Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1311/23.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:VIOLAÇÃO DE PRAZO RAZOÁVEL
NEXO DE CAUSALIDADE
MONTANTE INDEMNIZATÓRIO
Sumário:I - Provado que, desde a instauração do inquérito crime até à notificação do despacho de arquivamento do mesmo, e por causa desse lapso de tempo, o autor sentiu angústia, tristeza, nervosismo e ansiedade, sofreu desgaste psíquico, com reflexos negativos na sua autoestima, no seu equilíbrio emocional, sentiu mágoa, irritabilidade, e sentiu que as pessoas olhavam para si pensando nas suspeitas que sobre ele recaiam, pois sabia que estava a ser alvo de juízos sociais e comentários entre os demais habitantes da pequena localidade onde residia e reside, e passou a viver recolhido em casa, evitando o convívio social, está verificado o pressuposto do nexo de causalidade entre tais danos e a demora no desfecho do processo.
II - Correspondendo o atraso do processo a um lapso temporal de 5 anos, 9 meses e 23 dias, referindo-se o mesmo a um processo de inquérito de natureza criminal, atendendo aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, e em face dos padrões fixados pela jurisprudência nacional e europeia, mostra-se adequado – e portando, não exagerado - o montante indemnizatório de € 5.500,00, fixado pelo Tribunal a quo.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

J… intentou acção administrativa contra o Estado Português. Pede a condenação do réu a pagar-lhe as quantias de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais, e € 19.773,75, a título de danos patrimoniais, por violação do prazo razoável de decisão do inquérito crime que correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal de Vila Franca de Xira sob o n.º 2876/12.0TAVFX.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com a consequente condenação do réu no pagamento da quantia de € 5.500, acrescida de juros de mora.
O réu interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“1 – Na presente acção foi o R. – Estado Português condenado a pagar à A. a quantia de € 5.000 (cinco mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, por alegados danos causados pela violação do direito à decisão em prazo razoável.
2 – Para que haja responsabilidade civil por atraso no funcionamento da justiça torna-se necessário que os atrasos na prática de actos processuais, sendo injustificados, venham a pesar no tempo de prolação da decisão final, com consequências para as partes.
3 - Nos termos do artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
4 - Tal responsabilidade civil corresponde, no essencial, ao conceito de responsabilidade extracontratual por factos ilícitos consagrado no Código Civil, pelo que, para que o A. pudesse ver ressarcidos os prejuízos eventualmente sofridos, sempre teriam que se mostrar reunidos os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no artigo 483º do citado código.
5 – De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são critérios para determinação do prazo razoável a natureza e complexidade do processo, o comportamento das partes e o comportamento dos órgãos do poder judicial, executivo ou legislativo, critérios que, por sua vez, deverão ser aferidos, não em função da demora de um qualquer acto de sequência processual ou de prolação de decisão interlocutória, mas relativamente a todo o conjunto do processo.
6 – Concluindo-se pela ausência de nexo de causalidade, entre o excesso de tempo decorrido e os prejuízos alegadamente sofridos pelo A., é, obviamente, desnecessária a averiguação da existência dos restantes pressupostos e forçoso julgar improcedente o pedido.
7 – Não basta a simples ou mera violação dum prazo previsto na lei para a prática de certo acto judicial para concluir logo no sentido de que foi violado o direito à justiça em prazo razoável.
8 – Para aferir da ilicitude por violação do direito à justiça em prazo razoável, é necessário ter em conta as circunstâncias da causa e os critérios consagrados pela jurisprudência, em especial a complexidade do caso, o comportamento do requerente e o das autoridades competentes, bem como aquilo que está em causa no litígio para o interessado.
9 – A obrigação de indemnizar, por parte do Estado, relacionada com os atrasos injustificados na administração da justiça, só o poderá ser no respeitante aos danos que tenham com esse ilícito, consubstanciado na morosidade do processo, uma relação de causalidade adequada.
10 – Não deve deixar de se realçar o esforço do R. – Estado Português na tentativa de resolução dos constrangimentos que afectam o desenvolvimento célere dos processos a correr termos na jurisdição administrativa claramente documentado nos autos.
11 – Tal esforço é, ainda mais, digno de realce numa altura em que se mostra a nu a escassez de meios económicos que afectam gravemente os meios financeiros do Estado condicionando gravemente todas as suas áreas de actuação, designadamente, a da justiça.
14 – Acresce que, mesmo que se entenda que o A. deve ser indemnizada, tal como são configurados os alegados danos não patrimoniais, geradores da alegada obrigação de indemnizar, o montante em que o R. – Estado Português foi condenado, mostra-se exagerado, face a todos os critérios jurisprudenciais existentes. Pelo exposto, ao darem provimento ao recurso, e decidirem-se pela improcedência da acção, por não provada absolvendo o R. - Estado Português do pedido ou, no mínimo, reduzindo substancialmente o montante arbitrado, farão V. Exas., Venerandos Desembargadores a costumeira J U S T I Ç A !!!”
O recorrido respondeu à alegação do recorrente, com as seguintes conclusões:
“i. O R., ora apelante, veio interpor recurso da douta Sentença proferida nos autos, de 20.12.2024, considerando, em síntese, que não se verificam preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente, quanto à ilicitude, à culpa e ao dano.
ii. Desde logo, não pode o recorrido deixar de manifestar a sua surpresa pelo recurso apresentado pelo Digno Magistrado do MP, e com os mencionados fundamentos que utilizou para o interpor, pois que, as suas doutas Alegações orais, na audiência de 25.10.2024, foram produzidas em sentido totalmente contrário ao comportamento que agora adoptou, havendo espaço para considerar que o comportamento do recorrente é algo temerário e eivado de má-fé.
iii. A título de exemplo, repare-se nas alegações orais produzidas pelo DM do MP aquando da audiência de 25.10.2024, de que se transcreve breve passagem: “O que é certo, o que é certo e aquilo que podemos admitir neste processo é que: há aqui um erro, há aqui um atraso. Eu por acaso, até por coincidência numa altura em que desempenhei funções na Comarca de Vila Franca de Xira, aquilo é um inferno, é um inferno, os processos estão todos encavalitados, o Ministério Público é uma coisa horrível, tem um serviço horrível, mega atrasado, isso não é desculpa, como é óbvio, mas é só para tentar situar a situação. E vê-se que de facto é lamentável a situação que a pessoa tenha tado … à espera que lhe fosse comunicado o despacho de arquivamento e portanto, quanto a isso há Jurisprudência que até faz corresponder uma determinada quantia por cada ano de atraso e de facto aqui houve seis anos de atraso. A duração do inquérito não é infelizmente, mas temos perfeitamente consciência que a duração do inquérito está estabelecida na lei, muito raramente é cumprida… O que quero dizer é que: o tempo de duração do inquérito foi relativamente normal, penso que é de um ano e tal ou dois anos que é uma coisa perfeitamente normal. A falha que aqui há é de facto a notificação do despacho de arquivamento ao A. que demorou seis anos a ser cumprido, isso é de facto uma situação que se lamenta. E, portanto, o que me parece é que o Tribunal naturalmente irá aportar a atribuição de uma indemnização pelo atraso, por estes seis anos de atraso mas … e portanto atribuindo ao A. uma quantia apenas pelo atraso dos seis anos …”
iv. O recurso do recorrente é ainda surpreendente face ao teor da Sentença.
v. Não assiste qualquer razão ao R./apelante para não se conformar com a douta Sentença proferida nos autos que o condenou a pagar ao A. a quantia ali mencionada, conforme resulta inequívoco do teor da Sentença prolatada, para a qual respeitosamente se remete e dá por reproduzida, a qual fez um correcto julgamento dos factos, uma correcta apreciação e interpretação dos factos e aplicação do Direito, não merecendo censura, devendo improceder in totum o recurso apresentado pelo R./apelante, mantendo-se na íntegra a douta Decisão.
vi. O Tribunal a quo proferiu a douta Sentença socorrendo-se dos meios de prova carreados para os autos, de acordo com a sua prudente convicção, através da aplicação das regras da experiência comum, da normalidade, da previsibilidade, probabilidade e lógica, tudo em observância da Lei.
vii. O R./recorrente tenta “distorcer” a realidade, tenta “acrescentar factos” que não resultaram da produção de prova, nem correspondem à realidade, tenta distrair da essencialidade dos factos e do teor da Sentença que o condenou, fazendo apreciações falaciosas, incorrectas, contraditórias, divergentes com os factos alegados pelo A./recorrido e o enquadramento legal que o A. efectuou, mas sobretudo, divergentes com os factos dados como provados e com os documentos dos autos, e da prova produzida.
viii. Para desmentir o R./recorrente basta confrontar o alegado pelo A. na petição inicial, o teor do despacho saneador, nomeadamente quanto à matéria assente (vd. acta de 20.09.2024), o qual não foi alvo de qualquer reclamação, e as próprias alegações orais que produziu na audiência de 25.10.2024, com o vertido agora pelo R./recorrente no recurso.
ix. O Tribunal a quo deu como provada – e o recorrente não escamoteia, até porque não impugnou a matéria de facto, e até evidencia parte dela no seu recurso – a matéria de facto, designadamente em 101), 102), 103), 104), 105), 107), 108) tendo a maior parte dela sido considerada assente por acordo (cd. Despacho saneador de 20.09.2024 e Sentença recorrida) e resultado da prova produzida, só se podendo concluir pelo preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil.
x. Durante o tempo, largamente dilatado entre a prolação do despacho de encerramento do inquérito 2876/12.0TAVFX, com o arquivamento, sem justificação, não existiram actos da autoria da autoridade judiciária, nem actos da secção de processos, sendo que não foi proferido despacho a conferir especial complexidade ao inquérito 2876/12.0TAVFX.
xi. Em consequência o recorrido sofreu os danos reflectidos na factualidade dada como provada pelo Mmº Tribunal a quo, sobejamente sustentada pela prova produzida em audiência.
xii. O montante da indemnização a título danos não patrimoniais foi fixado equitativamente pelo Tribunal, considerando as circunstâncias do caso concreto e os padrões da jurisprudência do TEDH.
xiii. Tudo isto consta da douta Sentença prolatada, verificando-se que o Tribunal a quo subsumiu correctamente os factos ao Direito, tendo realizado correcta interpretação e aplicação do Direito.
xiv. Face ao exposto, acolhendo inteiramente a fundamentação constante da douta Sentença recorrida, a qual fez uma correcta interpretação e aplicação dos factos e do Direito, não merecendo censura, deve improceder in totum o recurso apresentado pelo R./apelante, mantendo-se na íntegra a douta Decisão.
Termos em que, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deverá o recurso interposto pelo R./apelante ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a douta Sentença recorrida, com as legais consequências.”
Com dispensa de vistos dos juízes-adjuntos (cfr. n.º 4 do artigo 657.º do CPC), cumpre apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito, não só por não estar verificado o pressuposto do nexo de causalidade entre o excesso de tempo decorrido e os prejuízos alegadamente sofridos pelo autor, mas também por o montante de indemnização fixado ser exagerado.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º, do CPC.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos presentes autos, é pedida a condenação do réu a pagar ao autor as quantias de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais, e € 19.773,75, a título de danos patrimoniais, por violação do prazo razoável de decisão do inquérito crime que correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal de Vila Franca de Xira sob o n.º 2876/12.0TAVFX.
A sentença recorrida decidiu pela procedência parcial da acção, condenando o réu no pagamento ao autor da quantia de € 5.500, acrescida de juros de mora.
Insurge-se o recorrente contra o assim decidido, pugnando pelo erro de julgamento de direito, não só por não estar verificado o pressuposto do nexo de causalidade entre o excesso de tempo decorrido e os prejuízos alegadamente sofridos pelo autor, mas também por o montante de indemnização fixado ser exagerado.
Vejamos.
São os seguintes os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual subjectiva: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
O nexo de causalidade – em causa no presente recurso - manifesta-se no juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge, estabelecendo o artigo 563.º do Código Civil que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.” A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que, em matéria de nexo de causalidade, o artigo 563.º do Código Civil, consagra a teoria da causalidade adequada - a qual parte da mesma ideia da equivalência das condições, mas limita a existência de nexo de causalidade relativamente aos danos que, em abstracto, são consequência adequada do facto – e que, na falta de opção legislativa explícita por qualquer das suas formulações, se deve optar pela formulação negativa de Ennecerus-Lehmann, de acordo com a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que, “segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano.”
É entendimento do TEDH que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência normal – ainda que não automática - da demora excessiva de um processo judicial, não se impondo ao lesado a prova desses danos, apenas se exigindo a prova dos danos que excedam os normalmente produzidos nestas situações, considerando que o “dano não patrimonial constitui consequência normal da violação do direito a uma decisão em prazo razoável”, que deverá “presumir-se sempre que a violação tenha sido objectivamente constatada”, ainda que essa “forte presunção seja ilidível” - entre outros, cfr. os Acórdãos de 29.03.2006 - Scordino v. Itália e de 10.09.2008 - Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal. Há casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano não patrimonial mínimo ou até nenhum dano desta natureza, caso em que o juiz nacional deverá fundamentar a sua decisão, indicando as razões pelas quais considera que, num caso concreto, inexistem danos ou que os mesmos são diminutos; outros há em que esses danos superam os considerados comuns, sendo que estes deverão ser “alegados e provados por quem os invoca” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.06.2019, proferido no processo n.º 0684/04.0BELRA (in www.dgsi.pt).
A propósito do nexo de causalidade, discorreu a sentença recorrida que, tendo-se provado que, em virtude da delonga do processo, o autor “sentiu angústia, tristeza, nervosismo e ansiedade, sofreu desgaste psíquico, com reflexos negativos na sua autoestima, no seu equilíbrio emocional, sentiu mágoa, irritabilidade, sentiu que as pessoas olhavam para si pensando nas suspeitas que sobre ele recaiam, pois sabia que estava a ser alvo de juízos sociais e comentários entre os demais habitantes da pequena localidade onde residia e reside, passou a viver recolhido em casa, evitando o convívio social”, tais danos consubstanciam “lesões da integridade psíquica do autor que merecem a tutela do direito e em relação às quais se verifica o nexo de causalidade entre facto ilícito e culposo e danos” pois, para além de, em abstracto, a demora excessiva na decisão de inquérito crime ser causa adequada da produção de danos morais, o dano psicológico e moral é comum àqueles que são constituídos arguidos em inquéritos crime e que não veem resolvidos em tempo razoável os litígios.
Não tendo sido impugnada a matéria de facto, importa atentar no que ficou provado com relevância para apreciação do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano. Assim, conforme resulta dos pontos 107 e 108 do probatório, provou-se que, desde a instauração do inquérito até à notificação do despacho de arquivamento do mesmo, e por causa desse lapso de tempo, o autor sentiu angústia, tristeza, nervosismo e ansiedade, sofreu desgaste psíquico, com reflexos negativos na sua autoestima, no seu equilíbrio emocional, sentiu mágoa, irritabilidade, e sentiu que as pessoas olhavam para si pensando nas suspeitas que sobre ele recaiam, pois sabia que estava a ser alvo de juízos sociais e comentários entre os demais habitantes da pequena localidade onde residia e reside, e passou a viver recolhido em casa, evitando o convívio social.
Está, assim, patente o nexo de causalidade entre tais danos e a demora no desfecho do processo na medida em que, não fosse tal delonga, não teria o autor sofrido, na sua esfera pessoal, os danos demonstrados, não subsistindo dúvidas de que tais danos sofridos pelo autor se devem ao atraso na resolução do processo, relevando ainda, para o efeito, estar em causa a natureza criminal do processo, com impacto considerável na vida do autor.
Assim, improcede o recurso quanto a este fundamento.

Analisemos agora o montante de indemnização fixado, que o recorrente considera exagerado.
A obrigação de indemnizar corresponde à reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – cfr. artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro. Relativamente aos danos não patrimoniais a atender na fixação de indemnização, dispõe o artigo 496.º do Código Civil, nos seus n.ºs 1 e 4, que se consideram aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. De acordo com a jurisprudência do TEDH, a indemnização a atribuir pelo juiz nacional deve ser razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele tribunal para casos idênticos, tendo em conta o número de anos de atraso, o número de jurisdições em que os casos correram termos, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e a jurisprudência de cada país - neste sentido, cfr., designadamente, os Acórdãos n.º 36813/97, de 29.03.2006, Scordino c. Itália, e n.º 64699/01, de 29.03/2006, Musci c. Itália. Assim, o montante da indemnização a arbitrar nas situações de ultrapassagem do prazo razoável de decisão judicial deve ter em conta os parâmetros adoptados na jurisprudência nacional e do TEDH.
A este propósito, e com relevo para a fixação do montante indemnizatório, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.05.2017 (processo n.º 01004/16, in www.dgsi.pt) o seguinte:
“LII. E quanto aos montantes que concretamente têm sido fixados pelo «TEDH» no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, aqui também R., invocando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, ressaltam, nomeadamente, as condenações de:
- 4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em acção (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância];
- de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em acção de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição];
- de 28.000,00 € [para um autor] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na acção indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na acção indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em acção cível (acidente de viação) e na acção indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância];
- de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em acção cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas];
- de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias];
- de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e acção para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na acção falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra acção)];
- de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e acção para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância];
- de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €];
- de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em acção laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias];
- de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em acção de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].
LIII. Já no plano interno e quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados por este Supremo e os montantes fixados nas condenações do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável resulta, nomeadamente, o seguinte:
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em acção cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias];
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias];
- 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em acção cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância];
- 10.000,00 € [para um autor] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em acção cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias];
- 3.550,00 € [para um autor] e 1.500,00 € [para o outro autor] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância];
- 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a autor interveio, após ter atingido a maioridade];
- 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na acção indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»].”
Como vem reconhecendo a jurisprudência nacional, de acordo com os padrões fixados pela jurisprudência do TEDH, atribui-se entre € 1.000 a € 1.500, a título de indemnização por danos não patrimoniais por cada ano de atraso injustificado.
A sentença recorrida considerou adequado fixar o montante indemnizatório pelo atraso do processo em € 5.500,00.
Como decorre do probatório (pontos 101. e ss.), no período compreendido entre 11.07.2014 (correspondente à data de prolação do despacho de encerramento do inquérito) e 04.05.2020 (correspondente à data da notificação de tal despacho ao autor) - 5 anos, 9 meses e 23 dias - não foram praticados quaisquer actos, o que tem como efeito uma manifesta ultrapassagem do prazo razoável de duração do inquérito, considerando ainda que, como pertinentemente refere a sentença recorrida, nada foi alegado que justifique que a notificação ao autor do despacho de arquivamento tenha demorado mais de 5 anos.
Uma vez que o atraso corresponde a um lapso temporal de 5 anos, 9 meses e 23 dias, referente a um processo de inquérito de natureza criminal, e atendendo aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, e em face dos padrões fixados pela jurisprudência nacional e europeia, mostra-se adequado – e portando, não exagerado - o montante indemnizatório de € 5.500,00, fixado pelo Tribunal a quo.

Termos em que se julga improcedente o recurso.
*
Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 15 de Julho de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Ricardo Ferreira Leite
Marta Cavaleira