efectuada com base em documentos (cheques e talões de depósito) que integram a contabilidade daquele, é apta a demonstrar, de forma directa e inequívoca, que os fluxos financeiros em causa respeitam a rendimentos da Recorrente.

Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Tribunal Central Administrativo Sul
Secção de Contencioso Tributário – Subsecção Comum


Página 38 de 39
Tribunal Central Administrativo Sul
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Acordam na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

I………, Lda., doravante Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 29/06/2021, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial intentada contra as liquidações adicionais de IRC n.ºs ........78 e ........79, relativas aos exercícios de 2011 e 2012, respectivamente, e as correspondentes liquidações de juros compensatórios, no montante global de 1.125.881,02 €.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

I. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Mm.º Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 29.06.2021, a qual julgou improcedente a Impugnação judicial interposta contra as liquidações adicionais de IRC (n.ºs ........78 e ........79), relativas aos exercícios de 2011 e 2012, respetivamente, no montante total de €1.125.881 ,02.

II. Não pode a Recorrente conformar-se com a douta sentença, aqui recorrida, porquanto, e salvo o devido respeito, incorreu o Tribunal a "quo" em erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado que a realidade fáctica e documentação carreada aos autos pela AT, demonstra de forma precisa e inequívoca a existência de vendas omitidas e dos respetivos montantes envolvidos, o que permitiria à AT o recurso à avaliação direta da matéria coletável e a consequente correção no apuramento do lucro tributável.

III. No exercício de 2011, as correções efetuadas ao lucro tributário pela AT tiveram como base as "folhas de caixa" da Sociedade T........ — (entidade que alegadamente mantinha relações comerciais com a Impugnante) —, nas quais eram anotados os pagamentos efetuados em numerário à Recorrente.

IV. A AT partindo da contabilidade da Impugnante e analisando as ditas "folhas de caixa" identificou valores que não estavam refletidos na contabilidade da Recorrente e computou a diferença apurada, daí extraindo, sem mais, a conclusão de que tal montante corresponderia a vendas omitidas.

V. A AT não prova se tais pagamentos em numerário foram efetuados à Impugnante nem qual o destino dado aos mesmos, nem tampouco se aqueles se referiam em concreto a vendas de bens (in casu, metais preciosos).

VI. Não demonstra a AT, de forma inequívoca e precisa, a natureza daqueles pagamentos, os quais podiam naturalmente, corresponder a créditos da Impugnante relativos a exercícios anteriores e pagos neste ou, até, a adiantamentos.

VII. A AT partiu de um facto conhecido objetivo (a saber, a identificação de discrepâncias entre os rendimentos inscritos na contabilidade da Impugnante e as meras anotações nas aludidas "folhas de caixa") para firmar um facto desconhecido (ou seja, o de que a diferença apurada corresponde a rendimentos auferidos), sem que haja qualquer elemento factual adicional que permita sustentar esta conclusão.

VIII. A determinação da matéria coletável da Impugnante não pode ser feita com base em valores que de alguma forma se relacionem com a sua atividade, mas sim, com base em valores que, efetivamente, constituam o seu rendimento tributável.

IX. Quanto ao exercício de 2012, a AT começa por referir que foram registadas oito faturas emitidas pela Impugnante, no montante global de €197.519,53, (identificadas no acervo documental apreendido na TESOUROS PERDIDO), não reconhecidas na contabilidade da Recorrente, tendo sido identificada na contabilidade da T........ a emissão de doze cheques registados como sendo destinados a dar de pagamento à Impugnante, no valor global de €274.377,00 (Quadro XI do RIT), concluindo, sem mais, que tais valores (€197.519,53 e €274.377,00), corresponderiam a rendimentos da Impugnante, não dando a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido para alcançar tal ilação.

X. Atendendo às mais elementares regras da experiência comum, da ciência e da técnica, a obtenção ou, até, presunção de um rendimento, nunca pode ser o resultado do somatório dos valores indicados em documentos que titulam as operações com os montantes constantes dos documentos que titulam o pagamento dessas mesmas operações, como é, precisamente o caso das aludidas faturas e cheques, que respeitam ao mesmo período, ora somados pela AT.

XI. No limite, sempre teria a AT de deduzir aos valores dos cheques (€274.377,00) os montantes das faturas (€197.519,53), que aqueles se destinaram a pagar, ou seja, o valor de base dos rendimentos (a serem rendimentos) corresponderia, única e exclusivamente, ao somatório dos montantes indicados nos meios de pagamento (os ditos cheques), pois, nunca se poderia acrescer as importâncias mencionadas nas ditas faturas, de que aqueles constituem pagamento.

XII. Afirma, ainda a AT, no RITI que identificou outros cento e quarenta e quatro cheques no valor global de €2.736.199,00 (Anexo VIII do RIT) "que se encontravam registados na contabilidade da T........ na conta "caixa", sendo o beneficiário destes a I........, todos eles pagos ao balcão a funcionários da I........ e ao sócio e gerente desta, tendo muitas das cópias de tais cheques uma menção manuscrita aludida a J........ "E......." (numa alusão à localização física da sua principal loja)", o que corresponderia, mais uma vez, a vendas omitidas.

XIII. Novamente, recorre a AT a indícios e presunções, pois, não logra provar que o beneficiário destes cheques foi a Impugnante, na medida em que nenhum deles se encontra à ordem da mesma, nem tampouco demonstra como é que os mesmos foram apresentados a pagamento.

XIV. Simplesmente, parte do pressuposto que os cheques registados na contabilidade da T........, numa conta que nem era a dos fornecedores, pagos ao balcão a diversas pessoas (desconhecendo-se totalmente o destino dado aos mesmos) e com uma menção que poderá ser apenas uma alusão à pessoa do J....... (e não necessariamente à sua loja ou à sua qualidade de sócio e gerente da Impugnante), correspondem a vendas omitidas e, por isso a rendimentos não declarados à AT.

XV. Além de que catorze desses cheques (que ascendem a um valor superior a €215.000,00) foram emitidos (e não sacados como refere a AT) por uma sociedade que gira sobre a firma "C........, LDA.", que nem sequer tem qualquer tipo de relação comercial com a Impugnante, não sendo sua cliente mas sim da Sociedade T.........

XVI. Não logrando a AT carrear para os autos elementos objetivos e incontroversos que permitam extrair que tais cheques correspondem a vendas omitidas e consequentemente a rendimentos da Impugnante não declarados, apenas presume que possam ser, por considerar (sem nunca provar) que aquela Sociedade agia sob instruções de M........, gerente da T........, por ser seu cliente.

XVII. Inexiste, novamente, qualquer elemento factual adicional que sela decisivo. preciso e inequívoco, que permita concluir que tais valores indicados nos ditos cento e quarenta e quatro cheques se refiram a vendas da Impugnante, a AT não caracteriza nem quantifica com certeza os bens inerentes a tais fluxos financeiros, nem tampouco se pode afirmar com infalibilidade que todas essas importâncias seriam rendimentos da Impugnante.

XVIII. Decorre, ainda, do RIT que foram encontrados na contabilidade da T........ cópia de talões de depósitos em numerário, no montante global de €325.000,00, tendo este valor sido depositado em duas contas tituladas pela Recorrente.

XIX. No entanto, conforme entende a esmagadora maioria da jurisprudência, "a mera identificação de fluxos financeiros que não encontram correspondência nos rendimentos contabilizados ou declarados, podendo ser indícios de que há uma omissão de rendimentos, não permite, per se, caraterizar os mesmos como rendimentos", para além de que tal valor nem sequer foi objeto de qualquer registo na contabilidade da Sociedade T.........

XX. Refere, ainda, a AT, no RIT, que "da análise às contas bancárias tituladas pela I........ e por J........ foram identificados depósitos em numerário, no montante de €77.000,00 cuja proveniência é associada à T........, na exata medida em que os respetivos talões de depósito contêm as assinaturas de C........ e do próprio M........", tendo €5.000,00 desses €77.000,00 sido depositados numa conta titulada por J....... e o restante em duas contas tituladas pela Recorrente.

XXI. Estamos mais uma vez perante simples fluxos financeiros, intervenientes que nem sequer têm relações comerciais com a Impugnante (C........) e valores depositados em contas pessoais (de J.......), pelo que não se compreende como pode a AT afirmar, sem mais, que tais montantes correspondem a rendimentos da Recorrente não contabilizados.

XXII. Também no exercício de 2012, a AT partiu de um facto conhecido objetivo (discrepâncias entre os rendimentos inscritos na contabilidade da Impugnante, na contabilidade da Sociedade T........ e os fluxos financeiros) para firmar um facto desconhecido (ou sela, o de que a diferença apurada corresponde a rendimentos auferidos), sem lograr carrear para os autos qualquer elemento factual adicional efetivo que permitisse sustentar tal conclusão.

XXIII. Toda a fundamentação apresentada pela AT no RIT é, per se, elucidativa de que a Fazenda Pública recorreu a indícios e presunções, quer para concluir pela omissão de proveitos, quer para quantificar o valor dos mesmos.

XXIV. O que fez de forma não assumida — uma vez que a AT apelidou as correções por si efetuadas de meramente aritméticas ou técnicas - para obviar à observância dos procedimentos atinentes à determinação da matéria coletável por métodos indiretos. conforme expressamente previsto nos artigos 85.º, 87.º e 90.º da Lei Geral Tributária ("LGT").

XXV. Foram aplicados apenas de forma aparente "métodos diretos", uma vez que se partiu de presunções, o que se consubstancia como metodologia inerente a métodos indiretos, mas de forma a não respeitar o procedimento coletável.

XXVI. Não tendo a AT seguido o procedimento nos termos exigidos (obtendo informação que permitisse, partindo de indícios, chegar a uma certeza ou, não a obtendo, encetando o procedimento de aplicação de métodos indiretos), feriu de ilegalidade os atos tributários dali resultantes.

XXVII. Em boa verdade, a AT efetuou correções à matéria coletável, de uma forma discricionária e, sem qualquer fundamento legal, não se encontrando legitimada para proceder a tais correções, porquanto, não são subsumíveis no quadro legal, quer da avaliação direta, quer da avaliação indireta.

XXVIII. Para a AT corrigir e alterar, legalmente, os valores declarados com recurso a métodos indiretos, sempre teria de fundamentar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável (Cfr. artigo 77º nº 4, 87º nº 1, al. b), artigo 88.º , al. a), ambos da LGT) tendo em conta os elementos previstos no n.º 1, do artigo 90º da LGT — margens médias do lucro liquido sobre as vendas; as taxas médias de rentabilidade de capital investido... — utilizando, assim critérios técnicos adequados pela sua natureza ao apuramento da matéria coletável, para a aproximar o mais possível do rendimentos real — e, permitir o pedido de revisão por parte da Recorrente, que é um direito fundamental do contribuinte (Cfr. nº 4, do artigo 268º da CRP).

XXIX. É cristalino, que a AT não se limitou a efetuar correções técnicas ("são as correções que a AT faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação direta, como a correção concretizada, por exemplo, na não consideração de determinadas verbas como custos fiscais assim qualificadas na declaração de rendimentos"), nem aritméticas ("têm lugar quando a administração tributária se limita a corrigir erros de cálculo das declarações liquidações"), nem tampouco cumpriu os critérios exigidos legalmente para a aplicação da metodologia indireta, fazendo, sim, correções de forma discricionária e sem qualquer fundamento legal o que fere de ilegalidade os atos tributários daqui resultantes.

XXX. Por outro lado, a AT determina o lucro tributável considerando apenas os alegados proveitos não declarados, sem atender aos efetivos custos que a mesma teve com a aquisição dos bens, em desrespeito do n.º 1, do artigo 17º do Código do CIRC.

XXXI. A AT calcula o lucro tributário com base, única e exclusivamente, nos alegados "proveitos" de exercício, sem atender a quaisquer custos necessários e suportados pela Recorrente no âmbito da sua atividade, determinando assim um rendimento fictício e ilegalmente presumido, em violação do princípio constitucionalmente consagrado no artigo 104.º, n.º 2. da CRP.

XXXII. É manifestamente contraditório por parte da AT alegar que a Recorrente efetuou vendas omitidas no valor de €215.500 00 e €3.315.719 80 (referentes ao exercício de 201 1 e 2012, respetivamente) e, simultaneamente considerar que a esta não suportou quaisquer custos para a realização das mesmas, presumindo que a aquisição do produto de venda (metais preciosos) é feita a custo zero.

XXXIII. Mais uma vez, a AT se socorre a juízos ilegalmente presuntivos, sem, contudo, lançar mão do procedimento de avaliação adequado para o efeito, tributando um rendimento ficcionado e, violando os princípios da determinação do rendimento real e da legalidade.

XXXIV. É certo que a tributação pelo rendimento real não é um valor absoluto, mas, mesmo no recurso a métodos indiretos, o regime instituído foi sensível à necessidade de aproximar a matéria coletável assim obtida àquela que resultaria da tributação direta, tendo para o efeito operado uma fixação taxativa dos pressupostos da sua utilização e, estabelecendo um princípio orientador, quanto à sua utilização, de critérios para o apuramento do quantum.

XXXV. Decorre do artigo 90.º nº 1, da LCT, que todos os critérios utilizados para o apuramento da matéria coletável, têm a intrínseca preocupação de aproximar os respetivos valores, daquilo que seria o rendimento real do contribuinte, daí, o recurso a indicadores económicos do setor da atividade de cada empresa — margens de lucro ou rentabilidade — ou outros, que permitam tanto quanto possível determinar, o que num quadro de justiça tributária, seria o imposto devido pelo contribuinte.

XXXVI. Face a todo o exposto, conclui-se que, in casu, a AT, mais não fez do que determinar a matéria coletável da Recorrente de uma forma discricionária e sem fundamento legal, não cumprindo quaisquer dispositivos legais impostos e aos quais se fez expressa referência, o que determina a ilegalidade das correções subjacentes aos atos de liquidação aqui em crise, inquinando, assim, os mesmos de ilegalidade, por vício de lei, os quais deverão ser afastados da ordem jurídica.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, anulando-se as liquidações adicionais de IRC (n.º ........78 e ……..79) e liquidação de juros compensatórios referentes aos exercícios de 2011 e 2012, respetivamente, assim fazendo V. Exas. a costumada

Justiça”

Regularmente notificada do presente recurso, a Recorrida não apresentou contra-alegações.


***

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

A questão a apreciar consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, ao ter considerado que os elementos apurados pela AT legitimavam as correcções técnicas efectuadas à matéria tributável e que estiveram na origem das liquidações adicionais de IRC impugnadas.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) A Impugnante foi sujeita a uma inspecção que teve início em 4/12/2018 e abrangeu o IRC e o IVA dos anos de 2011 e 2012, na qual, após a Impugnante se pronunciar sobre o projecto de relatório da inspecção, foi-lhe comunicado o relatório final da inspecção tributária e respectivos anexos (RIT), no qual se pode ler (conforme o RIT no PAT apenso aos autos e junto como doc. 2 da PI, e respectivos anexos, tudo aqui dado por reproduzido):

«II - OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

II.1 - CREDENCIAL E PERÍODO EM QUE DECORREU A AÇÃO

A presente ação externa de inspeção foi credenciada pelas ordens de serviço 01201804725 e 01201804726, ambas da Direção de Finanças do Porto e datadas de 2018-10-25, nos termos do artigo 46.º do RCPITA.

Tendo a I........ sede na área geográfica da Direção de Finanças de Lisboa, a Direção de Finanças do Porto solicitou a extensão da competência territorial, nos termos do artigo 17.º do RCPITA. A Direção de Finanças de Lisboa autorizou a extensão territorial solicitada.

Foram enviadas as cartas aviso, nos termos do disposto na alínea I) do n.º 3 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 49.º do RCPITA, por cartas registadas em 2018-11-22, através dos ofícios n.º 2018S000261643 e 2018S000261645.

Em 2018-12-03 foi enviada a notificação do início da ação inspetiva através do ofício n.º 2018S000271090, por carta registada com aviso de receção. Essa notificação foi recebida pela I........ em 2018-12-04, data em que se consideram iniciados os atos de inspeção.

II.2 - MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL

Motivo: A I........ foi investigada no âmbito do processo de inquérito 130/12.6TELSB, que correu termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), por suspeitas da prática de crime de fraude fiscal. Em maio de 2016 foi proferido o respetivo despacho final de acusação, tendo sido comprovado que nos anos de 2011 e 2012 a I........ obteve vantagem patrimonial indevida. Na sequência foram emitidas as presentes credenciais a fim de serem apurados os factos tributários e as correções que se mostrem devidas.

Âmbito: Ação externa de âmbito parcial (IRC e IVA), conforme a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPITA

Incidência Temporal: Anos 2011 (01201804725) e 2012 (01201804726).

II.3 - OUTRAS SITUAÇÕES

II.3.1 - Registo comercial

De acordo com a certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial, a I........ foi constituída em 2008-04-18, com sede na Rua Prof. Hernâni Cidade, n.º…., …..º D, em Lisboa, e com o objeto social de produção e comercialização de artigos de ourivesaria, artesanato, vestuário, calçado e acessórios de moda, representação e promoção de marcas, venda por comissão, publicidade e prestação de serviços nas referidas áreas.

Foi constituída com o capital social de €5.000,00 com uma única quota pertença de J........, NIF 20………, tendo este sido designado como gerente.

Em 2012-07-06 foi aumentado o capital social para €25.000,00, pertença do mesmo sócio, e alterada a sede para a Rua Marquês de Fronteira, n.º ….. D, em Lisboa. Em 2015-07-30, J........ transmitiu a sua quota para C........, NIF 20……….

II.3.2 - Registo e enquadramento fiscal

A I........ iniciou a atividade em 2008-04-24, tendo como atividade principal o "comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia” (CAE 47770) e como atividade secundária o “comércio por grosso de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia” (CAE 46480).

Encontra-se enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação, e em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral. Em seu nome, nas bases de dados da AT constam as seguintes relações intersujeito passivo:


“(texto integral no original; imagem)”

II.3.3 - Cumprimento das obrigações declarativas

No que concerne aos anos de 2011 e 2012, a I........ apresentou as competentes declarações periódicas de IVA, a declaração de rendimentos modelo 22 de IRC e a declaração anual de informação contabilística e fiscal. Dessas declarações extraiu-se o seguinte:

Das declarações de Informação Empresarial Simplificada (IES), extrai-se que a I........ não relacionou qualquer cliente a quem tenha efetuado vendas de valor igual ou superior a €25.000,00.

[…]

II.3.4 - instalações e funcionários

Nos anos de 2011 e 2012, a I........ manteve em funcionamento cinco estabelecimentos comerciais com a designação comercial de “J........” (duas lojas no Centro Comercial de Loures, uma aberta em dezembro de 2011 e a outra em outubro de 2010; uma loja no Centro Comercial Continente da Amadora, aberta em agosto de 2012; uma loja na Rua Luciano Cordeiro, …., em Lisboa, aberta em outubro de 2011; e uma loja na Rua Marquês da Fronteira, ….., em Lisboa, junto à superfície comercial “E.......”, onde funcionava a sua sede), tendo pago rendimentos do trabalho dependente, no ano de 2011, a quinze pessoas, no valor anual bruto de €34.750,93, e no ano de 2012, a vinte e nove, no valor anual bruto de €113.569,45.

II.3.5 - Processo de inquérito 130/12.6TELSB

Atendendo a que os elementos considerados relevantes para efeitos de apuramento da situação tributária da I........ foram apreendidos no âmbito do processo de inquérito n.º 130/12.6TELSB, através do ofício n.º 2018S000261656 este Serviço de Inspeção solicitou ao Tribunal Judicial de Matosinhos - Juízo Central Criminal de Vila do Conde - Juiz 4, autorização para a consulta e análise, bem como a extração de fotocópias, desses elementos. A autorização solicitada foi concedida, tendo este serviço de Inspeção procedido àquelas diligências nas instalações daquele Tribunal.

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1 - OMISSÃO DE VENDAS

A I........ foi investigada no âmbito do processo de inquérito 130/12.6TELSB, que correu termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) por suspeitas da prática de crime de fraude fiscal, conjuntamente com outras empresas, entre as quais a T........ Lda., NIF: 50........, doravante T........, com sede na Rua da Arroteia n.º……, em S. Mamede de Infesta, no concelho de Matosinhos.

Concretamente no que concerne aos anos de 2011 e 2012, a investigação em sede de processo de inquérito logrou apurar que as relações comerciais entre a I........, representada por J........, e a T........, representada por M........, foram frequentes e intensas, tendo o valor destas extravasado amplamente os valores declarados pela I........ à Administração Fiscal.

III.1.1 - ANO DE 2011

No ano de 2011 a I........ reconheceu na sua contabilidade vendas para a T........, no montante total de €85.173,00, valor sustentado em três vendas a dinheiro (VD), referentes a artigos, peças ou cascalho de ouro para reciclar, sem liquidação de IVA [Registados na conta “71217 - ISENTOS”. Documentos internos n.ºs 206001, 209001 e 212001; VD249 de 2011-06-22, VD 282 de 2011-09-29 e VD300 de 2011-12-16, respetivamente. Junta-se ao presente Relatório cópia desses documentos (ANEXO II)].

[…]

Contudo, a análise do acervo documental, principalmente o relativo à informação financeira, permitiu concluir que os pagamentos ordenados pela T........ que beneficiaram a I........ totalizaram um montante muito superior à faturação emitida por esta para a T.........

Ora, veja-se:

III.1.1.1 Valores identificados no acervo documental apreendido na T........ A loja de Lisboa da T........ possuía “folhas de caixa” nas quais eram anotados os pagamentos efetuados em numerário à I........, ascendendo esses pagamentos ao valor global de €86.500,00.

Assim sendo, ao resultado fiscal declarado [Declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC n.º 3344-C4126-16, apresentada em 2012-05-29] pela I........ à Administração Fiscal acresce- se o valor de vendas omitidas, resultando um lucro tributável corrigido de € 232.109,68, conforme se demonstra no quadro seguinte:

No ano de 2012 a I........ reconheceu na sua contabilidade vendas para a T........, no montante total de €97.556,20, valor sustentado em sete vendas a dinheiro (VD), referentes a peças de ouro usado, com o regime de IVA "bens em 2 a mão” [Registados na conta “71217 - ISENTOS". Documentos internos n.ºs 202001, 203001, 204004; VD 330 de 2012- 01-29 no valor de €7.450,00, VD 320 de 2012-02-15 no valor de €11.200,00, VD 334 de 2012-03-07 no valor de €6.206,20, VD 337 de 2012-03-09 no valor de €10.000,00, VD 356 de 2012-03-30 no valor de €19.700,00, VD 366 de 2012-04-18 no valor de €31.000,00, VD 381 de 2012-04-26 no valor de €12.000,00. Junta-se ao presente Relatório cópia desses documentos (ANEXO V)].

Contudo, a análise do acervo documental apreendido permitiu concluir o seguinte:

- Para além das referidas vendas a dinheiro registadas na conta 71217, a I........ emitiu faturas para a T........ que não registou na sua contabilidade nem declarou à Administração Fiscal;

- Tal como no ano de 2011, os pagamentos ordenados pela T........ que beneficiaram a I........, totalizaram um montante muito superior à faturação emitida por esta para a T.........

Ora, veja-se:

III.1.2.1 Valores Identificados no acervo documental apreendido na T........ Na contabilidade da T........ foram registadas oito faturas (FT) emitidas pela I........, no montante global de €197.519,53, que a I........ não reconheceu na sua contabilidade e omitiu nas suas declarações fiscais. No quadro seguinte discriminam-se essas faturas:

Por outro lado, na contabilidade da T........ foi identificada a emissão de doze cheques registados como sendo destinados a dar pagamento à I........, no valor global de €274.377,00, todos eles, sem exceção, pagos ao balcão a funcionárias da I........ (R........, T........ e P........), bem como ao próprio J........ [Junta-se ao presente Relatório cópia desses cheques (ANEXO VII)].


“(texto integral no original; imagem)”

Foram igualmente identificados outros cento e quarenta e quatro cheques, no valor global de €2.736.199,00, que se encontravam registados na contabilidade da T........ na conta "caixa”, ou seja, do ponto de vista contabilístico não estavam registados numa conta de um fornecedor em concreto, sendo o beneficiário destes a I......... Muitas das cópias destes cheques que se encontravam na contabilidade da T........ tinham uma menção manuscrita aludindo a J........ ou “E......." (numa alusão à localização física da sua principal loja), e todos eles, sem exceção, foram pagos ao balcão a funcionárias da I........ (A........, S........, R........, L........, A.R........., D........., P........, S.R........, A.L........, H........, C.S......... ou J.P.........) e ao próprio J........ [Junta-se ao presente Relatório cópia desses cheques (ANEXO VIII)].

Refira-se ainda que destes cheques, catorze, foram sacados de conta titulada pela empresa C........, Lda., o que é demonstrativo do facto de C........, apesar de a sua empresa ser cliente da T........, agir sob instruções de M........ [Cf. cheques n.º 0870466040, 087466137, 5370498826, 5370499505, 5370499311, 5370500378, 5370528605, 5370528120, 5370530642, 5370530254, 5370530448, 5370532194, 5370532873 e 5370533843].

Foram ainda encontrados na contabilidade da T........ cópia de talões de depósitos em numerário, no montante global de €325.700,00. Destaque-se o facto de grande parte dessas cópias, pese embora se encontrasse arquivada em pastas de documentos de suporte da contabilidade da T........, não ter sido objeto de qualquer registo contabilístico. Desses €325.700,00, €249.700,00 foram depositados na conta titulada pela I........ sediada no B.........(conta 991049472117) e €76.000,00 foram depositados na conta titulada por essa mesma empresa na C......... (conta 057700417530030) [Junta-se ao presente Relatório cópia desses documentos (ANEXO IX)].


“(texto integral no original; imagem)”

Em resumo, da evidência documental analisada na esfera da T........, entre depósitos em numerário e cheques emitidos pagos ao balcão a funcionárias da I........ ou ao próprio J........, foram identificados no ano de 2012 pagamentos no montante global de €3.336.276,00, subdivididos em cheques (€3.010.576,00) e depósitos em numerário (€325.700,00).

III.1.2.2 Valores identificados através da análise às contas bancárias tituladas pela I........

Da análise às contas bancárias tituladas pela I........ e por J........, para além dos movimentos atrás referidos, foram igualmente identificados depósitos em numerário, no montante de €77.000,00 cuja proveniência é associada à T........, na exata medida em que os respetivos talões de depósito contêm as assinaturas de C........ e do próprio M.........

Desses depósitos, €57.000,00 foram depositados na já identificada conta titulada pela I........ no M.........l, €15.000,00 foram depositados na conta, também já identificada, que a mesma empresa titula na C......... e €5.000,00 depositados na conta titulada por J........ no M......... (conta 45360010770) [Junta-se ao presente Relatório cópia desses documentos (ANEXO X)].


“(texto integral no original; imagem)”

De referir ainda que nessas contas bancárias tituladas pela I........, os montantes mais significativos registados a débito (saídas da conta bancária) referem-se a cheques pagos ao balcão a J........ ou levantamentos em numerário, não sendo dessa forma possível identificar o destino dado ao mesmo.

Em suma, no que concerne ao ano de 2012, os movimentos financeiros identificados na esfera da T........ (III.1.2.1) e nas contas bancárias tituladas pela I........ (III.1.2.2), no montante global de €3.413.276,00, foram ordenados pela T........ e beneficiaram a I........, na sequência da venda de metais preciosos que a I........ efetuou à T......... Ora, parte dessas vendas, no montante de €3.315.719,80, não foi reconhecida contabilisticamente pela I........ e foi omitida por esta nas declarações fiscais infringindo o artigo 17.º do Código do IRC, conforme se apresenta no quadro seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”

Assim sendo, ao resultado fiscal declarado [declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC n.º ……..-13, apresentada em 2013-05-28] pela I........ à Administração Fiscal acresce-se o valor de vendas omitidas, resultando um lucro tributável corrigido de €3.195.841,06, conforme se demonstra no quadro seguinte:

IV - MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

Não aplicável.

[…]

VI - REGULARIZAÇÕES EFETUADAS PELO SUJEITO PASSIVO NO DECURSO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

Não aplicável.

[…]

VII - INFRAÇÕES VERIFICADAS

Os factos descritos comprovam que estamos perante uma fraude que consubstancia o crime de fraude fiscal, uma vez que permitiram à I........, a obtenção de vantagens patrimoniais indevidas pela via da diminuição da matéria coletável de IRC. Contudo, não se procede ao levantamento do auto de notícia em virtude de existir processo de inquérito por fraude fiscal, concretamente NUIPC 130/12.6TELSB, de que já foi dado despacho final de acusação no qual a I........ e o seu representante são acusados de fraude fiscal, referente aos anos de 2011 e 2012, prevista e punível nos termos do disposto nos artigos 103.º e 104.º do Regime Geral das Infrações Tributarias (RGIT), aprovado pela Lei 15/2001, de 05 de junho.

VIII - OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES

Foram elaborados os competentes "Documento de Correção Único” (DCU) com as correções propostas.

As notas de diligência previstas no artigo 61.º do RCPITA (conclusão dos atos de inspeção) foram emitidas em 2019-06-12 com os n.ºs NDO20182596 e NDO20182595, tendo sido remetidas ao sujeito passivo por correio registado.

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA foi a I........ notificada para, no prazo de 15 dias, poder exercer o direito à audição concernente ao Projeto de Relatório de Inspeção Tributária de 2019-05-09, através do ofício 2019S000110194 de 201905-09, registado nos CTT sob o número RF390183373PT.

A I........ exerceu o direito que lhe assistia, tendo o seu requerimento dado entrada nesta Direção de Finanças por correio eletrónico em 2019-05-28, e por correio postal registado em 2019-05-29 [Junta-se cópia do requerimento ao presente relatório (ANEXO XI)]. Nessa petição a I........ veio manifestar o seu desacordo com as correções propostas no projeto de relatório, contestando “toda a factualidade e conclusões da referida acusação, bem como do presente projeto de relatório da Inspeção Tributária" e requerendo que “deve o projecto de relatório de inspecção tributária ser anulado, por violação do disposto no artigo 104º, n.º 2 da CRP, e substituído por outro que aponte para matéria tributável de acordo com o rendimento real da Requerente”.

A I........ elaborou o seu direito de audição assente em 39 pontos, ao qual anexou 12 documentos, e no qual, resumidamente, argumentou o seguinte:

- Os factos que lhe são imputados na acusação proferida no processo de inquérito 130/12.6TELSB não correspondem à verdade, sendo que a concreta imputação de tais factos depende da produção de prova em sede de audiência e discussão de julgamento, pelo que só após o mesmo e o trânsito em julgado da decisão se poderá afirmar o que se encontra comprovado.

- A forma de cálculo do alegado lucro tributável é realizada a partir de indícios (fluxos financeiros) e da convicção que a I........ se apoderou de tais montantes na íntegra (presunções).

- A AT considera que todos os valores alegadamente depositados/levantados pela I........ ou pelas respetivas funcionárias, são lucro tributável relativo a vendas, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 17.º e 20.º do CIRC, ignorando que tais montantes foram adiantados para financiar a aquisição do ouro e que nem todos os fluxos financeiros resultaram em negócios.

- Muitos dos negócios acertados telefonicamente não se concretizavam, ora porque o cliente não chegava a aparecer, ora porque o cliente queria um preço mais elevado que a I........ não podia pagar.

- Caso a venda não se concretizasse, o valor do adiantamento era restituído em numerário (dando origem a novo fluxo financeiro).

- Na maioria das situações, a I........ apenas procurou vender o ouro dos seus clientes habituais em dificuldades financeiras à melhor cotação do mercado, sem obter qualquer margem de lucro com a referida operação.

- O projeto de relatório nunca considera o potencial custo de aquisição de ouro a particulares, calculando a matéria coletável como se o ouro tivesse sido obtido a custo zero aos particulares, entendimento que é contrário aos diversos elementos de prova recolhidos pela AT e pelo M.P. no âmbito do processo de inquérito e às regras de experiência comum, violando o disposto no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

- O projeto de relatório deve ser revisto no sentido de apurar a matéria tributável relativa aos anos de 2011 e 2012, segundo algum dos seguintes critérios/rácios: margens médias de lucro líquido sobre vendas no sector do ouro; taxas médias de rentabilidade de capital investido no sector do ouro e custos presumidos no sector do ouro; relação congruente e justificada entre factos apurados e situação fiscal concreta do contribuinte.

- A margem de lucro média para a compra e venda de ouro usado é de 0,30€ por grama, e a desvalorização acentuada do ouro a partir de 2013 causou sérios prejuízos à I........ decorrentes da desvalorização do preço do ouro no período que mediava entre a compra ao particular e a venda a M........, sendo que a existência de operações de compra e venda de ouro com prejuízo está documentada no processo de inquérito 130/12.6TELSB21.

- A principal atividade da I........ não era a compra e venda de ouro, mas sim a venda de material novo (relógios e ourivesaria), sendo que a lista com os seus 55 fornecedores e um conjunto de cheques emitidos aos seus fornecedores “W.........”, “W.........”, “T........" e "T........”, apreendidos no âmbito do processo de inquérito, comprovam a existência de tais operações sendo compatíveis com as suas declarações fiscais;

- A I........ possuía uma estrutura de custos elevada, com 5 lojas e 29 trabalhadores em 2012, o que reduzia consideravelmente a margem de lucro;

- Nem a I........ e nem o respetivo sócio-gerente têm qualquer manifestação de fortuna compatível com a omissão de vendas no valor de €3.315.719,80, sendo que o sócio-gerente teve de solicitar um empréstimo a familiares para pagar salários aos trabalhadores na sequência do processo de inquérito e da apreensão de €59.000,00 em dinheiro na sede da empresa, o qual era destinado à aquisição de ouro a particulares, bem como ao pagamento de salários a funcionários.

Ainda, na sua petição a I........ requereu a audição de seis testemunhas, tendo as testemunhas arroladas sido ouvidas por este Serviço de Inspeção no passado dia 5 de junho nas instalações da Direção de Finanças de Lisboa.

Relativamente à argumentação produzida pela I........ cumpre-nos referir o seguinte:

1. Em conformidade com o n.º 2 do artigo 50.º do RGIT que dispõe que "em qualquer fase do processo, as respetivas decisões finais e os factos apurados relevantes para liquidação dos impostos em dívida são sempre comunicados à Autoridade Tributária e Aduaneira”, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) remeteu a esta Direção de Finanças, o Despacho Final de Acusação proferido no processo de inquérito 130/12.6TELSB em maio de 2017. Na sequência, este serviço de Inspeção solicitou e obteve autorização da Autoridade Judiciária competente para consultar os elementos constantes dos autos do processo de inquérito relevantes para o apuramento da situação tributária da I........, entendendo que o procedimento tributário não se encontra obrigado a aguardar o termo do julgamento e o trânsito em julgado da decisão do processo criminal. 2. Os autos do referido processo de inquérito visaram a investigação de um conjunto de indivíduos e sociedades relacionados com o negócio de metais preciosos, tendo aquela investigação sido conduzida pelo DCIAP, coadjuvado por uma equipa mista de investigação composta por inspetores da Polícia Judiciária e por inspetores tributários desta Direção de Finanças.

3. Concretamente no que concerne à I........, a investigação criminal recorrendo a diversos meios de obtenção de prova, tais como buscas, apreensões, exames e interceções telefónicas, logrou apurar que esta empresa, nos anos de 2011 e 2012, omitiu às suas declarações fiscais a sua relação comercial com a empresa T........, designadamente, alienações de peças de ouro usado/cascalho de ouro para reciclagem que efetuou para a T.........

4. A investigação quantificou objetivamente as vendas omitidas através de fluxos financeiros com origem na T........ destinados à I........, não se tratando aqueles fluxos financeiros apenas de meros indícios. A conjugação dos meios de prova recolhidos conduziu à conclusão que aqueles fluxos financeiros concerniam de facto a vendas da I........ para a T........, sendo esses valores por norma adiantados pela T........ (prática usual daquela empresa com os seus fornecedores), não tendo sido encontradas evidências de que aqueles fluxos financeiros não se concretizaram em negócios nem da existência de um fluxo financeiro contrário, ou seja, com origem na I........ e com destino à T.........

5. Importa sublinhar a quantidade e a frequência dos fluxos financeiros ordenados pela T........ que beneficiaram a I........, elencados no capítulo III do presente relatório, que no ano de 2012 totalizaram 186 movimentos e ultrapassaram os três milhões de euros, demonstrativas de uma atividade comercial intensa, e que não se coadunam com o alegado pela I........ de que na maioria das situações “apenas procurou vender o ouro dos seus clientes habituais em dificuldades financeiras à melhor cotação do mercado, sem obter qualquer margem de lucro com a referida operação."

6. No exercício do seu direito de audição, a I........ não juntou qualquer documentação que ateste as suas alegações de que “muitos dos negócios acertados telefonicamente não se concretizavam" sendo o valor do adiantamento restituído em numerário à T.........

7. T........, funcionária da I........, única das seis testemunhas ouvidas por este Serviço de Inspeção com conhecimento direto acerca das relações comerciais entre a I........ e a T........, referiu que a I........ comprava ouro usado a particulares, sendo M........que adiantava o dinheiro para essas compras. Acrescentou, que por norma eram as funcionárias da I........, sobretudo ela, que se deslocavam semanalmente à loja da T........ na Almirante Reis em Lisboa, para entregar o ouro adquirido e para acertar as contas, sendo esse acerto efetuado fundamentalmente através de cheque ao portador de conta titulada pela T......... Referiu ainda que a I........ comprava as peças de ouro usado a particulares, pagando por cada grama cerca de €2,30 ou €2,40 abaixo da cotação financeira internacional, exatamente o mesmo valor que lhe seria pago por M.........

8. A I........ argumenta que “a acentuada desvalorização do ouro a partir de 2013 criou prejuízos sérios na empresa, decorrentes da desvalorização do preço do ouro no período que mediava entre a compra ao particular e a venda a M........".

9. Ora, nos anos que são objeto de análise no presente relatório - somente os anos de 2011 e 2012 - assistiu-se exatamente à situação contrária, ou seja, a uma acentuada valorização de ouro motivada pelo forte aumento da procura internacional. Essa favorável conjuntura não será estranha ao facto da I........ no ano de 2012 ter quase duplicado o número de funcionários ao seu serviço em relação ao ano de 2011, não sendo de todo congruente com o prejuízo fiscal declarado nesse ano pela I........ no montante de cerca de 119 mil euros, mas sendo consonante com omissão de rendimentos às declarações fiscais.

10. De referir que a margem de lucro média de €0,30 por grama, invocada pela I........, não tem qualquer plausibilidade na comercialização de artefactos de metais preciosos usados, principalmente quando estes são adquiridos a particulares.

11. Outrossim, a I........, tendo tido oportunidade no exercício do direito de audição para apresentar documentação que ateste outras compras e outros gastos para além das compras que registou contabilisticamente e declarou à Administração Fiscal, não o fez.

Atente- se ao seguinte:

- Os dois documentos de compras de ouro/prata que juntou à sua petição são concernentes a compras a particulares efetuadas por outras empresas do setor, a T........ e a A........;

- Os cheques preenchidos à ordem das empresas “W.........", "W.........”, "T........'' e “T........” que anexou foram reconhecidos contabilisticamente pela I........;

- As testemunhas arroladas pela I........ e ouvidas por este Serviço de Inspeção, referem compras da I........ a particulares, contudo, não as concretizam, não indicando nem data das transações, nem quantidades, valores ou descrição dos artefactos de ouro:

i. C.A........, irmã de uma funcionária da I........, disse ter vendido por duas vezes peças de ouro usado a J........;

ii. F........ contou ter vendido peças de ouro que possuía a J........;

iii. C........, ex-mulher de J........, mencionou que muitas amigas suas, que não identificou, recorreram a este para vender as suas peças de ouro usado;

iv. D.M........., irmã de J........, referiu ter levado à loja deste colegas e amigas, que não identificou uma vez que estas pediram sigilo, para vender o ouro que tinham, próprio e de família;

v. De uma forma geral, as testemunhas referem que essas compras eram pagas a €2,30 ou €2,40, por grama, abaixo da cotação internacional, valores muito acima dos praticados pelas lojas de compra de ouro “que aproveitavam-se das dificuldades financeiras e o desespero das pessoas. Referem-se às dificuldades financeiras sentidas pelo próprio J........ nos últimos anos, explicando os preços praticados pela I........, sem obtenção de qualquer lucro, com as características humanas de J........: pessoa generosa que ajuda as pessoas com dificuldades financeiras.

12. Temos assim que a I........, no exercício do seu direito de audição, não apresentou qualquer documentação que ateste compras a particulares para além das compras reconhecidas contabilisticamente, não obstante, todas as aquisições de metais preciosos a particulares estarem sujeitas a obrigações legais por parte da I........, nomeadamente, comunicações obrigatórias à Policia Judiciária das transações efetuadas, com identificação dos respetivos intervenientes e objetos transacionados, não podendo os objectos adquiridos ser modificados ou alienados antes de decorridos 20 dias contados a partir daquela comunicação.

13. Essas obrigações legais são impostas no âmbito da prevenção criminal, competindo à Policia Judiciária vigiar e fiscalizar estabelecimentos que possam ocultar atividades de recetação ou comercialização ilícita de bens.

14. Importa recordar que, de acordo com o n.º 1 do artigo 23.º e alínea g) do n.º do artigo 42.º, ambos do Código do IRC, apenas podem ser deduzidos os gastos que a empresa efectivamente suportou e que sejam materialmente comprovados, ou seja apoiados em documentos justificativos.

15. Por fim, entende-se que não estão reunidos os pressupostos legalmente exigidos para avaliação indireta, como requerido pela I......... Conforme dispõe o artigo 81º da LGT, a matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei. Acresce que o artigo 85 º da LGT impõe que a avaliação indireta seja subsidiária da direta, ou seja, só nos casos de manifesta impossibilidade de determinação da matéria coletável através da avaliação direta, é que se poderá partir para a indireta, sempre seguindo os pressupostos estabelecidos nos artigos 87 º e 88.º da LGT.

Face ao exposto, e dado que em sede do direito de audição não foi apresentado qualquer dado adicional em matéria de facto e de direito que conduza a conclusões diferentes das produzidas, nem contrarie objetivamente as conclusões descritas no projeto de relatório, serão de manter as correções propostas.»

B) A inspecção referida no facto anterior corrigiu o lucro tributável da Impugnante no montante de 232.109,68 € para o exercício de 2011 e no montante de 3.195.841,06 € para o exercício de 2012 (conforme o facto anterior e o RIT nele mencionado e aqui dado por reproduzido).

C) Em decorrência das correcções resultantes da inspecção tributária (referidas nos factos anteriores), foram comunicadas à Impugnante as liquidações, efectuadas em 28/9/2019, de IRC n.ºs ........78 e ........79, relativas à Impugnante e aos exercícios de 2011 e 2012, nos montantes de 71.107,85 € e 1.054.773,17 €, respectivamente, incluindo juros compensatórios (nos termos da liquidação de juros n.º 2019-192200, no valor de 15.616,60 € e da liquidação de juros n.º 2019-194996, no valor de 205.125.82 €) – tudo conforme o doc. 1 da PI e as demonstrações de liquidação no processo administrativo 10/2020 apenso, aqui dados por reproduzidos):

Consignou-se, ainda, na sentença recorrida, que «Não existem factos não provados com relevância para a decisão.»

Em sede de motivação da matéria de facto consta, na referida sentença, o seguinte:

«O Tribunal deu por provados os factos considerados relevantes à decisão, incluindo os não controvertidos e aqueles de que também ficou convicto com base nos documentos e nos processos administrativos apensos acima referidos no probatório e não impugnados.»


*

Por se entender relevante à decisão a proferir, adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, aplicado por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, o seguinte segmento do relatório de inspecção, relativo às correcções efectuadas à matéria colectável do exercício de 2011:

“(texto integral no original; imagem)”

[cfr. relatório de inspecção, junto como Doc. nº 2 ao requerimento de reclamação graciosa inserto a fls. 1214 e ss. do processo eletrónico].

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC n.ºs ........78 e ........79, relativas aos exercícios de 2011 e 2012, respectivamente, e as correspondentes liquidações de juros compensatórios, no montante global de 1.125.881,02 €, apontando-lhe erro de julgamento de facto e de direito, ao ter considerado que os elementos apurados pela AT legitimavam as correcções técnicas efectuadas à matéria tributável e que estiveram na origem das referidas liquidações.

No entendimento do tribunal de 1ª instância, “a AT explica, no RIT, que encontrou na contabilidade da T........ e nos respectivos documentos de suporte (facturas, cheques, talões de depósito), bem como, nas transacções bancárias, a demonstração de várias vendas de ouro efectuadas pela Impugnante à T........ que não foram declaradas, situação que, de acordo com a normalidade da vida, leva qualquer um a crer que as declarações de IRC e a contabilidade da Impugnante não são fidedignas, cessando, portanto, a presunção de veracidade, passando a caber à Impugnante demonstrar que não efectuou tais vendas ou, pelo menos, demonstrar os custos suportados e indispensáveis.

Note-se que são vários os documentos anexos ao RIT e nele referidos que demonstram essas vendas e dos quais resulta o apuramento directo do lucro tributável. Efectivamente, este é um caso em que «a administração tributária corrigi[u] o lucro declarado pelo […] sujeito passivo com base em elementos contabilísticos dos sujeitos passivos com quem aquele se relacionou comercialmente, […] calculando a omissão de proveitos, que f[e]z acrescer à matéria tributável [situação tratada no acórdão do STA [no] Proc. 01509/14]», tratando-se de «uma avaliação directa da matéria tributável (correcções meramente aritméticas), porque não recorreu a indícios ou presunções» (…)

Constatando-se, no caso, que a AT encontrou na empresa compradora do ouro (a T........) a já aludida documentação que descreve as vendas que a Impugnante fez e os respectivos valores, o que foi corroborado pelas transacções bancárias referidas no RIT, permitindo à AT apurar directamente o rendimento das vendas que a Impugnante não declarou. E a Impugnante não alegou, e muito menos demonstrou, factos que permitissem concluir que não obteve esses rendimentos ou parte deles, limitando-se a suscitar uma dúvida genérica sobre as conclusões a que chegou a AT no RIT, sem a Impugnante atacar especificadamente os documentos em que se baseou a AT, referidos no RIT acima transcrito no facto A).

(...)”.

Vejamos.

O artigo 83.º, da LGT, prevê, no n.º 1, que “a avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação” e, no n.º 2, que “a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

A matéria tributável é, pois, determinada, por regra, com base nos elementos declarados pelo contribuinte e eventualmente, num segundo momento, corrigida pela AT, por critérios técnicos, em que se inclui a desconsideração de apuramentos assumidos com base na contabilidade, devidamente fundamentados.

Assim, por exemplo, no caso de a administração tributária corrigir o lucro declarado pelo sujeito passivo com base em elementos contabilísticos dos sujeitos passivos com quem aquele se relacionou comercialmente, calculando a omissão de proveitos, que faz acrescer à matéria tributável, a administração faz uma avaliação directa da matéria tributável (correcções meramente técnicas) - cfr. acórdão do STA de 03-06-2015, Proc. 01509/14, disponível em www.dgsi.pt, citado na decisão recorrida.

Nas situações em que se verifica a “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável”, a administração tributária está legitimada a lançar mão de métodos indirectos, ou seja, a recorrer a indícios ou presunções para determinar o valor dos rendimentos tributáveis (artigo 87º da LGT).

É de salientar, ainda, que nos termos do art.º 85.º, n.º 1, da LGT, “a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa”.

Importa, por fim, dar nota de que as provas directas produzem também apenas um resultado provável, mesmo que esse grau de probabilidade possa ser maior em razão do menor número de passos inferenciais que requerem. O que distingue a prova directa da indirecta é o número de passos inferenciais requeridos para estabelecer o factum probandum. Não há uma diferença ontológica mas sim no grau de inferência, na estrutura, na medida em que o processo probatório indirecto é complexo enquanto na prova directa é mais simples – cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2012, p. 17/18.

No caso dos autos, a AT começou por apurar, em relação ao exercício de 2011, que a loja de Lisboa da sociedade T........ – cliente da Impugnante/Recorrente nos anos em causa – possuía “folhas de caixa” nas quais eram anotados os pagamentos efetuados em numerário à I........, ascendendo esses pagamentos ao valor global de €86.500,00, pelo que fez acrescer ao lucro tributável declarado o “valor das vendas omitidas”.

Defende, todavia, a Recorrente que “a AT não prova se tais pagamentos em numerário foram efectuados à Impugnante, nem qual o destino dado aos mesmos, nem tampouco se aqueles se referiam em concreto a venda de bens (in casu, metais preciosos)”, ou seja, “não demonstra a AT, de forma inequívoca e precisa, a natureza daqueles pagamentos, os quais podiam, naturalmente, corresponder a créditos da Impugnante relativos a exercícios anteriores e pagos neste ou, até, a adiantamentos”.

Ora, efectivamente a AT partiu de um facto conhecido (a saber, as anotações nas aludidas “folhas de caixa”) para inferir que tais pagamentos foram feitos à Impugnante e por sua vez, com base nesse facto presumido, concluir que a diferença apurada entre os rendimentos inscritos na contabilidade da Impugnante, no exercício em causa, e as referidas anotações nas “folhas de caixa” correspondiam a vendas omitidas.

Deste modo, a actuação da AT configura um percurso metodologicamente indiciário, porque assenta em vários passos inferenciais, que não é próprio e típico das correcções técnicas à matéria colectável, o que significa que o acto de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2011 se fundou em juízos indiciários ou presuntivos, que não em factos efectivamente comprovados e sustentados em critérios objectivos, próprios e típicos de tal metodologia de correcção.

Quanto ao restante montante acrescido à matéria colectável do exercício de 2011 [€120.173,00], que tem uma fundamentação diferente no RIT (aditada ao probatório), o recorrente nada alega, designadamente em termos de omissão de pronúncia(1), pelo que nada cumpre apreciar nesta sede, encontrando-se tal correção consolidada na ordem jurídica.

Relativamente ao exercício de 2012, a AT constatou que, para além das vendas (a dinheiro) registadas na contabilidade, a I........ emitiu oito faturas à T........, no montante global de €197.519,53, tendo sido ainda identificada a emissão de doze cheques registados como sendo destinados a dar pagamento à I........, no valor global de €274.377,00, “todos eles, sem exceção, pagos ao balcão a funcionárias da I........ (R........, T........ e P........), bem como ao próprio J........ [gerente da Impugnante].”

Neste âmbito, sustenta a Recorrente que a AT “conclui[u], sem mais, que tais valores (€197.519,53 e €274.377,00) correspondem a rendimentos/proveitos da Impugnante, não dando a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido para alcançar tal ilação, pois atendendo às mais elementares regras da experiência comum, da ciência e da técnica, a obtenção ou, até, presunção de um rendimento, nunca pode ser o resultado do somatório dos valores indicados em documentos que titulam as operações com os montantes constantes dos documentos que titulam o pagamento dessas mesmas operações, como é, precisamente o caso das aludidas faturas e cheques, que respeitam ao mesmo período, ora somados pela AT”.

Todavia, não lhe assiste razão, pois como resulta da fundamentação do RIT, apenas foram considerados, para efeitos de cálculo das vendas omitidas no ano de 2012, “os movimentos financeiros identificados na esfera da T........ (III.1.2.1) e nas contas bancárias tituladas pela I........ (III.1.2.2), no montante global de €3.413.276,00”, ou seja, ao contrário do que alega o Recorrente, o valor das referidas faturas não entrou no somatório efectuado pela AT.

Ainda em relação ao ano de 2012, a AT identificou “outros cento e quarenta e quatro cheques, no valor global de €2.736.199,00, que se encontravam registados na contabilidade da T........ na conta "caixa”, ou seja, do ponto de vista contabilístico não estavam registados numa conta de um fornecedor em concreto, sendo o beneficiário destes a I......... Muitas das cópias destes cheques que se encontravam na contabilidade da T........ tinham uma menção manuscrita aludindo a J........ ou “E......." (numa alusão à localização física da sua principal loja), e todos eles, sem exceção, foram pagos ao balcão a funcionárias da I........ (A........, S........, R........, L........, A.R........., D........., P........, S.R........, A.L........, H........, C.S......... ou J.P.........) e ao próprio J........ [gerente da Impugnante]”.

Sustenta o Recorrente que a AT recorre, novamente, a presunções, pois, não logra provar que o beneficiário destes cheques foi a Impugnante, uma vez que nenhum deles se encontra à ordem da Recorrente, nem tampouco aquela demonstra que os mesmos foram apresentados a pagamento.

Acrescenta que catorze desses cheques (que ascendem a um valor superior a €215.000,00) foram emitidos por uma sociedade que gira sobre a firma “C........, LDA.”, que nem sequer tem qualquer tipo de relação comercial com a Impugnante, não sendo sua cliente, mas sim da sociedade T.........

Ora, também aqui não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, ao efectuar as correcções com base em cheques, que se encontravam registados na contabilidade da T........, sendo o beneficiário destes a I........, e que foram pagos ao balcão a funcionárias da I........ e ao próprio gerente da Impugnante (todos eles, sem exceção), e considerando que, nos anos em causa, a T........ era cliente da I........, estamos perante provas directas e inequívocas da obtenção de rendimentos e dos respectivos valores, o que significa que o valor acrescido à matéria colectável declarada foi apurado através de métodos directos e não através de presunções.

Decorre, ainda, do RIT que foram encontrados na contabilidade da T........ cópia de talões de depósitos em numerário, no montante global de €325.000,00, tendo este valor sido depositado em duas contas tituladas pela Recorrente.

Relativamente a esta correcção, a Recorrente convoca o decidido no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.12.2019, processo 170/15.3BECTB, disponível em www.dgsi.pt, no qual se pode ler que “a mera identificação de fluxos bancários que não encontram correspondência nos rendimentos contabilizados e/ou declarados, podendo ser indício de que há omissão de rendimentos, não permite, per se, caraterizar os mesmos como rendimentos.”

Todavia, impõe-se salientar que, no caso ali em apreciação, a fundamentação das correcções cingia-se às entradas de fluxos monetários nas contas bancárias do sujeito passivo, não tendo sido apurada a origem dos fluxos em causa, nomeadamente se provinham de clientes do mesmo, razão pela qual o tribunal concluiu que se estava perante uma avaliação indirecta camuflada de avaliação directa.

Não é essa a situação dos presentes autos, na medida em que existem elementos factuais adicionais que, conjugados entre si, são aptos a demonstrar, de forma directa e inequívoca, que os fluxos financeiros em causa respeitam a rendimentos da Recorrente, a saber, o facto de a T........ ser cliente desta e de os documentos em causa (cheques e talões de depósito) integrarem a respectiva contabilidade.

Refere-se, ainda, no RIT que da análise às contas bancárias tituladas pela I........ e pelo respectivo gerente, J........, foram igualmente identificados depósitos em numerário, no montante de €77.000,00 “cuja proveniência é associada à T........”, na exata medida em que os respetivos talões de depósito contêm as assinaturas de C........ e do próprio M......... Desses depósitos, €57.000,00 foram depositados na já identificada conta titulada pela I........ no M.........l, €15.000,00 foram depositados na conta, também já identificada, que a mesma empresa titula na C......... e €5.000,00 depositados na conta titulada por J........ no M......... (conta 45360010770).

Sustenta a Recorrente que “estamos mais uma vez perante simples fluxos financeiros, intervenientes que nem sequer têm relações comerciais com a Impugnante (C........) e valores depositados em contas pessoais (de J.......), pelo que não se compreende como pode a AT afirmar, sem mais, que tais montantes correspondem a rendimentos da Recorrente não contabilizados”.

Ora, quanto à correcção em causa, há que reconhecer que a prova acaba por ser indirecta, pois a “associação” da proveniência do dinheiro à cliente da Impugnante, T........, consubstancia uma presunção, que assenta no facto de M........ ser o gerente da referida sociedade (e C........, cliente da mesma), daí inferindo um facto desconhecido (que se tratava de rendimentos relacionados com transacções efectuadas com a T........).

Em face do exposto, assiste razão à Recorrente, nesta parte, revelando-se ilegal a metodologia utilizada pela AT, impondo-se, em consequência a revogação da sentença por enfermar de erro de julgamento, quanto aos referidos depósitos, no montante de €77.000,00.

Prossegue o Recorrente nas suas alegações de recurso, sustentando que a AT determinou o lucro tributável considerando apenas os alegados proveitos não declarados, sem atender aos efectivos custos que a mesma teve com a aquisição dos bens, em desrespeito do nº 1 do artigo 17.º do Código do IRC, salientando que se a Recorrente, alegadamente, omitiu vendas, certamente que suportou custos substancialmente superiores na aquisição do produto da venda.

Conclui, assim, a AT determinou “um rendimento fictício e ilegalmente presumido, em violação do princípio constitucionalmente consagrado no artigo 104.º, nº 2, da CRP”.

Sobre a questão em causa, o tribunal de 1ª instância referiu o seguinte:

“Não se descortin[a] a alegada violação do princípio da tributação pelo rendimento real. Embora importante, a tributação pelo rendimento real não é um valor absoluto, mormente em situações patológicas, de omissão de declaração de rendimentos (e dos respectivos custos), em que também avultam razões de praticabilidade. Sabe-se que a Impugnante ficou na contingência de a AT apurar o rendimento tributável sem que a Impugnante consiga demonstrar os respectivos custos. Mas, esta situação é inteiramente imputável à Impugnante, ao não declarar todos os rendimentos que obteve e, seguramente por isso, não cuidou de documentar os correspondentes custos. Perante a fundada dúvida sobre a veracidade do que declarou e da sua contabilidade, cabia-lhe provar os custos. Porém, a Impugnante não apresentou documentos comprovativos, nem à AT, nem no presente processo. Além disso, não indicou prova testemunhal.”

Concorda-se, em absoluto, com a fundamentação supra transcrita, que, aliás, não é rebatida nas alegações de recurso, razão pela qual é de manter o decidido, nesta parte, por não se verificar o apontado erro de julgamento.


*

Dispõe-se no n.º 7 do artigo 6.º do RCP que nas causas de valor superior a EUR 275.000,00, como é o caso, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Na presente impugnação judicial encontram-se em discussão liquidações de IRC referentes aos exercícios de 2011 e 2012 no montante total de EUR 1.125.881,02, sendo este o valor da ação e do presente recurso.

Ora, tal como vem sendo consistentemente decidido pelo Tribunal Constitucional na sua jurisprudência sobre esta matéria, revela-se inconstitucional “por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, do diploma fundamental” um regime das custas “definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas” sempre que no mesmo não se permita ao tribunal “que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão” (cf. neste sentido os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 227/2007, de 2007-03-28, n.º 471/2007, de 2007-09-25, n.º 116/2008, de 2008-02-20, n.º 266/2010,de 2010-06-29, n.º 421/2013, de 2013-07-15 e 604/2013, de 2013-09-24, disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).

Tanto basta para que se considere que no caso em apreço a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida se justifica atendendo a que não só a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, como porque o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida, e calculado sobre a base tributável de valor EUR 1.125.881,02 a que corresponde o valor da causa na presente instância recursiva [cf. alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 280.º do mesmo diploma] – e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, revelar-se-ia de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

Em face do exposto, deverá ser dispensado o remanescente da taxa de justiça nas custas referentes à tramitação do presente recurso, nos termos do disposto no supracitado n.º 7 do artigo 6.º do RCP.

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:

I. No âmbito das correcções técnicas ou meramente aritméticas, não são admissíveis juízos indiciários ou presuntivos.

II. A mera identificação de anotações em “folhas de caixa” da contabilidade de um cliente do sujeito passivo, que não encontram correspondência nos rendimentos contabilizados e/ou declarados por este, podendo ser indício de que há omissão de rendimentos, não permite, per se, caraterizar as mesmas como rendimentos.

III. A identificação de fluxos financeiros, com origem num cliente do sujeito passivo, efectuada com base em documentos (cheques e talões de depósito) que integram a contabilidade daquele, é apta a demonstrar, de forma directa e inequívoca, que os fluxos financeiros em causa respeitam a rendimentos da Recorrente.

Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder PARCIAL provimento ao recurso, e em consequência:

- revogar PARCIALMENTE a sentença E julgAR procedente a impugnação judicial:

i) QUANTO AO PEDIDO DE ANULAÇÃO Da liquidaçÃO ADICIONAL de IRC E de juros compensatórios RELATIVAS AO EXERCÍCIO DE 2011, apenas NA PARTE INFLUENCIADA PELAS CORRECÇÕES REFERENTES às anotações nas “folhas de caixa”, no valor global de €86.500,00;

II) quanto ao pedido de anulação dA LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IRC E DE JUROS COMPENSATÓRIOS RELATIVAS AO EXERCÍCIO DE 2012, apenas na parte influenciada pelas CORRECÇÕES REFERENTES AOS depósitos em numerário efectuados por C........ e M........, no montante global de €77.000,00.

- no demais, negar provimento ao recurso.

Custas por ambas as partes, na proporção de 95% para a Recorrente e 5% para a Recorrida.

Registe e notifique.

Lisboa, 20 de março de 2025


(Ângela Cerdeira)

(Teresa Costa Alemão)

(Maria da Luz Cardoso)


(1)As nulidades da sentença previstas no artigo 615º, nº 1 do CPC não são de conhecimento oficioso, pelo que se não forem arguidas pela parte, sanam-se com o decurso do prazo para a sua arguição, pelo que o tribunal superior não pode conhecer delas – cfr. RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, vol. I, Lisboa, 2020, p. 77 e jurisprudência aí citada.