Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:956/11.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/03/2024
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
REMUNERAÇÃO
Sumário:I– Os magistrados do Ministério Público só têm o “direito à remuneração”, previsto no artigo 63º, nº 6 do EMP, por acumulação de funções se esta derivar de um acto enquadrável no tipo legal previsto nos nºs 4 e 5 do mesmo artigo.
II– Se a alegada acumulação de funções adveio de sucessivos provimentos alheios ao condicionalismo referido nos nºs 4 e 5 desse artigo 63º, não ocorreu o antecedente legalmente indispensável para que se constituísse o direito mencionado no nº 6 do mesmo artigo.
III– Faltando o direito, inexiste também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa – designadamente a do Ministro da Justiça fixar o “quantum” remuneratório que corresponderia a uma acumulação de funções.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL


I. RELATÓRIO
1. R........, magistrado do Ministério Público com a categoria de procurador–adjunto, intentou no TAC de Lisboa contra o Ministério da Justiça uma acção administrativa especial de condenação na prática de acto devido, na qual peticionou a condenação da entidade demandada a praticar os actos de fixação ao autor da remuneração suplementar devida nos termos dos artigos 63º, nºs 4 e 6 e 64º, nº 4, ambos do Estatuto do Ministério Público, actos esses que, no seu entender, foram ilegalmente omitidos.
2. O TAC de Lisboa, por sentença datada de 21-12-2017, julgou improcedente a acção de condenação na prática de acto devido e, em consequência, absolveu o Ministério da Justiça do pedido.
3. Inconformado com tal decisão, o autor interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
A. O TAC de Lisboa julgou improcedente a acção, por entender que não se verificava, no caso em apreço, uma situação de acumulação de funções, tendo sido em consequência absolvido o Ministério da Justiça dos pedidos formulados pelo recorrente.
B. Não pode, todavia, o recorrente concordar com o entendimento e decisão vertidos na sentença ora recorrida, porquanto, nos presentes autos a divergência entre o recorrente e a entidade demandada respeita apenas à interpretação do regime jurídico relativo à acumulação de funções por magistrados do Ministério Público, na redacção então vigente.
C. Está em causa a questão de saber se o recorrente, magistrado do Ministério Público, tendo, no período que mediou entre 30-6-1998 a 31-12-2000, de 1-1-2005 a 31-8-2007, de 1-9-2007 até 1-7-2010, (i) exercido funções de representação do Ministério Público nos processos tramitados nos Juízos.... de Lisboa e, em virtude de determinação hierárquica, (ii) desempenhado também as funções próprias dos Magistrados do Ministério Público no Tribunal de Lisboa, se encontrava numa situação de acumulação de funções que, nos termos do artigo 63º, nºs 4 e 6 e artigo 64º, nº 4 do EMP, confira o direito à atribuição da remuneração suplementar.
D. O TAC de Lisboa acolheu, na integra, a decisão jurisprudencial aposta no Acórdão do STA, de 10-3-2016, processo nº 1428/15, o qual defende que “(...) a acumulação de funções causal do surgimento do direito do magistrado a uma remuneração acrescente tem de se suportar num acto com as seguintes características: um acto do procurador-Geral Distrital que atribua ao Procurador-Adjunto “o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos”; um acto motivado por “acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimentos do seu titular, por período superior a 15 dias”; um acto precedido de “prévia comunicação” ao CSMP; e um acto cuja “medida” não pode vigorar por mais de seis meses” (sublinhados nossos) – cfr. pág. 12 da sentença.
E. Porém, aqueles pressupostos legais foram concretizados, entre outros, pelo Parecer nº 499/2000, de 16-6-2004, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, do qual não resulta a imposição legal de qualquer acto administrativo revestido das formalidades que ora vêm sendo exigidas pela jurisprudência mais recente.
F. O ora recorrente esteve colocado, no período de 30-6-1998 a 31-12-2000, de 1-1-2005 a 31-8-2007 e de 1-9-2007 a 1-7-2010, junto dos Juízos.... de Lisboa, o que significa que, à data do exercício de funções em acumulação pelo recorrente, o conteúdo funcional a cargo do ora recorrente estava circunscrito a representar o Ministério Público nos actos judiciais próprios dos referidos Juízos Criminais.
G. Sucede que o recorrente assegurou, no período compreendido de 30-6-1998 a 31-12-2000, de 1-1-2005 a 31-8-2007 e de 1-9-2007 a 1-7-2010, não só o seu serviço normal junto destes Juízos, mas também as funções próprias dos magistrados do Ministério Público no Tribunal , especificamente no Departamento de..........
H. O EMP ao institucionalizar os Departamentos de Investigação e Acção Penal determinou ainda a sua estrutura e definiu as suas competências de direcção do inquérito e do exercício da acção penal por crimes cometidos na área da comarca, tendo o legislador estabelecido os quadros dos Departamentos de Investigação e Acção Penal e as regras de provimento dos magistrados do Ministério Público nestes (cfr. artigos 70º, 72º e 73º do EMP, na redacção então vigente, em especial a alínea a) do nº 1 deste último e artigo 120º do EMP).
I. Assim, a ampliação do âmbito das funções exercidas pelo recorrente, significa uma acumulação relevante para efeitos do disposto nos artigos 63º e 64º do EMP.
J. Uma coisa é o cargo para o qual o recorrente foi provido – o de representação do Ministério Público junto dos Juízos.... de Lisboa – o qual delimita o conteúdo funcional das suas respectivas funções; outra coisa são as funções integrantes do conteúdo funcional do cargo dos magistrados colocados junto do Departamento de Investigação e Acção Penal, cargo este previsto em quadro próprio, para o qual o recorrente não foi provido, mas cujas funções foram atribuídas ao ora recorrente por determinação hierárquica.
K. Trata-se de uma clara manifestação do princípio da organização racional do trabalho que informa a magistratura do Ministério Público, designadamente na vertente do princípio da especialização, na medida em que a colocação dos magistrados do Ministério Público deve ser efectuada para lugares com um conteúdo funcional perfeitamente definido.
L. Logo, as tarefas cumuladas pelo recorrente estavam inseridas no conteúdo funcional do cargo cujo respectivo lugar no quadro pertencia aos magistrados colocados junto do Departamento de Investigação e Acção Penal, consubstanciando um acréscimo de trabalho relevante motivado pelo exercício de funções não compreendidas nos seus cargos.
M. Não pode proceder ainda a argumentação segundo a qual o acréscimo de trabalho resultou de uma “reorganização do serviço” ou de uma pretensa “distribuição do serviço”.
N. Face à lei aplicável à data dos factos, poder-se-ia considerar como “distribuição” ou “reorganização” de serviço, a distribuição de serviço próprio dos Juízos.... de Lisboa, entre os magistrados do Ministério Público colocados em tais Juízos, como era o caso do aqui recorrente.
O. Ora, não está aqui em causa qualquer distribuição e reorganização de serviço incluído nas funções organicamente atribuídas aos Juízos.... de Lisboa, pelo que, necessariamente, o alargamento das funções do recorrente significa uma acumulação de serviço relevante para efeitos do disposto nos artigos 63º e 64º do EMP. 
P. O reconhecimento da situação de acumulação de funções no caso do recorrente, e consequente direito à respectiva remuneração suplementar, decorre, desde logo, de um princípio de justiça, na vertente da justiça distributiva.
Q. Todavia, segundo a tese que defende a jurisprudência sufragada na sentença de que aqui se recorre, apenas a acumulação de funções que resulte de “(...) um acto do Procurador-Geral Distrital que atribua ao Procurador-Adjunto «o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos»; um acto motivado por «acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias»; um acto precedido de «prévia comunicação» ao CSMP; e um acto cuja «medida» não pode vigorar por mais de seis meses", se afigura apta a gerar o direito à remuneração previsto no nº 6 do artigo 63º do EMP (na redacção vigente à data) – cfr. pág. 12 da sentença.
R. Salvo o devido respeito, esta interpretação normativa que vem sendo defendida jurisprudencialmente, traduz uma leitura excessivamente formalista, desarreigada da realidade prática.
S. A interpretação dos artigos 63º e 64º do EMP que vem ora sendo defendida, ao arrepio de anos de prática generalizada, assume um efeito perverso, que não poderá deixar de se considerar contra-legem: o de permitir que um magistrado acumule as suas funções com quaisquer outras, em clara subversão do regime de acumulação de funções, na medida em que os magistrados teriam de desempenhar trabalho suplementar sem, no entanto, receber qualquer compensação por tal facto.
T. E caso vingasse esta tese, o que apenas por dever de patrocínio se equaciona, sempre haveria lugar à obrigação de pagamento de uma remuneração suplementar ao autor, ora recorrente, por via da verificação do enriquecimento sem causa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 473º do Código Civil. 
U. E isto no âmbito de uma magistratura onde vigora o princípio de hierarquia, previsto de forma expressa no nº 3 do artigo 76º do EMP, que se traduz na subordinação dos magistrados do Ministério Público aos magistrados de grau superior, e na consequente obrigação de acatamento por aqueles das directivas. ordens e instruções recebidas.
V. Assim, também por força deste princípio, o ora recorrente nada mais fez – nem outra coisa poderia fazer – do que acatar o que lhe fora hierarquicamente determinado, cumulando as suas funções junto dos Juízos.... de Lisboa com as competências originariamente atribuídas aos magistrados que desempenhavam funções junto do Departamento de Investigação e Acção Penal.
W. Labora também em erro a sentença do TAC de Lisboa, na interpretação que faz dos referidos artigos 63º e 64º do EMP quando parece estar a confundir dois planos distintos de intervenção: o do CSMP, cujo parecer é obrigatório (mas não vinculativo), conforme o disposto no artigo 63º, nº 6 do EMP (na redacção vigente à data), e o do Ministério da Justiça a quem cabe a competência para decidir.
X. Não resulta dos artigos 63º e 64º do EMP que seja ao CSMP que compete decidir sobre a alegada verificação de uma situação de acumulação de funções mas, outrossim, que a este cabe emitir parecer, não vinculativo (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 19-12-2007, processo nº 06018/02, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 8-5-2015, processo nº 02908/11.9BEPRT).
Y. Acresce que tal interpretação dos artigos 63º e 64º do EMP, sufragada na sentença do TAC de Lisboa ora recorrida, afigura-se manifestamente inconstitucional, designadamente por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, o que se argui com todas as legais consequências. 
Z. A situação do recorrente é em tudo semelhante à de outros magistrados do Ministério Público que viram a sua situação reconhecida como acumulação de funções e foram abonados da correspectiva remuneração suplementar sem que o acto subjacente à acumulação de funções pela qual foram remunerados reunisse tais requisitos formais, enquadrável no entendimento sufragado pela jurisprudência citada no acórdão recorrido, como indispensável ao surgimento do direito à remuneração suplementar prevista no nº 6 do artigo 63º do EMP.
AA. Sendo reconhecida uma acumulação de funções relevante para efeitos da concessão da remuneração suplementar devida, sem que tivesse sido equacionado pelo tribunal a obrigatoriedade da existência de um acto pautado pelas características que têm vindo agora ex novo a ser exigidas.
BB. Ora, o artigo 13º da CRP consagra o princípio da igualdade que postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais.
CC. Acresce que, também por violação do princípio da protecção da confiança, o que se argui com todas as legais consequências, a sentença do TAC de Lisboa ora recorrida, carece igualmente, salvo o devido respeito, de razão na interpretação que faz do caso sub judice.
DD. O não reconhecimento da verificação de uma situação de acumulação de funções, no caso do recorrente, viola o princípio da boa-fé e da confiança, na medida em que, desde logo por força da remuneração paga aos magistrados do Ministério Público em igualdade de circunstâncias, o recorrente tinha a legítima expectativa de ver a sua situação de acumulação de funções reconhecida e, em consequência, de lhe ser abonado o correspectivo acréscimo remuneratório. 
EE. Deste modo, deve ser condenado o Ministério da Justiça na emissão do acto devido, cujo sentido se encontra pré-determinado pelo legislador: é que o autor tem direito a receber a remuneração suplementar, sob pena de dar por verificado o enriquecimento sem causa do Ministério da Justiça, devida nos termos dos nºs 4 e 6 do artigo 63º e nº 4 do artigo 64º do EMP, na redacção então vigente, acrescida do pagamento de juros de mora, desde a data de citação até integral e efectivo pagamento”.
4. O Ministério da Justiça, devidamente notificado para o efeito, apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:
A. Quanto ao mérito do recurso, o Ministério da Justiça considera que a pretensão do recorrente deve improceder, sob pena de se fazer uma interpretação da lei contrária à sua letra e ao seu espírito ou em violação das mais elementares regras e princípios de interpretação consagrados no artigo 9º do Código Civil.
B. Nos termos do disposto nos nºs 4 a 6 do artigo 63º do EMP, o Ministro da Justiça só podia ser condenado à emissão de acto de fixação de remuneração por acumulação de funções, entre 1/5 e a totalidade do vencimento do magistrado, se do respectivo procedimento constassem, cumulativamente, as seguintes formalidades e actos: uma deliberação do CSMP ou uma determinação do procurador-geral distrital, precedida de comunicação ao CSMP, a atribuir o serviço a magistrado do MP em regime de acumulação de funções; um requerimento dirigido, por via hierárquica do MP, à Senhora Ministra da Justiça com o pedido de fixação de remuneração pela acumulação de funções; e o parecer do CSMP a propor o quantum remuneratório ao requerente, o que não ocorre no caso concreto.
C. Cabe aos órgãos do Ministério Público, concretamente aos procuradores-gerais distritais ou ao CSMP, determinar se o serviço é distribuído ou atribuído em regime de acumulação de funções.
D. O Ministro da Justiça não pode substituir-se aos referidos órgãos e praticar os actos e formalidades do procedimento que não são da sua competência.
E. Do procedimento, além do requerimento e do parecer do CSMP, de indeferimento do pedido, não constavam os outros actos e formalidades legalmente exigidos, concretamente uma deliberação do CSMP ou determinação do procurador-geral distrital a configurar o desempenho do cargo em regime de acumulação no ...Juízo, ... secção, e .....Juízo, ...... secção, ambos, do T......., nos períodos de 15-1-1999 a 31-12-2000 e de 1-1-2005 a 31-8-2007, e no ...... secção, ... secção, do TCL, no período de 1-9-2007 até 1-7-2010, (despacho nos inquéritos e instrução dos inquéritos dos processos abreviados, provenientes do D.....).
F. Nos referidos períodos o recorrente desempenhou o cargo de procurador-adjunto nos termos do respectivo EMP, segundo as leis de organização judiciária e as determinações hierárquicas, concretamente por distribuição de serviço operada através das Ordens de Serviço nºs ..../99, de 15/1, ..../99, de 20/9, e ..../2003, de 15/5, da procuradoria da República do T....... e pelos Provimentos nºs ..../2008, de 31/7, e ..../2010, de 30/6, da Procuradora da República dos Juízos.... de Lisboa.
G. O Tribunal não pode condenar à prática do acto com determinado conteúdo – fixação de remuneração por acumulação de funções – só podendo condenar à prática do acto em falta: à apreciação do requerimento apresentado pelo autor. Mas mesmo esse só pode ser praticado após emissão de deliberação do CSMP ou de determinação do procurador-geral distrital, o que não ocorre no caso concreto.
H. O CSMP ou o procurador-geral distrital e o Ministro da Justiça praticariam os referidos actos no âmbito do seu poder discricionário na medida em que, respectivamente, no âmbito das suas competências de gestão e organização dos serviços, tivessem praticado qualquer acto de definição de acumulação e de proposta de fixação de remuneração.
I. Nos casos em que há discricionariedade e é possível mais do que uma solução, segundo o disposto no nº 2 do artigo 71º do CPTA, o tribunal não pode determinar o conteúdo do acto a praticar, podendo, quanto muito, explicitar as vinculações a observar pela Administração.

J. A preterição das formalidades e dos actos iniciais e essenciais do procedimento, pressupostos indispensáveis da constituição do direito à remuneração suplementar por acumulação de funções, nos termos do disposto no nºs 4 a 6 do artigo 63º do EMP, impossibilitaram, a prática do acto final do procedimento pelo Ministro da Justiça, sob pena de se praticar um acto inválido.
K. Não se constituiu o direito à fixação da remuneração e a entidade demandada não pode ser condenada à sua prática.
L. Quanto à delimitação do conteúdo funcional do cargo de procurador-adjunto, segundo o disposto nos nºs 1 a 3 do artigo 64º, aplicável ex vi nº 4 do artigo 64º, ambos do EMP, os procuradores-adjuntos exercem as funções definidas legalmente para o cargo em comarcas, segundo o quadro constante das leis de organização judiciária, sendo que a distribuição de serviço pelos procuradores-adjuntos da mesma comarca se faz por despacho do competente procurador da República, sem prejuízo da orientação do procurador-geral distrital respectivo.
M. As funções próprias dos cargos dos procuradores-adjuntos da mesma comarca são delimitadas em função da área da comarca, da definição do quadro de magistrados do MP, constante das leis de organização judiciária e do determinado por via hierárquica.
N. Do conteúdo funcional do cargo do recorrente pode fazer parte a execução do serviço de qualquer tribunal ou departamento instalado na área da comarca.
O. No caso concreto, o desempenho do cargo de procurador-adjunto no ...Juízo, ... secção e .....Juízo, ...... secção, ambos, do T......., nos períodos de 15-1-1999 a 31-12-2000 e de 1-1-2005 a 31-8-2007, e no ...... secção, 3ª seção, do TCL, no período de 1-9-2007 até 1-7-2010, (despacho nos inquéritos e instrução dos inquéritos dos processos abreviados, provenientes do D.....) corresponde ao exercício de funções que estão abrangidas pelo conteúdo funcional do cargo do recorrente em lugar do quadro global de magistrados do MP e encontra-se definido por determinação hierárquica.
P. Por outro lado, é incontornável a ponderação de normas que enformam transversalmente as relações de trabalho subordinado no sentido da possibilidade de alargamento de funções, como já decorria do disposto no artigo 9º, nº 4 do Decreto-Lei nº 248/85, de 15 de Julho, e está hoje expressamente previsto no nº 1 do artigo 81º da LTFP (Lei nº 35/2014, de 20 de Junho).

Q. Ou seja, é possível atribuir outras tarefas que não as imediatamente descritas no conteúdo funcional, sem que daí resulte uma ideia de variação, descaracterização ou acréscimo de trabalho relevante para efeitos remuneratórios. Trata-se antes de plasticidade inerente a todas as carreiras, com fundamento na racionalização dos recursos humanos e na distribuição do trabalho.
R. A título de exemplo, no Estatuto dos Funcionários de Justiça estabelece-se que são deveres, entre outros, dos funcionários de justiça o de «Colaborar na normalização do serviço, independentemente do lugar que ocupam e da carreira a que pertencem», sem que tal ampliação de funções ou atribuição de serviço se configure como um direito a acumulação de funções (alínea b) do nº 2 do artigo 66º do EFJ, aprovado pelo Decreto-Lei nº 343/99, de 26 de Agosto, com última redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 73/2016, de 8 de Novembro).
S. O recorrente tem uma visão redutora da magistratura do MP ao pretender delimitar o conteúdo funcional do cargo de procurador-adjunto na área da comarca às regras de repartição da competência dos tribunais aí instalados, porque pela distribuição e atribuição de serviço, por via normativa e hierárquica, do conteúdo definido estatutariamente para o cargo fazem parte outras funções que não se confinam à simples afectação a tribunal ou departamento.
T. O desempenho do cargo de procurador-adjunto no ...Juízo, ... secção e .....Juízo, ...... secção, ambos, do T......., nos períodos de 15-1-1999 a 31-12-2000 e de 1-1-2005 a 31-8-2007, e no ...... secção, ... secção, do TCL, no período de 1-9-2007 até 1-7-2010, (despacho nos inquéritos e instrução dos inquéritos dos processos abreviados, provenientes do D.....), são funções próprias do cargo do recorrente.
U. Em resumo, a situação em apreço não se enquadra no regime de acumulação de funções porque não se verificam os respectivos pressupostos.
V. A acumulação de funções pressupõe o exercício de funções por tempo indeterminado no lugar de origem e o exercício excepcional e temporário de funções no lugar de destino, funções que traduzem um acréscimo de trabalho e que não são próprias do cargo, por corresponderem a lugar de quadro de comarca distinta ou de área do Direito diversa daquela para que foi nomeado nas comarcas sede dos distritos judiciais.
W. No caso concreto, não existe qualquer ordem, directiva ou instrução do procurador-geral distrital a determinar o exercício de funções acumulado com o de outro tribunal ou departamento, mediante prévia comunicação ao CSMP, ou uma deliberação do CSMP a determinar o exercício de funções temporárias no lugar de destino acumuladas com o desempenho do cargo por tempo indeterminado no lugar de origem.
X. Consequentemente foi emitido parecer negativo pelo CSMP, fundamentado, nos termos previstos na lei, sem qualquer proposta de fixação do quantum da remuneração por não se configurar o desempenho do cargo em regime de acumulação de funções.
Y. Em relação à violação do princípio da justiça, não se verifica que a omissão da prática dos actos pelo CSMP ou procurador-geral distrital e MJ, em apreço, concretamente a não constituição de um direito ao suplemento remuneratório por acumulação de funções, por força do disposto nos artigos 63º e 64º do EMP, se traduza numa sonegação intolerável, inadmissível e injusta, à luz do estatuto remuneratório dos magistrados do MP, de uma compensação patrimonial ou remuneração suplementar pelo simples desempenho do respectivo cargo de procurador-adjunto na área criminal na comarca de Lisboa.
Z. A referida actuação também não se configura em violação do princípio da igualdade porque não se prova que o CSMP, o procurador-geral distrital e o MJ adoptaram uma actuação discriminatória em relação a outras situações, material e substancialmente idênticas às do ora recorrente, ou que não diferenciaram o que é desigual, atribuindo serviço suplementar sem fixação de retribuição ou fixando remuneração suplementar sem atribuição de serviço em acumulação.
AA. Não se verifica a violação do princípio da boa-fé e da protecção da confiança porque o desempenho do cargo de procurador adjunto na área da comarca em regime de distribuição de serviço é o desempenho normal e previsível do cargo, sem relevância remuneratória suplementar, não existindo fundamento legal para a criação ou frustração de expectativas relativas a futura determinação do CSMP, do procurador-geral distrital e do MJ, no sentido de tal desempenho se configurar em regime de acumulação de funções remunerada e ser objecto de tutela jurídica.
BB. Na verdade, o recorrente não desconhecia que não desempenhava o cargo em regime de acumulação de funções, por ter sido notificado das ordens de distribuição de serviço e inexistir qualquer acto prévio do procurador-geral distrital ou do CSMP a enquadrá-lo neste regime, que não lhe era devido o abono de qualquer suplemento remuneratório pelo normal desempenho do cargo, no referido período, e que não se criaram nem frustraram quaisquer expectativas, aliás inexistentes, por se omitir enquadrar o desempenho do cargo em acumulação de funções e não se fixar suplemento remuneratório requerido, pelo que a actuação do MJ não se pode qualificar de injustificadamente imprevisível mas, ao invés, subordinada ao princípio da boa-fé e da protecção da confiança.
CC. No que respeita ao invocado pedido de suplemento remuneratório a título de restituição/indemnização por enriquecimento sem causa (artigo 473º do CC), verifica-se que o tribunal não pode declarar a constituição ou reconhecer e fixar o direito a tal remuneração/indemnização por, segundo o disposto no nº 2 do artigo 95º do EMP, se «negar o direito à restituição» (artigo 474º do CC) ao vedar a atribuição de abonos aos magistrados do Ministério Público que não se enquadrem nas componentes remuneratórias previstas na lei.
DD. Em face do exposto, não se constituiu o direito à remuneração por não existir uma situação de acumulação de funções e não é possível ao Ministro da Justiça a prática de um acto inválido ou que não é devido, devendo, assim, confirmar-se a sentença recorrida, nos termos seguintes: «Portanto, e carecendo [o autor] e aqui recorrente de tal direito, [o recurso] destes autos está votado à improcedência; pois, na ausência do direito, inexiste também a obrigação correlativa da entidade demandada – a de praticar o acto que [o recorrente] crê ser devido e que precisamente consistiria no reconhecimento do direito e na concomitante fixação do «quantum» a pagar»”.
5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi cumprido o disposto no artigo 146º do CPTA, tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitido douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento.
6. Com dispensa de vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, mas com a prévia entrega do projecto de acórdão, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
8. E, considerando o teor das conclusões da alegação do recorrente, impõe-se apreciar no presente recurso se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao negar a pretensão formulada, por errada interpretação do regime constante dos artigos 63º e 64º do EMP.


III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. O autor é magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador Adjunto – vd. docs. juntos aos autos;
ii. Pela Ordem de Serviço nº ......., de 25-6-1998 (que procedeu ao movimento de Magistrados do D.....), o autor foi colocado na Procuradoria de Família e Menores, por conveniência de serviço, cessando funções no D..... – vd. doc. nº 1 da PI;
iii. No âmbito do provimento ...COORD nº........./98 (que procedeu à colocação e transferência de magistrados dentro do Departamento), o autor foi colocado no Tribunal de ....... – vd. doc. nº 2 da PI;
iv. Na sequência da Ordem de Serviço nº ......., procedeu-se a nova distribuição de serviço, através da Ordem de Serviço nº ......./98, de 6-7-1998, tendo o autor passado a assumir o serviço anteriormente distribuído a outra magistrada (Licenciada E..........), a representação do Ministério Público junto do ...Juízo, ... secção – vd. doc. nº 3 da PI;
v. No período compreendido entre 30-6-1998 e 31-12-2000, o autor exerceu funções no ...Juízo, ... secção, do Tribunal de.........Lisboa – vd. docs. juntos aos autos;
vi. Por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, de 15-11-2000, o autor foi autorizado a ocupar a vaga de perito nacional na Comissão Europeia, a partir de 1-1-2001, cargo que desempenhou pelo período de 2 anos – vd. docs. juntos aos autos;
vii. Esta situação foi prorrogada até 31-12-2004, através do ofício nº ........./PGR, de
18-12-2003 – vd. docs. juntos aos autos;
viii. Por Ordem de Serviço nº ...../2005 da Procuradoria-Geral Distrital – Tribunal da Relação de Lisboa, de 5-1-2005, o autor foi colocado no .....Juízo, ….ª secção, do Tribunal de.........Lisboa, onde esteve no período de 1-1-2005 a 31-8-2007 – vd. doc. nº 4 da PI;
ix. A partir de 1-9-2007, o autor foi colocado a exercer funções nos Juízos criminais – vd. doc. nº 5 da PI;
x. Nos Juízos Criminais, o autor, à data da instauração da acção, exercia funções no ...... secção, ... secção –
vd. docs. juntos ao processo;
xi. Através de Ordens de Serviço da Procuradoria da República junto do Tribunal de.........Lisboa e Execução de Penas de Lisboa, nºs ..../99 e ..../99, foi estabelecido que os serviços do MP junto dos Juízos de Pequena Instância Criminal passavam a instruir também os inquéritos dos processos abreviados (anteriormente instruídos pelo DIPAP) – vd. docs. nº 6 e 7 da PI;
xii. Por provimento nº ..../2010, de 1/7, dos Juízos Criminais, o autor cessou a acumulação de funções e passou a ter exclusividade de julgamentos – vd. doc. nº 8 da PI;
xiii. Nos períodos de 30-6-1998 a 31-12-2000, de 1-1-2005 a 31-8-2007 e de 1-9-2007
até 1-7-2010, o autor, além do serviço do ...Juízo, ... secção e .....Juízo ...... secção, ambos do Tribunal de.........Lisboa, e ...... secção, ... secção dos J......., desempenhou também funções próprias dos magistrados do MP no Tribunal – no D.....;
xiv. A 11-2-2010, o autor requereu ao Ministro da Justiça que lhe seja fixada a remuneração complementar prevista nos artigos 63º, nºs 4, 5 e 6 e 64º, nº 4 do Estatuto do Ministério Público, na versão então em vigor, uma vez que desde 15-1-1999 a 21-12-2000, de 1-1-2005 a 31-8-2007 e de 1-9-2007, em cumprimento das Ordens de Serviço nºs ..../99 e ..../99 do Tribunal de.........Lisboa e durante o outro referido período, a partir de 1-9-2007, desempenhou, também, funções próprias dos magistrados do MP no Tribunal , especificamente do Departamento de........., por determinação hierárquica – vd. doc. nº 9 da PI;
xv. Por ofício de 10-3-2010, o Ministério da Justiça solicitou à PGR a apreciação do pedido do autor – vd. docs. juntos aos autos;
xvi. A 7-10-2010 a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa pronunciou-se no sentido de:
Relativamente à requerida remuneração complementar com fundamento em acumulação de funções, tal como os Srs. magistrados a configuram – colocação em tribunal de julgamento e também com distribuição de serviço de inquéritos – permitimo-nos, não obstante, sugerir seja ponderado o artigo 310º, alínea g) do CC, que prevê a prescrição de prestações periodicamente renováveis em 5 anos.
Ainda, pese a inexistência de norma expressa e similar no Estatuto do Ministério Público, é-nos incontornável a ponderação de normas que enformam transversalmente as relações de trabalho subordinado, hoje a constante do artigo 43º, nº 3 da Lei nº 12-A/2008, de 27/2, para a relação de emprego público – e já antes dela, aflorando o princípio, no artigo 9º, nº 4 do DL nº 248/85, de 15/7, e no que toca ao contrato individual de trabalho, constante do artigo 118º do CT.
Significa que é possível atribuir tarefas outras que não as imediatamente descritas como conteúdo funcional, sem que daí resulte uma ideia de variação, descaracterização ou acréscimo do objecto do trabalho, tratando-se outrossim da plasticidade inerente a todas as carreiras, com fundamento na racionalização dos recursos humanos e da distribuição do trabalho. Dentro de uma mesma área, que era a criminal, cumpridas as tarefas dentro do tempo e no local normal de trabalho, não se identifica o plus que justifique acréscimo remuneratório, tanto mais que, na maioria dos casos, a definição do serviço do tribunal pré-existia ou foi concomitante à colocação do magistrado. Havendo dúvidas, a revisão do EMP é talvez sede para a consagração de princípio semelhante ao mencionado” – vd. processo administrativo apenso;
xvii. A 12-4-2011, instaurou a presente instância – vd. PI;
xviii. A 21-4-2011, o Ministério da Justiça foi citado para os termos desta acção – vd. AR assinado nos autos;
xix. A 17-5-2011, a PGR lavrou informação (para a acção nº 956/11.8BELSB), junta ao processo administrativo, sobre o assunto “Acumulação de funções – Lic. R........”, onde concluiu que não se verifica, no caso em presença, uma situação de acumulação de funções e, consequentemente, não há lugar à fixação de qualquer suplemento remuneratório pelo Sr. Ministro da Justiça;
xx. Em 17-5-2011, a Vice-Procuradora-Geral da República, sobre a informação que antecede, verteu o despacho seguinte:
Concordo” – ver PA.


B – DE DIREITO
10. Como se viu, a sentença recorrida julgou a pretensão formulada pelo ora recorrente improcedente, citando, em defesa do seu entendimento, os acórdãos do STA, de 10-3-2016, proferido no âmbito do processo nº 01428/15, de 7-4-2016, proferido no âmbito do processo nº 01389/15, de 14-4-2016, proferido no âmbito do processo nº 0904/15, e de 12-5-2016, proferido no âmbito do processo nº 01427/15, e ainda o decidido no acórdão deste TCA Sul, de 2-6-2016, proferido no âmbito do processo nº 13178/16, os quais, apreciando idêntica questão, também concluíram que a situação não era merecedora da tutela peticionada, por não estarem verificados os pressupostos de que dependia a atribuição da peticionada remuneração suplementar.
Entendimento que, adianta-se, é de manter. Vejamos porquê.
11. Como se viu, a questão em discussão nos presentes autos consiste em apurar se face às funções exercidas pelo autor – e aqui recorrente –, lhe assiste o direito à percepção de remuneração suplementar, que nos termos previstos nos artigos 63º, nºs 4 e 6 e 64º, nº 4 do EMP, é fixada entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento.
12. Tal como afirmado na sentença recorrida, resultava do artigo 63º do EMP, na redacção vigente antes da alteração operada pela Lei nº 52/2008, de 28/8, sob a epígrafe “Competência”, que “(e)m caso de acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias, os procuradores-gerais distritais podem, mediante prévia comunicação ao Conselho Superior do Ministério Público, atribuir aos procuradores da República o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos” (cfr. o nº 4 do normativo em causa), medida essa que “(…) caduca ao fim de seis meses, não podendo ser renovada quanto ao mesmo procurador da República, sem o assentimento deste, antes de decorridos três anos” (cfr. o nº 5 do normativo em causa), e que “(o)s procuradores da República que acumulem funções por período superior a 30 dias têm direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público, entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento” (cfr. o nº 6 do normativo em causa).
13. Tal regime veio a sofrer alteração, por força da Lei nº 52/2008, de 28/8, tendo o preceito em causa passado a prever que “(e)m caso de acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias, o procurador-geral distrital pode, sob proposta do procurador-geral-adjunto da comarca e mediante prévia comunicação ao Conselho Superior do Ministério Público, atribuir aos procuradores da República o serviço de outros tribunais ou departamentos” (cfr. o nº 5 do preceito alterado), que “(a) medida prevista no número anterior caduca ao fim de seis meses, não podendo ser renovada quanto ao mesmo procurador da República, sem o assentimento deste, antes de decorridos três anos” (cfr. o nº 6 do preceito alterado) e que “(o)s procuradores da República que acumulem funções por período superior a 30 dias têm direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público, entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento” (cfr. o nº 7 do preceito alterado).
14. Por outro lado, decorria do disposto no artigo 64º do EMP, respeitante aos “procuradores-adjuntos”, que “(o)s procuradores-adjuntos exercem funções em comarcas segundo o quadro constante das leis de organização judiciária” (cfr. o nº 1 do preceito em causa), que “(c)ompete aos procuradores-adjuntos representar o Ministério Público nos tribunais de 1ª instância, sem prejuízo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo anterior” (cfr. o nº 2 do preceito em causa), que “(s)em prejuízo da orientação do procurador-geral distrital respectivo, a distribuição de serviço pelos procuradores-adjuntos da mesma comarca faz-se por despacho do competente procurador da República” (cfr. o nº 3 do preceito em causa), sendo que “(a)plica-se, com as necessárias adaptações, aos procuradores-adjuntos o disposto nos nºs 4 a 6 do artigo anterior” (cfr. o nº 4 do preceito em causa, hoje correspondente aos nºs 5 a 7).
15. Em face deste concreto regime estatutário, quer o STA, quer este TCA Sul, vêm sufragando o entendimento uniforme no sentido de que os magistrados do Ministério Público só adquiriam o “direito à remuneração” prevista no artigo 63º, nº 6 do EMP (actualmente correspondente ao nº 7), por acumulação de funções se esta derivasse de um acto enquadrável no tipo legal previsto nos nºs 4 e 5 do mesmo artigo, razão pela qual se a alegada acumulação de funções adviesse de sucessivos provimentos alheios ao condicionalismo referido naquele quadro normativo não estaria verificado o antecedente legalmente indispensável para que se constituísse o direito mencionado no nº 6 do mesmo preceito.
16. Deste modo, faltando aqueles pressupostos, necessários à constituição do direito na esfera jurídica do arrogado titular, inexistia também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa, nomeadamente a do Ministério da Justiça, de fixar o “quantum” remuneratório pretensamente correspondente a uma acumulação de funções.
17. Como salientou a sentença recorrida, no acórdão do STA, de 10-3-2016, proferido no âmbito do processo nº 01428/15, cuja jurisprudência veio a ser inteiramente secundada em múltiplos arestos que se lhe seguiram, sustentou-se o seguinte entendimento:
Se é certo que o «direito» previsto no artigo 63º, nº 6, do EMP – «direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça» - pressupõe que o Procurador-Adjunto haja acumulado funções por período superior a 30 dias (cfr. também o artigo 64º, nº 4 do mesmo diploma), todavia, esse nº 6 não pode desligar-se dos nºs 4 e 5, que o antecedem e explicam. Assim, o referido direito não brota de uma qualquer acumulação de funções; é que ele só verdadeiramente se constitui se derivar de um acto enquadrável no tipo legal previsto no artigo 63º, nºs 4 e 5, do EMP. (…) Estes números dizem-nos o seguinte: a acumulação de funções causal do surgimento do direito do magistrado a uma remuneração acrescente tem de se suportar num acto com as seguintes características: um acto do Procurador-Geral Distrital que atribua ao Procurador-Adjunto «o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos»; um acto motivado por «acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias»; um acto precedido de «prévia comunicação» ao CSMP; e um acto cuja «medida» não pode vigorar por mais de seis meses. (…) O condicionalismo legal dos actos desse género existe para protecção dos magistrados, pois não apenas delimita os casos em que pode impor-se-lhes «o serviço de outros círculos, tribunais e departamentos», como configura o modo e o tempo dessa imposição. Mas o dito condicionalismo também existe para salvaguarda do Estado, que só se verá na contingência de custear uma acumulação de funções nos casos – aliás, sempre restringidos no tempo – em que a lei tipicamente preveja que ela se justificaria. (…) Portanto, o regime da acumulação remunerada de funções opera dentro de um quadro que abrange os nºs 4, 5 e 6 do artigo 63º do EMP”.
18. No desenvolvimento deste raciocínio, o aresto em causa conclui que “(n)ão é possível cindir o nº 6 dos anteriores e encarar uma qualquer acumulação de funções como geradora do direito aí previsto. O direito somente emerge de uma acumulação imposta ao magistrado dentro do circunstancialismo dito nos números anteriores – onde precisamente se prevê o tipo legal do acto determinativo da acumulação de funções, acto esse que funciona como causa mediata da constituição do direito à remuneração suplementar. E, no fundo, tudo isto se adequa a uma ideia jurídica geral: a de que é impossível que algum direito subjectivo nasça ou se constitua sem previamente se dar o condicionalismo legal de que ele dependa”, sendo que se “olharmos o nº 6 do artigo 63º do EMMP, logo vemos que a intervenção do CSMP, aí aludida, se restringe à emissão de parecer sobre o «quantum» da remuneração a fixar” e tal “deduz-se do pormenor da referência à audição do CSMP estar intercalada dentro da previsão da única pronúncia exigida ao Ministro da Justiça – a qual consiste em fixar a remuneração «entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento»”, dado ser “apenas sobre isso que o CSMP é «ouvido»; o que bem se compreende, visto ser esse órgão quem está nas melhores condições para avaliar a quantidade e a qualidade do trabalho acrescente desempenhado pelo titular do direito, isto é, para fornecer ao Ministro da Justiça os critérios relevantes na concretização do abono”.
19. Por outro lado, continua o citado aresto, “a questão de saber se deveras ocorreu uma acumulação de funções – potencialmente geradora de despesa pública – há-de ser resolvida pelo CSMP. Por isso é que o acto atributivo do «serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos», previsto nos nºs 4 e 5 do artigo 63º do EMP, tem de ser previamente comunicado ao CSMP. Dando o seu aval, expresso ou tácito, a essa medida, o CSMP automaticamente reconhece que o magistrado referido no acto entrará em acumulação de funções – e obterá o direito à remuneração suplementar correspondente se ela se prolongar por mais de 30 dias” e que ao invés “qualquer serviço atribuído pela hierarquia fora do condicionalismo previsto nos nºs 4 e 5 do artigo 63º do EMMP não pode assumir-se como um antecedente da consequência dita no nº 6 do mesmo artigo; é que a lei une incindivelmente as previsões constantes desses números, articulando-os numa relação lógica – em que o «direito» só se segue dessa outra coisa, se anteriormente posta”.
20. No caso presente, os provimentos que oneraram o magistrado do MP recorrente, com a colocação no Tribunal de.........Lisboa e no Tribunal , especificamente do Departamento de........., não se inscreveram no tipo legal de acto previsto no artigo 63º, nºs 4 e 5 do EMP, na medida em que esse acréscimo resultou de uma reorganização do serviço que não se deveu a uma acumulação transitória de processos – e a exigência dessa transitoriedade acompanha a caducidade dessa medida ao fim de seis meses (cfr. o nº 5 do normativo em causa) ou, sequer, à vacatura de um lugar ou ao impedimento do seu titular, posto que os mesmos não emanaram do Procurador-Geral Distrital nem foram, face aos dados disponíveis, objecto de “prévia comunicação” ao CSMP, o que nos leva a concluir que os mencionados provimentos não são enquadráveis no tipo de actos impositivos de uma acumulação de funções causal de um direito à percepção de remuneração suplementar.
21. Deste modo, é patente que a situação aqui em análise não integrava a precisa acumulação de funções que, segundo os nºs 4, 5 e 6 do artigo 63º do EMP, conferia o direito à percepção do suplemento remuneratório reclamado, pelo que na ausência desse direito inexistia também a obrigação correlativa da entidade demandada de praticar o acto que o recorrente sustenta ser devido, ou seja, a fixação do “quantum” da remuneração suplementar.
22. Daí que não se compreenda a alegação do recorrente, no sentido de que esta interpretação normativa traduz uma leitura excessivamente formalista, desarreigada da realidade prática, sendo inclusivamente de considerar “contra-legem”, por permitir que um magistrado acumule as suas funções com quaisquer outras, em clara subversão do regime de acumulação de funções, na medida em que os magistrados teriam de desempenhar trabalho suplementar sem, no entanto, receber qualquer compensação por tal facto, o que configuraria uma situação de enriquecimento sem causa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 473º do Código Civil, pois como resulta claro do normativo em causa, há situações que só aparentemente configuram trabalho suplementar e que, por isso, não dão lugar à percepção de remuneração suplementar, exactamente por ainda se encontrarem inscritas no âmbito do exercício das funções do recorrente. 
23. Também no tocante à manifesta inconstitucionalidade, designadamente por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, por a situação do recorrente ser em tudo semelhante à de outros magistrados do Ministério Público que viram a sua situação reconhecida como acumulação de funções e foram abonados da correspectiva remuneração suplementar sem que o acto subjacente à acumulação de funções pela qual foram remunerados reunisse tais requisitos formais, dir-se-á apenas que o recorrente não densificou quais as situações em que tal ocorreu, impedindo este tribunal de recurso de aferir da aludida violação do direito a tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais.
24. E o mesmo se diga da violação do princípio da boa-fé e da confiança, pois sem a densificação das situações em que outros colegas do recorrente viram o seu trabalho ser suplementarmente remunerado, carece por demonstrar a legítima expectativa do recorrente em ver a sua situação de acumulação de funções reconhecida e, em consequência, de lhe ser abonado o correspectivo acréscimo remuneratório. 
25. Em conclusão, acolhendo-se e sufragando-se a jurisprudência acima citada, integralmente transponível para a situação dos autos, não pode deixar de se concluir que ao autor, ora recorrente, não assistia o direito à atribuição da remuneração suplementar peticionada, o que conduz a que a sua pretensão não mereça provimento, com o que improcede o presente recurso.


IV. DECISÃO
26. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto e confirmar a sentença recorrida.
27. Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 3 de Outubro de 2024
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Eliana de Almeida Pinto – 1ª adjunta)
(Maria Helena Filipe – 2ª adjunta)