Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1390/23.2BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PROCESSO CAUTELAR
MAI
PROCESSO DISCIPLINAR
PENA DE AFASTAMENTO DO SERVIÇO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I– Não obstante vir requerida a produção de prova testemunhal, em processo cautelar, por natureza urgente, caso a prova atendível se mostre predominantemente documental, nada obstará ao indeferimento daquela, nos termos do art.º 118º, n.ºs 1 e 5 do CPTA, mormente quando perfunctoriamente se percecione que a prova testemunhal não poderia ter a virtualidade de alterar o sentido da decisão a proferir, e que só teria efeitos meramente dilatórios.
II– A caraterização do fumus boni iuris, segundo requisito constante do n.° 1, do artigo 120°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, assenta na aparência do bom direito (fumus boni iuris), quando "seja provável que a pretensão formulada ou a formular” no processo principal "venha a ser julgada procedente” (artigo 120.°, n.° 1, segunda parte, Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
III- Em sede de processo disciplinar, a Administração está vinculada aos factos dados por provados na decisão penal condenatória do recorrente, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares.
A autonomia e a independência do processo crime e do processo disciplinar impede a condenação disciplinar por mero efeito automático da condenação penal, mas não obsta à consideração em sede de procedimento disciplinar dos factos dados como provados no processo crime.
IV– A audiência do arguido nos termos do artigo 99.° do RD/GNR quanto ao teor da acusação contra si deduzida configura a consagração do direito previsto no artigo 32.°, n.° 10 da CRP. Aliás, é neste conspecto que o artigo 81.°, n.° 1, alínea a) do RD/GNR prevê a nulidade insanável do processo se se verificar a falta de audiência do arguido em artigos da acusação.
V- Tendo sido notificado o Requerente, na qualidade de arguido, da acusação contra si deduzida e tendo apresentado defesa, considera-se que não foi violado o direito de defesa do Requerente, pois foi-lhe dada a conhecer a acusação e concretamente quanto à possibilidade de aplicação de pena de separação do serviço, matéria relativamente à qual se pronunciou.
VI- É do senso comum que a lei não impõe nem poderia impor a fundamentação da fundamentação (e assim sucessivamente) sob pena de o autor do ato administrativo se ver condenado, como um Sísifo moderno, a rolar o rochedo da fundamentação até à consumação do Tempo. Efetivamente, refere o atual art. 153º nº 1 do CPA (Anterior Artº 125º) “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.”
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I Relatório
A…………, no âmbito de Providência Cautelar apresentada contra o Ministério da Administração Interna tendente, em síntese, à suspensão do despacho de 26.09.2023, proferido pelo Ministro da Administração Interna, no âmbito do processo disciplinar n.° ………que lhe aplicou a pena de separação de serviço”, inconformado com a Sentença proferida no TAF de Leiria em 22 de fevereiro de 2024, através da qual foi julgada improcedente o presente Processo Cautelar, veio em 13 de março de 2024 interpor recurso jurisdicional da referida decisão, no qual concluiu:
“A. No quadro do processo disciplinar, o arguido goza de presunção de inocência, conforme resulta dos artigos 29.° e 32.°, n.° 2, da Constituição (Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 62/2016, no processo n.° 457/2015, de 03-02-2016).
B. Nos termos do artigo 623.° do Código de Processo Civil, "[a] condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros [a Recorrida], presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo''.
C. Ao afirmar que a Entidade Demandada se encontra vinculada à matéria de facto apurada em sede criminal, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 29.° e 32.°, n.° 2, da Constituição e do artigo 623.° do Código de Processo Civil.
D. Nos termos do artigo 93.°, n.° 1, do Regulamento de Disciplina da GNR, o instrutor procede às diligências necessárias para esclarecer a verdade.
E. Nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Regulamento de Disciplina da GNR, o instrutor deverá ouvir o arguido.
F. No caso em apreço o arguido nunca foi ouvido nessa qualidade e a Administração não procedeu às diligências instrutórias necessárias a apurar a factualidade alegada na Defesa apresentada, pelo que a decisão tomada é nula por preterição de instrução, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 81.°, n.° 1, alíneas a) e c), e 93.° do Regulamento de Disciplina, dos artigos 18.°, 32.°, n.ºs 2 e 10, 266.°, n.° 2, 268.° e 269.°, n.° 3, da Constituição, e do artigo 122.° do Código de Processo Penal, ex vi artigo 7.° do Regulamento de Disciplina.
G. Ao assim não ter considerado, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento com violação das disposições indicadas.
H. Caso se entenda que caberia ao ora Recorrente o ónus de alegação e prova dos factos que alegou nos artigos 6.° e 7.° do requerimento inicial e, por remissão, dos factos que foram processualmente adquiridos por via da Defesa apresentada em processo disciplinar, integralmente reproduzida no Facto Provado P., então o Tribunal a quo incorreu em nulidade ao não ordenar a produção de prova testemunhal destinada a provar tais factos, nos termos do artigo 195.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
I. Caso se entenda que não está em causa uma nulidade, estará, então, em causa um erro de julgamento, visto que foram alegados factos carecidos de prova e o Tribunal afirmou que "os autos contêm os elementos probatórios necessários à apreciação do mérito da causa", o que implica a violação do disposto no artigo 118.°, n.ºs 1 e 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
J. A decisão impugnada remete in totum a sua fundamentação para 4 elementos contidos no processo disciplinar que são contraditórios entre si, sem que, para mais, os entendimentos subsequentes que divergem dos primeiros explicitem as razões pelas quais divergem.
K. Assim, a remissão em bloco para entendimentos divergentes procedimentalmente expressos em momento anterior não permite esclarecer as razões de facto e de direito pelas quais o autor do ato suspendendo assim decidiu, ou seja, não está cumprido o dever de fundamentação.
L. Ao assim não ter considerado, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 152.°, n.° 1, alínea a), e 153.°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo.
M. O princípio da imparcialidade, na sua vertente positiva, obriga a Administração a ponderar todos os factos e interesses em presença no procedimento.
N. Ao ignorar parte da factualidade alegada pelo ora Recorrente na defesa apresentada em processo disciplinar (Facto Provado P.), a decisão suspendenda incorreu em vício de violação de lei por violação do princípio da imparcialidade.
O. Ao assim não ter considerado, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento com violação do disposto no artigo 266.°, n.° 2, da Constituição e no artigo 9.° do Código do Procedimento Administrativo.
P. Ao longo do processo administrativo verifica-se um conjunto de elementos que demonstram a verificação de circunstâncias atenuantes.
Q. Verifica-se, igualmente, que entre os factos ilícitos imputados ao ora Recorrente e a decisão suspendenda passaram mais de 7 anos, sem que o ora Recorrente alguma vez tenha sido suspenso, tendo sido sempre mantido em funções por a GNR ter considerado que tal não se justificava, conforme confessado no artigo 73.° da Oposição.
R. Verifica-se, finalmente, que não foi invocado ou provado qualquer facto revelador da inviabilidade da manutenção do vínculo funcional, e o Acórdão do Tribunal Judicial não fundamenta essa decisão.
S. Verifica-se, finalmente, que a decisão suspendenda não atendeu a qualquer dos aspetos mencionados no artigo 41.°, n.° 1, do Regulamento Disciplinar da GNR, assim violando o princípio da proporcionalidade.
T. Ao assim não ter considerado, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 266.°, n.° 2, da Constituição, no artigo 7.° do Código do
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas:
a) Deve verificar-se a nulidade do despacho notificado juntamente com a sentença recorrida que negou a produção de prova testemunhal sobre matéria de facto alegada, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 195.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, anulando-se a sentença proferida;
Quando assim não se entenda,
b) Deve o recurso interposto ser julgado procedente, por provado, ser revogada a sentença recorrida e ser substituída por Acórdão que julgue procedente a providência cautelar requerida ou que ordene a baixa dos autos à primeira instância para produção de prova testemunhal sobre a matéria de facto alegada, com o que se fará Justiça.”


O aqui Recorrido/MAI veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 26 de março de 2024, aí concluindo:
“I. O Recorrente, nas suas alegações de recurso, não demonstra, nem fundamenta nenhum vício que possa ser imputado à Douta Sentença, não logrando por em causa os seus fundamentos, encontrando-se a mesma devidamente fundamentada de facto e de direito;
II. A douta sentença foi minuciosa na recolha da matéria de facto constante do processo disciplinar, tendo procedido a uma rigorosa ponderação da matéria de facto, revelando conhecer com profundidade o direito aplicável;
III. Compulsados os autos, analisando-se da legalidade que estes comportam, é inequívoco que o ato administrativo punitivo ora sob escrutínio respeita a lei e o direito;
IV. No procedimento disciplinar foi produzida prova que consubstanciou a Acusação, o Relatório Final e a Decisão;
V. Nada obriga a que a entidade decisora tenha de tomar a decisão final em consonância com a proposta da instrutora, pois, se assim fosse, na verdade, seria a instrutora a tomar, materialmente, a decisão final, e tanto assim é que o art.° 105.°, n.° 1, do RDGNR, preceitua que o órgão decisor competente “decide o processo disciplinar, concordando ou não com as conclusões e propostas do relatório"-,
VI. Na verdade, o despacho punitivo tem como fundamentos vários documentos (conforme o seu § 2), um dos quais é o relatório final - relatório este, diga-se, onde a instrutora, qualifica a infração de muito grave e por isso suscetível de aplicação da pena de «separação de serviço», contudo, entendendo dever aplicar-se pena de escalão inferior por considerar estarem reunidos os pressupostos da atenuação extraordinária -, documentos estes que foram entregues ao ora recorrente aquando da sua notificação como partes integrantes do despacho punitivo;
VII. Todavia, o parecer n.° ……………, da DSAJCPL/SGMAI, o qual é parte integrante do despacho punitivo, é absolutamente cristalino ao fazer uma síntese de tudo quanto se passou no processo, referindo-se à proposta e seus fundamentos apresentados pela instrutora quanto à aplicação de uma pena de escalão inferior por via do mecanismo da atenuação extraordinária, bem como quantos aos motivos (plasmados na informação n.° ………/23, de 19ABR, da Direção de Justiça e Disciplina da GNR), documento cuja cópia foi também entregue ao requerente aquando da notificação, fazendo-lhe este, aliás, várias referências no seu requerimento) da discordância dessa posição, ou seja, da discordância quanto à aplicação de uma pena de escalão inferior;
VIII. Aliás, da leitura integral do requerimento, das suas extensas e aprofundadas alegações, percebe-se perfeitamente que o requerente entendeu o alcance e o sentido do despacho punitivo;
IX. Não existe qualquer fundamentação contraditória e tanto assim é que o requerente percebe todo o seu sentido e alcance, como bem o demonstra a sua douta e jurisprudencialmente rica petição;
X. A alegação de falta de análise das posições divergentes que foram tomadas ao longo do processo, bem como da falta de tomada de posição ponderada e fundamentada, é no mínimo bizantina, o que só se compreende por falta de melhor argumentação;
XI. Basta ler o citado parecer da DSAJCPL/SGMAI, e, se dúvidas houvesse, a leitura dos itens 108 a 110 do requerimento dissipá-las-iam, pois aqui se percebe que o requerente sabe perfeitamente que a fundamentação para a não atenuação extraordinária da pena a encontra vertida nesse parecer, embora não concorde com ela, e tanto assim é que tenta refutar essa fundamentação, máxime por reporte à violação do princípio da proporcionalidade;
XII. Os factos constitutivos da infração (a tal verdade) resultam de uma decisão penal transitada em julgado, não podendo, em caso algum, a Administração colocá-los em causa, ou seja, a prova dos factos em sede penal (decisão penal condenatória) implica a sua prova em sede disciplinar1;
XIII. Neste sentido, a tentativa sequer de dar como provado no processo disciplinar factos contraditórios com os provados em sede penal é ilegal e proibida, pelo que entabular qualquer instrução nesse sentido é completamente despicienda, pelo menos quanto à matéria de facto;
XIV. Nesta senda, entre muitos outros, menciona-se o douto acórdão do STA no qual se concluiu que “a decisão penal condenatória, transitada em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos autores, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares” (cf. acórdão de 15/11/2018, no proc. n.° 0794/11.8BESNT);
XV. Sobre a inutilidade da instrução, convoca-se o acórdão do TCA/Sul no qual também se concluiu que “quanto a tais factos já provados na sentença penal condenatória transitada em julgado, é desnecessária ou inútil e proibida a contraprova no processo disciplinar” (cf. acórdão, de 28/06/2018, proc. n.° 927/12.7BEALM);
XVI. Não obstante, no presente caso, a instrução até foi realizada, na parte, obviamente, que não se prendeu com o apuramento e prova de factos que apurados e provados já estavam;
XVII. Até mesmo a não audiência do requerente, enquanto arguido, no processo disciplinar, em casos desta natureza (com factos já provados e indiscutíveis), não gera qualquer vício, querem termos substanciais, pois não se vislumbra qual a utilidade dessa audição para a descoberta da verdade (já fixada), nem sequer em termos formais, pois, da leitura do art.° 93.°, n.° 2, do RDGNR, resulta que o arguido só é ouvido se ele o requerer (o que não fez) ou se o instrutor o entender conveniente (o que não foi o caso, por ostensiva inutilidade);
Aqui chegados, convoca-se a Douta Sentença recorrida, nos excertos que a seguir se enunciam, os quais demonstram, de forma inabalável, a validade da mesma:
XVIII. “No caso dos autos, tendo sido notificado o Requerente, na qualidade de arguido, da acusação contra si deduzida e tendo apresentado defesa [cfr. Factos Provados O) e P)j considera-se que, ao contrário do alegado, não foi violado o direito de defesa do Requerente, pois foi-lhe dada a conhecer a acusação e concretamente quanto à possibilidade de aplicação de pena de separação do serviço, matéria relativamente à qual se pronunciou. ”;
XIX. “Por outro lado, salienta-se que o que o n.° 2 do artigo 93.° do RD/GNR dispõe é que o instrutor deve ouvir o arguido, a requerimento deste ou sempre que o entender conveniente. Ora no caso, nem o Requerente, na qualidade de Arguido requereu a sua prestação de declarações, nem o instrutor o entendeu como conveniente, precisamente no contexto acima exposto, pois que a factualidade dada como provada no relatório final reproduz (como aliás assim teria de ser) a factualidade dada como provada no âmbito do processo crime [cfr. Factos Provados D) e R)j.
XX. “Assim, cremos, porém, que verdadeiramente não está em causa qualquer falta de fundamentação nos termos previstos no artigo 152° e 153.° do CPA, sendo clara a remissão feita da decisão punitiva para a documentação em que se sustenta, o que corresponde à fundamentação por remissão, conforme prevê o n.° 2 do artigo 153° do CPA. Também não cremos que esteja em causa uma situação de contradição de fundamentação como giza o Requerente. Com efeito, afigura-se que o que está em causa nos presentes autos é a discordância do Requerente quanto à aplicação de pena disciplinar expulsiva, de separação de serviço, quando a instrutora propôs uma pena de suspensão pelo período de 240 (duzentos e quarenta) dias.”',
XXI. “Acrescenta-se que não há qualquer falta de fundamentação por contradição, pois compaginado o probatório o que temos é uma alteração (ou em rigor, o não seguimento da proposta do instrutor vertida no relatório final). E não se diga que há qualquer contradição, pois a factualidade ali tida em conta é a mesma, o que é percebido plenamente pelo Requerente, sendo que no relatório final foi também ponderada a aplicação da pena expulsiva, o que só foi afastado pelo recurso ao mecanismo do artigo 39.° do RD/GNR.",
XXII. «Assim, conclui-se que o que ocorre é que com base em todos os elementos disponíveis e mesmo remetendo para o seu teor, a autoridade competente para a aplicação da pena, neste caso, S. Ex. o Ministro da Administração Interna nos termos do artigo 43.° do RD/GNR decidiu não seguir a proposta do instrutor quanto à medida da pena, lendo-se no referido despacho que é aplicada ao Requerente “(...) a pena disciplinar de SEPARAÇÃO DE SERVIÇO, por violação dos deveres a que estava adstrito, nos termos identificados no relatório final do processo, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, para os devidos e legais efeitos.” [cfr. Facto Provado X)].»,
XXIII. Em conclusão, a decisão de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna encontra-se devidamente fundamentada, é adequada, necessária e proporcional ao caso concreto, é justa, pelo que soçobra o requisito da aparência do bom direito;
XXIV. Deste modo se conclui pela não existência da “aparência do bom direito”, não se verificando o preenchimento do critério do “fumus bonus iuris”, já que ficou inequivocamente provado, tanto através da prova recolhida nos autos que os factos descritos na acusação foram praticados com elevado grau de culpa, revelando um comportamento doloso, donde resultaram prejuízos elevados para o serviço;
XXV. É, pois, inequívoco que os fundamentos constantes da Douta Sentença demonstram cabalmente a improcedência de toda a argumentação aduzida pelo Recorrente;
XXVI. Nesta conformidade, entende o Ministério que a douta sentença recorrida revelou profundo conhecimento dos factos constantes do processo disciplinar e procedeu a uma cuidada aplicação do direito, devendo por isso ser mantida na ordem jurídica pelo Tribuna! Central;
XXVII. Inexistem, assim, os vícios imputados pela ora Recorrente à Douta Sentença impugnada, sublinhando-se, uma vez mais, que o Recorrente nas suas alegações e conclusões de recurso não demonstra os vícios que imputa à Douta Sentença.
Termos em que, nos melhores de direito e com o mui douto suprimento de vossas excelências, deve ser julgado improcedente este recurso, por não se verificarem os vícios assinalados pelo recorrente, e, em consequência, deverá ser mantida a, aliás, douta sentença ora recorrida. O que se pede por ser de JUSTIÇA.”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 27 de março de 2024, mais tendo sido sustentada a sentença proferida, nos seguintes termos:
“(…) Nas suas conclusões de recurso, mormente no ponto H), o Recorrente considera que “Caso se entenda que caberia ao ora Recorrente o ónus de alegação e prova dos factos que alegou nos artigos 6.º e 7.º do requerimento inicial e, por remissão, dos factos que foram processualmente adquiridos por via da Defesa apresentada em processo disciplinar, integralmente reproduzida no Facto Provado P., então o Tribunal a quo incorreu em nulidade ao não ordenar a produção de prova testemunhal destinada a provar tais factos, nos termos do artigo 195.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil”.
Ora, conforme parece resultar do excerto transcrito, o Recorrente não imputa à sentença proferida qualquer nulidade; considera apenas, hipotética e condicionalmente, que se verificaria nulidade por o tribunal não ter ordenado a produção de prova, caso se entenda que cabia ao Requerente, ora Recorrente, o ónus de provar o por si invocado nos artigos 6.º e 7.º do requerimento inicial.
Tal, porém, ainda que se concluísse por tal entendimento, não poderia consubstanciar nulidade da sentença proferida, mas antes nulidade processual cristalizada no despacho de dispensa de prova, despacho esse autonomamente recorrível e, não obstante, não recorrido pelo aqui Recorrente.
Com efeito, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer, ou a condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
O Recorrente não imputa à sentença qualquer destes vícios, sendo certo que qualquer eventual erro no julgamento da matéria de facto não constitui causa de nulidade da sentença.
Assim sendo, não se verifica qualquer causa de nulidade da sentença proferida nos autos.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 2 de abril de 2024, veio a emitir Parecer em 8 de abril de 2024, no qual concluiu “que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na integra a douta sentença recorrida, por a mesma não padecer dos vícios que lhe vêm assacados, nem de qualquer outro que cumpra conhecer”
Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, que “(…) o despacho que precede a sentença e que decidiu pela dispensa de produção de prova adicional está ferido de nulidade;
- a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao julgar improcedente a providência cautelar por falta de verificação dos respetivos requisitos legais, designadamente, o fumus boni iuris.”


III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade provada:
“A. O Requerente é militar da Guarda Nacional Republicana, desde 03.11.1997, cfr. processo administrativo.
B. Em 21.05.2018, na sequência de atos de inquérito praticados no processo n.° ………., foi instaurado processo disciplinar ao Requerente a que coube o n.° …………., cfr. fls. 1 a 3 do processo administrativo.
C. Em 30.10.2018 foi proferido despacho que determinou a suspensão do processo disciplinar até à decisão transitada em julgado que viesse a ser proferida no processo crime NUIPC ……….., cfr. fls. 19 do processo administrativo.
D. Em 06.10.2021 foi proferido Acórdão do Juízo Central Criminal de Loures do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, no âmbito do processo n.° ../11.4TALRS, constando do mesmo, designadamente, o seguinte:
“(...) Acordam os juízes que constituem o Tribunal Coletivo do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo Central Criminal de Loures:
I_ Relatório
Pelo Ministério Público foram remetidos para julgamento em processo comum com Tribunal Coletivo, os arguidos (. )
(2) A……….., filho de E…………dos Santos e de G…………, ………….., Militar do Quadro Permanente da GNR - Cabo, residente da R………………….
(…)
pelos factos descritos a fls. 890 a 924 e pelos quais se encontram acusados pela prática, em coautoria material e na forma consumada (artigo 26° do Cód. Penal), de 1 (um) crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375. °, n.°1, do Código Penal, e nas penas acessórias de proibição do exercício de funções, pelo período de 2 a 5 anos, e de suspensão do exercício de função, durante o período de cumprimento da pena, tudo nos ter-mos do disposto nos artigos 66° e 67.° do Código Penal.
(…)
Pelo Ministério Público foi requerida a declaração de perdimento a favor do Estado, nos termos do artigo 110°, n°1, alínea b), do Código Penal que fundamenta na obtenção, pelos arguidos, com o cometimento, em coautoria e na forma consumada, do crime de peculato, de vantagens patrimoniais que não lhes eram devidas e que quantifica nos termos seguintes:
(…)
ii. o arguido A………. obteve o valor de € 1.246,50 (mil duzentos e quarenta e seis
euros e cinquenta cêntimos);
(. )
Procedeu-se à audiência de julgamento com observância do legal formalismo. Em audiência de julgamento, foi comunicada a alteração não substancial de factos, bem como a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados aos arguidos, nos termos dos n°s 1 e 3 do artigo 358° do Código de Processo Penal, entendendo o Coletivo que os factos constantes da acusação consubstanciam o crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256°, n°1, alínea d), do Código penal, além do crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375°, n°1, do Código Penal.
Assim, os autos prosseguiram para apreciação da conduta dos arguidos pela prática, como coautores, na forma consumada e em concurso real, de um (1) crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375°, n°1, do Código Penal e um (1) crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256°, n°1, alínea d), do Código
(...)
II Matéria de Facto
ll_1 - Realizada audiência de julgamento, deliberou o Coletivo julgar provados, de entre os factos constantes da Pronúncia, Pedido de indemnização da assistente e da Contestação, os seguintes factos:
(...)
2. O arguido A………… é Militar do quadro permanente da GNR, com a matrícula n° …………., e foi colocado no Posto Territorial de A……….., no dia 2 de Dezembro de 2008, exercendo à data dos factos as funções de Adjunto do Comandante do Posto.
(…)
12. Ao arguido A………… competia, no exercido das suas funções e para além de outras, substituir o arguido C………, nas ausências e/ou impedimento deste, bem como coadjuvá-lo, especialmente nos assuntos relacionados com a administração e atividade operacional do efetivo do referido posto territorial, nos quais se inclui a escolha dos militares adstritos à realização dos serviços remunerados, em conformidade com a respetiva adjudicação às entidades requisitantes nos termos acima descritos.
13. Assim, e nas situações de ausência do arguido C…………., o arguido A……….. esteve a substituí-/o, nas suas funções de Comandante do Posto Territorial de A…………, nos períodos abaixo indicados:
• De 06 de Março de 2017a 11 de Março de 2017;
• De 10 de Abril de 2017 a 16 de Abril de 2017;
• De 17 de Julho de 2017 a 31 de Julho de 2017;
• De 01 de Setembro de 2017 a 10 de Setembro de 2017; e,
• De 29 de Novembro de 2017 a 12 de Dezembro de 2017.
(...)
16. Não obstante as regras a que sabiam estar vinculados na escolha dos militares para a
realização dos serviços remunerados, em data não concretamente apurada, mas próxima do dia 2 de Janeiro de 2017, os arguidos idealizaram, em conjunto, um plano que consistiu em que o arguido C……….., ou os arguidos A……..e I………. nas situações em que o substituíssem, enquanto responsáveis pela elaboração das escalas de serviço, se nomeassem e aos demais para realizarem o maior número de serviços remunerados durante o seu horário normal de serviço.
17. Assim como acordaram, no âmbito daquele plano, proceder à escrituração dos serviços remunerados que prestaram no horário normal de serviço no "livro de remunerados" como se se tratassem de serviços prestados fora do horário de trabalho.
18. Informações que, posteriormente, no âmbito do aludido plano, decidiram e enviaram para a Secção de Operações do Comando Geral da GNR, quando os serviços remunerados respeitavam ao policiamento de jogos de futebol, e para a Secção de Recursos Logísticos e Financeiros do Comando Territorial Lisboa da GNR, nas demais situações, de modo a que o valor lhes fosse carregado nos respetivos vencimentos, apesar de bem saberem não lhes ser devido, por, nas situações a seguir indicadas, os serviços remunerados terem sido prestados no seu horário normal de serviço e o período de cumprimento de tais serviços remunerados não exceder as seis horas, assim constituindo receita própria daquela força de segurança.
19. Ainda na execução de tal plano gizado em conjunto por todos, os arguidos escrituraram, no "livro de remunerados", o serviço remunerado mencionado nos pontos 21.lix e 27.xxxix, que tinha sido cancelado pela entidade requisitante, sem cumprimento do aviso prévio para o efeito, apesar de bem saberem, por um lado, que o mesmo não tinha sido efetivamente realizado, e, por outro, que, nas circunstâncias mencionadas nos pontos 20, 21.lix e 27.xxxix, o montante devido e cobrado à entidade requisitante constituía receita da GNR.
20. Assim como inscreveram naquele livro que o acabado de referir serviço remunerado tinha sido prestado pelos arguidos C……….. e J…….. quando estes se encontravam em situação de licença de férias.
(…)
23. Durante o decurso de todo o ano de 2017, os arguidos C………., A………, I……………. e J……., sendo este apenas até meados de Setembro de 2017, na execução daquele plano previamente determinado, fizeram inscrever no "livro de remunerados" que o segundo realizou os serviços remunerados a seguir discriminados, tendo os mesmos sido prestados em período, integralmente ou parcialmente, coincidente com o seu horário normal de serviço, nos termos seguintes:
i) No dia 02.01.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30m, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h, para a empresa A…………, Lda., e que tinha de receber o valor de €39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
ii) No dia 03.01.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30m, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h, para a empresa A…………., Lda., e que tinha de receber o valor de € 39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
iii) No dia 08.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30m, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 13h às 17h, para a empresa T………, SA., e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
iv) No dia 10.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30m, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 08h às 12h, para a empresa T…………., SA., e que tinha de receber o valor de € 39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
v) No dia 10.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 13h às 17h, para a empresa T……….., SA, e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
vi) No dia 13.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 08h às 12h, para a empresa T…………, SA., e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
vii) No dia 14.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 08h às 12h, para a empresa T………….., SA., e que tinha de receber o valor de € 39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos); e um outro serviço, para o mesmo horário e entidade requisitante, e que tinha a receber o valor de € 39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
viii) No dia 14.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30m, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 13h às 17h, para a empresa T……….., SA., e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
ix) No dia 15.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 08h às 12h, para a empresa T………., SA., e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
x) No dia 15.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 13h às 17h, para a empresa T………….., SA., e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
xi) No dia 16.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 13h às 17h, para a empresa T…………, SA, e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
xii) No dia 17.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 08h às 12h, para a empresa T……….., SA, e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
xiii) No dia 20.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30m, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h, para a empresa T………….., SA., e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
xiv) No dia 22.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 9h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 9h às 13h, para a empresa T………….., SA, e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
xv) No dia 22.02.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h, para a empresa T………., SA, e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
xvi) No dia 07.03.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 9h às 17h30m, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h + 1h, para a empresa M…………., SA, e que tinha de receber o valor de € 50,00 (cinquenta euros);
xvii) No dia 08.03.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 9h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h +1h, para a empresa M…………., SA, e que tinha de receber o valor de € 50,00 (cinquenta euros);
xviii) No dia 09.03.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h, para a empresa M………., SA, e que tinha de receber o valor de € 39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
No dia 31.03.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 9h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h, para a empresa S………., SA, e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
xx) No dia 01.04.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 9h às 17h00m, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 9h às 13h, para a empresa S…………, SA., e que tinha de receber o valor de € 56,00 (cinquenta e seis euros);
xxi) No dia 03.04.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 9h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h, para a empresa M…………, SA., e que tinha de receber o valor de € 39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
xxii) No dia 05.04.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 9h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h, para a empresa M………, SA., e que tinha de receber o valor de € 39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
xxiii) No dia 06.04.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 9h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h, para a empresa M…………, SA., e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
xxiv) No dia 13.04.2017, encontrando-se escalado para o serviço “pronto” com o horário das 9h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h, para a empresa T………….., SA, e que tinha de receber o valor de € 39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
xxv) No dia 18.05.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 9h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 08h às 12h, para a empresa S……….., SA, e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
xxvi) No dia 25.05.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às 18h, para a empresa A………., Lda., e que tinha de receber o valor de € 39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
xxvii) No dia 30.05.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 13h às 17h, para a empresa E……………, Unipessoal, Lda., e que tinha de receber o valor de € 39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
xxviii) No dia 29.08.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h00, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 13h às 17h, para a empresa A………….., Lda., e que tinha de receber o valor de €39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
xxix) No dia 01.09.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 09h às 13h, para a empresa A…………, Lda., e que tinha de receber o valor de € 39,50 (trinta e nove euros e cinquenta cêntimos);
xxx) No dia 30.08.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar do "livro de remunerados", que tinha efetuado, para a empresa Á………….., SA. e que tinha de receber o valor de € 37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos);
xxxi) No dia 01.09.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 13h às 17h, para a empresa Á………., SA., e que tinha de receber o valor de € 50,00 (cinquenta euros).
24. Com a inscrição dos descritos serviços no "livro de remunerados" e a subsequente comunicação à Secção de Operações do Comando da GNR e à Secção de Recursos Logísticos e Financeiros do Comando Territorial da GNR, consoante a respetiva natureza, o arguido A………. auferiu a quantia de € 1.035,00 (mil e trinta e cinco euros), valor que, na execução daquele plano previamente determinado, lhe foi efetivamente carregado pela GNR no respetivo vencimento.
(...)
29. Os arguidos C……….., A……… e I…….. aproveitando-se da sua condição de militares da GNR e das concretas funções que desempenhavam no Posto Territorial de A…………. - em concreto, elaboraras escalas de serviço, nos termos referidos nos pontos 5, 12 e 14, nelas indicando, para além do mais, os militares adstritos à realização dos serviços remunerados -, em comunhão de esforços e na execução do plano que previamente delinearam, efetuaram escalas nas quais os colocaram, bem como ao arguido J………., a prestar serviços remunerados durante o período de serviço normal, o que fizeram visando auferir as quantias respetivas, o que lograram.
Nessas situações de nomeação de os arguidos para a execução de serviços remunerados durante o período de serviço normal, em número concreto que não foi possível apurar, não se tratava de situações excecionais, de interesse público ou por imposição legal. Nessas situações de nomeação de os arguidos para a execução de serviços remunerados durante o período de serviço normal, em número concreto que não foi possível apurar existiam outros militares que se encontravam fora do seu período de serviço ou do seu horário normal de trabalho.
30. Aproveitando-se, ainda, da sua condição de Militares da GNR e das concretas funções que desempenhavam no Posto Territorial de A………… e sempre em comunhão de esforços e no cumprimento do plano que traçaram, o arguido C……….., por si próprio, e os arguidos A………….. e I………., nos períodos em que o substituíram, fizeram inscrever no "livro de remunerados" - cuja responsabilidade de elaboração, até meados de Setembro de 2017, se encontrava a cargo do arguido J………, e a assinatura de tais folhas a cargo de o arguido C………… - que tinham prestado todos os serviços remunerados acima descritos e pelos quais lhes eram devidos os montantes que nele igualmente apuseram. Em comunhão de esforços e no cumprimento do plano que traçaram, fizeram inscrever, no “livro de remunerados, a realização de o serviço requisitado para o dia 7 de Setembro de 2017, não obstante esse serviço não ter sido efetivamente realizado, por ter sido cancelado pela respetiva entidade requisitante sem cumprimento do aviso prévio e porque os militares C……… e J…………. - conforme indicado nos pontos 21.lix e 27.xxxix - se encontravam, na data em causa, no gozo de licença de férias.
31. Sabiam os arguidos que ao fazerem inscrever, no "livro de remunerados", a realização de os serviços remunerados que prestaram no horário normal de serviço - nos termos indicados nos pontos 17, 21, 23, 25 e 27 - como se se tratassem de serviços prestados fora do horário de trabalho e ao comunicá-los à Secção de Operações do Comando Geral da GNR e à Secção de Recursos Logísticos e Financeiros do Comando Territorial de Lisboa da GNR, consoante a respetiva natureza, o faziam com o propósito, que vieram a concretizar, de os montantes correspondentes lhes serem carregados nos seus vencimentos mensais, apesar de bem saberem que os mesmos não lhes pertenciam, por terem sido prestados - nas situações especificadas nos pontos 21, 23, 25 e 27 da matéria de facto considerada provada - durante os respetivos períodos de serviço normal e na medida em que os serviços remunerados não excederam o período de seis horas, constituindo os mesmos, nessa medida, receita própria da GNR.
32. Com as descritas condutas e aproveitando-se sempre da sua condição de militares e das concretas funções que desempenhavam no Posto Territorial de A………, os arguidos - sendo o arguido J……….. responsável pela inscrição, no "livro de remunerados", até meados de Setembro de 2017, apenas -, apropriaram-se, cada um deles, das referidas quantias monetárias, integrando-as no seu património por via dos carregamentos que lhes foram efetivamente efetuados nos respetivos vencimentos.
33. Ao atuar do modo descrito e agindo sempre em comunhão de esforços, no âmbito de um plano por todos eles gizado, os arguidos - sendo o arguido J……….. responsável pela inscrição, no "livro de remunerados", até meados de Setembro de 2017, apenas - fizeram-no com propósito concretizado de ilegitimamente se apoderarem de quantias monetárias que sabiam pertencer à GNR e que lhes foram entregues em razão das comunicações que efetuaram, no âmbito das suas concretas funções, às referidas Secção de Operações do Comando Geral da GNR e Secção de Recursos Logísticos e Financeiros do Comando Territorial de Lisboa da GNR.
34. Pretenderam os arguidos, desta forma, obter para si benefício económico, que alcançaram, a que sabiam não ter direito, tendo logrado causar um empobrecimento injustificado da GNR, ou seja do Estado.
35. Agiram em tudo de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei
(...)
V_ Decisão
Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem o Tribunal Coletivo em julgar procedente por provada a acusação e, em consequência, decidem:
(. )
v. condenar o arguido A………… pela prática, em coautoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de peculato , previsto e punido pelo artigo 375°, n°1 , do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses/
vi. condenar o arguido A……….. prática, coautoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido p elo artigo 256°, n°1, alínea d), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses; em cumulo jurídico das penas parcelares, condenar o arguido A……….., na pena UPicS de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de pTISSo, viii. suspender a da pena de aplicada ao arguido A………., pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, nos termos do artigo 50°, n°s 1 e 5, do Código Penal;
(…)
xviii. condenar o arguido A…………., nos termos do art. 110°, n°s. 1, al. b) e 4 do Código Penal, no pagamento, ao Estado, da quantia de € 1.035,00 (mil e trinta e cinco euros);
(...)
xxi. condenar os arguidos C…………., A………….., I……… e J……….., nas custas criminais, fixando-se a taxa de Justiça na quantia de 4 U.Cs por referência a cada arguido (artigos 513° e 514°, ambos do Código de Processo Penal e 8°, n°5, e 16° do Regulamento das Custas); (...)', cfr. documento n.° 4 junto com o requerimento inicial e fls. 123 a 229 do processo administrativo.
E. A decisão referida na alínea precedente transitou em julgado em 05.11.2023, cfr. fls. 227 do processo administrativo.
F. Em 21.02.2022 foi retomada a instrução do processo disciplinar, após junção ao processo de cópia da decisão final do processo-crime (em 25.01.2022) e de informação, do Ministério Público, do trânsito em julgado do Acórdão (em 27.01.2022), cfr. fls. 230 do processo administrativo.
G. Em 23.03.2023 foi junto ao processo disciplinar folha de matrícula do Requerente, da qual constam designadamente três louvores, cfr. fls. 235 a 246 do processo administrativo.
H. Em 25.03.2023 foi elaborada informação ao abrigo do artigo 38.°, n.° 4 do RDGNR, constando da mesma, designadamente que:
informo que relativamente ao Cabo n………….. - A……….., este trata-se de um militar dotado de notável aptidão para bem servir nas diferentes circunstâncias e em prol dos superiores interesses da Instituição.
É um militar com elevado sentido do dever e da responsabilidade, evidenciando-se pela sua capacidade técnico-profissional no desempenho de funções de Secretaria.
Militar em afirmação constante de elevados dotes de caráter, abnegado, zeloso e camarada, revela sólida formação moral e cívica.
O referido militar é digno de boa informação por parte do seu superior hierárquico, revelando-se num dos elementos de destaque deste Posto e do seu bom funcionamento.
cfr. fls. 248 do processo administrativo.
I. Em 06.04.2022, foi elaborada a Acusação, relativa ao Requerente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando, da mesma em particular que:
V. Penas aplicáveis
As infrações graves, nos termos do art.° 41.°, n.° 2, al. b), do RDGNR, são aplicáveis as penas de suspensão ou suspensão agravada.
Consequentemente, pela violação das infrações, ao arguido são aplicáveis a título de pena disciplinar principal, as penas de suspensão ou de suspensão agravada, cujos efeitos se k encontram descritos, respetivamente, nos art.05 30.° e 31 “ do RDGNR.
Nessa medida, poderá vir a ser afastado por completo do serviço pelo período que for fixado, entre 5 a 120 dias ou 121 a 240 dias, mantendo unicamente direito a um terço do vencimento auferido à data da execução, a perda de igual tempo de serviço efetivo, a perda de suplementos e subsídios, a impossibilidade de ser promovido durante o período de execução da pena c durante o ano imediatamente subsequente.
Nos termos do art.° 35.°, n.' 1, do RDGNR, pode ainda ser-lhe aplicada a pena acessória de transferência compulsiva, a qual consiste na sua colocação compulsiva noutro órgão, unidade, subunidade, serviço ou estabelecimento de ensino, diferente daquela ou daquele em que se encontra colocado, pelo período de um a quatro anos, sem prejuízo de terceiros.
cfr. documento n.° 5 junto com o requerimento inicial e fls. 250 a 269 (verso) do processo administrativo.
J. A Acusação a que se refere a alínea precedente foi levada ao conhecimento do Requerente em 20.04.2022, cfr. fls. 271 do processo administrativo.
K. Em 12.08.2022 foi elaborado Relatório Final, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando do mesmo em particular que:
X, Parecer
Às infrações graves, nos termos do art.'1 41.°, n.° 2. al. b), do RDGNR, são aplicáveis as penas de suspensão ou suspensão agravada.
Não existe qualquer circunstância que diminua substancialmente a culpa do arguido c, nessa medida, possibilite a aplicação de pena de escalão inferior.
Consequentemente, pela violação das infrações, ao arguido são aplicáveis a título de pena disciplinar principal, as penas de suspensão ou de suspensão agravada, cujos efeitos se encontram descritos, respetivamente, nos art."1 SO.” e 31do RDGNR.
A pena de suspensão agravada consiste no afastamento completo do serviço pelo período fixado, entre 121 e 240 dias, mantendo o militar unicamente direito a um terço do vencimento auferido à data da execução, cf. art." 31.u, n.“ 1, do RDGNR.
Refere o artº 41.º, n.° 1, do RDGNR, que, na aplicação das penas disciplinares, atende-se à natureza do serviço, à categoria, posto e condições pessoais do infrator, aos resultados perturbadores da disciplina, ao grau da ilicitude do facto, à intensidade do dolo ou da negligência e, em geral, a todas as circunstâncias agravantes e atenuantes.
Nos termos do art.° 35.°, n.° 1, do RDGNR, pode ainda ser-lhe aplicada a pena acessória de transferência compulsiva, a qual consiste na sua colocação compulsiva noutro órgão, unidade, subunidade, serviço ou estabelecimento de ensino, diferente daquela ou daquele em que se encontra colocado, pelo período de um a quatro anos, sem prejuízo de terceiros.
Em face do exposto, atentas as necessidades de prevenção geral e especial, os critérios da adequação, necessidade e proporcionalidade subjacente â aplicação dosimétrica das penas, o grau culpa, bem como as circunstâncias agravantes e atenuantes, e demais critérios presentes no artigo 41.°, n.° 1, do RDGNR, sou do parecer que o arguido deve ser punido com a pena disciplinar de 160 (vinte) dias de suspensão agravada.
(../, cfr. fls. 282 a 301 (verso) do processo administrativo.
L. Em 01.09.2022 a Comandante, em suplência, do Comando Territorial de Lisboa - Secção de Justiça, proferiu despacho, do qual consta, designadamente o seguinte:
impendem, sou do parecer, salvo melhor opinião, que ao arguido, Cabo NM ……….., A……….., se ajustará a pena disciplinar de 160 dias de suspensão agravada, nos termos do art.“27°, alínea d) n° 2 conjugado com o n° 1 do art.® 31° e nos termos do art.° 41. n°2, alínea b), todos do RDGNR. aprovado pela Lei n.® 145/99 de 01 de Setembro, alterado pela Lei 66/2014 de 28 agosto.
Por ultrapassar a minha competência disciplinar, conforme do n.º 6, do art.° 61º, remeta-se o presente processo à D.ID/GNR. para apreciação e Despacho superior.
(...)’, cfr. fls. 303 do processo administrativo.
M. Em 29.09.2022 o Comandante Geral proferiu despacho do qual consta, designadamente, o seguinte:
5. Compulsado os autos, verifica-se que a Instrutora, ao descrever os factos imputados ao arguido, não fez uma transcrição integral da factual idade provada judicialmente, além de que lhe imputou a violação do dever de zelo (cf. art.° 12.°, n.° 1, e n.° 2, al. b), do RDGNR), considerou como agravante a «acumulação de infrações» e qualificou a infração como j «grave».
6. Todavia, considerando que os factos imputados devem ser os mesmos pelos quais o arguido foi condenado judicialmente, deve a Instrutora deduzir nova acusação, devendo transcrever “ipsis verbis” a factualidade considerada provada constante na matéria de facto do citado acórdão (pontos ]. a 110, inclusive (fls. 62v a 83v), devendo ainda desconsiderar a referida agravante, porquanto a mesma não se verifica.
7. Além disso, deve passar a imputar ao arguido a violação do dever geral, do dever de proficiência e do dever de aprumo (cf. respetivamente, art.° 8º, n.° 1, art.“ 11.°, n.° 1, e n.° 2, al. a), e art.° 17.°, n.° 1, e n.° 2, al. A), todos do RDGNR), eliminado a referência ao dever de zelo, na medida em que este dever não se considera violado.
8. Por outro lado, considerando que a apropriação de dinheiros públicos por parte de um agente de autoridade e a inerente falsificação de documento gera avultados danos para a sua credibilidade, e, simultaneamente, afeto gravemente o bom nome da Instituição, inviabilizando-se, dessa forma, a sua manutenção da relação funcional, deve a infração ser qualificada como «muito grave», à luz do disposto no art.º 21,°, n.° 1, do RDGNR.
9. Ao que acresce que a conduta adotada pelo arguido atenta igualmente gravemente contra a ordem, disciplina, imagem c prestígio da Guarda (cf. art.° 21.*, n.6 1, e n.º 2, al. c), do RDGNR), sendo que os crimes pelos quais o arguido foi condenado foram cometidos a título doloso, no exercício de funções, os quais são puníveis com pena de prisão superior a 3 anos, circunstância que é reveladora da falta de confiança necessária ao exercício da função (cf. art.° 21.°, n.° l, e n.º 2, al. e), do RDGNR}, tendo ainda o mesmo feirado aos seus deveres funcionais com intenção de obter para si beneficio económico ilícito, pois praticou atos que lesaram os interesses patrimoniais que lhe cumpria defender em razão das suas funções (cf. art.° 21n.° 1, e n.° 2, al, i), segunda parte, do RDGNR).
10. Face ao exposto, declara-se nula a acusação e anula-se todo o processado subsequente, nos termos do art.° 81°, n.° 1, al. b) (proémio), do RDGNR.
11. Aquando da abertura do volume II, mais se verificou que a Instrutora numerou as folhas como se tratasse do I volume, motivo pelo qual deve proceder à sua renumeração sequencial, com início a fls. 236,
12, Remeta-se à Unidade para que o Instrutor notifique o arguido do presente Despacho, devendo ainda deduzir nova acusação tendo em consideração o supramencionado
(...), cfr. fls. 305 e 306 do processo administrativo.
N. Em 09.11.2022 foi deduzida nova acusação contra o Requerente, constando da mesma designadamente o seguinte:
V. Penas aplicáveis
VI. Às infrações muito graves, nos termos do art.° 41.°, n.° 2, al. c), do RDGNR, é aplicável a pena de separação de serviço.
VII. Consequentemente, pela violação da infração, ao arguido é aplicável a título de pena disciplinar, a pena de separação de serviço, cujos efeitos se encontram descritos, respetivamente, no art.º 33.° do RDGNR.
VIII. Nessa medida, a pena consiste no afastamento definitivo da Guarda, com extinção do vinculo funcional à mesma e a perda da qualidade de militar, ficando interdito o uso de uniforme, distintivos e insígnias militares, sem prejuízo do direito à pensão de reforma.
Proceda-se à notificação do arguido, juntando-se cópia do presente despacho e indicando que:
1. O arguido dispõe de 20 (vinte) dias úteis, contados da notificação da acusação, para apresentar defesa, por escrito, na qual devem constar as razões, de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação, cf. art.” 99.°, n0 1, e 100, n.° 1, do RDGNR;
2. Com a defesa, deve apresentar o rol de testemunhas, juntar documentos e requerer quaisquer diligências que pretenda que sejam realizadas, cf, art.º 100.°, n.º 2, do RDGNR:
3. O número de testemunhas é ilimitado, não podendo, porém, ser indicadas mais de três por cada facto, cf. 100º, nº 3, do RDGNR;
4. Deve especificar os factos sobre os quais a testemunhas vão depor;
5. A falta de resposta dentro do prazo vale como efetiva audiência do arguido para todos os efeitos legais, cf, art.° 100º,n.º 4, do RDGNR;
A defesa deve ser dirigida ao instrutor do presente processo, podendo ser apresentada no Destacamento de Trânsito de C……, nos dias úteis, entre as Q9h00 e as 12h30 e as 14h00 e as 171i30, sem prejuízo do seu envio por outro meio, nomeadamente correio; Durante o prazo para a apresentação da defesa, o arguido, o seu advogado ou representante, pode examinar o processo no destacamento de Trânsito de C……., nos dias úteis, entre as 09h00 c as 12h30 e as h00 as 17h30, cf. art.° 100.°, n.º 1, do RDM, aplicável, ex vi do art.ª 7.° do RDGNR;
S. Durante a toda a fase de defesa, caso tenha advogado constituído, este pode solicitar ao Instrutor a confiança do processo para exame fora das instalações dos serviços, cf. art.° 76.° do RDGNR.
cfr. documento n.° 7 junto com o requerimento inicial e fls. 313 a 334 (verso) do processo administrativo.
O. A Acusação a que se refere a alínea precedente foi levada ao conhecimento do Requerente em 21.11.2022, cfr. fls. 337 do processo administrativo.
P. Em 02.01.2023, o Requerente apresentou a sua defesa, dando-se aqui por reproduzido todo o seu teor, peticionando a final o arquivamento dos autos, imputando-lhe os vícios de preterição de formalidade essencial, por falta de fundamentação de facto e de direito da inviabilização da manutenção da relação funcional e de violação do principio da proporcionalidade, tendo requerido a inquirição das testemunhas M………….., E……….. e JJ…….., cfr. documento n.° 8 junto com o requerimento inicial e fls. 341 a 350 do processo administrativo.
Q. Em 16.01.2023 foram ouvidos M…………., E………. e JJ….., na qualidade de testemunhas, conforme autos de fls. 352, 354 e 356, respetivamente, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
R. Em 25.01.2023 foi elaborado o relatório final, do qual consta, designadamente, o seguinte:
(...)
O arguido Cabo n.° ………… - A……………. é militar da Guarda Nacional Republicana desde 03NOV97, foi promovido ao posto de Cabo em 19DEC02 e pertence ao efetivo do PT A………../DT Alenquer desde 02DEC08, exercendo à data dos factos as funções de Adjunto do Comando do Posto (fls. 03 volume II).
2.° Ao arguido competia, no exercido das suas funções e para além de outras, substituir o Sargento- ajudante C………, nas ausências e/ou impedimento deste, bem como coadjuvá-lo, especialmente nos assuntos relacionados com a administração e atividade operacional do efetivo do referido posto territorial, nos quais se inclui a escolha dos militares adstritos à realização dos serviços remunerados, em conformidade com a respetiva adjudicação às entidades requisitantes nos termos acima descritos (fls.63).
Assim, e nas situações de ausência do Sargento-ajudante C……….., o arguido esteve a substituí-lo, nas suas funções de Comandante do Posto Territorial de A……….., nos períodos abaixo indicados:
• De 06 de Março de 2017 a 11 de Março de 2017;
• De 10 de Abril de 2017 a 16 de Abril de 2017;
• De 17 de Julho de 2017 a 31 de Julho de 2017;
• De 01 de Setembro de 2017 a 10 de Setembro de 2017; e
• De 29 de Novembro de 2017 a 12 de Dezembro de 2017 (fls. 63 verso),
Ao Comandante do Posto cabia, no que aos serviços remunerados concerne, a responsabilidade de receber os pedidos efetuados pelas diversas entidades, competência que delegou no arguido, dando-lhe este, posteriormente, conhecimento dos mesmos.
Pedidos que, quando só traduziram em policiamento de espetáculos desportivos, foram efetuados pelas entidades requisitantes através da Plataforma Informática de Requisição de Policiamento de Espetáculos Desportivos.
Sendo, nas demais situações, efetuados pelas entidades requisitantes, nomeadamente através do endereço do correio eletrónico do Posto Territorial de A…………. (fls.63).
Pelo que, sempre que as entidades requisitantes concordaram com o orçamento apresentado, o Sargento-ajudante G….. elaborou a escala diária de serviço onde fez constar quais os militares adstritos aos serviços remunerados (fls.63).
Devendo o Sargento-ajudante C………, na escolha dos militares afetos àquele serviço, optar, em primeiro lugar, pelos militares que se encontravam fora do período de serviço ou do seu horário normal de trabalho, podendo, em casos excecionais e por motivos de interesse público, optar por outros elementos fora daquelas condições (fls.63).
O Guarda-principal J…….. foi responsável pela escrituração no livro de remunerados, tarefa que desempenhou até meados de setembro de 2017 e mediante instruções do arguido C………… (fls.63 verso).
Não obstante as regras a que sabiam estar vinculados na escolha, dos militares para a realização dos serviços remunerados, em dala não concretamente apurada, mas próxima do dia 2 de janeiro de 2017, o Sargento-ajudante G……. idealizou, em conjunto com o Guarda-principal J………, o arguido e o Cabo I……….., um plano que consistiu em que o Sargento-ajudante G…………, ou o arguido e o Cabo I……… nas situações em que o substituíssem, enquanto responsáveis pela elaboração das escalas de serviço, se nomeassem e aos demais para realizarem o maior número de serviços remunerados durante o seu horário normal do serviço (fls.63 verso).
Assim como acordaram, no âmbito daquele plano, proceder à escrituração dos serviços remunerados que prestaram no horário normal de serviço no "livro de remunerados" como se se tratassem de serviços prestados fora do horário de trabalho (fls.64).
Informações que, posteriormente, no âmbito do aludido plano, decidiram e enviaram para o CO/CG, quando os serviços remunerados respeitavam ao policiamento de jogos de futebol, e para a SRLF do CTer Lisboa, nas demais situações, de modo a que o valor lhes fosse carregado nos respetivos vencimentos, apesar de bem saberem não lhes ser devido, por, nas situações a seguir indicadas, os serviços remunerados terem sido prestados no seu horário normal de serviço e o período de cumprimento de tais serviços remunerados não exceder as seis horas, assim constituindo receita própria daquela força de segurança (fls.64).
Ainda na execução de tal plano gizado em conjunto por todos, os arguidos escrituraram, no "livro de remunerados", o serviço remunerado mencionado nos pontos 12.º lix e 18“ xxxix, que tinha sido cancelado pela entidade requisitante, sem cumprimento do aviso prévio para o efeito, apesar de bem saberem, por um lado, que o mesmo não tinha sido efetivamente realizado, e, por outro, que. nas circunstâncias mencionadas nos pontos 1112.° lix e 18.° xxxix, o montante devido e cobrado á entidade requisitante constituía receita da GNR (fls.64).
Assim como inscreveram naquele livro, acabado de referir, o serviço remunerado tinha sido prestado pelo Sargento-ajudante G……… e pelo Guarda-principal J……….. quando estes se encontravam em situação de licença de férias (fls.64).
Nessa conformidade e em execução de tal plano gizado, durante o decurso de todo o ano de 2017, o Sargento-ajudante G……….., o arguido, o Cabo I……….. e Guarda-principal J……., sendo este apenas até meados de setembro de 2017, fez inscrever no "livro de remunerados" que realizou os serviços remunerados a seguir discriminados, tendo os mesmos sido prestados em período integralmente ou parcialmente coincidente com o seu horário normal de serviço, nos termos seguintes:
(...)
Durante o decurso de todo o ano de 2017, o Sargento-ajudante, o arguido, o Cabo I……… e o Guarda-principal J……….., sendo este apenas até meados de setembro de 2017, na execução daquele plano previamente determinado, fizeram inscrever no "livro de remunerados" que o segundo realizou os serviços remunerados a seguir discriminados, tendo os mesmos sido prestados em período, integralmente ou parcialmente, coincidente com o seu horário normal de serviço, nos termos seguintes:
i) No dia 02.01.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30m, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das I4h às 18h, para a empresa A…………, Lda., e que tinha de receber o valor de €39,50 (trinta e nove ouros e cinquenta cêntimos);
(...)
Com a inscrição dos descritos serviços no "livro de remunerados" e a subsequente comunicação ao CO/GNR e à SRLF/CTer Lisboa, consoante a respetiva natureza, o arguido auferiu a quantia de €1.035,00 (mil e trinta e cinco euros), valor que, na execução daquele plano previamente determinado, lhe foi efetivamente carregado pela GNR no respetivo vencimento (fls.71 verso).
Durante o decurso de lodo o ano de 2017, o Sargento-ajudante G………., o arguido, o Cabo I……… e o Guarda-principal J………, sendo este apenas até meados de setembro de 2017, na execução daquele plano previamente determinado, fizeram inscrever no "livro de remunerados" que o arguido realizou os serviços remunerados a seguir discriminados, prestados em período integralmente ou parcialmente coincidente com o seu horário normal de serviço, nos termos seguintes:
i) No dia 02.01.2017, encontrando-se escalado para o serviço normal das 09h às 17h30m, fez constar no "livro de remunerados" que tinha efetuado um serviço remunerado das 14h às I81v, para a empresa A…………, Lda., e que tinha de receber o valor de € 37.50 (trinta e sete curos e cinquenta cêntimos);
(…)
18,° No decorrer do ano de 2017, ainda na execução daquele plano previamente determinado, o Sargento-ajudante G……….., o arguido, o Cabo I………… e o Guarda-principal J……….., sendo este apenas até meados de setembro de 2017, fizeram inscrever no "livro de remunerados” que o quarto realizou os serviços remunerados a seguir discriminados, prestados em período integralmente ou parcialmente coincidente com o seu horário normal de serviço, nos termos seguintes:
que não foi possível apurar, não se tratava de situações excecionais, de interesse público ou por imposição legal Nessas situações de nomeação dos militares para a execução de serviços remunerados durante o período de serviço normal, em número concreto que não foi possível apurar existiam outros militares que se encontravam fora do seu período de serviço ou do seu horário normal de trabalho (lls.77 verso).
20.º O arguido, aproveitando-se da sua condição de militar da GNR e das concretas funções que desempenhava no Posto Territorial de A……. - em concreto, elaborar as escalas de serviço, nos termos referidos no ponto 2.°, para além do mais, os militares adstritos à realização dos serviços remunerados em comunhão de esforços e na execução do plano que previamente delineara, efetuara escalas nas quais os colocaram, bem como ao Guarda-principal J………, a prestar serviços remunerados durante o período de serviço normal, o que fizera visando auferir as quantias respetivas, o que lograra (fls.77 verso),
21.º Nessas situações de nomeação de o arguido e de os outros militares identificados para a execução de serviços remunerados durante o período de serviço normal, em número concreto
22.º Aproveitando-se, ainda, da sua condição de Militares da GNR e das concretas funções que desempenhavam no Posto Territorial de A…………. e sempre em comunhão de esforços e no cumprimento do plano que traçaram, o arguido, fizera inscrever no "livro de remunerados"
- cuja responsabilidade de elaboração, até meados de Setembro de 2017, se encontrava a cargo do Guarda-principal J………, e a assinatura de tais folhas a cargo do Sargento-ajudante G……… - que tinham prestado todos os serviços remunerados acima descritos e pelos quais lhes eram devidos os montantes que nele igualmente apuseram. Em comunhão de esforços e no cumprimento do plano que traçaram, fizeram inscrever, no "livro de remunerados", a realização de o serviço requisitado para o dia 7 de Setembro de 2017, não obstante esse serviço não ter sido efetivamente realizado, por ter sido cancelado pela respetiva entidade requisitante sem cumprimento do aviso prévio e porque o Sargento-ajudante e o Guarda-principal J……… - conforme indicado nos pontos 12.° lix e 18.° XXXIX - se encontravam, na data em causa, no gozo de licença de férias (fls.78).
23,º Sabia o arguido e os restantes militares identificados que ao fazer inscrever, no "livro de remunerados", a realização de os serviços remunerados que prestaram no horário normal de serviço - nos lermos indicados nos pontos 8.°, 14.°, 16.° e 18." - como se se tratassem de serviços prestados fora do horário de trabalho e ao comunicá-los ao CO/GNR e à SRLF/CTer Lisboa, consoante a respetiva natureza, o faziam com o propósito, que vieram o concretizar, de os montantes correspondentes lhes serem carregados nos seus vencimentos mensais, apesar de bem saberem que os mesmos não lhes pertenciam, por terem sido prestados - nas situações especificadas nos pontos 12.°, 14.°, 16.° e 18.° da matéria de facto considerada provada durante os respetivos períodos de serviço normal e na medida em que os serviços remunerados não excederam o período de seis horas, constituindo os mesmos, nessa medida, receita própria da GNR (fls.78).
Com as descritas condutas e aproveitando-se sempre da sua condição de militares e das concretas funções que desempenhavam no Tosto Territorial de A……….., o arguido e os restantes militares identificados - sendo o Guarda-principal J………. responsável pela inscrição, no "livro de remunerados", até meados de Setembro de 2017, apenas -, apropriaram- se, cada um deles, das referidas quantias monetárias, integrando-as no seu patrimônio por via dos carregamentos que lhes foram efetivamente efetuados nos respetivos vencimentos (fls.78).
25.º Ao atuar do modo descrito e agindo sempre em comunhão de esforços, no âmbito de um plano por lodos eles gizado, o arguido e os restantes militares identificados - sendo o Guarda-principal J…….. responsável pela inscrição, no "livro de remunerados", até meados de Setembro de 2017, apenas fizeram-no com propósito concretizado de ilegitimamente se apoderarem de quantias monetárias que sabiam pertencer à GNR e que lhes foram entregues em razão das comunicações que efetuaram, no âmbito das suas concretas funções, ás referidas ao CO/GNR e à SRLF/CTer Lisboa (fls.78).
26,º Pretendeu o arguido desta forma, obter para si beneficio económico, que alcançou, a que sabia não ter direito, tendo logrado causar um empobrecimento injustificado da GNR, ou seja listado (fls.78 verso).
27º Agiu em tudo de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punidas por lei (fls.78 verso).
(...)
IV. Factos provados
Atendendo a prova produzida no presente processo considera-se que estão provados todos os factos constantes na acusação.
V. Motivação da matéria de facto
Os factos descritos em II, foram considerados como provados em sede de julgamento que levou à condenação do arguido transitada cm julgado* factos que concomitantemente consubstanciam infração disciplinar, sendo os factos provados no processo crime (fls. 60 a 223) determinantes para a convicção de tais atos.
VI. Direito aplicável
Com a conduta descrita nos factos, o arguido violou o dever geral, o dever de proficiência e o dever de aprumo (cf. Respetivamente, art.º 8.°, n.° 1, art ° 11.°, n.º 1, e n.º 2, al. a), e art." 17.º, n.° 1, e n.“ 2, al. a), todos do). Perante estes factos foram provados e condenado cm processo-crime:
1. Pela prática, como coautor e na forma consumada de 1 crime de peculato: pena de 2 anos de prisão e 3 meses;
2. Pela prática, na forma consumada, de 1 crime de falsificação de documento: pena 9 meses de prisão;
3. Traduzindo assim, do cúmulo jurídico das penas parcelares, numa pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, sendo suspensas na sua execução por período igual;
4. Ainda, foi condenado ao pagamento, ao Estado, da quantia de € 1.035,00.
VII. Qualificação das infrações
De acordo com o art.° 21.°, n.® 1 do RDGNR, a infração disciplinar pelos factos elencados anteriormente, consubstancia uma infração muito grave, pois considerando que a apropriação
de dinheiros públicos por parte de um agente de autoridade e a inerente falsificação de documento gera avultados danos para a sua credibilidade, e, simultaneamente, afeta gravemente o bom nome da Instituição, inviabilizando-se, dessa forma, a sua manutenção da relação funcional.
Ainda, acresce que a conduta adotada pelo arguido atenta igualmente gravemente contra a ordem, disciplina, imagem e prestígio da Guarda (cf. art.º 21., n.º 1, e n.º 2, al. c), do RDGNR), sendo que os crimes pelos quais o arguido foi condenado foram cometidos a título doloso, no exercício de funções, os quais são puníveis com pena de prisão superior a 3 anos, circunstância que é reveladora da falta de confiança necessária ao exercício da função (cf. art.® 21.°, n.º 1, e n.º 2, al. e), do RDGNR), tendo ainda o mesmo faltado aos seus deveres funcionais com intenção de obter para si benefício económico ilícito, pois praticou atos que lesaram os interesses patrimoniais que lhe cumpria defender em razão das suas funções (cf. art° 21n,° 1, e n.° 2, al. i), segundo parte, do RDGNR).
VIII. Circunstâncias dirimentes, atenuantes e agravantes
Não existem circunstâncias dirimentes.
Constituem atenuantes: bom comportamento anterior, cf. art.° 38.°, n.ºs 1, al. b), c 2, do RDGNR; o facto de ter louvor e outras recompensa, cf. art.° 38.°, n.° 1, al. h), do RDGNR; e a boa informação do superior hierárquico, cf. art.® 38.8, n.° 1, al. i), do RDGNR.
IX. Quantias Repostas ou a repor
Pagamento ao estado da quantia de 6 1.035,00 (mil e trinta e cinco curos).
X. Parecer
Às infrações muito graves, nos termos do art.º 41,°, n.8 2, al. c), do RDGNR, é aplicável a pena de separação de serviço.
Contudo, é entendimento que se possa aplicar a atenuação extraordinária, prevista no artigo 39.° do RDGNR, possibilitando a aplicação de pena de escalão inferior, uma vez que se verificou o seguinte:
O arguido desempenhava funções de adjunto do Comandante de Posto e substituía o Comandante de Posto quando se encontrava de férias. Apesar do arguido ter praticado infrações, podemos concluir que o Comandante do Posto tinha noção do que se estava a passar pois. foi ele que assim determinou e o arguido apenas continuava e cumpria as determinações do Comandante de Posto. Verificamos uma diminuição de culpa do arguido pois, apenas cumpriu ordens emanadas. Porém, ainda, verificamos mais circunstâncias que devemos considerar para a aplicação da pena. O arguido foi punido criminalmente. c de acordo com a decisão final do processo-crime, a pena atribuída teve em consideração a avaliação do percurso profissional considerando “uma pessoa de princípios, um bom militar, competente e afável nas relações pessoais. Militam a favor de os arguidos a inserção familiar, laborai e social, bem como a inexistência de antecedentes criminais" (fls. 211). Ainda, decidiram a suspensão da execução da pena. em virtude de “A suspensão da execução da pena de prisão c uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico" e “Ponderando estas circunstâncias, entende o tribunal que a simples censura do facto e a ameaça de prisão ainda realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição relativamente aos arguidos” (fls. 213 e 214). O Ministério Público pediu a aplicação da pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 2 a 5 anos, tendo no tribunal decidido a não aplicação da pena acessória (fls. 214).
Ora, se o próprio tribunal, propõe a reintegração do arguido e que não seja suspenso de funções, admite que o militar tem condições moral c profissional para continuar a exercer funções na Guarda Nacional Republicana, sem que isso coloque em causa o prestigio e o bom nome da instituição.
Fundando-se, assim, que se possa aplicar a pena de escalão inferior, designadamente a pena de suspensão agravada, cujos efeitos se encontram descritos, respetivamente, nos art.º 31 * do RDGNR.
A pena de suspensão agravada consiste no afastamento completo do serviço pelo período fixado, entre 121 e 240 dias, mantendo o militar unicamente direito a um terço do vencimento auferido à data da execução, cf. art.° 31.°, n.® 1, do RDGNR.
Refere o art.º 41.°, n.° 1, do RDGNR, que, na aplicação das penas disciplinares, atende-se à natureza do serviço, à categoria, posto e condições pessoais do infrator, aos resultados perturbadores da disciplina, ao grau da ilicitude do facto, à intensidade do dolo ou da negligência e, em geral, a todas as circunstâncias agravantes e atenuantes.
Nos termos do art.° 35.°, n.° 1, do RDGNR, pode ainda ser-lhe aplicada a pena acessória de transferência compulsiva, a qual consiste na sua colocação compulsiva noutro órgão, unidade, subunidade, serviço ou estabelecimento de ensino, diferente daquela ou daquele cm que se encontra colocado, pelo período de um a quatro anos, sem prejuízo de terceiros.
Em face do exposto, atentas as necessidades de prevenção geral e especial, os critérios da adequação, necessidade e proporcionalidade subjacente à aplicação dosimétrica das penas, o grau culpa, bem como as circunstâncias agravantes e atenuantes, e demais critérios presentes no artigo 41.®, n.° 1, do RDGNR, sou do parecer que o arguido deve ser punido com a pena disciplinar de 240 (duzentos c quarenta) dias de suspensão.
cfr. documento n.° 9 junto com a petição inicial e fls. 360 a 380 (verso) do processo administrativo.
S. Em 17.02.2023, o Comandante do Comando Territorial de Lisboa da GNR proferiu despacho com o seguinte teor:
passa a fazer parte integrante do presente parecer, em face das infrações cometidas, à natureza do serviço, à categoria, posto, grau de ilicitude do facto, grau de culpa, bem como atenta a necessidade de se cercearem os efeitos detraentes da disciplina, resultantes da sua prática e ainda as circunstâncias atenuantes e agravantes que sobre esse impendem, é proposta a aplicação ao arguido, Cabo NM …………, A…………, pertencente ao efetivo do Posto Territorial de A……….. se ajustará a pena disciplinar de 240 (duzentos e quarenta) dias de suspensão, nos termos do art.“ 27°, n.° 2, alínea d) conjugado com o n° 1 do art° 31° e nos termos do art.° 41, nº 2, alínea b), todos do RDGNR, aprovado pela Lei n.° 145/99 de 01 de Setembro, alterado pela Lei 66/2014 de 28 agosto.
Nesse sentido, não concordo com a pena proposta pela Oficial Instrutora, pronunciando-me no sentido de que seja aplicado ao arguido a pena disciplinar de 160 dias (cento c sessenta) dias de suspensão, por sei a mais adequada.
Por ultrapassai a minha competência disciplinar, conforme do n.“ 6, do art.” 61.°, do RDGNR remeta-se o presente processo à DJD/GNR, para apreciação e Despacho superior.-
cfr. documento n.° 10 junto com o requerimento inicial e fls. 383 do administrativo.
(…)”,
T. Em 19.04.2023 a Divisão de Procedimentos Sancionatórios e Contencioso da Direção de Justiça e Disciplina da Guarda Nacional Republicana elaborou Informação n.° ………../23, da qual consta designadamente, o seguinte:
(...)
1. Todavia, independentemente da análise que for efetuada em sede de decisão final, por ora, apesar de se concordar com a qualificação jurídica das infrações, discorda-se da proposta formulada pela instrutora pelas seguintes razões:
7.1. Para que seja possível a aplicação do instituto da «atenuação extraordinária», não obstante as diversas atenuantes de que o arguido beneficia e que foram devidamente ponderadas, toma-se necessário a existência de outras atenuantes - que não as previstas no ait.0 38.° do RDGNR que possam ter um efeito na medida da culpa, ou seja, que façam diminuir substancialmente o juízo de censura a formular sobre o seu comportamento.
7.2. O art.° 39.° do RDGNR consagra que, “quando existam circunstâncias atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do arguido, a pena pode ser atenuada, aplicando-se pena de escalão inferior”, pelo que, nesta medid3, não basta que existam circunstâncias atenuantes, sendo necessário que, no caso concreto, as mesmas diminuam substancialmente a respetiva culpa do arguido.
7.3. Para sustentar a aplicação deste instituto, a instrutora advoga, em síntese, que o arguido apenas cumpriu as ordens emanadas pelo comandante de posto, no entanto, tal argumento não encontra qualquer respaldo nos factos dados como provados, sendo até contrário à decisão judicial a qual, em nenhum momento, diferencia o comportamento do arguido em relação aos demais militares arguidos, inclusivamente ao comportamento adotado pelo seu comandante do posto.
7.4. O arguido, tal como os demais militares, foi condenado criminalmente pela prática de um crime de «peculato» e um crime de «falsificação de documento», não existindo qualquer prova que sustente a tese de que “apenas tenha cumprido ordens” aliás, o que resulta da factualidade provada é que todos gizaram e executaram um plano que levou ao cometimento dos referidos crimes, daí resultando o conluio entre todos.
7.5. Por outro lado. nem o facto de o tribunal ter aplicado uma pena suspensa na sua execução e ter discordado da aplicação de pena acessória de «proibição do exercício de funções» justificam por si só a atenuação extraordinária, na medida em que o princípio da independência entre o procedimento disciplinar e o procedimento criminal, numa determinada vertente, levam a que a Administração possa efetuar uma ponderação e valoração dos factos diversa daquele que é realizada pelos tribunais, isto porque as finalidade que visam atingir são distintas entre si.
7.6. Nestes lermos, atendendo à gravidade dos factos, ao tipo de crimes em apreço e à respetiva pena criminal que foi aplicada ao arguido, bem como à qualificação das infrações disciplinares e à elevada necessidade de prevenção geral, considera-se que estão reunidas as condições para que possa ser equacionada a aplicação de uma pena disciplinar de natureza expulsiva.
III. PA PROPOSTA
Termos em que, caso o Exmo. Comandante-Geral se digne concordar com a proposta da instrutora, poderá:
- Determinar o envio do presente processo disciplinar ao Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina, para emissão de parecer prévio, nos termos do art.° 43.“ do RDGNR, conjugado com o artº 29.°, n.º 3, al. a), da LOGNR, sobre a aplicação da pena de . «separação de serviço» ao arguido. .
cfr. documento n.° 11 junto com o requerimento inicial e fls. 385 a do processo administrativo.
U. Em 29.06.2023 reuniu o Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina e deliberou com vinte e dois votos a favor e seis votos contra, a aplicação ao Requerente de pena disciplinar de separação de serviço, cfr. documento n.° 12 junto com o requerimento inicial e fls. 389 a 394 do processo administrativo.
V. Em 17.07.2023 o Comandante Geral proferiu despacho n.° 293/DJD/23, do qual consta, designadamente, o seguinte:
1. Por Despacho de 18MAI23, concordando com os termos e fundamentos constantes na Informação n.° …………/23, de 19ABR. da Direção de Justiça c Disciplina, foi determinado o envio do processo disciplinai- n." ………… ao Conselho de Ética. Deontologia e Disciplina (CEDD) da Guarda, para efeitos do disposto no art.° 43 ° do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (RDGNR), aprovado pela Lei n." í45/99, de 1 de setembro, alterado e republicado pela Lei n.° 66/2014, de 28 de agosto, com vista à emissão de parecer sobre a aplicação da pena disciplinar de «separação de serviço», prevista no art.0 27.°, n.° 2, al. e), do RDGNR, ao Cabo (..........) A……….
2. O CEED, na reunião de 29JUN23, deliberou, por 22 (vinte e dois) votos a favor e 6 (seis) votos contra, pela aplicação da pena disciplinar de «separação de serviço»
3. Face ao exposto, concorda-se com a deliberação formulada pelo CEDD, pelo que determino o envio do processo disciplinar, acompanhado da respetiva ata, na parte respetiva, a Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, para apreciação e douta decisão. cfr. fls. 399 do processo administrativo
W. Em 12.09.2023 a Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa subscreveu parecer n.° …………, propondo a aplicação ao Requerente da pena disciplinar de separação de serviço, cfr. fls. não numeradas do processo administrativo.
X. Em 26.09.2023 Sua Excelência o Ministro da Administração Interna proferiu despacho com o seguinte teor:
1. Conforme resulta dos autos, o Militar da GNR - Cabo NM/………….: A…………., foi condenado, em sede do processo-crime NUIPC ……… (já transitado em julgado), a uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses prisão (suspensa pelo mesmo período temporal), pela prática, na forma consumada, de 1 (um) crime de peculato, e de 1 (um) crime de falsificação de documento.
2. Instaurado o competente processo disciplinar, corridos seus termos até final, e considerando o relatório do instrutor do processo, o parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR, o despacho do Senhor Comandante-geral da GNR, de 17/07/2023, e bem assim o parecer n° ……../2023 da Direção Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa, seus termos e fundamentos, com os quais concordo, decido:
a) Aplicar ao o Militar da GNR - Cabo NM/……….: A…………, a pena disciplinar de SEPARAÇÃO DE SERVIÇO, por violação dos deveres a que estava adstrito, nos termos identificados no relatório final do processo, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, para os devidos e Legais efeitos;
b) Remeta-se o original do processo ao Senhor Comandante-geral da GNR para notificar o arguido, nos termos legais.
(../, cfr. documento n.° 1 junto com o requerimento inicial e fls. não numeradas do processo administrativo.
Y. A decisão a que se refere a alínea precedente foi comunicada ao Requerente em 25.10.2023, cfr. confissão.
Z. O Requerente aufere uma remuneração mensal líquida de € 1.447,73, cfr. documento n.° 18 junto com o requerimento inicial.
AA. A companheira do Requerente aufere uma remuneração mensal líquida de €1.074,44, cfr. documento n.° 18 junto com o requerimento inicial.
BB. O agregado familiar do Requerente despende, com encargos domésticos (Prestação do crédito à habitação contraído para aquisição do imóvel onde habita o agregado familiar do Requerente, eletricidade, água, Internet, televisão, telefone fixo e telemóveis, Seguro Multirriscos Habitação, Seguro Automóvel e Seguro Vida), o total de €959,04, cfr. documentos n.° 20 a juntos com o requerimento inicial.
CC. O agregado familiar suporta ainda as despesas no valor de €129,00, relativas à filha menor, L……….. cfr. documentos n.° 27 e 28 juntos com o requerimento inicial.
DD. O Requerente é também responsável pelo pagamento de € 182,18 a título de despesas de alimentação do filho menor, V………, nos termos do Acordo de Regulação do Poder Parental, homologado a 22.02.2008, cfr. documento n.° 29 junto com o requerimento inicial.
EE. O agregado familiar do Requerente despende por mês o montante de € 1.270,22, restando-lhes a quantia de € 1.251,95, para a alimentação do agregado familiar e demais despesas correntes, cfr. facto não impugnado.
FF.Foi junta a fls. 1656 (paginação eletrónica), nota dos rendimentos devidos e impostos retidos relativa ao ano fiscal de 2023 do Requerente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
GG. O Requerente encontra-se atualmente medicado e sujeito a acompanhamento médico para a patologia síndrome depressiva de acordo com critérios CID 10/DSM V, insónia e perturbação da ansiedade, cfr. documento n.° 30 junto com o requerimento inicial.
HH. O requerimento inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentado em 30.11.2023, cfr. fls. 1 (paginação eletrónica).”
IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão Recorrida:
“fumus boni iuris
Como se referiu, o artigo 120° do CPTA, faz depender o deferimento das providências cautelares da existência cumulativa dos dois requisitos positivos enunciados neste n° 1, que correspondem aos designados periculum in mora e fumus boni iuris.
Importa, por isso, proceder à apreciação do fumus boni iuris.
Desde a redação conferida pelo Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 2 de outubro, que este requisito é enquadrado no plano da probabilidade da existência do direito que se pretende fazer valer, pelo que para o deferimento da providência tem que ser “provável” que a ação principal “venha a ser julgada procedente” (neste sentido vide o Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 04.05.2017, processo n.° 0163/17).
Como explica Mário Aroso de Almeida (in “Manual de Processo Administrativo”, 2016, 2.§ ed., Almedina, p. 451), exige-se “um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente pretende fazer valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal’.
Por sua vez, como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.09.2016, processo n° 0979/16, “Provável é o que tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça. E no domínio jurídico em que ora nos situamos, isso exige que algum dos vícios atribuídos pela requerente ao ato suspendendo se apresente já - na análise perfunctória típica deste género de processos - com a solidez bastante para que conjeturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do ato”.
Caracterizando-se o processo cautelar pela provisoriedade e urgência, o requisito relativo à aparência do bom direito implica um juízo de probabilidade de procedência da ação principal sumário e perfunctório, ou seja, a apreciação de procedência do(s) vício(s) imputado(s) ao ato suspendendo não é compatível com uma exaustiva análise da situação, sob pena de se esgotar nesta apreciação o mérito da ação principal, bastando para o efeito que tal procedência se mostre plausível.
Atenta a alegação do Requerente, para aferição do cumprimento do requisito do fumus boni iuris, na sua atual formulação de provável procedência da pretensão a formular na ação principal, há que apreciar, sumariamente, das invalidades que este imputa ao ato suspendendo, a saber, (i) ininteligibilidade da decisão de aplicação da sanção disciplinar; (ii) falta de fundamentação; (iii) violação do princípio da proporcionalidade; (iv) e nulidade do processo por preterição de instrução.
Posto isto, vejamos então.
a) Da alegada ininteligibilidade da decisão de aplicação da sanção disciplinar
Alega o Requerente que a decisão de aplicação da sanção disciplinar de separação de serviço é ininteligível pois (i) no relatório final do processo, a instrutora do procedimento disciplinar propôs a aplicação da pena disciplinar de 240 (duzentos e quarenta) dias de suspensão; (ii) não se percebe como é que a Entidade Requerida decide aplicar ao Requerente a “pena disciplinar de SEPARAÇÃO DE SERVIÇO, (...) nos termos identificados no relatório finai do processo" se no relatório final do processo - sede para a qual remete a fundamentação do ato suspendendo - não se propõe tal pena; (iii) no relatório final da instrutora do processo, é ponderada a aplicação da pena de separação de serviço; (iv) perante as circunstâncias atenuantes da culpa apuradas ali descritas, como o facto de o Requerente se limitar a cumprir ordens, as circunstâncias que fundamentaram a suspensão da execução da pena, e a não aplicação pelo Tribunal penal da pena acessória de proibição do exercício de funções, a instrutora do processo considerou estarem verificadas as condições de que depende a atenuação extraordinária da pena disciplinar, prevista no artigo 39.° do RDGNR, e, nestes termos, determinar a aplicação da pena de suspensão agravada, em vez da pena de separação de serviço; (v) o parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR reduz-se a uma simples votação sobre a favorabilidade ou não favorabilidade deste Conselho quanto à aplicação a pena de separação de serviço, sem para tal apresentar um qualquer fundamento para o sentido de voto predominante; (vi) o Despacho do Comandante-Geral da GNR de 1.07.2023 e o parecer n.° ……….., consubstanciam pareceres favoráveis à aplicação da sanção separação de serviço e desfavoráveis à atenuação extraordinária da sanção, por aplicação do disposto no artigo 39.° do RDGNR; (vii) todos estes fundamentam a decisão punitiva e são contraditórios, o que agrava ainda mais a ininteligibilidade da decisão final do procedimento disciplinar; (viii) é nula a decisão de aplicação de sanção disciplinar formalizada através do Despacho de 26.09.2023 do Requerido, por ininteligibilidade do seu conteúdo, nos termos do disposto na alínea c) do n.° 2 do artigo 163.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
Em sede de oposição, a Entidade Requerida defendeu que (i) nada obriga a que a entidade decisora tenha de tomar a decisão final em consonância com a proposta da instrutura pois se assim fosse seria a instrutora a tomar, materialmente a decisão, o que se encontra em consonância com o n.° 1 do artigo 105.° do RD/GNR; (ii) o despacho punitivo tem como fundamento vários documentos, sendo um deles o relatório final em que a instrutora qualifica a infração como muito grave e por isso é a mesma suscetível de aplicação da pena de separação de serviço; (iii) o parecer n.° ……….-PM/2023 que é parte integrante do despacho punitivo, é cristalino ao fazer uma síntese da tramitação do processo e referindo-se à proposta e fundamentos apresentados pela instrutora como resultando do mecanismo de atenuação extraordinária, tendo exposto as razões da discordância quanto a essa posição; (iv) do requerimento inicial percebe-se que o Requerente entendeu o alcance o despacho punitivo; (v) o despacho punitivo só remete concretamente para os deveres violados e não para todo o relatório.
Vejamos. Conforme se explica no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.07.2016, processo n.° 0516/14, “A ininteligibilidade ocorre não quando o ato administrativo é suscetível de mais do que uma interpretação, mas, apenas, quando não é possível saber sequer o que no mesmo se determina ou se quis determinar, ou seja, quando exista uma incerteza quanto ao conteúdo/objeto do mesmo que a interpretação não pode pôr cobro (destaque nosso)”.
Ora, no caso dos autos, não ocorre a alegada ininteligibilidade do ato, pois o despacho suspendendo de 26.09.2023 é claro quanto ao seu teor, isto é, do mesmo resulta (sem margem para dúvidas e como de resto demonstrou compreender o Requerente, na refutação que lhe faz com a presente ação) a aplicação da pena disciplinar de separação de serviço e da qual o Requerente tomou conhecimento em 25.10.2023 [cfr. Factos Provados X) e Y)1.
Coisa diferente é a alegação do Requerente no sentido da falta de fundamentação e contradição da fundamentação (que igualmente equivale a falta de fundamentação) da decisão e dos documentos em que a mesma se sustenta, vício igualmente invocado e que será analisado infra.
Pelo exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, não se afigura provável a procedência do alegado vício de ininteligibilidade do ato suspendendo, pois que do mesmo resulta e sem margem para dúvidas, a aplicação ao Requerente de pena disciplinar de separação de serviço.
Conclui- se, assim, pelo preenchimento do requisito do fumus boni iuris com base nesta alegação.”
(…)
Da alegada falta de fundamentação
(…)
Em primeiro lugar. quanto à alegada falta de fundamentação da Deliberação do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR avança-se desde já que não assiste razão ao Requerente. Com efeito. trata-se de órgão coletivo que decide com base nos documentos que lhe são previamente remetidos. concretamente. o relatório final e a. sendo que a fundamentação da sua decisão é vertida precisamente em votos a favor e votos contra. Nos termos do artigo 43.° do RD/GNR. este órgão emite parecer previamente à decisão de aplicação da pena de separação de serviço. cuja competência é exclusiva do Ministro da Administração Interna. Com efeito. como se disse. um ato está devidamente fundamentado quando “um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentem a decisão nele prolatada" e face ao sentido do referido parecer. compreende-se a decisão tomada. sendo que como refere a Entidade Requerida e como consta do processo administrativo. é remetida. previamente à reunião, a documentação em que se sustenta designadamente o relatório final e a informação n.° ………../23 da Divisão de Procedimentos Sancionatórios e Contencioso da Direção de Justiça e Disciplina da Guarda Nacional Republicana [cfr. fls. 389 a 399 e Facto Provado T) e U)].
Já no que respeita à falta de fundamentação da decisão punitiva. importa desde logo referir que compaginado o probatório temos que primeiramente foi deduzida acusação que classificou a infração como grave e propôs a aplicação da pena de suspensão ou suspensão agravada. tendo sido proposta a aplicação de pena disciplinar de 160 (cento e sessenta) dias de suspensão agravada. no primeiro relatório final [cfr. Factos Provados I) e K)]. Posteriormente e na sequência de despacho de 29.09.2022 do Comandante Geral foi declarada nula a acusação e anulado o processado subsequente [cfr. Facto Provado M)], tendo sido deduzida nova acusação em 09.11.2022, classificando a infração como muito grave avançado com a possibilidade de aplicação de pena de separação de serviço [cfr. Facto Provado N)]. Em sede de relatório final, datado de 25.01.2023 [cfr. Facto Provado R)], por recurso ao mecanismo de atenuação especial, prevista no artigo 39.° do RD/GNR a instrutora propôs a aplicação de pena de suspensão por 240 (duzentos e quarenta) dias, sendo
E tudo isto compreendeu o Requerente, logo em sede de audiência prévia, refutando a pena, entre o mais, por desproporcionalidade e por não inviabilizar, no seu entender, a manutenção do vínculo funcional, sendo que analisados todos os documentos para os quais remete a decisão punitiva, concretamente o relatório final, a informação n.° ………./23 da Divisão de Procedimentos Sancionatórios e Contencioso da Direção de Justiça e Disciplina da Guarda Nacional Republicana e o parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina, se verifica que todos eles contêm quer os factos quer as razões de direito que lhes subjazem em termos compreensíveis por um destinatário normal.
Assim, cremos, porém, que verdadeiramente não está em causa qualquer falta de fundamentação nos termos previstos no artigo 152.° e 153.° do CPA, sendo clara a remissão feita da decisão punitiva para a documentação em que se sustenta, o que corresponde à fundamentação por remissão, conforme prevê o n.° 2 do artigo 153.° do CPA. Também não cremos que esteja em causa uma situação de contradição de fundamentação como giza o Requerente. Com efeito, afigura-se que o que está em causa nos presentes autos é a discordância do Requerente quanto à aplicação de pena disciplinar expulsiva, de separação de serviço, quando a instrutora propôs uma pena de suspensão pelo período de 240 (duzentos e quarenta) dias.
Atentemos no teor do artigo 105.°, do RD/GNR, em particular os seus n.°s 1 e 2, que relativamente à decisão final dispõem o seguinte:
“1 - A autoridade competente decide o processo disciplinar, concordando ou não com as conclusões e propostas do relatório (destaque nosso).
2 - O despacho punitivo deve ser fundamentado e conter, designadamente:
a) Identificação do arguido;
b) Enumeração dos factos considerados provados;
c) Disposições legais aplicáveis;
d) Os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção disciplinar;
e) Consequências quanto à mudança de classe de comportamento;
f) Data e assinatura do autor’
Ora, se e certo que, por regra e na maioria, as decisões punitivas tendem a assumir, por concordância, as propostas do relatório final, não deixa de ser verdade que a competência para a aplicação da sanção disciplinar cabe à autoridade competente, a quem incumbe o poder disciplinar, sendo que nos termos previstos no artigo 105.°, n.° 1 do RD/GNR esta pode ou não concordar com as conclusões e propostas do relatório. E é por essa razão que não entendemos que ocorra qualquer falta de fundamentação, por contradição. O que se afigura ter ocorrido é que, com base na fundamentação vertida na Informação n.° ………../23 da Divisão de Procedimentos Sancionatórios e Contencioso da Direção de Justiça e Disciplina da Guarda Nacional Republicana, que aponta as razões para a discordância da aplicação do mecanismo de atenuação especial da pena previsto no artigo 39.° do ED/GNR, sua Ex. o Ministro da Administração Interna aplicou ao Requerente a pena disciplinar de separação de serviço.
Acrescenta-se que não há qualquer falta de fundamentação por contradição, pois compaginado o probatório o que temos é uma alteração (ou em rigor, o não seguimento da proposta do instrutor vertida no relatório final). E não se diga que há qualquer contradição, pois a factualidade ali tida em conta é a mesma, o que é percebido plenamente pelo Requerente, sendo que no relatório final foi também ponderada a aplicação da pena expulsiva, o que só foi afastado pelo recurso ao mecanismo do artigo 39.° do RD/GNR.
Assim, conclui-se que o que ocorre é que com base em todos os elementos disponíveis e mesmo remetendo para o se teor, a autoridade competente para a aplicação da pena, neste caso, S. Ex. o Ministro da Administração Interna nos termos do artigo 43.° do RD/GNR decidiu não seguir a proposta do instrutor quanto à medida da pena, lendo-se no referido despacho que é aplicada ao Requerente “(...) a pena disciplinar de SEPARAÇAÕ DE SERVIÇO, por violação dos deveres a que estava adstrito, nos termos identificados no relatório final do processo, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, para os devidos e legais efeitos.” [cfr. Facto Provado X)].
Cai também assim a alegação da violação do princípio da imparcialidade, pois para além do Requerente não ter invocado concretamente os factos violadores do referido princípio, limitando-se genericamente a defender que a pena foi alterada sem sustento ou fundamento, a verdade é que, como vimos, a pena de separação de serviço se encontra suportada e fundamentada nos documentos para os quais remete, não se vislumbrando qualquer violação do princípio da imparcialidade.
Pelo exposto, ainda que num juízo perfunctório como se impõe fazer nesta sede, não se afigura que a decisão punitiva padeça de falta de fundamentação (em si mesmo ou por contradição), peio que não se vislumbra a existência de fumus boni iuris.
Da alegada Violação do princípio da proporcionalidade
(…)
Assim, pese embora a aplicação da pena disciplinar se insira no âmbito da margem de apreciação da Administração, enquanto titular do poder disciplinar, a verdade é que a decisão pode ser sindicada pelo Tribunal, por erro manifesto ou grosseiro, designadamente se a pena aplicada se mostrar desproporcional.
Ora, no caso dos autos, resulta provado que o Requerente foi condenado pela prática, em coautoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375°, n°1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses; pela prática, em coautoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256°, n°1, alínea d), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses; sendo em cúmulo jurídico das penas parcelares, condenado o Requerente, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução por igual período e ainda, no pagamento, ao Estado, da quantia de €1.035,00 (mil e trinta e cinco euros), conforme acórdão de 06.10.2021 proferido pelo Juízo Central Criminal de Loures do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, no âmbito do processo n.° 61/11.4TALRS [cfr. Facto Provado D)] e que transitou em julgado em 05.11.2023 [cfr. Facto Provado E)] .
Nos termos do artigo 21° do RD/GNR são infrações disciplinares «muito graves» «os comportamentos dos militares da Guarda, violadores dos deveres a que se encontram adstritos, cometidos com elevado grau de culpa e de que resultem avultados danos ou prejuízos para o serviço ou para as pessoas, ponto gravemente em causa o prestígio e o bom nome da instituição, dessa forma inviabilizando a manutenção da relação funcional». As várias alíneas do n° 2 do artigo dão exemplos de condutas suscetíveis de inviabilizar a manutenção da relação funcional, relevando em especial o disposto no n.° 2, alínea i) citado no despacho de 29.09.2022 e nos termos do qual “São suscetíveis de inviabilizar a manutenção da relação funcional, designadamente: (...) i) Faltar aos deveres funcionais com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício económico ilícito, não promovendo atempadamente os procedimentos adequados, ou praticando atos que lesem, em negócio jurídico ou por mero ato material, designadamente por destruição, adulteração ou extravio de documentos ou por viciação de dados para tratamento informático, os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão das suas funções, administrar, fiscalizar, defender ou realiza.” Mas mais, constitui infração muito grave a prática de crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos, que revele ser o militar incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício da função (cfr. artigo 21.°, n.° 2, alínea e) do RD/GNR, igualmente invocado pela Entidade Requerida em sede disciplinar).
Da letra desta norma decorre que a inviabilização da manutenção da relação funcional é um dos pressupostos necessários à qualificação da infração como muito grave, e que esse pressuposto é aferido, essencialmente, tendo em conta o prestígio e o bom nome da instituição GNR, que tem de ter sido posto gravemente em causa pela infração disciplinar. Assim, se compreende que às infrações disciplinares muito graves sejam aplicáveis penas disciplinares de reforma compulsiva e de separação de serviço, ambas terminando com a relação funcional.
No caso dos autos, as infrações imputadas ao Autor foram consideradas muito graves, sendo que o juízo efetuado pela Administração quanto à inviabilização da manutenção da relação funcional consta do relatório final de 25.01.2023, bem como do despacho do Comandante do Comando Territorial de 17.02.2023, da Informação n.° ………../23, de 19.04.2023 da Divisão de Procedimentos Sancionatórios e Contencioso da Direção de Justiça e Disciplina da Guarda Nacional Republicana e do despacho punitivo de 26.09.2023 [cfr. Factos Provados R), S), T) e V)], em termos que não se afiguram padecer de qualquer erro grosseiro ou manifesto. Na verdade, visto o processo disciplinar, face à materialidade provada e ao juízo/ponderação realizado nos termos do artigo 41.° do RD/GNR, não se vislumbra que a pena disciplinar aplicada se mostre desproporcional. Note- se que a inviabilidade da manutenção da relação funcional deriva não só da gravidade objetiva dos factos cometidos, mas também do reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento das funções exercidas, apreciação que foi realizada pela Administração, enquanto titular do poder disciplinar, por reporte à factualidade dada como provada, à gravidade das infrações e às consequências na imagem e prestígio da GNR. É certo que, como aduz o Requerente, e é jurisprudência dos tribunais superiores que “(...) a inviabilização da manutenção da relação funcional resultante do facto punível constitui o critério geral para a aplicação de pena expulsiva e a valoração das infrações disciplinares como inviabilizadoras dessa relação tem de assentar não só na gravidade objetiva dos factos cometidos, mas ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do ato e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções”. Todavia, no caso dos autos, afigura-se que a Entidade Requerida, enuncia cabalmente os factos e as razões que determina a inviabilização da manutenção da relação funcional, sem que aqui possa relevar contra isso, o facto de não ser conhecida a infração nem de o Requerente não ter sido suspenso preventivamente durante o processo disciplinar, medidas que poderiam ter sido sopesadas pela Administração, enquanto órgão do poder disciplinar e que se alteram com a efetiva condenação transitada em julgado no processo crime.
Com efeito, como explicam Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, “É pressuposto essencial da aplicabilidade destas penas a impossibilidade de subsistência da relação funcionai, pelo que a infração terá que assumir uma gravidade tal que comprometa irremediavelmente a manutenção da relação de emprego, não podendo as exigências disciplinares do serviço ser acauteladas com a aplicação de qualquer outra pena. Terão, como tal, de ser comportamentos praticados com culpa muito grave, fundamentalmente dolosos, que sejam mais gravosos do que os que justificam a pena de suspensão e que tornem o trabalhador indigno de permanecer ao serviço do interesse geral ou, pelo menos, justifiquem que a este não seja exigível continuar a ter aquele ao seu serviço. A manutenção do vínculo jurídico com um trabalhador que adote tal comportamento seria, como tal, absolutamente prejudicial para o interesse coletivo e para a própria imagem, prestígio e eficiência do serviço público, pelo que só restará ao dirigente máximo do mesmo fazer cessar o vínculo funcional.
A aplicação da pena de demissão e de despedimento terá, como tal, de constituir a última «ratio», ou seja, a única medida de que a Administração dispõe para assegurar a disciplinar no seu interior e acautelar no exterior a eficiência, o prestígio e a confiança que terá necessariamente de possuir para prosseguir as suas atribuições” (in Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, págs. 558 e 559).
Entende este Tribunal que, de facto, estamos perante uma infração cuja gravidade inviabiliza a manutenção da relação funcional, uma vez que o Requerente cometeu dois crimes, pelos quais foi condenado em processo penal, em pena de prisão de dois anos e seis meses, suspensa pelo mesmo período.
Dito de outro modo, não obstante a alegação de circunstâncias atenuantes como sejam o bom comportamento anterior, a existência de louvor e outras recompensas e a boa informação do superior hierárquico (igualmente ponderadas no âmbito do processo disciplinar), bem como os testemunhos abonatórios do exemplar comportamento do Requerente, a verdade é que a ponderação dessas circunstâncias no contexto da prática de infração muito grave, como resultou provado no caso dos autos, não permite colher outras consequências quanto à aplicação da pena disciplinar, mostrando-se, assim, devidamente realizado o juízo/ponderação daquela circunstância pela Administração.
Não podemos olvidar que se trata de uma classe profissional com um específico código deontológico e com um apertado conjunto de deveres. O dever de aprumo, designadamente, consiste na assunção, no serviço e fora dele, dos princípios, atitudes e comportamentos através dos quais se exprimem e reforçam a dignidade da função cometida à Guarda, o seu prestígio, a sua imagem externa e a dos elementos que a integram. O cometimento de um crime não reflete nem reforça a dignidade da função e o prestígio da instituição, sendo compreensível considerando a instituição que é a GNR que, na perspetiva da Entidade Requerida, o cometimento de um crime impossibilite a manutenção desta relação funcional, nenhuma desproporcionalidade se vislumbrando.
O caráter do Requerente e o seu exemplar percurso profissional até então e durante o período em que o processo disciplinar esteve suspenso, bem como o facto de os seus colegas não hesitarem ao afirmar que voltariam a trabalhar consigo não invalidam os crimes cometidos nem os apagam. Não basta, tendo em conta a instituição em causa, que os colegas de trabalho do Requerente o vejam como profissional íntegro, sendo também necessário que o Requerente reforce a confiança da população na instituição, e que a própria instituição mantenha no Requerente a confiança necessária para representar os valores que são próprios da Guarda Nacional Republicana - o que, atentas as circunstâncias do caso concreto, é compreensível que não se verifique, nada havendo a apontar à decisão da Entidade Requerida no que à proporcionalidade diz respeito.
Pelo exposto, não se mostra provável a procedência da ação principal com base na alegada violação do principio da proporcionalidade quanto à pena disciplinar aplicada.
Da alegada nulidade do processo por preterição de instrução
(…) No caso dos autos, tendo sido notificado o Requerente, na qualidade de arguido, da acusação contra si deduzida e tendo apresentado defesa [cfr. Factos Provados O) e P)], considera-se que, ao contrário do alegado, não foi violado o direito de defesa do Requerente, pois foi-lhe dada a conhecer a acusação e concretamente quanto à possibilidade de aplicação de pena de separação do serviço, matéria relativamente à qual se pronunciou.
Por outro lado, o artigo 93.° do RD/GNR, concretamente dos seus n.°s 1 e 2 dispõe o seguinte:
“1 - O instrutor faz autuar o auto, participação, queixa, denúncia ou ofício que contenham o despacho liminar de instauração e procede às diligências convenientes para a instrução, designadamente ouvindo o participante, o queixoso, o denunciante e as testemunhas conhecidas, procedendo a exames e mais diligências que possam esclarecer a verdade e fazendo juntar aos autos o certificado do registo disciplinar do arguido.
2- O instrutor deve ouvir o arguido, a requerimento deste ou sempre que o entender conveniente, até se ultimar a instrução, podendo acareá-lo com testemunhas.
Importa, desde logo, salientar que conforme jurisprudência dos tribunais superiores, não obstante a autonomia entre o processo criminal e o processo disciplinar, a verdade é que, como alega a Entidade Requerida, a Administração encontra-se vinculada à matéria de facto apurada em sede criminal.
Com efeito, como se pode ler no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.06.2018, processo n.° 28/18.4BESNT:
“I. Em sede de processo disciplinar, a Administração está vinculada aos factos dados por provados na decisão penal condenatória do recorrente, sem da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares.
II. A autonomia e a independência do processo crime e do processo disciplinar impede a condenação disciplinar por mero efeito automático da condenação penal, mas não obsta à consideração em sede de procedimento disciplinar dos factos dados como provados no processo crime.
III. Apurando- se ter existido atividade instrutória no âmbito do procedimento disciplinar, mediante a produção de prova testemunhal, assim como a análise da defesa apresentada e a análise crítica dos factos dados como provados, não se mostra violado os citados princípios da autonomia e independência dos processos crime e disciplinar.
IV. Em consequência, atenta a prova produzida quanto aos factos pelos quais o trabalhador foi acusado, falta o requisito do fumus boni iuris, necessário ao decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia do ato de aplicação da pena disciplinar de demissão (destaque nosso).” (neste sentido, vide, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 02.07.2020, processo n.° 926/19.9BESNT, )
Neste conspecto, tendo sido produzida a prova requerida pelo Requerente, na qualidade de Arguido em sede de defesa [cfr. Factos Provados P) e Q)] e tendo sido analisada a matéria que igualmente apontou em sede de defesa [cfr. Facto Provado R), concretamente ponto “III. Ponderação da defesa” do relatório final a fls. 379 e seguintes do processo administrativo] não ocorre a alegada nulidade do processo por preterição de instrução.
Por outro lado, salienta-se que o que o n.° 2 do artigo 93.° do RD/GNR dispõe é que o instrutor deve ouvir o arguido, a requerimento deste ou sempre que o entender conveniente. Ora no caso, nem o Requerente, na qualidade de Arguido requereu a sua prestação de declarações, nem o instrutor o entendeu como conveniente, precisamente no contexto acima exposto, pois que a factualidade dada como provada no relatório final reproduz (como aliás assim teria de ser) a factualidade dada como provada no âmbito do processo crime [cfr. Factos Provados D) e R)].
Temos, pois, que concluir que, ao contrário do alegado, se mostra cumprido o direito de audiência e defesa do Requerente, na qualidade de arguido no âmbito do processo disciplinar n.° ………, não se verificando também por esta via, qualquer nulidade por preterição de instrução.
(…)
Da Inconstitucionalidade
Mais alega ainda o Requerente que, em todo o caso, é inconstitucional, por violação dos artigos 13.°, 18.°, 32.°, n.° 2 e 10, 266.°, n.° 2, 268.° e 269.°, n.° 3, da Constituição, a interpretação dos artigos 93.°, n.°s 1 e 2 do RD/GNR, no sentido de que a realização das diligências convenientes durante a fase da instrução - no âmbito de um processo em que está em causa a alegada prática de infrações muito graves e, por esse motivo, a possibilidade de aplicação ao Arguido de uma sanção de expulsão - não incluem, o interrogatório do Arguido enquanto tal, a inquirição do participante, do queixoso, do denunciante e das testemunhas conhecidas, nem a realização de exames e de outras diligências que possam esclarecer a verdade.
Ora, pese embora o Requerente não invoque concretamente os factos integrantes da alegada inconstitucionalidade, fazendo-o apenas por reporte aos artigos que considera violados, a verdade é que, de todo o modo, não pode acolher-se a tese que defende.
Com efeito, ao direito de audiência de defesa garantido em processo sancionatório pelo artigo 32.°, n.° 10 da CRP, bem como pelo artigo 269.°, n.° 3 da CRP, nos termos do qual “Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa" e em consonância com o artigo 81.°, n.° 1, alínea a) do RD/PSP (relativo à nulidade processual por falta de audiência do arguido em artigos da acusação) ou mesmo por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade (cfr. artigo 81.°, n.° 1, alínea c) do RD/PSP), não distingue (nem poderia) se está em causa ou não pena expulsiva, reiterando- se aqui, conforme se disse, que o interrogatório do arguido pode ou não ocorrer consoante este o requeira (o que não ocorreu) ou o Instrutor assim decida, por considerar conveniente (sendo que no caso não o foi porque a factualidade provada decorria, como se disse, da materialidade dada como provada em sede de processo crime, o que consta da motivação dos factos do relatório final). Relembra-se que a Administração se encontra vinculada à matéria de facto apurada no processo crime e por isso as diligências probatórias se restringiram à junção aos autos de documentos, concretamente dessa decisão, da folha de matrícula do Requerente [cfr. Factos Provados D), F) G)] e ainda à inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente em sede de defesa [cfr. Factos Provados Q)], que de um modo geral se reportaram ao comportamento e conduta do Requerente, revelando-se assim abonatórias, assumindo como verificada a prática da infração.
Ora, a Administração, suportada na factualidade dada como provada no processo crime e como era seu ónus, imputou ao Requerente a violação do dever geral, do dever de proficiência e do dever de aprumo [cfr. respetivamente, artigos 8.°, n.° 1,11, n.°s 1 e 2, alínea a) e 17.°, n.°s 1 e 2, alínea a) todos do RD/GNR]. Por sua vez, caberia ao Requerente defender-se desses factos, sendo que, em sede de defesa requereu a inquirição de testemunhas, que foram ouvidas. Todavia, apenas se reportaram à conduta profissional do Requerente, servindo assim como testemunhas abonatórias e não permitindo acrescentar outra factualidade relativa às infrações propriamente ditas. Conclui-se, pois que foi observado o direito de defesa do Requerente, enquanto Arguido.
Por outro lado, e concretamente quanto à alegada inconstitucionalidade por preterição de instrução, quando alega o Requerente que, nos termos do artigo 93.°, n.° 1 do RD/GNR, o instrutor procede às diligências convenientes para a instrução, designadamente ouvindo o participante, o queixoso, o denunciante e as testemunhas conhecidas, procedendo a exames e mais diligências que possam esclarecer a verdade. Ora, como aduz a Entidade Requerida e de resto consta da motivação da matéria de facto do relatório final, a Administração encontrava-se vinculada à matéria factual decorrente do processo crime, o que se mostra bastante para o apuramento dos factos imputados ao Requerente. Mas mais, atendendo às questões deduzidas pelo Requerente enquanto arguido em sede de defesa (vícios de preterição de formalidade essencial, por falta de fundamentação de facto e de fundamentação da inviabilização da manutenção da relação funcional e violação do princípio da proporcionalidade da pena), não se vislumbram como poderiam ser necessárias as quaisquer outras diligências, nem agora em sede de requerimento inicial o Requerente as precisa. E daqui não resulta qualquer inconstitucionalidade (que o Requerente não invoca concretamente, mas à qual - ainda assim - não se poderia atender pois a assunção da matéria de facto provada no processo crime respeita quer os direitos de defesa do arguido quer a autonomia entre o processo crime e o processo disciplinar). No fundo, a questão que aqui está em causa é, tão-só, a discordância do Requerente quanto à aplicação de pena disciplinar de expulsão, quando em sede de relatório final foi proposta uma medida não expulsiva [suspensão agravada apelo período de 240 (duzentos e quarenta) dias]. Todavia, reitera-se aqui novamente que, em sede de acusação, ficou o Requerente ciente que face à gravidade da infração, classificada como muito grave, seria possível a aplicação de pena disciplinar de separação de serviço, nos termos do artigo 41.°, n.° 2, alínea c) do RD/GNR [como decorre desde logo do despacho datado de 29.09.2022 do Comandante Geral que declarou nula a primeira acusação datada de 06.04.2022 e anulou todo o processado subsequente a esta e do capítulo “V. Penas aplicáveis” da segunda acusação datada de 09.11.2022, cfr. Factos Provados M), N) e P)].
Pelo exposto, ainda que num juízo perfunctório como carateriza as providências cautelares, não se vislumbra provável a procedência da ação principal com base na alegada nulidade por preterição de instrução e/ou de audiência do Arguido, o que leva a concluir, mais uma vez, pelo não preenchimento do requisito do fumus boni iuris“


Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância:
“Nos termos e fundamentos expostos, julga-se improcedente o presente processo cautelar e, em consequência, recusa-se a requerida providência cautelar de suspensão de eficácia de ato.”


Vinha requerido «(…) que deverá o presente processo cautelar ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência, ser decretada a suspensão da eficácia da decisão administrativa expressa através do Despacho, de 26 de setembro de 2023, proferido pela Entidade Requerida», que lhe aplicou a pena de separação de serviço.


Como referiu o Ministério Público no seu Parecer, “Resulta da lei que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, nos termos dos art.°s 635°, 4, e 639°, n°s 1, 2, e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no art° 140°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias salvo as de conhecimento oficioso.”


Refira-se desde já que a decisão proferida em 1ª instância, será para manter.


Vejamos o suscitado
Suscita, desde logo o Recorrente que o despacho que precede a sentença e que decidiu pela dispensa de produção de prova adicional está ferido de nulidade.


Efetivamente, anteriormente à prolação da sentença foi no Tribunal a quo proferido o seguinte despacho:
«Considerando que os autos contêm os elementos probatórios necessários à apreciação do mérito da causa, sendo a matéria factual essencialmente correspondente à tramitação do processo disciplinar, não é de determinar a produção de quaisquer diligências de prova adicionais [cfr. artigo 118.º, n.°s 1 e 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)], designadamente, prova testemunhal.»


O Recorrente sustenta que o Tribunal a quo errou quando decidiu dispensar a produção de prova testemunhal por si arrolada.


Como se sumariou no Acórdão do TCA Norte nº 01250/17.6BEPRT-A, de 12.01.2018 relatado pelo aqui igualmente relator, “Não obstante vir requerida a produção de prova testemunhal, em processo cautelar, por natureza urgente, caso a prova atendível se mostre predominantemente documental, nada obstará ao indeferimento daquela, nos termos do art.º 118º, n.ºs 1 e 5 do CPTA, mormente quando perfunctoriamente se percecione que a prova testemunhal não poderia ter a virtualidade de alterar o sentido da decisão a proferir, e que só teria efeitos meramente dilatórios (…)”.


Igualmente se sumariou no Acórdão do TCA Norte nº 103/15.5BEVIS, de 19 de Março de 2021, que «É inquestionável que o Juiz só deve conhecer do mérito da causa no despacho saneador quando dispõe de todos os elementos fácticos necessários a uma correta, criteriosa e justa decisão, pelo que, a prática normal é que o juiz se abstenha de o fazer, se concluir que o processo não contém todos os elementos que permitam uma decisão segura, conscienciosa e justa.”


Efetivamente, o Juiz só deve conhecer do mérito da causa, no despacho saneador, quando tenha firmado a convicção de que a decisão a proferir a final não será diferente daquela que vier a adotar naquele despacho.


Como refere ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES in “Temas da Reforma do Processo Civil” II volume, pág. 135, «Se, de acordo com as plausíveis soluções da questão de direito, a decisão final de modo algum pode ser afetada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na elaboração da base instrutória e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito».


Mais afirma o referido Autor que «Se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da ação, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil toda a tarefa de seleção da matéria de facto, instrução e julgamento da mesma».


Assim, a necessidade de produção acrescida de prova deve resultar de uma ponderação a realizar pelo julgador em face da prova documental existente nos autos e da posição assumida pelas partes quanto aos factos essenciais à decisão de mérito a proferir, não havendo qualquer imposição legal relativamente a essa formalidade, pelo que, a dispensa de inquirição de testemunhas, não pode considerar-se a preterição de uma formalidade legal, ou traduzir-se na violação dos princípios do inquisitório ou do acesso ao direito, se a prova fornecida pelos autos se revelar bastante para o conhecimento do objeto da ação.


Foi o que justamente sucedeu na situação controvertida, em que o Tribunal a quo considerou, atendendo à prova documental junta aos autos e à posição assumida pelas partes, que os autos já forneciam os elementos necessários para a seleção dos factos relevantes para a decisão a proferir sem necessidade de quaisquer outras diligências probatórias.


A dispensa de produção acrescida de prova tem de resultar da apreciação a levar a cabo pelo julgador perante a prova documental carreada para o processo e as posições adotadas por cada uma das partes quanto aos factos fundamentais à decisão de mérito a prolatar.


Em concreto, o Tribunal a quo elencou como provados os factos que entendeu serem relevantes atentas as posições adotadas e que encontram suporte na prova documental disponível.


Assim, improcede a alegação recursiva quanto ao invocado vício em que o Tribunal a quo teria incorrido ao dispensar a produção de prova testemunhal.


Mais vem recursivamente suscitado que a sentença recorrida enfermaria de erro de julgamento de direito ao julgar improcedente a providência cautelar por falta de verificação dos respetivos requisitos legais, designadamente, o fumus boni iuris.


O Recorrente impugna a sentença proferida em sede da Providência Cautelar de Suspensão de Ato Administrativo, considerando que "Ao afirmar que a Entidade Demandada se encontra vinculada à matéria de facto apurada em sede criminal, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 29.° e 32.°, n.° 2, da Constituição e do artigo 623.° do Código de Processo Civil.”, alegando ainda que “(...) o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 152.°, n.° 1, alínea a), e 153.°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo.”.


Refira-se, desde já, que a Sentença apreciou adequadamente a prova constante do processo disciplinar tendo consequentemente aplicado o direito, não se reconhecendo a verificação de quaisquer erros de julgamento, nomeadamente, os invocados.
Objetivando, alega ainda o Recorrente que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito ao considerar que não se verifica o preenchimento do requisito do fumus boni iuris.


A caraterização do fumus boni iuris, segundo requisito constante do n.° 1, do artigo 120°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, assenta na aparência do bom direito (fumus boni iuris), quando "seja provável que a pretensão formulada ou a formular” no processo principal "venha a ser julgada procedente” (artigo 120.°, n.° 1, segunda parte, Código de Processo nos Tribunais Administrativos).


Está em causa uma avaliação que não assenta num juízo de certeza, mas meramente numa avaliação perfunctória, num juízo de probabilidade ou verosimilhança, sobre o potencial sucesso da pretensão formulada ou a formular no processo principal.


Este exercício não implica uma exaustiva indagação do direito aplicável aos factos, na medida em que não pode redundar numa antecipação do mérito da ação principal, que está reservada para o momento próprio e não para a instância cautelar.


A circunstância de se concluir pela provável procedência da pretensão não significa, por isso, que tal indicação constitua uma vinculação a observar pelo tribunal na apreciação e decisão da causa principal.


A decisão cautelar assume aquela que é uma das caraterísticas deste tipo de tutela, a sumariedade, a qual impõe que a ponderação a fazer assente numa apreciação necessariamente provisória e perfunctória.


Em sede de apreciação cautelar para que ocorra o requisito do fumus boni iuris, ou aparência do bom direito, é necessário que exista a probabilidade de procedência da pretensão principal, cabendo ao tribunal realizar esta apreciação através de uma apreciação perfunctória e sumária, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações trazidas aos autos.


Como se discorreu já, o Recorrente entende que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que a Entidade Demandada se encontrava vinculada à matéria de facto apurada em sede criminal.


Efetivamente, como decorre do Acórdão deste TCA Sul, de 28 de Junho de 2018, proferido no processo 28/18.4BESNT:
«I. Em sede de processo disciplinar, a Administração está vinculada aos factos dados por provados na decisão penal condenatória do recorrente, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares.
II. A autonomia e a independência do processo crime e do processo disciplinar impede a condenação disciplinar por mero efeito automático da condenação penal, mas não obsta à consideração em sede de procedimento disciplinar dos factos dados como provados no processo crime.
III. Apurando-se ter existido atividade instrutória no âmbito do procedimento disciplinar, mediante a produção de prova testemunhal, assim como a analise da defesa apresentada e a análise critica dos factos dados como provados, não se mostra violado os citados princípios da autonomia e independência dos processos crime e disciplinar.
IV. Em consequência, atenta a prova produzida quanto aos factos pelos quais o trabalhador foi acusado, falta o requisito do fumus boni iuris, necessário ao decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia do ato de aplicação da pena disciplinar de demissão».


Assim, improcede o vicio vindo de analisar.


Alega ainda o Recorrente que a sentença recorrida errou ao considerar que o ato administrativo suspendendo não incorre em nulidade por preterição da instrução.


Como se afirmou na Sentença Recorrida e aqui se acompanha:
«Quanto a esta matéria importa relevar que o Requerente foi notificado da acusação [quer da primeira deduzida em 06.04.2022 quer da segunda deduzida em 09.11.2022, cfr. Factos Provados I) e N)], tendo ficado ciente das infrações que lhe eram imputadas e da gravidade das mesmas, pelo que neste momento fica ciente das cominações que em tese lhe podem ser aplicadas. Nessa sequência, tendo sido notificado, apresentou defesa e requereu a inquirição de testemunhas o que foi realizado [cfr. Factos Provados O) e P)]. É certo que em sede de relatório final a instrutora, após ponderação, propôs a aplicação de medida suspensiva pelo período de 240 (duzentos e quarenta) dias, sendo que a decisão final não seguiu essa proposta, tendo aplicado a pena disciplinar de separação de serviço.
Vista a factualidade dada como provada, temos que o Requerente foi notificado da acusação, da mesma constando a possibilidade de aplicação de pena de separação de serviço, face à qualificação da infração como muito grave, pelo que não se verifica a nulidade prevista no artigo 81.°, n.° 1, alínea a) do RD/GNR, uma vez que foi ouvido quanto à infração que lhe foi imputada e teve oportunidade de se defender, arrolando meios de prova, como o fez.
Mostra-se assim cumprido o desiderato previsto no artigo 32.°, n.° 10 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que em processo sancionatório assegura ao arguido os direitos de audiência e defesa, o que se encontra em consonância com o artigo 99.° RD/GNR e seguintes que regulam o direito de defesa.
Quanto à alegação de que não foi ouvido na qualidade de Arguido, importa esclarecer que a audiência do arguido nos termos do artigo 99.° do RD/GNR quanto ao teor da acusação contra si deduzida e a possibilidade de defesa, configuram como se disse, a consagração do direito previsto no artigo 32.°, n.° 10 da CRP. Aliás, é neste conspecto que o artigo 81.°, n.° 1, alínea a) do RD/GNR prevê a nulidade insanável do processo se se verificar a falta de audiência do arguido em artigos da acusação.
No caso dos autos, tendo sido notificado o Requerente, na qualidade de arguido, da acusação contra si deduzida e tendo apresentado defesa [cfr. Factos Provados O) e P)], considera-se que, ao contrário do alegado, não foi violado o direito de defesa do Requerente, pois foi-lhe dada a conhecer a acusação e concretamente quanto à possibilidade de aplicação de pena de separação do serviço, matéria relativamente à qual se pronunciou.
(...)
Neste conspecto, tendo sido produzida a prova requerida pelo Requerente, na qualidade de Arguido em sede de defesa [cfr. Factos Provados P) e Q)] e tendo sido analisada a matéria que igualmente apontou em sede de defesa [cfr. Facto Provado R), concretamente ponto “III. Ponderação da defesa” do relatório final a fls. 379 e seguintes do processo administrativo] não ocorre a alegada nulidade do processo por preterição de instrução.
Por outro lado, salienta-se que o que o n.° 2 do artigo 93.° do RD/GNR dispõe é que o instrutor deve ouvir o arguido, a requerimento deste ou sempre que o entender conveniente. Ora no caso, nem o Requerente, na qualidade de Arguido requereu a sua prestação de declarações, nem o instrutor o entendeu como conveniente, precisamente no contexto acima exposto, pois que a factualidade dada como provada no relatório final reproduz (como aliás assim teria de ser) a factualidade dada como provada no âmbito do processo crime [cfr. Factos Provados D) e R)].
Temos, pois, que concluir que, ao contrário do alegado, se mostra cumprido o direito de audiência e defesa do Requerente, na qualidade de arguido no âmbito do processo disciplinar n.° …………, não se verificando também por esta via, qualquer nulidade por preterição de instrução».


Assim, improcede, igualmente, o vicio vindo de analisar.


Finalmente, alega o Recorrente que a decisão recorrida incorre em erro ao considerar que o ato administrativo suspendendo não carece de falta de fundamentação.


No que concerne à Fundamentação, refira-se que em princípio, apenas no campo decisório pertinente aos atos administrativos lesivos, se coloca a exigência de fundamentação.


Diz-se “em princípio” com o intuito de salvaguardar uma margem de exceção para casos marginais e atípicos.


Em qualquer caso, é do senso comum que a lei não impõe nem poderia impor a fundamentação da fundamentação (e assim sucessivamente) sob pena de o autor do ato administrativo se ver condenado, como um Sísifo moderno, a rolar o rochedo da fundamentação até à consumação do Tempo. (Cfr. Acórdão do TCAS nº 2303/99 de 09/01/2003).


Nas palavras de Marcello Caetano (Manual, I, nº 197): “Não interessa ao jurista conhecer quaisquer motivos da vontade administrativa, mas tão-somente os motivos determinantes, aquelas razões de direito ou considerações de facto objetivamente consideradas, sem cuja influência a vontade do órgão administrativo não se teria manifestado no sentido em que se manifestou”.


A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do ato administrativo, exigindo-se que, perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele ato, um destinatário normal possa ficar a saber por que se decidiu em determinado sentido.


Como ficou dito no Acórdão do STA nº 762/02, de 19 de Fevereiro de 2003, “…a fundamentação dos atos administrativos visa, por um lado, dar a conhecer aos seus destinatários o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração, de molde a permitir-lhes uma opção consciente entre a aceitação do ato e a sua impugnação contenciosa, e, por outro, que a Administração, ao ter de dizer a forma com agiu, porque decidiu desse modo e não de outro, tenha de ponderar aceitavelmente a sua decisão.”


É, por isso, um conceito relativo, que depende de vários fatores, designadamente do tipo legal de ato, dos seus antecedentes e de tudo aquilo que possibilite aos seus destinatários ficar a saber a razão de ser dessa decisão.


Por outro lado, mas no mesmo sentido, refere o atual art. 153º nº 1 do CPA (Anterior Artº 125º) “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.”


Aqui chegados, importa sublinhar que a fundamentação adotada deve ser suficiente para convencer (ou não) o particular e permitir-lhe o controlo administrativo e/ou contencioso do ato lesivo dos seus direitos ou interesses juridicamente protegidos.


Assim, a referida regra impõe a fundamentação dos atos administrativos de modo a permitir aos seus destinatários, sendo caso disso, apresentarem a sua defesa, variando a exigência de fundamentação de acordo com a natureza do ato administrativo.


Por outro lado, a falta de fundamentação geradora de vício conducente à anulabilidade da decisão da entidade administrativa só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação ou motivação não bastando que esta seja insuficiente, incompleta ou não convincente.


A jurisprudência dos tribunais superiores vem desde há muito entendendo que a fundamentação é um conceito relativo que varia consoante o tipo legal de ato administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dada a funcionalidade do instituto e os objetivos essenciais que prossegue.


Neste sentido, entre outros, cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-03-1996, proferido no processo 32501:
«I - Os atos administrativos que neguem ou de algum modo afetem direitos ou interesses legalmente protegidos de cidadãos devem ser fundamentados (artigos 268, n.º 3 da CRP e 124, n. 1 do CPA).
II - A fundamentação é um conceito relativo, a integrar segundo a natureza do ato e as circunstâncias da sua prolação.
Para existir, é necessário que um destinatário normal, em face do teor de uma decisão, possa apreender o processo cognoscitivo e valorativo e a motivação do seu autor.
III - A fundamentação tem de ser expressa e de constar do próprio ato ou de parecer, informação ou proposta que o anteceda e que aquele aceite e torne seu (artigo 125, n. 1 do CPA).
IV - Carecendo de fundamentação adequada, o ato incorre em vício de forma e deve, por isso, ser anulado».


Na situação aqui controvertida, atentos os interesses em causa, estamos em presença de situação que exigia da Entidade Demandada o cumprimento do dever de fundamentar, o que se mostra cumprido.


Em concreto, verifica-se que a decisão aqui suspendenda se encontra devidamente fundamentada, ainda que por remissão, sendo perfeitamente suficiente a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato administrativo e que o levou a proferir a respetiva decisão.


Na realidade, o controvertido ato mostra-se percetível, encontrando-se devidamente fundamentado, dispondo o aqui Recorrente dos elementos tendentes a que, sendo caso disso, pudesse impugnar o decisão.


Entende-se, pois, que o ato suspendendo não carece de falta de fundamentação, pelo que a pretensão do Recorrente improcederá, pois que a decisão controvertida procedeu a uma correta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e à sua subsunção ao Direito, não evidenciando erro da aplicação do direito, não sendo, assim, merecedora da censura.

* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando a Sentença Recorrida.


Custas pelo Recorrente


Lisboa, 9 de maio de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Teresa Caiado

Julieta França