Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1780/22.8BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/19/2024 |
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Relator: | ANA CRISTINA DE CARVALHO |
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Descritores: | CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO |
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Sumário: | I - Em regra, o desvalor jurídico dos actos ilegais é o de anulabilidade, excepto se outra cominação se encontrar prevista na lei; II – O recurso de apelação visa a reapreciação do julgamento efectuado nas decisões proferidas e não a decidir questões novas não colocadas à apreciação do Tribunal de primeira instância que não constituam questão de conhecimento oficioso. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – Relatório P…, inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu a Fazenda Pública da presente instância, veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo terminando as suas alegações de recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: « a) O Tribunal a quo aplicou o artigo 38.º n.º 1 do CPPT considerou o ato anulável; b) Sucede que a liquidação do IRS aplicada pelo serviço de finanças é um ato nulo; c) Pois o serviço de finanças em momento algum fundamentou a liquidação com a lei ou qualquer norma, sendo uma nulidade insanável; d) Pelo que o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade; e) Ora, o que se passa in casu a liquidação não é suscetível de ser corrigida tem de ser considerada nula, porquanto não se fundamenta em qualquer norma jurídica; f) Por força do disposto no n.º 2, do artigo 134.º, do CPA, a nulidade é invocável a todo o tempo, ou seja, é imprescritível.; g) O que o recorrente pretendia era que fosse declarada a nulidade da liquidação do IRS e consequentemente; h) O que pode ser a qualquer momento pelo que o a impugnação judicial foi tempestivamente apresentada. Nestes termos, nos melhores de Direito e de Justiça e com o sempre Mui Douto Suprimento de V, Exas., deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!!!.» Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a recorrida não usou da faculdade de contra-alegar. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica a decisão recorrida. Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção Comum do Contencioso Tributário para decisão.
II – Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida efectuou errada apreciação dos factos e se incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção. * III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1 – Fundamentação de facto
Para julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção foram fixados os seguintes factos: « 1. Em 10.11.2021, a A.T. emitiu a liquidação de IRS do ano de 2017, nº 2021 5005885251, com imposto a pagar no valor de € 21.284,62 – cfr. fls. 42 do SITAF; 2. Em 14-12-2021, o aqui impugnante deduziu reclamação graciosa, procedimento gracioso identificado pelo n.º 4227202104006917 – cfr. fls. 109 a 120 do SITAF; 3. Em 30.05.2022, por despacho da Chefe do SF Odivelas, aquela reclamação veio a ser indeferida – cfr. fls. 173 e ss. do SITAF; 4. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi enviada ao mandatário do Impugnante, por carta registada nº RF614113508PT, expedida através do oficio nº 1434, de 30.05.2022- cfr. carta remetida ao mandatário Dr. N… a fls. 173 e ss. do SITAF; 5. Em 07.06.2022 a carta registada, identificada no ponto anterior, foi entregue a “A…” – cfr. Documento Informativo dos CTT, a fls. 173 e ss. do SITAF; 6. Em 17.10.2022, foi apresentada no SF Odivelas por “E-mail” petição inicial que consubstancia a presente impugnação judicial – cfr. fls. 3 do SITAF.» * III. 2 – Fundamentação de direito
A única questão que vem suscitada e que importa apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida errou ao julgar procedente a excepção da caducidade do direito de acção, suscitada na contestação pela Fazenda Pública. A sentença do Tribunal Tribuário do Lisboa julgou extemporânea a impugnação judicial instaurada pela ora recorrente, contra a liquidação de IRS 2021 5005885251, relativa ao ano de 2017, que apurou imposto a pagar no montante de € 21 284,62. Motivou tal julgamento no facto de não ter sido arguido nenhum vício legal que seja cominado com a nulidade referindo-se na sentença recorrida o seguinte: «[n]o seu petitório o impugnante põe em crise a (i)legalidade da liquidação de IRS/2017, logo em causa não vem arguido nenhum vício legal que seja cominado com a nulidade, caso em que a impugnação poderia ser deduzida a todo o tempo, de acordo com a previsão do nº 3 do art. 102º do CPPT. Com efeito, os vícios imputados pelo Impugnante à liquidação em análise reconduzem-se ao erro sobre os pressupostos de facto e de direito, não se afigurando possível o enquadramento na previsão da regra geral do nº 1 ou de qualquer das alíneas do nº 2 do referido art. 161.º do CPA.» A Recorrente insurge-se contra esta decisão sustentando, no essencial, que «o serviço de finanças em momento algum fundamentou a liquidação com a lei ou qualquer norma, sendo uma nulidade insanável», pelo que, «Por força do disposto no n.º 2, do artigo 134.º, do CPA, a nulidade é invocável a todo o tempo». No caso dos autos, a recorrente não questiona que o prazo de 3 meses para deduzir impugnação se encontrava transcorrido, conforme se decidiu na sentença recorrida, o que o recorrente alega é que estando em causa a nulidade do acto de liquidação por falta de fundamentação, a impugnação judicial pode ser deduzida a todo o tempo. Assim, para saber se a sentença recorrida fez um correcto julgamento ao julgar verificada a caducidade do direito a deduzir impugnação judicial, importa determinar se os vícios invocados pela recorrente são geradores de nulidade ou anulabilidade. Vejamos. Em regra, os vícios do acto são geradores de anulabilidade, apenas implicando a nulidade quando a lei comine expressamente tal forma de invalidade (cfr. artigos 161.º, n.º 1 e 163.º do CPA). Neste sentido, v.g. o Acórdão proferido pelo STA no processo n.º 091/11 datado de 25/05/2011, embora reportando-se a norma do CPA originária, mantém-se válida: «I - Em regra, os vícios dos actos administrativos e tributários implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando falte qualquer elemento essencial do acto, quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, designadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental. II - A fundamentação do acto tributário de liquidação não constitui um direito fundamental, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, e a sua falta ou insuficiência não implica a ausência de elemento essencial do acto, não podendo, assim, gerar a nulidade do acto. III - Esse vício, sendo gerador de mera anulabilidade, tem de ser suscitado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.» No caso dos autos, lendo a petição inicial apresentada na sequência de convite dirigida ao seu aperfeiçoamento, constatamos que o recorrente alega nos artigos 3º e 4º da petição inicial que «(…) discorda da mencionada decisão, porquanto considera que viola o artigo 99.º a) do CPPT, errónea qualificação de facto tributário pelo que a presente impugnação tem o propósito de impugnar a liquidação do imposto» e que «na base da decisão está em causa o preenchimento do conceito indeterminado de habitação própria permanente e da aplicação do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS e consequentemente isenção de mais valias, quando as mesmas sejam reinvestidas igualmente em imóvel com o mesmo destino.» Prossegue afirmando que o legislador não define o conceito nem fornece critérios para a sua densificação, concluindo nos artigos 9º a 13º que «salvo o devido respeito e melhor entendimento (…) não procede o argumento alegado que não nos parece de "habitação própria e permanente (…) [p]orque a partir da aquisição, a 20.01.2017 passou a constituir património do ora Recorrente, em regime de propriedade plena, verificando-se assim, inequivocamente, no momento da sua alienação, habitação própria permanente. 11º Porque a lei não determina qualquer limite temporal mínimo durante o qual uma habitação permanente tenha de ser propriedade do alienante para poder ser considerada também como própria. 12.º Sendo indubitável que o imóvel alienado pelo Recorrente constituía a sua habitação permanente desde a data 16.05.2017, altura em que o declarou às finanças e começou a residir permanentemente no imóvel. 13.º E sendo igualmente incontestável que com a aquisição do imóvel a habitação já própria, pelo menos aí, passou também a permanente do Recorrente; 14º O que significa que, entre o momento em o Recorrente adquiriu o imóvel e o momento em que o alienou, por mais curto que tenha sido, o imóvel foi - simultaneamente – a habitação "própria" e "permanente" do Recorrente. 15.º Tanto quanto se alcança, para efeitos de aplicação do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS (norma de exclusão) não existe nenhuma previsão legal que obrigue a que o imóvel tenha de ser detido a título de propriedade plena por um determinado hiato temporal para poder ser considerado simultaneamente habitação própria e permanente;» A final formulou o seguinte pedido «deve a presente oposição à decisão ser admitida, por verificados os respectivos e julgada procedente, nos termos expostos impugnar a liquidação do imposto, assim se fazendo JUSTIÇA.» Ora, como se depreende da transcrição parcial da petição inicial, o que o recorrente alegou na petição inicial foi a sua discordância com a interpretação levada a cabo quanto à aplicação do artigo 10.º, n.º 1 alínea a) do CIRS e em momento algum se mostra invocada a falta de fundamentação da liquidação. Além da sentença se apresentar correctamente fundamentada, enquadrando a questão como de anulabilidade, a alegação de que o acto é nulo por falta de fundamentação constitui questão nova que o tribunal de recurso não pode conhecer, por não ter sido invocada na petição inicial e não ser de conhecimento oficioso. Neste sentido pode ver-se o Acórdão por nós relatado no processo n.º 531/11.7BEALM de 14/10/2021. Assim sendo, nada mais vindo imputado à sentença recorrida, importa julgar improcedente o recurso. * IV – CONCLUSÕES
I - Em regra, o desvalor jurídico dos actos ilegais é o de anulabilidade, excepto se outra cominação se encontrar prevista na lei; II – O recurso de apelação visa a reapreciação do julgamento efectuado nas decisões proferidas e não a decidir questões novas não colocadas à apreciação do Tribunal de primeira instância que não constituam questão de conhecimento oficioso. * V – DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes que integram a Subsecção Comum do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 19 de Junho de 2024. Ana Cristina Carvalho - Relatora Margarida Reis – 1ª Adjunta Cristina Coelho da Silva – 2ª Adjunta |