Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2696/23.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/20/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG ARI
ILEGITIMIDADE PASSIVA
VISTO LONGA DURAÇÃO
ENTRADA E PERMANÊNCIA LEGAL
Sumário:I - Por não ter tido qualquer intervenção no procedimento administrativo que terminou com o indeferimento do pedido de autorização de residência, cuja anulação vem peticionada, nem poder ser intimado, por carecer de competência para o efeito, à pratica do acto devido de concessão da autorização de residência e emissão do respectivo título, o MNE não é parte na relação material controvertida, nos termos e para os efeitos enunciados no nº 1 do artigo 10º do CPTA;
II - Nem tem interesse processual em defender o acerto da informação que prestou, ou de que da mesma se pode extrair a consequência de entrada e permanência legal no território nacional, como entende a Requerente, ou o contrário, por esta não estar contida na pergunta, uma vez que, na petição, não lhe é assacada qualquer responsabilidade directa no resultado, o indeferimento do pedido de autorização de residência, mas tão só é “usada” a informação obtida da Embaixada para, em conjunto com outros factos alegados, sustentar a legalidade da sua entrada e permanência em território nacional e, desse modo, defender a procedência da acção;
III - O visto de que a Requerente é titular foi emitido pelas autoridades polacas para lhe permitir trabalhar, durante um ano, no território polaco e, por extensão, em Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Moldávia, Rússia e Ucrânia, não em Portugal;
IV - O mesmo é dizer que não foi emitido por autoridades portuguesas [previstas no artigo 46º da Lei nº 23/2007], não visa a entrada e permanência em território nacional, nem é adequado à finalidade da deslocação da Recorrente a Portugal, que é a de residir e trabalhar em actividade altamente qualificada aqui e não na Polónia;
V - Estando em causa Estados-Membros da UE, é-lhe(s) aplicável o disposto no Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Março, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras, mormente o artigo 6º que regula as condições de entrada em território de Estado-membro para os nacionais de países terceiros, como é o caso da Recorrente, nacional da República da Bielorrússia, para estada de duração não superior a 90 dias, prevendo a alínea a) do nº 5, que os que não preencherem as condições do nº 1, são autorizados a entrar no território dos outros Estados-Membros para efeitos de trânsito, a fim de poderem alcançar o território do Estado-Membro que lhes emitiu o título de residência ou o visto de longa duração;
VI - O artigo 90º, nº 2 da Lei nº 23/2007 permite a dispensa do prévio visto de residência, mas apenas se a entrada e permanência no território nacional tiver sido legal, nos termos daquela lei e demais legislação nacional e comunitária aplicável, o que pressupõe, designadamente, que o nacional estrangeiro obtenha previamente das autoridades portuguesas outro tipo de autorização/visto para o efeito, como por exemplo o visto para procurar trabalho.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

H.........., devidamente identificada como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P [AIMA que sucedeu por força de lei ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e Ministério da Administração Interna, demandados na petição inicial] e Ministério dos Negócios Estrangeiros [MNE], inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 15.1.2024, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que decidiu 1. julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva invocada e, nessa medida, determinar a absolvição do MNE da presente instância, 2. julgar a presente intimação improcedente e, em consequência, absolver a AIMA dos pedidos.
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1) Não se conforma a Recorrente com a Sentença proferida no âmbito da ação que intentou nos termos do disposto no artigo 109.º do CPTA.
2) O 3.º Requerido Ministério dos Negócios Estrangeiros – MNE - não é parte ilegítima na presente ação, como o Tribunal a quo considerou.
3) O MNE exerce controlo sobre os postos consulares, de acordo com o art. 4.º, n.º 2, alínea c) do Decreto-Lei n.º 121/2011, correspondente à Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
4) A invalidade do visto PBH da Recorrente para entrar e permanecer em Portugal, legalmente, até 90 dias é a base para o indeferimento da concessão da autorização de residência.
5) A Embaixada de Portugal em Varsóvia, confirmou, contrariamente ao alegado pela AIMA, que este visto possibilitava a Recorrente de viajar para Portugal e aí permanecer até 90 dias, logo que traduziria numa entrada e permanência legal em território nacional.
6) Se esta informação, erroneamente prestada, custou o indeferimento da concessão de autorização de residência que aqui se discute, o MNE tem o dever de esclarecer o alcance do visto da Recorrente, a validade do mesmo e justificar, ao abrigo da administração direta, a comunicação transmitida pela Embaixada de Portugal em Varsóvia.
7) Ora, se o MNE, através de um órgão da sua administração direta prestou informações contrárias que foram tomadas de base para a candidatura da Recorrente, então deverá ser considerado como nutrido de legitimidade passiva, nos termos do art. 10.º, n.º 1 do CPTA, e, por essa razão, parte na presente ação, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao julgar o MNE parte ilegítima, devendo ser sim parte na presente lide.
8) A Recorrente candidatou-se a uma autorização de residência para atividade altamente qualificada em Portugal, ao abrigo dos arts. 90.º ex vi 77.º da Lei 23/2007, de 4 de julho.
9) Formalizou em 12 de dezembro de 2022 o pedido para autorização de residência para exercício de atividade altamente qualificada com dispensa de visto válido instruindo-o com os documentos necessários para prova das condições exigidas nos termos do art. 77.º, n.º 1 da LEPSA.
10) A Recorrente, em 19 de dezembro de 2022, juntou o único documento para o qual tinha sido notificada (documento comprovativo de inscrição na Segurança Social).
11) Apenas posteriormente foi a Recorrente surpreendida com o projeto de indeferimento e com decisão final de indeferimento com base na desadequação do seu visto PBH à entrada e permanência legal em território nacional e à finalidade prevista.
12) Tal fundamento carece de base legal pois o art. 90.º, n.º 2 da LEPSA prevê a dispensa de visto de residência, ou seja, adequado à finalidade, quando a entrada e permanência em território nacional tenha sido legal.
13) O referido n.º 2 do art. 90.º da LEPSA constituí, flagrantemente, uma condição especial a que alude o art. 77.º, n.º 1 do mesmo diploma, ficando o pressuposto da alínea a) deste artigo automaticamente esvaziado, a partir do momento em que se cumpre a condição especial da dispensa de visto de residência.
14) Igualmente o Tribunal a quo concluiu no mesmo sentido, erradamente.
15) O visto emitido pelas entidades polacas, o PBH, é válido para entrar legalmente em território nacional nos termos legais do art. 10.º, n.º 1 da LEPSA por a Polónia ser ter aderido à Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen desde 2003.
16) A Embaixada de Portugal em Varsóvia confirmou que uma pessoa residente na Polónia, com visto tipo PBH, pode viajar para Portugal e permanecer aí até 90 dias.
17) A Recorrente era residente na Polónia, onde trabalhava, no terceiro trimestre de 2022, para a empresa “I.........., CJSC”.
18) E sendo também titular de PBH podia entrar em Portugal e aqui permanecer legalmente por um período não superior a 90 dias.
19) A Recorrente entrou em Portugal a 27 de novembro de 2022, conforme Boarding Pass junto em sede de Petição Inicial, e aqui poderia permanecer legalmente, pelo menos, até ao dia 27 de fevereiro de 2023, ao abrigo do seu PBH.
20) Com a oportunidade de trabalhar para a filial portuguesa da empresa onde já trabalhava na Polónia e anteriormente na Bielorrússia, a Recorrente socorreu-se da faculdade prevista no art. 90.º, n.º 2 da LEPSA.
21) A submissão dos documentos para concessão de autorização de residência e recolha dos dados biométricos na Delegação SEF de Setúbal ocorreu 16 (DEZASSEIS) dias após a sua entrada em território nacional.
22) Ficou provado que a Recorrente entrou em Portugal com um visto válido e legal, com respaldo na informação também confirmada pela própria Embaixada de Portugal em Varsóvia e permaneceu, regularizando a sua situação perante a AIMA (outrora SEF), dentro do prazo que a lei lhe confere para tal, manifestando a sua intenção de pedir, ao abrigo do art. 90.º, n.º 2 da LEPSA, uma autorização de residência com dispensa de visto de residência.
23) Assim outra não pode ser a decisão senão a que lhe reconheça a sua entrada e permanência em Portugal como legal e que lhe atribua a autorização de residência a que se candidatou, sendo que só assim se faz Justiça!
24) O art. 90.º n.º 2 da LEPSA existe precisamente para dispensar o Requerente da autorização de residência de ter previamente de requerer um visto para entrar e permanecer em Portugal.
25) A ratio legis desta norma é precisamente evitar a duplicação de pedidos de visto quando o Requerente tem acesso a visto válido emitido nos termos do art. 10.º, n.º 1 da LEPSA.
26) Se o seu escopo não fosse este, esta norma carecia de qualquer aplicação prática, e muito se lamenta que quer a AIMA quer o Tribunal a quo mal tenham andado a não aplicarem corretamente esta disposição legal.
27) Mais, e ao contrário da Sentença recorrida, não existe aqui espaço para a discricionariedade pois o que releva é tão somente se existiu ou não “entrada e permanência legal em território nacional”.
28) A única discricionariedade legal aqui aplicável é a que resulta do n.º 2 e 4 do art. 77.º, como a ordem pública, a segurança pública ou a saúde pública.
29) E mesmo que pudesse existir aqui a aplicação de critérios discricionários sempre se dirá que tais não são de aplicação ilimitada, estando a administração pública obrigada a atuar com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, conforme preceituado no art. 266.º da CRP.
30) Está provado que a Recorrente cumpriu todas as exigências legais para a concessão da autorização de residência para exercício de atividade altamente qualificada com dispensa de visto.
31) O Tribunal a quo tinha obrigação de enquadrar devidamente os factos e mal andou ao dar como facto provado a existência de um PBH válido de 7 de novembro de 2022 a 6 de novembro de 2023, usando, no entanto, como legenda do documento de suporte um visto PBH anterior que a Recorrente tinha, válido de 7 de novembro de 2021 a 6 de novembro de 2022.
32) Esta questão releva por demonstrar um erro na interpretação dos documentos juntos com a Petição Inicial, mas, acima de tudo, porque constitui um dos motivos indicado pela AIMA no projeto de decisão de 26 de maio de 2023.
33) Atente-se que, a AIMA foi perentória ao acusar a Recorrente que a sua intenção nunca foi exercer qualquer atividade na Polónia, não obstante a Recorrente ter sido titular não de 1 mas de 2 vistos PBH.
34) Este erro de julgamento – esquecimento ou não consideração da existência de um visto PHB anterior – contribuiu erradamente para a decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência da Recorrente, que em nada tinha para ser indeferida!
35) Desta forma, não ficou demonstrado “o respeito pelos princípios fundamentais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”, pelo qual a AIMA está obrigada a atuar.
36) Para além de a Requerida ter demonstrado um manifesto desrespeito pelos princípios fundamentais que pauteiam a atuação das entidades administrativas, também o fez em relação ao princípio da legalidade, pela interpretação absurda que fez do art. 90.º, n.º 2 da LEPSA.
37) O Tribunal a quo pecou ao julgar como fez, não aplicando o Direito aos factos, errando in totum na interpretação das normas aplicáveis, estando certos que V. exas., Venerandos Desembargadores que sob escrutínio têm esta Sentença farão a correta interpretação, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue a intimação procedente fazendo-se assim JUSTIÇA!»

Notificada para o efeito, a AIMA não contra-alegou.

Notificado para o efeito, o MNE contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A) A douta sentença recorrida não merecerá qualquer censura. Senão vejamos:
B) Conforme factos provados 2 e 9, a Recorrente fixou residência em Portugal.
C) Porém, a entidade competente em Portugal não concedeu uma autorização de residência à Recorrente.
D) Aliás, é de evidenciar que não se poderá confundir os atos de entrar e permanecer em território nacional com o ato de aqui residir.
E) Menção que se afigura relevante fazer porquanto poderia subentender-se, do articulado pela Recorrente, que a mesma entrou e permaneceu em território nacional, e a aí passou a residir e a trabalhar, com base na informação prestada pela Embaixada de Portugal em Varsóvia,
F) Não sendo de ignorar que, na sequência dessa entrada e permanência em território nacional, a Recorrente passou a residir em Portugal, tendo celebrado um contrato de trabalho com pessoa coletiva sediada neste País – cfr. factos provados 2, 9 e 10.
G) Deste modo, e por cautela, não se aceita qualquer eventual interpretação no sentido de que a Recorrente passou a residir e a trabalhar em Portugal estribada na informação que foi prestada pela Secção Consular da Embaixada de Portugal em Varsóvia.
H) Outrossim, a prestação de informação a que se alude no facto provado 7 foi realizada em resposta à pergunta feita em nome da Recorrente, aludida no facto provado 6, a saber, se uma pessoa residente na Polónia, com visto do tipo “Business Harbour”, pode viajar para Portugal por período inferior a 90 dias, sem necessidade de outro tipo de visto.
I) Pergunta que, à falta de maior especificação, só poderia indiciar que a interessada pretenderia deslocar-se a Portugal a título meramente ocasional.
J) Subsumindo-se, efetivamente, essa situação na letra do artigo 6.º, n.º 1, do Código das Fronteiras Schengen, estabelecido pelo Regulamento (UE) n.º 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 09/03/2016, aplicando-se a exceção prevista na alínea b) (dispensando-se o visto eventualmente exigido pelo Regulamento (CE) n.º 539/2001 do Conselho, de 15/03/2001), caso o nacional do país terceiro seja detentor de um título de residência ou de um visto de longa duração válidos.
K) Ora, tendo sido invocada, pela Recorrente, a titularidade de um visto de longa duração emitido pelas autoridades da Polónia, outra não poderia ter sido a informação prestada pelos competentes serviços consulares portugueses,
L) Quando é evidente que se desconhecia as alegadas intenções, da interessada, de vir residir e trabalhar em Portugal, e de requerer uma autorização de residência, prevalecendo-se de um visto emitido para o exercício de atividade profissional noutro país.
M) O mesmo entendimento foi, aliás, sufragado na proposta de indeferimento elaborada pelo extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, reproduzida no facto provado 18, e na qual, sob o ponto 18, foi consignado que “[e]fectivamente, os titulares de vistos D, podem viajar pelo Espaço Schengen por 90 dias”.
N) Destarte, não existe, de todo, a pretensa discordância, entre as Entidades Recorridas, a que a Recorrente faz menção nas conclusões 5 e 7 das suas alegações – estando, diferentemente do alegado pela Recorrente, ambas as entidades de acordo quanto à possibilidade de a Recorrente viajar pelo Espaço Schengen por um período máximo de 90 dias.
O) São outras as razões que, no entendimento da entidade competente para apreciar o procedimento de autorização de residência, levaram ao indeferimento do pedido da Recorrente – a saber, as constantes dos pontos 19 e 22 da proposta de indeferimento, que se reconduzem aos pressupostos da emissão do visto concedido pelas autoridades da Polónia.
P) Não há, pelo exposto, qualquer conexão entre a atuação deste Ministério e o indeferimento da autorização de residência requerida pela Recorrente.
Q) Nem, muito menos, existe qualquer conexão entre a atuação deste Ministério e a fixação de residência e o exercício de atividade profissional, pela Recorrente, em território nacional.
R) Não é o facto de a Entidade Recorrida, através da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Varsóvia, ter prestado a informação já referida – informação que se afigura legalmente correta em face da questão colocada pela Recorrente –, que conferirá legitimidade processual passiva ao MNE no âmbito da presente intimação.
S) É, ainda, de sublinhar que o preceito processual invocado pela Recorrente – o artigo 10.º, n.º 1 do CPTA –, apenas, e tão só, estabelece que “[cada] ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor”.
T) A Recorrente nada peticionou relativamente a atos da competência dos órgãos da Entidade Recorrida MNE, designadamente quanto a quaisquer procedimentos de visto requeridos junto do competente serviço periférico externo.
U) O que está em causa nos presentes autos reconduz-se a um procedimento cuja apreciação não se insere na competência dos órgãos desta Entidade Recorrida.
V) Fundamentos pelos quais, não tendo a Recorrente alegado o indeferimento ou omissão de qualquer ato administrativo da competência dos órgãos do MNE, não sendo este Ministério parte na relação material controvertida, por um lado, e, por outro, não tendo sido peticionada a prática de qualquer ato da competência deste Departamento Governamental, carece esta Entidade Recorrida de legitimidade processual passiva para ser demandada na presente intimação.
W) Pelo que deverá o recurso improceder, mediante a confirmação da douta sentença de absolvição do MNE da instância.»

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erros de julgamento ao julgar i) o MNE parte ilegítima e ii) a acção improcedente.

i) Da ilegitimidade passiva

Expendeu o juiz a quo na apreciação desta questão, designadamente, que:
«Ora, com vista ao apuramento da legitimidade processual passiva, enquanto pressuposto processual que se reporta à relação de interesse da Requerente com o objeto da ação, releva apenas a relação jurídica controvertida tal como delineada na petição inicial e a invocada conexão entre os sujeitos da relação, o concreto pedido e causa de pedir, in concretum, a forma como a Requerente contrapôs a sua posição em relação à Entidade Requerida e, bem assim, os fundamentos aduzidos que sustentam a sua pretensão.
Apreciemos, ora, volvendo ao caso sub judice.
Prima facie, afigura-se pretensão da Requerente a anulação do ato administrativo proferido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na data de 06 de junho de 2023, que indeferiu o pedido de autorização de residência apresentado e, bem assim, a “intimação das Entidades Requeridas a garantirem a concessão de autorização de residência para atividade altamente qualificada, bem como a disponibilização imediata do título de residência.”
Refira-se, a este propósito, que à data da prática do ato administrativo, a instrução e consequente competência decisória no âmbito do procedimento administrativo de iniciativa particular desencadeado pela Requerente - qual seja, a concessão de autorização de residência -, recaia sobre os órgãos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nos termos dos artigos 90.º e 96.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, na redação em vigor à data dos factos.
Ora, à presente data, e por força da conjugação dos artigos 5.º e 49.º do Decreto-Lei n.º 41/2023, de 02 de junho, com os artigos 3.º, n.º 1, alínea a), da Lei 72/2021, de 12 de novembro, 3.º, n.º 1, alíneas d) e c), da Orgânica da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (AIMA), publicados em anexo ao Decreto-Lei n.º 41/2023, de 02/06, e, ainda, com o artigo 9.º dos Estatutos da AIMA (Portaria 324-A/2023, de 27 de outubro), em matéria de concessão de autorização de residência, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo sucedeu ao Serviço de Estrangeiros e Fonteiras [enquanto serviço que integrava o Ministério da Administração Interna], nas suas atribuições e competências.
Assim sendo, e não detendo a Entidade Requerida [Ministério dos Negócios Estrangeiros], qualquer competência decisória no âmbito do procedimento administrativo de iniciativa particular desencadeado pela Requerente, nem tendo, tão-pouco, sido responsável [tal entidade e/ou serviços ou órgãos dela integrantes] pela prática do ato administrativo de indeferimento ao qual a Autora vem imputar a lesão da sua esfera jurídica, forçoso será concluir que não se afigura esta entidade parte legítima na presente instância.».

Discorda a Recorrente, alegando, em suma, que: a invalidade do visto PBH, de que é titular, para entrar e permanecer em Portugal, legalmente, até 90 dias, é a base do indeferimento da concessão da autorização de residência solicitada; a Embaixada de Portugal em Varsóvia, posto consular controlado pelo MNE, confirmou, ao contrário do entendido pela AIMA, que o referido visto lhe possibilitava viajar para Portugal e aqui permanecer até 90 dias, ou seja, entrar e permanecer legalmente em território nacional; se esta errada informação custou o indeferimento do seu pedido de autorização de residência, o MNE tem o dever de esclarecer o alcance do seu visto e justificar a informação prestada, devendo considerar-se com legitimidade passiva, nos termos do artigo 10º, nº 1 do CPTA.

Mas não lhe assiste razão.

Com efeito, à pergunta da Recorrente, formulada em 5.9.2022 – antes, portanto, de requerer [em 12.12.2022] ao SEF a concessão de autorização de residência ao abrigo do artigo 90º, nº 2 da Lei nº 23/2007 de 4 de Julho -, “pode uma pessoa residente na Polónia, com visto do tipo business harbour, viajar para Portugal (por um período inferior a 90 dias), sem necessidade de outro tipo de visto? Alternativamente, e caso seja necessário pedir um visto para viajar para Portugal, solicitamos que nos seja informado se o titular do visto business harbour pode candidatar-se ao visto para Portugal a partir da Polónia, enquanto a sua área de residência legal, apresentando, como comprovativo de residência legal nesse país, o visto business harbour?”, a Embaixada de Portugal em Varsóvia respondeu, em 8.9.2022, “o cidadão titular do visto polaco pode deslocar-se a Portugal e permanecer aí até 90 dias” [v. factos provados 6. e 7.].
Do exposto resulta que não está em causa a validade de qualquer visto emitido a favor da Recorrente por aquela embaixada portuguesa para, uma vez em Portugal, poder requerer autorização de residência para uma das finalidades previstas na Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, mas a mera prestação de uma informação sobre um visto emitido pelas autoridades polacas, respondendo directamente ao que lhe foi perguntado por aquela - se pode, com o visto polaco, viajar para Portugal e aí ficar por um período até 90 dias – em termos afirmativos.
A Recorrente veio para Portugal, onde celebrou contratos de arrendamento e de trabalho e requereu, ao abrigo do artigo 90º, nº 2 da Lei 23/2007, de 4 de Julho, autorização de residência temporária para o exercício de actividade altamente qualificada, com dispensa de visto de residência por entender que preenche todos os requisitos legais para o efeito, designadamente, o de entrada e permanência legal em território nacional.
Assim, não considerou o SEF [a que sucedeu legalmente a AIMA], entidade perante a qual formulou o pedido de autorização de residência, que detém a competência legal para o tramitar e decidir, e que concluiu pelo respectivo indeferimento.
Donde, não foi a referida informação da Embaixada de Portugal em Varsóvia que determinou o indeferimento do pedido de autorização de residência, como vem alegado no recurso, mas sim o entendimento/decisão do SEF de que, face ao pedido formulado e aos documentos que o acompanham, a Recorrente não preenche os requisitos de entrada e permanência legal em território nacional.
A circunstância de a Embaixada de Portugal em Varsóvia estar integrada no MNE e de este ter como missão representar o Estado Português junto de outros países, não significa, como parece entender a Recorrente, que a informação prestada, em referência nos autos, no contexto em que o foi, vincule o Estado e as demais entidades públicas portuguesas, mormente a AIMA nos procedimentos da sua competência a decidir em conformidade com a mesma [ou mais concretamente com a interpretação ou os efeitos que a Recorrente dela retira, já que o MNE, nas contra-alegações apresentadas, alega que a informação prestada é a correcta, referindo-se apenas à possibilidade de, com o referido visto polaco, poder viajar para e em Portugal até 90 dias e não de passar a residir no território nacional].
Por não ter tido qualquer intervenção no procedimento administrativo que terminou com o indeferimento do pedido de autorização de residência, cuja anulação vem peticionada, nem poder ser intimado [apesar do pedido formulado na petição abranger as entidades requeridas], por carecer de competência para o efeito, à pratica do acto devido de concessão da autorização de residência e emissão do respectivo título, o MNE não é parte na relação material controvertida, nos termos e para os efeitos enunciados no nº 1 do artigo 10º do CPTA.
Nem tem interesses contrapostos aos da Recorrente, por lhe ser indiferente se esta obtém a autorização de residência pretendida ou não, tendo-se limitado a prestar uma informação antes do início do procedimento de concessão de autorização de residência. Nem tem interesse processual em defender o acerto da informação que prestou, ou de que da mesma se pode extrair a consequência de entrada e permanência legal no território nacional, como entende a Requerente, ou o contrário, por esta não estar contida na pergunta, uma vez que, na petição, não lhe é assacada qualquer responsabilidade directa no resultado, o indeferimento do pedido de autorização de residência, mas tão só é “usada” a informação obtida da Embaixada para, em conjunto com outros factos alegados, sustentar a legalidade da sua entrada e permanência em território nacional e, desse modo, defender a procedência da acção.
Em face do que deve improceder este fundamento do recurso, mantendo-se a decisão de absolvição da instância do MNE por ilegitimidade processual passiva.

ii) Da improcedência da acção

O tribunal recorrido com relevo para a decisão da causa, julgou provados os seguintes factos:

«1. A Requerente é uma cidadã nacional da Bielorrússia, titular do passaporte n.º P.........., válido entre 04.07.2022 e 04.07.2032 (cf. facto confessado no artigo 1.º do requerimento inicial e cópia do passaporte, documento n.º 1 apenso aos autos pela Requerente, a fls. 29 dos autos em paginação eletrónica);

2. A Requerente reside na Rua J.........., n.º 101, 8.º Direito, 18..........Lisboa (cf. facto confessado no requerimento inicial e cópia do contrato de arrendamento, a fls. 46 a 52 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);

3. A Requerente concluiu, na Universidade Técnica Nacional da Bielorrússia, entre os anos de 2008 e 2012, o curso na especialidade de Administração de Empresas, tendo-lhe sido atribuída a qualificação de Gestor(a)-Economista (cf. cópia do diploma de ensino superior da República da Bielorrússia, a fls. 14 a 23 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);

4. A Requerente exerceu funções de business analyst, na sociedade I.........., CJSC, na Bielorrússia, desde 24 de maio de 2014 até novembro de 2022 (cf. cópia de carta de emprego, documento n.º 2 apenso aos autos pela Requerente, a fls. 30 a 32 dos autos em paginação eletrónica);

5. A Requerente é titular de um visto emitido pelas entidades da República da Polónia, na data de 07.11.2022 e válido até 06.11.2023, denominado “Poland Business Harbour”, documento cujo teor se reproduz:


(imagem, original nos autos)

(cf. cópia de visto, documento n.º 3 apenso aos autos pela Requerente, a fls. 34 dos autos em paginação electrónica);

6. A 05.09.2022, a mandatária da Requerente remeteu comunicação eletrónica para a Secção Consular da Embaixada de Portugal em Varsóvia, questionando, “pode uma pessoa residente na Polónia, com visto do tipo business harbour, viajar para Portugal (por um período inferior a 90 dias), sem necessidade de outro tipo de visto? Alternativamente, e caso seja necessário pedir um visto para viajar para Portugal, solicitamos que nos seja informado se o titular do visto business harbour pode candidatar-se ao visto para Portugal a partir da Polónia, enquanto a sua área de residência legal, apresentando, como comprovativo de residência legal nesse país, o visto business harbour?(cf. cópia da comunicação eletrónica, a fls. 71 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);

7. A 08.09.2022, os serviços técnicos da Embaixada de Portugal em Varsóvia remeteram comunicação eletrónica à mandatária da ora Requerente, informando que “o cidadão titular do visto polaco pode deslocar-se a Portugal e permanecer aí até 90 dias” (cf. cópia da comunicação eletrónica, a fls. 70 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);

8. A 27.11.2022, a Requerente embarcou num avião em Varsóvia e entrou no território nacional (cf. cópia do boarding pass, documento n.º 6 apenso aos autos pela Requerente, a fls. 49 dos autos em paginação eletrónica);

9. A 07.12.2022, a Requerente celebrou com R.........., um contrato de arrendamento para habitação relativo à fração designada pela letra Z, sita na Rua J.........., n.º 101, 8.º Direito, 18..........Lisboa, com um prazo certo de três anos, com início no dia 15 de dezembro de 2022 e termo no dia 14 de dezembro de 2025 (cf. cópia do contrato de arrendamento, a fls. 46 a 52 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);

10. A 09.12.2022, a Requerente celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a sociedade I.......... Software Unipessoal, Lda., com sede na Rua A........., n.º 10, em Lisboa, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

PRIMEIRA
Objeto
1. O Trabalhador é admitido ao serviço da Entidade Empregadora com a categoria profissional de Business Analyst para exercer, sob a autoridade e direção da Entidade Empregadora, as correspondentes funções e as que lhe forem indicadas pela Entidade Empregadora, nomeadamente:
- Ajudar o cliente na escolha de uma opção para otimizar os processos de produção, utilizando um sistema de informação.
- Entrevista (questionário) a representantes do cliente sobre a área temática proposta para o desenvolvimento de um sistema de informação automatizado e os seus tipos de apoio, incluindo produtos de software.
- Identificar as necessidades de informação do cliente.
- Efetuar a escolha e justificação dos métodos de análise do sistema.
- Realizar um pré-projeto de levantamento e requisitos de formulário para o sistema de informação automatizado que está a ser desenvolvido e para o produto de software correspondente.
- Aconselhar o cliente sobre a optimização do desenvolvimento de um produto de software, bem como sobre a otimização dos processos de produção de bens (obras, serviços).
SEGUNDA
Local de trabalho
1. O Trabalhador prestará atividade e desempenhará as suas funções nas instalações da Entidade Empregadora, ou em qualquer outro local que esta lhe indique ou venha a desenvolver a sua atividade ou a necessitar da presença do trabalhador, podendo este desenvolver as funções em teletrabalho nos termos a acordar e aprovar pela Entidade Empregadora.
QUARTA
Vigência do contrato
1. O presente contrato é celebrado a termo certo, pelo prazo de 12 meses, tendo o seu início a 12.12.2022 e termo em 12.12.2023.
2. O contrato será renovado por igual período de tempo, caso se mantenham as necessidades e fundamentação do contrato a termo, salvo se a Entidade Empregadora ou o Trabalhador comunicar à outra parte a vontade de o fazer cessar, por escrito, respetivamente, quinze ou oito dias antes de o prazo expirar.
SÉTIMA
Retribuição
1. A título de retribuição pela prestação do trabalho, a Entidade Empregadora pagará ao trabalhador a quantia ilíquida de 5.600,00 € (cinco mil e seiscentos euros).
(cf. cópia do contrato de trabalho, documento n.º 4 apenso aos autos pela Requerente, a fls. 35 a 47 dos autos em paginação eletrónica);

11. A 12.12.2022, a Requerente compareceu na Delegação de Setúbal do Serviço de Estrangeiros e Fonteiras, tendo formalizado pedido de Autorização de Residência Temporária para exercício de atividade altamente qualificada, com dispensa de visto de residência válido, ao abrigo do artigo 90.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, pedido ao qual foi atribuído o número de processo 22192398 (cf. do Requerimento apresentado, a fls. 1 a 53 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);

12. O pedido de Autorização de Residência Temporária identificado em 11), foi instruído pela Requerente juntamente com os documentos que se identificam, entre outros:
12.1. Passaporte da Requerente, emitido pela República da Bielorrússia, válido entre 04.07.2022 e 04.07.2032 (cf. cópia do passaporte, a fls. 2 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);
12.2. Visto emitido pelas entidades da República da Polónia, na data de 07.11.2022 e válido até 06.11.2023, “Poland Business Harbour”, identificado em 5) (cf. cópia do visto, a fls. 4 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);
12.3. Boarding pass, viagem de embarque Varsóvia-Lisboa, identificado em 8) (cf. cópia do visto, a fls. 4 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);
12.4. Documento Provisório de Identificação Fiscal Português e certidão comprovativa da situação tributária regularizada (cf. cópia das certidões, a fls. 8 e 9 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);
12.5. Diploma de conclusão de Curso de Administração de Empresas, emitido pela República da Bielorrússia, identificado em 3) (cf. cópia do diploma, a fls. 10 a 23 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);
12.6. Contrato de Trabalho a Termo Certo, outorgado com a sociedade I.......... Software Unipessoal, Lda., identificado em 10) (cf. contrato, a fls. 33 a 46 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);
12.7. Contrato de arrendamento, identificado em 9) (cf. contrato, a fls. 46 a 52 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica).

13. A 12.12.2022, e na sequência da formalização do pedido mencionado em 11), os serviços técnicos da Delegação de Setúbal do Serviço de Estrangeiros e Fonteiras entregaram pessoalmente à Requerente recibo comprovativo do pedido efetuado, acompanhado de “notificação” para efeitos de junção aos autos, no prazo de 10 dias, de comprovativo de inscrição na Segurança Social (cf. do Requerimento apresentado, a fls. 54 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada);

14. A 19.12.2022, e na sequência do pedido de junção de documentos identificado em 13), a ora Requerente remeteu à Delegação de Setúbal do Serviço de Estrangeiros e Fonteiras, comprovativo de inscrição na Segurança Social (cf. comunicação, a fls. 57 e 58 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada);

15. A 24.02.2023, os serviços da Delegação Regional de Setúbal do Serviço de Estrangeiros e Fonteiras elaboraram Projeto de Decisão de Indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência temporária para exercício de atividade altamente qualificada, com dispensa de visto de residência, no âmbito do procedimento identificado em 11), documento cujo teor se reproduz parcialmente:
Nos termos dos artigos 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo - CPA, fica a(o) cidadã(o) supra identificada(o), notificada(o) do projeto de decisão de indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência temporária ao abrigo do artigo 77.º e n.º 2 do artigo 90.º, da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, na sua atual redação, conjugado com o artigo 56.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11 (alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 4/2022, de 30/09) e Portaria n.º 1563/2007, nos seus artigos 2.º e 7.º, uma vez que não reúne os requisitos legais:
- Comprovativo de entrada e permanência legal em território nacional (artigo 90.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007 e artigo 56.º do Decreto Regulamentar 84/2007).
(cf. cópia do projeto de decisão, documento cujo teor de dá por integralmente reproduzido, a fls. 60 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);

16. Mediante ofício de 24.02.2023, os serviços da Delegação Regional de Setúbal do Serviço de Estrangeiros e Fonteiras remeteram à Requerente, o projeto de decisão identificado em 15), com a informação de que dispunha do prazo de 10 dias úteis para, querendo, se pronunciar sobre o mesmo, juntando as alegações e documentos que entenda úteis para a tomada de decisão (cf. cópia do ofício, a fls. 61 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 108 a 169 dos autos em paginação eletrónica);

17. Na sequência do ofício identificado em 16), a Requerente remeteu aos serviços da Delegação Regional de Setúbal do Serviço de Estrangeiros e Fonteiras, pronúncia relativa ao projeto de indeferimento da sua pretensão, da qual consta, entre o mais:
2. Concretamente, entende o SEF que a Exponente não reuniu os requisitos legais quanto à entrada e permanência legal em território nacional, porquanto, no entendimento da Exma. Sra. Dra. Maria de Lurdes Calado está em falta Comprovativo de entrada e permanência legal em território nacional (artigo 90.º n. 9 2 da Lei 23/2007 e Art.º 56.º do DR 84/2007).
3. Salvo o devido respeito, o alegado pelo SEF não só não corresponde à realidade dos factos, como constitui erro nos pressupostos de facto e de direito, considerando que existe uma clara divergência entre os pressupostos de que a Senhora Instrutora partiu na sua proposta de decisão administrativa e final e a situação em concreto.
4. Contudo, sem prejuízo da prova contundente que resultará dos elementos que se juntará com a presente pronúncia, a verdade é que a Exponente entrou e permaneceu de forma legal em Portugal.
5. E, por esse motivo, deverá a decisão definitiva do procedimento ter conteúdo e alcance diametralmente opostos ao vertido neste projeto.

(…)
10. Dispõe o artigo 9.º da Lei 23/2007, de 04.07, na sua redação atual, doravante abreviadamente "Lei dos Estrangeiros" ou "LE",
Artigo 9.º
Documentos de viagem e documentos que os substituem
1. Para entrada ou saída do território português os cidadãos estrangeiros têm de ser portadores de um documento de viagem reconhecido como válido.
2. A validade do documento de viagem deve ser superior à duração da estada, salvo quando se tratar da reentrada de um cidadão estrangeiro residente no País.
11. De acordo com o disposto no art. 4.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de Novembro, para efeitos de entrada e saída, a validade do documento de viagem apresentado deve ser superior em, pelo menos, três meses à duração da estada prevista.
12. O requisito de base de permissão de entrada ou saída de estrangeiros em território português é serem portadores de documento de viagem, designadamente de passaporte, cuja aceitação depende da verificação de um requisito de validade substancial (a este se refere o n.º 1) e de um outro de validade temporal (a este aludindo o n.º 2).
13. A exigência de documento de viagem resulta também do art. 6.º, n.º 1, al. a), do Regulamento (UE) 2016/399 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 9 de março de 2016.
14. E, refere o mesmo Regulamento, no seu artigo 6.º, n.º 1 al. b):
Artigo 6.º
Condições de entrada para os nacionais de países terceiros
1. Para uma estada prevista no território dos Estados-Membros de duração não superior a 90 dias em qualquer período de 180 dias, o que implica ter em conta o período de 180 dias anterior a cada dia de estada, as condições de entrada para os nacionais de países terceiros são as seguintes:
(...) b) Estar na posse de um visto válido, se tal for exigido nos termos do Regulamento (CE) n.0 539/2001 do Conselho (1), exceto se for detentor de um título de residência válido ou de um visto de longa duração válido. (negritos nossos)
15. Sendo que a definição de "visto de longa duração" nos é fornecida pela alínea m) do artigo 2. 2 do Regulamento (UE) N 604/2013 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de junho de 2013: m) «Visto»: uma autorização ou decisão de um Estado-Membro exigida para o trânsito ou a entrada para uma estadia prevista nesse Estado-Membro ou em vários Estados-Membros. A natureza do visto é apreciada em função das seguintes definições:
«visto de longa duração»: uma autorização ou decisão, emitida por um Estado-Membro de acordo com a sua legislação nacional ou com o direito da União, exigida à entrada para uma estadia prevista nesse Estado-Membro por um período superior a três meses. (sublinhado e negrito nossos)
16. Sendo certo que o passaporte da Exponente foi emitido a 04.07.2022, sendo válido até 04.07.2032, encontrando-se cumpridos os requisitos supramencionados.
17. Ainda, a Exponente é titular de visto de longa duração emitido pelas entidades competentes da República da Polónia visto emitido a 07.11.2022 e válido até 06.11.2023, ou seja, válido pelo período de 365 dias, denominado Poland Business Harbour (PBH).
18. Este tipo de visto é emitido pelas autoridades competentes na Polónia, possibilitando o seu titular a trabalhar na Polónia, sem necessidade de obter uma autorização específica para trabalho, e a possibilidade de um estrangeiro gerir o seu próprio negócio na Polónia.
19. Tendo sido com base nestes documentos, passaporte e visto PBH, que entrou em Portugal, pela fronteira aérea, conforme bilhete de avião instruído com o processo.
20. Refira-se, desde já, que, não obstante o suporte legislativo acima referido, tal possibilidade foi inclusive confirmada pela Secção Consular Embaixada de Portugal em Varsóvia, conforme Doc. 2, que aqui se junta, a qual, prontamente, confirmou a possibilidade de entrada em Portugal e permanência pelo período de 90 dias ao titular de visto válido emitido pelas autoridades competentes da República da Polónia.
21. Refira-se ainda que, não obstante a cidadã ter entrado em Portugal pela fronteira aérea, não lhe foi recusada a entrada em território nacional, conforme dispõe o artigo 32.º da LE (…).
22. Porquanto, refira-se uma vez mais, estavam reunidas todas as condições e requisitos legais de entrada em território nacional.
23. Após receber, com perplexidade, a notificação enviada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Mandatária da Exponente entrou de imediato em contacto com a Embaixada de Portugal em Varsóvia e com o Governo Polaco, de forma a clarificar, novamente, a questão, não obstante estar ciente da legislação europeia aplicável ao caso concreto.
24. Tendo novamente obtido a mesma resposta, ou seja, a confirmação de que o visto do qual a Exponente é titular, permite a entrada na zona Schengen, nomeadamente, Portugal, pelo período de 90 dias, conforme se confirma pelo Doc. 3, que faz referência ao link para o site do governo Polaco: https://www.gov.pl/web/diplomacy/visas, conforme informação que abaixo se transcreve:
"O que é um visto nacional tipo D?
Um visto nacional do tipo D permite entrar no território da República da Polónia e permanecer continuamente ou por várias vezes sucessivas neste território por um período total superior a 90 dias durante o período de validade do visto, mas não superior a um ano.
Um visto nacional de tipo D também permite viajar no território de outros Estados-Membros do Espaço Schengen por um período máximo de 90 dias durante um período de 180 dias, durante o período de validade do visto.
25. Não há, assim, qualquer dúvida de que a Exponente entrou de forma legal em Portugal.
26. Após a sua entrada, a Exponente pernoitou num Airbnb, cuja entidade exploradora se encontra legalmente vinculada à comunicação do alojamento da Expoente ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
27. Não obstante esta obrigação legal, a Exponente declarou a sua entrada via email no dia 28.11.2022 (cfr. Doc. n.º 4).
28. E procedeu à recolha de dados biométricos, em agendamento na Delegação de Setúbal, no dia 12 de dezembro de 2022,
29. Encontrando-se, desde então, a aguardar a decisão final do pedido de autorização de residência para atividade altamente qualificada.
30. Razão pela qual não se concebe, nem se admite de forma alguma, o entendimento do SEF de que a Exponente não entrou nem permaneceu de forma legal em Portugal.
Sem conceder,
31. Os órgãos da Administração Pública encontram-se vinculados no seu exercício ao respeito pelo princípio da legalidade, devendo atuar em obediência à lei e ao direito, nos termos do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo.
32. Tendo o Requerente sido informado do sentido provável da decisão, nos termos do artigo 121.º do Código do Procedimento Administrativo.
33. Decisão essa que, por sua vez, deverá ser fundamentada de facto e de direito, acompanhada dos elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado, nos termos dos artigos 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo.
34. Acontece que tal fundamentação é absolutamente inexistente na proposta de indeferimento recebida, nem foi o Exponente informado das horas e local para consulta do processo.
35. A fundamentação está prevista como dever objetivo, que integra o quadro da legalidade ao qual a Administração está sujeita quando pratica atos ou deliberações administrativas, nos termos do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa.
36. Ao dispor que "os actos administrativos carecem de fundamentação", o legislador constitucional está a constituir, em geral, sem necessidade de intermediação do legislador ordinário, ou seja, diretamente e com tal âmbito, o dever da Administração, de, na sua atividade, fundamentar os atos administrativos quando estes afetem direitos ou interesses legalmente previstos.
37. O que sucede no caso concreto.
38. Pelo que, seguindo-se um ato de indeferimento do pedido formulado, o ato sempre seria anulável, nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.
Face ao que,
39. Os autos contêm elementos mais do que suficientes para provar a entrada e permanência legal em território nacional da aqui Exponente,
40. Bem como o cumprimento de todos os requisitos e normais legais aplicáveis à aprovação da autorização de residência para atividade altamente qualificada em Portugal.
41. Devendo, nessa medida e porque, reitera-se, se encontram reunidas as demais condições previstas na lei-, o seu pedido ser deferido e, subsequentemente, ser emitido imediatamente o título de residência.”
(cf. cópia da pronúncia, a fls. 63 a 67 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 170 a 179 dos autos em paginação eletrónica);

18. A 26.05.2023, os serviços técnicos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras elaboraram informação de serviço, propondo o indeferimento do pedido apresentado pela Requerente no âmbito do processo identificado em 11), cujo teor se reproduz parcialmente:

“III – Do projeto de decisão e da audiência prévia dos interessados
9. Pelos factos carreados no processo a cidadã não reunia os requisitos legais para a concessão do titulo, facto pelo qual foi regularmente notificada, aos 24.02.2023, do Projecto de Decisão de Indeferimento, nos termos e para os efeitos do artigo 121.º e ss. do CPA, que aqui se dá por integralmente reproduzido, mormente quanto aos comprovativos da entrada legal em Território Nacional, de acordo com os requisitos cumulativos legalmente previstos para o efeito.
10. Em sede de audiência prévia dos interessados remete aos 15.03.2023, via CTT, através da sua Mandatária, a arguição:
«Sempre se refira que, desde a data do agendamento até à presente data, não foi o Exponente notificado da falta de qualquer outro documento essencial para a apreciação do pedido, tampouco tendo sido referido, em sede de agendamento, que algum elemento se encontra em falta, para além da sua referida inscrição na Segurança Social» (cf. pontos 8 e 9 da arguição)
11. Esclareça-se a Douta Mandatária que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é um serviço de segurança, com autonomia administrativa e que, no quadro da política de segurança interna, tem por objectivos fundamentais controlar a circulação de pessoas nas fronteiras, a permanência e actividades de estrangeiros em território nacional, bem como estudar, promover, coordenar e executar as medidas e acções relacionadas com aquelas actividades e com os movimentos migratórios assegurando o cumprimento das atribuições previstas na legislação sobre a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.
12. Igualmente, a direcção da instrução cabe ao órgão competente para a decisão, procurando averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, recorrendo a todos os meios de prova admitidos em direito, devendo o responsável pela direcção do procedimento fazer constar do procedimento os factos de que tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções (artigos 115.º e ss. CPA). Pelo que, no âmbito do Princípio da decisão e do Princípio do inquisitório, plasmados nos artigos 13.º e 58.º do CPA, os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, podendo aqueles órgãos decidir sobre coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos.
13. Analisemos, pois, os factos e os documentos probatórios carreados no processo e decidir face às normas legais vigentes no ordenamento jurídico português. Assim,
14. Sob a epígrafe "DO COMPROVATIVO DE ENTRADA E PERMANÊNCIA LEGAL EM TERRITÓRO NACIONAL", cita o artigo 9.º do REPSAE, quanto à posse de passaporte, enquanto documento de viagem, aludindo, ainda, ao artigo 6.º, n.º 1, al. b) do Regulamento (EU) do Parlamento Europeu e do Concelho de 9 de março de 2016, quanto às condições de entrada para nacionais de países terceiros:
«(…) b) Estar na posse de um visto válido, se tal for exigido nos termos do Regulamento (CE) n.º 539/2001 do Conselho, excepto se for detentor de um título de residência válido ou de um visto de longa duração válido» (cf. ponto 14 da arguição)
«a Exponente é titular de visto de longa duração emitido pelas autoridades competentes da República da Polónia, visto emitido a 07.11.2022 e válido até 06.11.2023, ou seja, válido pelo período de 365 dias, denominado "Poland Business Harbour" (cf. ponto 17 da arguição)
«Este tipo de visto é emitido pelas autoridades competentes na Polónia, possibilitando o seu titular a trabalhar na polónia, sem necessidade de obter uma autorização específica para trabalho, e a possibilidade de um estrangeiro gerir o seu próprio negócio na Polónia» (cf. ponto 18 da arguição)
15. Sufragamos o arguido pela Douta Mandatária. Efectivamente, foi emitido um visto pelas autoridades polacas, visto específico para trabalhar naquele país e aí desenvolver a sua actividade ("Poland Bussiness Harbour"). Tal visto é válido para o território Polaco ("Polska", tal como consta da vinheta aposta no passaporte da cidadã) e extensível à Arménia, Azerbeijão, Bielorrússia, Moldávia, Rússia e Ucrânia, no âmbito do programa governamental polaco criado em 2020, com o mesmo nome, "Poland Business Harbour.”
16. Tendo obtido tal visto (para trabalhar na Polónia), verifica-se, dos movimentos apostos no seu passaporte e do Boarding Pass, que a mesma permaneceu naquele país, unicamente, 21 dias:
Entrada na Polónia 06.11.2022
Saída da Polónia 27.11.2022
17. Argui ainda que,
(…) foi inclusive confirmada pela Secção Consular Embaixada de Portugal em Varsóvia (...) de entrada em Portugal e permanência pelo período de 90 dias ao titular de visto válido emitido pelas autoridades competentes da República da Polónia» (cf. ponto 20 da arguição)
18. Efectivamente, os titulares de vistos D, podem viajar pelo Espeço Schengen por 90 dias. Não obstante, será curioso relembrar:
· Que a emissão do "Poland Business Harbour" ocorreu a 07.1 1.2022;
· Que o ora alegado pela Douta Mandatária ocorreu aos 05.09.2022, ou seja, em data anterior à emissão do visto. Cite-se, «(...) o titular do visto "Business Harbour" pode candidatar-se ao visto para Portuga/ a partir da Polónia, enquanto sua de residência legal.”
19. Será, pois, lícito concluir, quer pela arguição quer pelos movimentos de fronteira, que a intenção da cidadã não era exercer qualquer actividade na Polónia.
20. Determina o REPSAE, no seu artigo 10.º que «1 - Para a entrada em território nacional, devem igualmente os cidadãos estrangeiros ser titulares de visto adequado à finalidade da deslocação concedido nos termos da presente lei ou pelas competentes autoridades dos Estados partes na Convenção de Aplicação» e, ainda, «4 - O visto pode ser anulado pela entidade emissora, em território estrangeiro, ou pelo SEF, em território nacional (…) quando o seu titular (…) preste declarações falsas no pedido de concessão do visto».
21. No que concerne à arguição de eventual recusa de entrada, nos termos do artigo 32.º do REPSAE, não tem qualquer acolhimento legal, uma vez que os voos efectuados em Espaço Schengen não são objecto de controle, atento ao princípio da liberdade de circulação.
22. Posto que, não obstante a alegada entrada legal, tal não exclui os factos mencionados quanto aos pressupostos na emissão do visto, facto passível de enquadramento nos artigos 10.º, n.º 1, 4 e 77% [sic] 1, al. b) do REPSAE.
23. Igualmente, e não obstante não ter sido notificada do facto, a cidadã não apresenta meios de subsistência regulares, pelo período de 12 meses, tal como determina a Portaria nº 1563/2007, de 11 de Dezembro, nos seus artigos 2.º e 7.º, conjugado com o artigo 53.º, n.º 1, al. b) do Decreto Regulamentar n.º 84/2007 de 5 de Novembro, sendo que o mesmo apresenta contribuições apenas desde Dezembro de 2022 a Abril de 2023.
VI - DA CONCLUSÃO E DA PROPOSTA
24. Pelo que, no caso sub judice, e pelos factos carreados no processo e à fundamentação legal mencionada, deverá o Estado Português requerer a anulação do visto emitido, posto que o cidadão o obteve para fins diferentes do solicitado e, concomitantemente, atentos aos princípios da legalidade e da igualdade, não poderá usufruir de tal facto para provar a entrada em Portugal.
25. Pelo exposto, propõe-se s.m.o., manter o sentido da decisão de INDEFERIMENTO do pedido, em virtude do requerente não reunir os requisitos legais que permitam reconhecer a sua pretensão, de acordo com as normas legais invocadas, procedendo-se às respectivas notificações ao seu Mandatário, nos termos e para os efeitos previstos no Arte 114 º do Código do Procedimento Administrativo, ao ACIDI e COCAI.
26. Propõe-se, ainda, a anulação do visto emitido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, 4 e artigo 77.º, n.º 1, al. b), ambos do REPSAE e comunicação às autoridades Polacas.
(cf. cópia da decisão de indeferimento, a fls. 63 a 67 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 170 a 179 dos autos em paginação eletrónica);

19. Constitui parte integrante da informação de serviço identificada em 18), a consulta efetuada pelo Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, atinente às remunerações declaradas na Segurança Social, documento cujo teor se reproduz:

(imagem, original nos autos)

(cf. cópia da informação de serviço, a fls. 78 a 83 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 180 a 219 dos autos em paginação eletrónica);

20. A 02.06.2023, a Subdiretora da Direção Regional de Setúbal dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras proferiu despacho de homologação da proposta de indeferimento contida na informação de serviço identificada em 18), que foi remetida à Requerente na data de 06.06.2023 (cf. cópia da decisão de indeferimento e respetivo ofício, a fls. 78 a 84 do processo administrativo instrutor, apenso aos autos pela Entidade Demandada e inserto a fls. 180 a 219 dos autos em paginação eletrónica);

21. A 10.08.2023, a Requerente intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente intimação (cf. comprovativo de entrega de petição inicial, a fls. 1 a 3 dos autos em paginação eletrónica).

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Com interesse para a presente decisão não se mostram provados quaisquer outros factos.
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Motivação da decisão de facto
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, mediante a seleção dos factos pertinentes para o seu julgamento, em função da sua relevância jurídica para a resolução da presente lide.
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (ora aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA), a convicção do Tribunal fundou-se na posição assumida pelas partes nos seus articulados; no teor da prova documental carreada para os presentes autos, concretamente a documentação não impugnada junta pela Requerente e a constante do processo administrativo instrutor, cuja veracidade não foi colocada em causa, tal como se encontra identificado em cada ponto do probatório supra.».

O tribunal recorrido julgou a acção improcedente por considerar que a Requerente não logrou provar que preenchia os pressupostos para a concessão de autorização de residência, com dispensa de visto, nos termos do artigo 90º, nº 2 da Lei nº 23/2007, nomeadamente a entrada e permanência legal no território nacional e a demonstração de meios de subsistência regulares pelo período de doze meses, expendendo para o efeito, designadamente, a seguinte fundamentação:
«Primeiramente, o artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, sob a epígrafe “condições gerais de concessão de autorização de residência temporária”, estatui:
1. Sem prejuízo das condições especiais aplicáveis, para a concessão da autorização de residência deve o requerente satisfazer os seguintes requisitos cumulativos:
a) Posse de visto de residência válido, concedido para uma das finalidades previstas na presente lei, ou para a concessão de autorização de residência;
b) Inexistência de qualquer facto que, se fosse conhecido pelas autoridades competentes, devesse obstar à concessão do visto;
c) Presença em território português, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 58.º;
d) Posse de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 52.º;
e) Alojamento;
f) Inscrição na segurança social, sempre que aplicável;
[…].”
Por sua vez, e em complemento do artigo transcrito supra, preceitua o artigo 90.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, sob a epígrafe “autorização de residência para atividade de docência, altamente qualificada ou cultural”:
1. É concedida autorização de residência a nacionais de Estados terceiros para efeitos de exercício de uma atividade docente em instituição de ensino superior ou estabelecimento de ensino ou de formação profissional, de atividade altamente qualificada ou de atividade cultural que, para além das condições estabelecidas no artigo 77.º, preencham ainda as seguintes condições:
a) Disponham […]
2. O requerente é dispensado de visto de residência sempre que tenha entrado e permanecido legalmente em território nacional.” (sublinhado nosso)
Ainda de acordo com o disposto no artigo 56.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05 de novembro, sob a epígrafe “pedido de concessão de autorização de residência para atividade de docência, altamente qualificada e cultural”:
1. O pedido de concessão de autorização de residência temporária ou de cartão azul UE previstos, respetivamente, nos artigos 90.º e 121.º-B da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual, são acompanhados dos documentos que atestem o cumprimento de qualquer um dos requisitos previstos nos n.ºs 1 daqueles artigos.
[…]”
Ora, enunciado o enquadramento jurídico aplicável ao caso em discussão nos presentes autos, forçoso será concluir que, resulta do confronto das disposições legais e regulamentares aplicáveis in casu e transcritas supra, que ao estabelecer os requisitos dos quais depende a concessão de autorização de residência para atribuição de atividade qualificada, a lei fê-lo, utilizando para o efeito e a par de critérios estritamente objetivos, conceitos indeterminados, através dos quais concedeu, nomeadamente, a possibilidade de a entidade decisora, por força do disposto no n.º 2 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, recusar a concessão de autorização de residência por razões de ordem pública, segurança pública ou de saúde pública.
[…]
Nestes termos, afigurando-se o ato de indeferimento da pretensão da ora Requerente praticado no exercício de poderes discricionários, [poderes de valoração próprios ao nível do preenchimento dos pressupostos dos quais depende a prática do ato pretendido], não operando o princípio da legalidade, deve a atuação da Entidade Requerida pautar-se pela observância dos princípios fundamentais que enformam o exercício de poderes discricionários [consagrados nos artigos 4.º a 9.º do CPA], e que são erigidos enquanto limites internos dessa discricionariedade administrativa.
[…]
Assim, competirá a este Tribunal apenas sindicar o ato administrativo praticado nos seus aspetos vinculados e indagar da existência de erro manifesto ou, bem assim, de critério inadequado no indeferimento do pedido formulado pela Requerente.
[…]
(iv) Em sede de petição inicial, veio a Requerente fundamentar a sua pretensão de intimação, reagindo contra o ato de indeferimento, invocando a violação genérica dos princípios que enformam a atividade administrativa [da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé] e, bem assim, a existência de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito em que assentou a decisão, por ter entrado no território nacional com um visto que lhe permitia a entrada legal, por tal facto ter sido confirmado pela Embaixada de Portugal em Varsóvia e por não haver dúvidas que a Requerente possui rendimentos que asseguram a sua subsistência em Portugal [tendo logrado fazer prova do seu contrato de trabalho, que prevê a remuneração mensal ilíquida de 5.600,00 €].
Alegações que não podem proceder. Senão vejamos.
(v) Prima facie, a Requerente é nacional da Bielorrússia (cf. ponto 1 do probatório), Estado que não integra a listagem de países que pertencem ao Espaço Schengen [enquanto espaço integrado pelos Estados-Membros da União Europeia e Estados Associados que aboliram o controlo de fronteiras internas, (…);
(vi) A Requerente afigura-se, nestes termos, uma cidadã estrangeira, sendo-lhe aplicável as disposições legais patentes na LEPSA [vide artigo 1.º];
(vii) Neste sentido, e no que concerne ao requisito da entrada e permanência legal em território nacional de cidadãos estrangeiros, patente no n.º 2 do artigo 90.º da LEPSA [e exigível, conforme referenciado supra, para a concessão de autorização de residência para atividade altamente qualificada, com dispensa de visto], veja-se que a Lei n.º 23/2007, de 04 de julho dedica o Capítulo II à entrada e saída de cidadãos estrangeiros do território nacional e, dentro deste capítulo, dedica a Secção II à enunciação das condições gerais de entrada [artigos 9.º a 13.º], disposições que se analisarão infra;
(viii) Assim, começa por estabelecer, a este propósito, o artigo 9.º do referenciado diploma legal, sob a epígrafe documentos de viagem e documentos que os substituem, no seu n.º 1, que “para entrada ou saída do território português os cidadãos estrangeiros têm de ser portadores de um documento de viagem reconhecido como válido”, concretizando, ainda, o n.º 2 do referenciado artigo, que “a validade do documento de viagem deve ser superior à duração da estadia, salvo quando se tratar da reentrada de um cidadão estrangeiro no país” [requisito temporal que surge discriminado no artigo 4.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05 de novembro, que preceitua, a este respeito, que “a validade do documento de viagem apresentado deve ser superior em, pelo menos, três meses à duração da estada prevista”];
(ix) Por sua vez, e de harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 10.º da LEPSA, “para a entrada em território nacional, devem igualmente os cidadãos estrangeiros ser titulares de visto válido e adequado à finalidade da deslocação concedido nos termos da presente lei ou pelas autoridades dos Estados Parte na Convenção de Aplicação” (sublinhado nosso);
(x) Ora, em face da conjugação das disposições legais referenciadas supra, forçoso será concluir que a Requerente, enquanto cidadã estrangeira que pretende entrar legalmente no território nacional terá que reunir, cumulativamente, as condições que se enunciam, quais sejam, 1) ser portadora de um documento de viagem válido, nomeadamente o passaporte; 2) a validade do documento de viagem ser superior à duração da estadia, em pelo menos, três meses e 3) ser titular de visto válido e adequado à finalidade da deslocação concedida nos termos da LEPSA;
(xi) A propósito da finalidade do visto e das condições de estada, preceitua o artigo 13.º da LEPSA que, “sempre que tal for julgado necessário para comprovar o objetivo e as condições da estada a autoridade de fronteira pode exigir ao cidadão estrangeiro a apresentação de prova adequada”;
(xii) Idêntico preceituado decorre do n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento (UE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 09 de março de 2016 [regulamentação que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras ou Código de Fronteiras Schengen], sob a epígrafe condições de entrada para os nacionais de países terceiros, que a Requerente alega sustentar a sua pretensão no caso sub judice, que nos dita, “para uma estada previsto no território dos Estados-Membros de duração não superior a 90 dias em qualquer período de 180 dias, o que implica ter com conta o período de 180 dias anterior a cada dia de estada, as condições de entrada para os nacionais de países terceiros são as seguintes:
a) Estar na posse de um documento de viagem válido que autorize o titular a passar a fronteira e que preencha os seguintes requisitos:
i) ser válido pelo menos para os três meses seguintes à data prevista de partida do território dos Estados-Membros. […]
[…]
b) estar na posse de um título válido, se tal for exigido nos termos do Regulamento (CE) n.º 539/2001 do Conselho, exceto se for detentor de um título de residência válido ou de um visto de longa duração”, visto de longa duração que a Requerente invoca deter no caso sub judice;
c) Justificar o objetivo e as condições da estada prevista e dispor de meios de subsistência suficientes, tanto para a duração dessa estada como para o regresso ao pais de origem ou para o trânsito para um país terceiro em que a sua admissão seja garantida, ou estar em condições de obter licitamente esses meios;
[…].
(xiii) Sendo que, dispõe, a este propósito, a alínea a) do n.º 5 do artigo 6.º do Regulamento referenciado supra que, “não obstante o n.º 1, os nacionais de países terceiros que não preencham todas as condições estabelecidas no n.º 1, mas que possuam um título de residência válido ou um visto de longa duração, são autorizados a entrar no território dos outros Estados-Membros para efeitos de trânsito, a fim de poderem alcançar o território do Estado-Membro que lhes emitiu o título de residência ou o visto de longa duração” (sublinhado nosso)
(xiv) Ora, alega a Requerente possuir um visto de longa duração, emitido pelas entidades competentes da República da Polónia, na data de 07.11.2022 e válido até 06.11.2023, que lhe permite entrar legalmente no território nacional;
Porém, afigura-se a Requerente, no caso em discussão nos presentes autos, titular de um visto válido e adequado à finalidade da deslocação pretendida, conforme exigido pelo n.º 1 do artigo 10.º da LEPSA?
Vejamos.
(xv) A noção de visto é-nos dada pela alínea m) do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 [que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado por um nacional de um país terceiro ou apátrida], que preceitua que o visto se afigura “uma autorização ou decisão de um Estado-Membro exigida para o trânsito ou a entrada para uma estadia nesse Estado-Membro ou em vários Estados-Membros”, surgindo o visto de longa duração como “uma autorização ou decisão, emitida por um Estado-Membro de acordo com a sua legislação nacional ou com o direito da União, exigida à entrada para uma estadia prevista nessa[sic] Estado-Membro por um período superior a três meses” (sublinhado nosso);
(xvi) Neste sentido, preceitua o artigo 45.º da LEPSA que, para efeitos de entrada no território nacional, “no estrangeiro podem ser concedidos os seguintes tipos de vistos: visto de escala aeroportuária, visto de curta duração, visto de estada temporária, visto para obtenção de autorização de residência e visto para procura de trabalho” [os quais se encontram detalhados, atenta a sua finalidade, nos artigos 49.º, 51.º, 51.º-A e 54.º da LEPSA];
(xvii) Em boa verdade, decorrendo do alegado no articulado de petição inicial e, bem assim, da matéria de facto dada como provada, que a Requerente celebrou um contrato de trabalho com a sociedade I.........., com sede em Portugal, pelo período de um ano e suscetível de renovação por iguais períodos, encontrando-se a residir e a trabalhar, à data da propositura da presente ação, no território nacional (cf. pontos 9 e 10 do probatório supra), afigurando-se este o fundamento em que sustenta a sua pretensão de concessão de autorização de residência, veja-se que a Requerente não se afigura detentora, para o efeito, de qualquer visto referenciado supra e elencado no artigo 45.º da LEPSA, que lhe permita a permanência no território nacional para efeito da deslocação pretendida;
(xviii) Com efeito, reconhece este Tribunal [assim como reconheceu o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras aquando da prolação da sua decisão], que a Requerente é titular de um visto emitido pelas entidades da República da Polónia, válido pelo período compreendido entre 07.11.2022 e 06.11.2023 (cf. ponto 5 do probatório);
(xix) Porém, e como bem reconhece a Requerente, no âmbito da defesa apresentada em sede de audiência prévia, “este tipo de visto é emitido pelas autoridades competentes na Polónia, possibilitando o seu titular a trabalhar na Polónia, sem necessidade de obter uma autorização específica para trabalho, e a possibilidade de um estrangeiro gerir o seu próprio negócio na Polónia” (cf. ponto 17 do probatório), não sendo válido para trabalhar e residir, em conformidade com o efeito pretendido pela Requerente, no território nacional;
(xx) Recorde-se, a este propósito, a noção de visto transcrita supra, como a autorização, emitida por um Estado-Membro, para uma estadia prevista nesse Estado-Membro [e tão-só para essa estrita finalidade];
(xxi) É certo que, conforme alegado pela Requerente, a Secção Consular da Embaixada de Portugal em Varsóvia confirmou, passamos a citar, “que o cidadão titular do visto polaco válido pode deslocar-se a Portugal e permanecer aí até 90 dias”, porém, em resposta à questão apresentada pela Requerente, “pode uma pessoa residente na Polónia, com visto do tipo business harbour, viajar para Portugal (por um período inferior a 90 dias)?” (cf. ponto 6 do probatório), e não para a finalidade ora pretendida;
(xxii) A este propósito, mencione-se que, nada impede a Requerente, conforme muito bem reconhece, de entrar no território de outro Estado-Membro, por um período não superior a 90 dias [conforme decorre da conjugação das disposições legais transcritas supra, patentes no n.º 1 e no n.º 5, ambos do artigo 6.º do Regulamento (UE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 09 de março de 2016], mas “para efeitos de trânsito, a fim de poderem alcançar o território do Estado-Membro que lhes emitiu o título de residência ou o visto de longa duração”, e não para efeitos de residir e trabalhar no território nacional;
(xxiii) Pelo que, e face ao que antecede, não sendo a ora Requerente detentora de um visto adequado à finalidade da sua deslocação ao território nacional, conforme exigido pelo n.º 1 do artigo 10.º da LEPSA e para efeitos de concessão da autorização de residência para atividade altamente qualificada, com dispensa de visto, prevista no n.º 2 do artigo 90.º do referenciado diploma legal, nenhuma ilegalidade pode ser assacada, com base neste fundamento, à decisão proferida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
Nestes termos, e atendendo a que a pretensão da Requerente com a propositura da presente ação se afigura, conforme referenciado supra, a intimação da Entidade Requerida a conceder uma autorização de residência para atividade qualificada, com dispensa de visto, nos termos do n.º 2 do artigo 90.º da LEPSA [concessão que exige o preenchimento cumulativo dos pressupostos identificados supra e patentes nos artigos 77.º e 90.º, ambos da LEPSA], veja-se que a improcedência de qualquer um deles determina de per si a impossibilidade de a Autora obter a satisfação da sua pretensão.
Assim, e não padecendo a decisão da Entidade Requerida de erro quanto aos pressupostos de facto no preenchimento do requisito atinente à entrada e permanência legal em território português, a violação do disposto no n.º 1 do artigo 10.º da LEPSA - determinativa da improcedência da pretensão da Requerente - prejudica a apreciação da ilegalidade invocada no que concerne ao pressuposto previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 77,º da LEPSA e atinente à posse de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 52.º da LEPSA.” Pois que, ainda que tal requisito se preenchesse, in abstracto, a decisão do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não poderia ter sido outra, face à sucumbência do primeiro pressuposto.».

E o assim bem fundamentado, de facto e de direito, e decidido é para manter.
Com efeito, a Recorrente defende que entrou e permaneceu legalmente em território nacional, porque viajou para Portugal, com, designadamente, passaporte e visto de longa duração, válidos, entrou no território nacional e aqui ficou a residir, celebrou contratos de arrendamento e de trabalho, e solicitou autorização de residência para trabalho altamente qualificado, com dispensa de visto de residência, por cumprir os requisitos legais exigidos para o efeito, mormente, no nº 2 do artigo 90º da Lei nº 23/2007.
No entanto, como evidencia o juiz a quo, o visto em referência foi emitido pelas autoridades polacas para permitir à Recorrente trabalhar, durante um ano, no território polaco e, por extensão, em Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Moldávia, Rússia e Ucrânia, no âmbito do programa governamental polaco criado em 2020, com o mesmo nome, "Poland Business Harbour”. Não em Portugal.
O mesmo é dizer que não foi emitido por autoridades portuguesas [previstas no artigo 46º da Lei nº 23/2007], não visa a entrada e permanência em território nacional, nem é adequado à finalidade da deslocação da Recorrente a Portugal, que é a de residir e trabalhar em actividade altamente qualificada aqui e não na Polónia.
Contudo, sendo Portugal um Estado-Membro da UE, tal como a República da Polónia, é-lhe(s) aplicável o disposto nos respectivos Regulamentos, relevando para o caso em apreciação o referido na sentença recorrida: Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Março, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras e que, no artigo 6º, regula as condições de entrada em território de Estado-membro para os nacionais de países terceiros, como é o caso da Recorrente, nacional da República da Bielorrússia, para estada de duração não superior a 90 dias, estipulando na alínea a) do respectivo nº 5 que os nacionais de países terceiros que não preencham todas as condições estabelecidas no n.º 1, mas que possuam um título de residência ou um visto de longa duração, são autorizados a entrar no território dos outros Estados-Membros para efeitos de trânsito, a fim de poderem alcançar o território do Estado-Membro que lhes emitiu o título de residência ou o visto de longa duração.
Assim, a entrada e permanência em Portugal com base no visto PBH até 90 dias, por poder corresponder a uma estada, a uma viagem, até 90 dias, para chegar à República da Polónia que o emitiu para poder trabalhar, por um ano, no respectivo território, deve ser considerada legal nesse contexto e para esse efeito – tal como resulta da informação prestada pela Embaixada de Portugal em Varsóvia, reproduzida no facto provado 7.
Já não é legal – a entrada e a permanência em território nacional - se o visto em causa que, nos termos da referida norma comunitária, apenas permite transitar, viajar no território nacional até 90 dias, for invocado, usado para obter finalidade distinta da nele prevista e pretendida pelas autoridades do Estado-Membro que o emitiu.
É este o caso da Recorrente que quer trabalhar em Portugal e, apresentou o referido visto de longa duração polaco para instruir um pedido de autorização de residência com dispensa do visto de residência. Só podendo transitar no território nacional, a sua permanência para trabalhar não se encontra devidamente autorizada.
O artigo 90º, nº 2 da Lei nº 23/2007 permite a dispensa do prévio visto de residência, mas apenas se a entrada e permanência no território nacional tiver sido legal, nos termos daquela lei e demais legislação nacional e comunitária aplicável, o que pressupõe, designadamente, que o nacional estrangeiro obtenha previamente das autoridades portuguesas outro tipo de autorização/visto para o efeito, como por exemplo o visto para procurar trabalho [v. artigo 45º da Lei nº 23/2007].
Sendo de manter os fundamentos da sentença recorrida [que nada disse sobre a existência de anterior visto PBH, válido entre 7.11.2021 e 6.11.2022, ou sobre a (i)legalidade da parte da decisão impugnada de anular o segundo visto, pelo que nos dispensamos de apreciar as conclusões 31) a 34) que se lhes referem], deve improceder o recurso.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes desta Subsecção Administrativa Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 20 de Setembro de 2024.


(Lina Costa – relatora)

(Pedro Figueiredo)

(Joana Costa e Nora)