Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 2032/09.4BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 07/11/2024 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | RENDIMENTOS DA PROPRIEDADE INTELECTUAL EXCLUSÃO PARCIAL DE TRIBUTAÇÃO-ARTIGO 56.º EBF ISENÇÃO DE IVA-ARTIGO 9.º, Nº 17 DO CIVA VERDADE DECLARATIVA |
| Sumário: | I - O artigo 56.º do EBF, consagrava uma exclusão parcial de tributação dos rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica, que se traduzia no englobamento, para efeitos de IRS, de apenas 50% do respetivo valor, com o limite consignado no seu nº3, líquido de outros benefícios e verificadas as demais condições e limites aí previstos. II - O CIVA, por seu turno, no seu artigo 9.º, nº17, isenta de imposto, as duas formas de disponibilidade dos poderes patrimoniais contidos no direito de autor, ou seja, a autorização da obra por terceiros e a cessão do conteúdo patrimonial do direito de autor sobre a sua obra. III - Gozando o contribuinte da presunção de verdade da sua declaração (artigo 75.º da LGT), compete à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação, tendo, portanto, in casu, o ónus de demonstrar factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade dos rendimentos declarados pelo Impugnante, só então passando a competir ao mesmo o ónus da prova de que os mesmos correspondem à realidade. IV - Se a AT parte de uma premissa declarativa errada, concretamente, da base e natureza da matéria tributável declarada, e face a esse erro interpretativo e a montante, não sindica a natureza dos rendimentos declarados, no caso que os mesmos respeitam, efetivamente, a rendimentos da propriedade intelectual, tal implica que os atos de liquidação impugnados padeçam de vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I-RELATÓRIO L…, (doravante Recorrente ou Impugnante), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial que teve por objeto as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) com os n.os 08331836, 00331834, 00331832, 00331837, 00331835 e 00331833, dos anos de 2005, 2006 e 2007, no valor global total de €53.247, 26. *** O Recorrente apresentou as suas alegações, formulando as conclusões, que infra se reproduzem: “A. A sentença proferida pelo douto Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada pelo Impugnante ora Recorrente e, em consequência, manteve as liquidações objecto dos presentes autos, com as legais consequências. B. Salvo melhor opinião, andou mal o douto Tribunal a quo ao ter julgado totalmente improcedente a impugnação judicial. C. A douta sentença padece dos seguintes vícios: Erro na apreciação da prova; Erro sobre a matéria de facto dada como provada; Erro sobre a matéria de direito. D. Nos parágrafos 21 e seguintes da fundamentação de direito da sentença é referido o seguinte: "(…)" A. O próprio Impugnante declarou nos anos de 2005. 2006 e 2007, nos campos respetivos, os rendimentos obtidos a título de "direitos de autor’' e os de '‘prestações de serviços” B. E. Tal não corresponde à realidade dos factos. F. Resulta da análise das declarações de rendimentos dos anos de 2005,2006 e 2007 que o Impugnante apenas declarou rendimentos de propriedade intelectual, tendo para o efeito preenchido os campos 404 do anexo B e o campo 5 do anexo H da declaração Modelo 3. G. Não corresponde, assim, à realidade dos factos, nem resulta da prova produzida que o ora Impugnante tenha declarado quaisquer rendimentos a título de prestações de serviços. H. Este erro na apreciação da prova inquina, assim, as conclusões de facto e de direito dele extraídos, o que determina a ilegalidade da decisão. I. Os rendimentos provenientes de propriedade intectual e os rendimentos provenientes de prestações de serviços não têm a mesma natureza, nem correspondem à mesma realidade, sendo inclusivamente objecto de distinção no próprio Código de IRS (v.g. artigo 3.°, n.° 1, alíneas b) e c) do CIRS). J. O artigo 3.°, n.° 5 do CIRS dispõe que, para os efeitos desse imposto, se consideram como provenientes da propriedade intelectual os direitos de autor e direitos conexos. K. Isto é, o exercício da actividade de Escultor por contra de outrem não é considerado um rendimento de propriedade intelectual mas uma vulgar prestação de serviços. L. Nos termos do disposto no artigo 75°, n.° 1 da Lei Geral Tributária (LGT) presumem- se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, como sucedeu com as declarações Modelo 3 do IRS que foram apresentadas pelo ora Impugnante. M. Nessa medida, deve entender-se que os factos tributários expressos nas declarações apresentadas pelo contribuinte são verdadeiros e que nenhuns outros podem relevar, relativamente a esse contribuinte, para efeitos de incidência tributária e, por conseguinte, de sujeição a imposto. N. Apenas se admite o afastamento da veracidade das declarações apresentadas quando a Autoridade Tributária demonstre inequivocamente a existência de um facto tributário não reflectido nessas declarações ou divergente do declarado, através de elementos carreados para o procedimento, tendo em vista ilidir a presunção da veracidade das mesmas, o que não sucedeu no caso em apreço. O. Competindo à AT a prova dos factos constitutivos do direito de tributar, nos termos do art. 74°, n° 1, da LGT, e não tendo a mesma recolhido e carreado prova suficiente de que os rendimentos declarados não correspondiam a rendimentos provenientes da transmissão do direito de autor e autorização para a utilização da obra intelectual criada pelo ora Impugnante, não poderia a AT proceder à correcção da matéria tributável cuja declaração respeita os termos legais, nem tão pouco às consequentes liquidações adicionais de IVA. P. São, assim, ilegais as liquidações adicionais de IVA por não ter sido afastada a presunção de veracidade de que gozam as Declarações Modelo 3 do IRS apresentadas pelo ora Impugnante relativas aos rendimentos auferidos no ano de 2005, 2006 e 2007 a título de propriedade intelectual, Q. O Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto quando diz que o “próprio Impugnante declarou nos anos de 2005, 2006 e 2007, nos campos respetivos, os rendimentos obtidos a título de “direitos de autor” e os de “prestações de serviços”, porquanto resulta da prova documental carreada aos autos que o ora Impugnante apenas declarou rendimentos de propriedade intelectual. R. Deve, assim, o presente recurso merecer provimento e a douta sentença recorrida ser revogada quanto à matéria dos factos provados acima exposta, devendo a mesma ser substituída por outra que dê como provado que o Impugnante apenas auferiu rendimentos provenientes de propriedade intelectual nos anos de 2005, 2006 e 2007 e julgue a impugnação totalmente procedente por provada, o que, muito respeitosamente, se requer. S. No entender do tribunal a quo, o mero facto de o Impugnante não ter celebrado, com os adquirentes das suas obras, escrituras públicas comprovativas da alteração da titularidade dos direitos de autor dessas obras tem como consequência a não aplicação da norma de isenção prevista no artigo 9.°, n.° 17 do CIVA (anterior redacção). T. O tribunal a quo dispensou a produção da prova testemunhal requerida pelo Impugnante, a qual se destinava a fazer prova da substância dos contratos celebrados pelo Impugnante com os adquirentes das suas obras, assim como da utilização destas pora parte daqueles. U. Assim, baseando-se o Tribunal a quo num argumento meramente formal para fundamentar a decisão de improcedência, é forçoso concluir que a sentença recorrida padece de um claro défice instrutório. V. A não inquirição das testemunhas arroladas pelo impugnante só se poderia estribar no artigo 113.°, n° 1 do CPPT. W. Ora e quanto à aplicação deste primeiro segmento do normativo é o mesmo aplicável quando se refere a questões de direito, mas a situação sub judice não era só de direito mas também atinente a matéria de facto, constatando-se que os autos não dispõem de todos os elementos para uma decisão conscienciosa. X. Entende ainda o Impugnante que a interpretação que veio a ter acolhimento na decisão recorrida, ainda que de forma tácita, do artigo 113°, n° 1 do CPPT padece de inconstitucionalidade material por violação do artigo 20°, n° 4 da CRP, uma vez que se encontra a ser-lhe vedado o direito a um processo justo e equitativo. Y. Assim, a sentença recorrida violou os artigos 113°, n° 1 do CPPT e 20°, n° 4 da CRP, ocorrendo um défice instrutório que deve levar à anulação da sentença recorrida, devendo ser ordenada a produção da prova testemunhal arrolada pela ora Recorrente, o que muito respeitosamente se requer. Z. Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser anulada a sentença recorrida e ordenada a produção da prova testemunhal requerida, o que, muito respeitosamente se requer. AA. Ainda que se viesse a entender que o Impugnante havia declarado rendimentos provenientes de vulgares prestações de serviços nas declarações Modelo 3 IRS dos anos 2005, 2006 e 2007, o que não se aceita e por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre seria de concluir que a sentença recorrida lavrou em erro ao considerar totalmente improcedente a impugnação, uma vez que as liquidações adicionais de IVA objecto da impugnação padecem de manifesto erro na quantificação da matéria colectável. BB. Tal erro advém de uma errada apreciação dos elementos de prova carreados ao processo, designadamente, das declarações Modelo 3 IRS dos anos 2005, 2006 e 2007 e, bem assim, da própria decisão de indeferimento da reclamação graciosa que é objecto da presente impugnação. CC. Na sentença recorrida é referido que foram os rendimentos declarados em sede de IRS como de prestações de serviços que foram objecto de correcção e das liquidações adicionais (v.g. parágrafo 24 da fundamentação de direito). DD. O ora Impugnante declarou no campo 404 do Anexo B das declarações Modelo 3, a título de rendimentos provenientes de propriedade intelectual, o montante global de €205.460,00. EE. Nos pontos 21 e 22 da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa vem mencionado que o ora Impugnante declarou na Declaração Modelo 3 IRS dos referidos anos a importância total de € 205.460,00, a título de alegadas prestações de serviços FF. A sentença recorrida refere no ponto 5 da fundamentação de facto que o ora impugnante auferiu nso anos de 2005, 2006 e 2007 um rendimento total tributável de €239.540,00 GG. E evidente a existência de um erro na apreciação dos mencionados elementos de prova, o qual se traduz num erro na quantificação da matéria tributável do rendimento declarado no ano de 2006. HH. Designadamente, a sentença considerou que em 2006 o Impugnante havia declarado a importância de € 115.600,00 as título de rendimentos de categoria B, quando resulta da prova produzida nos autos que apenas teriam foi declarado pelo Impugnante a importância de € 80.020,00. II. Resulta, assim, uma diferença no montante de € 35.000,00 na quantificação da matéria tributável, que resulta num excesso de IVA liquidado adicionalmente no montante € 7.350,00. JJ. O montante de IVA alegadamente devido respeitante ao ano de 2006 seria, assim, somente de € 16.804,20 e não no montante de € 24.154,20 como erradamente entendeu o Tribunal a quo. KK. Este erro na apreciação da prova inquina determina a ilegalidade da decisão no concerne ao montante de imposto liquidado em excesso ao ora Impugnante. LL. Deve, assim, o presente recurso merecer provimento e a douta sentença recorrida ser revogada no que concerne ao montante de imposto indevidamente liquidado sobre a matéria tributável quantificada erradamente no ano de 2006, devendo a mesma ser substituída por outra que julgue parcialmente procedente a impugnação e apenas considere ser legalmente devida a liquidação de IVA sobre o valor declarado de €80.020,00 e consequentemente anule parcialmente e em conformidade com o acima exposto a liquidação adicional de IVA respeitante ao ano de 2006. MM. O Tribunal a quo entende que a isenção prevista no artigo 9.°, n.° 17 do CIVA apenas abrange a transmissão do direito de autor e a autorização para a utilização da obra e não abrange o exercício da actividade de escultor. NN. E, consequentemente, entendeu que pelo facto de não terem sido celebradas quaisquer escrituras comprovativas da alteração de titularidade dos direitos de autor com os adquirentes das obras criadas pelo Impugnante, que têm de se concluir que as contrapartidas económicas pagas ao Impugante se devem considerar vulgares rendimentos de Categoria B. OO. A Autoridade Tributária não logrou fazer prova de que os rendimentos auferidos pelo Impugnante não eram rendimentos de propriedade intelectual (conforme declarado pelo Impunante nas Declarações Modelo 3 IRS), recaindo sobre a AT o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à liquidação adicional (cfr. artigo 74°, n.° 1 da LGT) e que correspondiam a meras prestações de serviços. PP. A conclusão a que o Tribunal a quo chegou é claramente violadora do princípio da prevalência da substância sobre a forma consagrado no artigo 11°, n.° 3 da LGT, uma vez que fundamenta a decisão de improcedência da impugnação com base num argumento meramente formal. QQ. Como foi alegado na petição inicial, os rendimentos que o Impugnante auferiu em 2005, 2006 e 2007, resultaram da transmissão do direito de autor ou da autorização para a utilização das obras intelectuais que aquele criou e, nesse sentido, encontravam- se isentos de IVA. RR. O artigo 44° do CDADC exige a realização de escritura pública para o contrato de cedência total e definitiva do conteúdo patrimonial do direito de autor, que no caso em apreço não foram efectivamente celebrados, pelo que os mesmos se encontram feridos de nulidade. SS. O artigo 40° CDADC, prevê duas formas específicas de exploração económica da obra, por parte do seu titular do direito de autor: a. A autorização para a utilização da obra por terceiro, cujo regime está previsto no artigo 41° CDADC; b. A transmissão do conteúdo patrimonial do direito de autor sobre a obra, cujo regime está regulado nos artigos 43° e 44° CDADC. TT. Admitindo o argumento formal constante da sentença recorrida, os rendimentos auferidos pelo Impugnante não seriam a contrapartida da cedência dos direitos de autor. UU. Conforme resulta dos artigos 292° e 293° do Código Civil (CC), os negócios nulos poderão produzir alguns efeitos, seja pela figura da redução, seja pela figura da conversão. VV. Do artigo 293° do Código Civil resulta que o negócio jurídico de cedência do conteúdo patrimonial do direito de autor, celebrado entre o Impugnante e entidades terceiras, nulo por vício de forma, pode converter-se num negócio diferente, desde que o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido se tivessem previsto a invalidade. WW. No caso concreto, o Impugnante criou diversas obras intelectuais. XX. Obras estas que, uma vez criadas, foram entregues aos contraentes, para que estes as pudessem expor publicamente. YY. A exposição pública é uma das formas previstas no CDADC e que carece de autorização - cfr. artigo 68° n.° 2 al. b), ZZ. As entidades que contrataram com o Impugnante ficaram, por isso, autorizadas a expor publicamente as obras criadas por aquele. AAA, Aliás, ainda hoje as obras criadas pelo Impugante estão expostas publicamente, designadamente em diversos municípios ao longo do país. BBB. Para que as obras criadas pelo Impugnante pudessem ser licitamente utilizadas, designadamente pela sua exposição pública, as entidades contratantes pagaram-lhe uma contraprestação económica. CCC. Pelo que o valor que o Impugnante auferiu nos anos em questão é a contraprestação económica pela autorização que concedeu para a utilização das suas obras. DDD. Tendo pago como contrapartida valores antecipadamente acordados, os quais foram declarados pelo Impugnante nas declarações de rendimentos. EEE. Nos termos do contrato celebrado com o Impugnante, as obras por si criadas são utilizadas, designadamente, através da sua exposição pública [artigo 68° n.° 2 al. b) CDADC], pelas diversas entidades que com ele contrataram. FFF. Deste modo, resulta claro que, caso as partes tivessem previsto a invalidade da cedência do conteúdo patrimonial do direito de autor, teriam optado por celebrar um contrato de autorização para a utilização das obras do Impugnante. GGG, Aliás, nem a outra conclusão se pode chegar, sob pena de ser forçoso concluir pela prática de crimes de usurpação de todas as entidades com quem o Impugnante contratou. HHH. Pelo que é evidente que, não sendo possível a cedência do conteúdo patrimonial do direito de autor, as partes quereriam negociar os termos e condições para a utilização das obras do Impugnante. III. Sendo o valor pago ao Impugnante a contraprestação pela concessão da autorização para a exposição pública da sua obra. JJJ. Relativamente à forma, como foi referido acima, apesar de o artigo 41.°, n.° 2 do CDADC prever a forma escrita para a autorização, a sua inobservância não tem qualquer consequência na validade e eficácia do negócio. KKK. De facto, nos termos do artigo 41° n.° 2 CDADC, a autorização concedida pelo autor deve ser prévia à utilização da obra, deve ser reduzida a escrito e presume-se onerosa. LLL. Esta exigência de redução a escrito do negócio jurídico, mediante o qual um autor autoriza a utilização da sua obra por terceiro não assume um carácter formal, pelo que a sua inobservância, não afecta a validade do negócio. MMM. Com efeito, conforme refere o Dr. Luiz Francisco Rebello in Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos anotado, “diversamente, porém, do que se verifica em relação aos actos de transmissão (parcial ou total) do direito, que a lei fere de nulidade se não for observada a forma prescrita nos artigos 43. °-2 e 44. o documento escrito exigido para a autorização constitui mera formalidade ad probationem, e não, como naqueles casos, ad substantiam, o que, na sua ausência, leva a transferir para o utilizador o ónus da prova." NNN. Nesse sentido, vide também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 23/11/2006, no âmbito do processo n.° 0633334, pelo Venerando Juiz Desembargador Exmo. Senhor Dr. Jorge Ferraz, acessível na página www.dgsi.pt através do seguinte link: http://www.dgsi.pt/itrp.iisf/c3fb53Q030ealc61802568d90Q5cd5bb/8aeb0ed5229c662a8025725d004ca2c4?QpenDocument OOO. Ora, em face do exposto, pode concluir-se, com grau de certeza, que o autor autorizou a utilização por terceiros das obras plásticas que criou, recebendo como contrapartida dessa autorização (nos termos previstos, designadamente, no artigo 67° CDADC), um valor pecuniário. PPP. Este negócio é juridicamente válido, dado que a forma legal exigida tem apenas efeitos de prova, sendo esta, no caso em análise, desnecessária, dado que o próprio Impugnante assume ter concedido autorização para a exposição das suas obras por parte das entidades com quem contratou. QQQ. Nestes termos, sendo o valor auferido pelo Impugnante, no exercício da sua actividade, a contraprestação da autorização concedida para a exposição pública da obra, é forçoso concluir que os rendimentos auferidos pelo Impugnante não são vulgares rendimentos da categoria B, mas sim a contraprestação da autorização por si concedida para a utilização da obra intelectual. RRR. Logo, os rendimentos objecto da presente impugnação estão isentos de IVA. SSS. Atento o acima exposto, é forçoso concluir que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 9.°, n.° 17 do CIVA (anterior redacção), porquanto este artigo deve ser interpretado no sentido de que aquela isenção de IVA opera independentemente da forma que assuma o negócio de transmissão de direito de autor e de autorização para a utilização da obra intelectual em virtude do princípio da prevalência da substância sobre a forma consagrado no artigo 11.°, n.° 3 da LGT. TTT. Assim, deve o presente recurso merecer provimento e a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente, por provada, a impugnação apresentada pelo ora Recorrente, o que, muito respeitosamente, se requer. TERMOS EM QUE e com o douto suprimento de V. Exas.: 1. Deve, assim, o presente recurso merecer provimento e a douta sentença recorrida ser revogada quanto à matéria dos factos provados acima exposta, devendo a mesma ser substituída por outra que dê como provado que o Impugnante apenas auferiu rendimentos provenientes de propriedade intelectual nos anos de 2005, 2006 e 2007 e a fundamentação sobre a matéria de direito alterada, por inerência, e consequentemente, com as normas supra mencionadas, ser a impugnação julgada totalmente procedente por provada, o que, muito respeitosamente, se requer. 2. Deve o presente recurso merecer provimento, julgando-se que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 9.°, n.° 17 do CIVA (anterior redacção), porquanto este artigo deve ser interpretado no sentido de que aquela isenção de IVA opera independentemente da fornia que assuma o negócio de transmissão de direito de autor e de autorização para a utilização da obra intelectual em virtude do princípio da prevalência da substância sobre a forma consagrado no artigo 11.°, n.° 3 da LGT, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente, por provada, a impugnação apresentada pelo ora Recorrente, o que, muito respeitosamente, se requer. Caso assim não se entenda: 3. Deve ser dado provimento ao presente Recurso e e, em consequência, ser anulada a sentença recorrida e ordenada a produção da prova testemunhal requerida, o que, muito respeitosamente se requer. 4. Deve o presente recurso merecer provimento e a douta sentença recorrida ser revogada no que concerne ao montante de imposto indevidamente liquidado sobre a matéria tributável quantificada erradamente no ano de 2006, devendo a mesma ser substituída por outra que julgue parcialmente procedente a impugnação e apenas considere ser legalmente devida a liquidação de IVA sobre o valor declarado de € 80.020,00, com anulação parcial da liquidação adicional de IVA respeitante ao ano de 2006, o que, muito respeitosamente, se requer.” * A Recorrida DRFP optou por não apresentar contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso apresentado pelo Impugnante. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos: “1)O ora Impugnante foi sujeito a ação de inspeção fiscal, “… por não obstante estar enquadrado no regime especial de isenção do artigo 53º do CIVA ter declarado no Anexo B da Declaração Modelo 3 do IRS rendimentos superiores a €10.000” - cf. fls.73 do Processo Administrativo Tributário (PAT), correspondente ao Relatório de Inspeção Tributária (RIT), apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 2) O ora Impugnante não procedeu à entrega da declaração de alterações, para, enquadramento no regime normal de tributação do IVA, em conformidade com o que resulta da conjugação dos artigos 53.º e 58.º do CIVA - cf. fls.73 do PAT, correspondente ao RIT, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 3)O ora Impugnante não entregou as declarações periódicas do IVA em falta por força do disposto no artigo 58.º, n.º5 do CIVA - cf. fls.73 do PAT, correspondente ao RIT, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 4) Os serviços de inspeção tributária (SIT) notificaram o ora Impugnante, para, que regularizasse as suas infrações, através de carta enviada sob registo em 30.04.2008 (Ofício 34114) - cf. fls.74 do PAT, correspondente ao RIT, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 5) Não tendo o ora Impugnante regularizado voluntariamente as infrações em causa em 4), os SIT procederam às seguintes regularizações: · Enquadramento no regime normal de periodicidade trimestral à data de 01.02.2005. · Liquidação de IVA para os exercícios em causa, recorrendo aos dados constantes no Sistema Informático, recolhidos das Declarações Modelo 3 apresentadas pelo sujeito passivo, ou na sua falta pelo modelo 10 fornecido pelas entidades patronais, sendo o IVA a pagar imputado ao último trimestre do exercício. - cf. fls.74 a 75 do PAT, correspondente ao RIT, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 6) O Impugnante encontra-se desde 07.01.1998 enquadrado oficiosamente no regime especial de isenção ao abrigo do artigo 53.º do CIVA - cf. doc. de fls.44 do Processo de Reclamação Graciosa (PGR) ínsito no PAT, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 7) Foram emitidas as liquidações de IVA dos anos de 2005, 2006 e 2007, com os n.ºs 08331836, 00331834, 00331832, 00331837, 00331835 e 00331833, no valor total de €53.247, 26. 8) Não se conformando com as liquidações, o ora Impugnante veio apresentar Reclamação Graciosa (RG) em 04.11.2008 - cf. PGR ínsito no PAT, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 9) O ora Impugnante foi notificado do projeto de decisão da RG nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), através do ofício n.º67794 de 10.08.2009 - cf. doc.de fls.65 do PRG ínsito no PAT apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 10)Em resposta à audição prévia, veio o ora Impugnante reiterar o seu entendimento de que exerce uma atividade em que transmite a totalidade dos direitos de autor sobre a obra, pelo que todos os seus rendimentos são qualificados como tal e assim isentos ao abrigo do artigo 9.º do CIVA - cf. doc.de fls.70 do PRG ínsito no PAT apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 11) O ora Impugnante foi notificado da decisão de indeferimento da RG pelo ofício n.º81426 de 25.09.2009 - cf. doc.de fls.114 e 115 do PRG ínsito no PAT apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 12) Não se conformando com o sentido da mesma veio interpor a presente impugnação judicial.” *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: “Não existem outros factos com relevância para a apreciação do mérito dos autos.” *** A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos, do PAT e do PRG constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.” *** Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade: 13) A 04 de abril de 2006, 30 de abril de 2007, e 17 de abril de 2008, L…, apresentou Declarações de Rendimentos, Modelo 3, de IRS, respeitantes aos anos de 2005, 2006 e 2007, tendo declarado, designadamente, no Anexo B, campos 404 (propriedade intelectual), e 1102 (total das vendas, prestação de serviços e outros rendimentos) e Anexo H (propriedade intelectual parte isenta), os rendimentos que infra se descrevem:
*** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, referentes aos anos de 2005, 2006 e 2007, no montante total de €53.247, 26. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar: - Previamente da admissibilidade dos documentos juntos em fase de recurso; - Se o Tribunal a quo valorou, erradamente, a prova produzida nos autos, competindo aferir do concreto preenchimento dos pressupostos constantes no artigo 640.º do CPC; - Se incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto: o Preteriu o princípio da verdade declarativa, constante no artigo 75.º da LGT; o Incorreu em deficit instrutório ao dispensar a produção de prova testemunhal a qual era vital para efeitos de demonstração da natureza e concreta qualificação jurídica dos rendimentos; o Ajuizou uma errada qualificação dos rendimentos auferidos como meras prestações de serviços, e em clara violação do princípio da substância sobre a forma; o Padece de erro na quantificação da matéria coletável, particularmente, quanto ao montante dos rendimentos computados no ano de 2006; Vejamos, então. Previamente à alteração da matéria de facto e eventual aditamento, e por a mesma contender com a documentação junta com as alegações de recurso cumpre aferir da admissibilidade dos visados documentos. A lei processual civil, concretamente o artigo 425.º e bem assim o normativo 651.º do CPC, possibilita a junção de documentos ao processo em fase de recurso apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior (artigo 425.º, nº1, do CPC) ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (artigo 651.º, nº.1, do CPC); O STA, por Acórdão proferido em Recurso de Revista (1-Cfr. Acórdão de 27-5-2015, proferido no processo n.º 570/14; Vide, igualmente, o Acórdão do TCA Sul proferido no processo nº 07915/14, de 08 de junho de 2017.) julgou que “são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar facto posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância”. Sendo certo que, a verificação das circunstâncias supra identificadas têm, necessariamente, como pressuposto basilar que os factos documentados sejam pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, da circunstância dos documentos cuja junção se pretende visarem a prova dos fundamentos da ação e/ou da defesa e, bem assim da circunstância de o juiz se encontrar vinculado a ordenar o desentranhamento do processo dos que sejam impertinentes ou desnecessários (2-Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.229 e seg.). Mais importa ter presente, neste particular, que o advérbio “apenas”, utilizado no artigo 651.º, nº 1, do CPC significa, tão-só, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. É entendimento unânime jurisprudencial que deve ser recusada a junção de documentos que visem a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, sendo certo que não pode servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado (3-Cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 312/17.4 BEBJA, de 25 de janeiro de 2018; Vide Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230.) In casu, os documentos juntos com as alegações de recurso, consubstanciam as declarações de Rendimentos, Modelo 3, respeitantes aos anos de 2005 a 2007, e bem assim o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, ora todos esses documentos, têm data anterior à da propositura da presente ação, donde documentos que poderiam ter sido entregues em data anterior, em nada consubstanciando superveniência objetiva ou subjetiva. Por outro lado, tais documentos visavam a prova de factos que já antes da sentença o Recorrente sabia estarem sujeitos a prova, e que poderiam ter sido juntos até à aludida data, não podendo, portanto, considerar-se que a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Neste particular, atente-se no doutrinado no Acórdão prolatado pelo STJ, no âmbito do processo nº 22946/11, de 30 de abril de 2019, do qual se extrata o seguinte sumário: “I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância. II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. De relevar, in fine, que a sua junção não reveste, outrossim, qualquer relevo porquanto já existe suporte documental no processo administrativo instrutor que permite suportar essas asserções de facto. Concluindo, dada a sua impertinência, os aludidos documentos não podem ser admitidos, decretando-se o seu desentranhamento e restituição ao Recorrente, não se condenando, no entanto, em custas pelo incidente anómalo na medida em que, como visto, os mesmos já integram o respetivo processo administrativo instrutor. *** Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto. Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC. Preceitua o aludido normativo que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (4-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.). Mais importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros. Feitos estes considerandos iniciais, atentemos, então, se o Recorrente impugnou a matéria de facto, de acordo com os requisitos constantes do artigo 640.º do CPC. O Recorrente advoga que, inversamente ao contemplado na decisão recorrida a realidade de facto atinente aos rendimentos declarados não se encontra em conformidade com o teor das Declarações de Rendimentos, Modelo 3, devendo, assim, ficar consignado como facto provado que o Recorrente apenas declarou rendimentos de propriedade intelectual, nada tendo declarado enquanto rendimentos decorrentes de prestação de serviços. De relevar, desde já, que para além do Recorrente não evidenciar uma concreta roupagem do facto com a devida substanciação espácio-temporal, limitando-se a um juízo conclusivo atinente à concreta qualificação dos rendimentos, o que constitui, per se, óbice à sua materialização no probatório, a verdade é que a mesma resulta prejudicada na medida em que o Tribunal ad quem, no âmbito dos seus poderes de cognição, já procedeu à fixação de factualidade reputada relevante e atinente ao efeito, que corporiza, justamente, essa realidade de facto. Face ao exposto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento de facto que careça de qualquer densificação e reflexo no probatório, para além dos já realizados por este Tribunal ao abrigo, como referido, dos seus poderes de cognição. *** Aqui chegados, atentemos, então, no erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Alega o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto foi preterido o princípio da verdade declarativa, visto que desconsiderou, erradamente, a realidade de facto declarada, porquanto todos os rendimentos declarados configuram, inversamente ao aduzido na decisão recorrida, rendimentos dimanantes da propriedade intelectual. Densifica, para o efeito, que o preenchimento das Declarações de Rendimentos Modelo 3, respeitou, na íntegra, as competentes instruções administrativas, ou seja, preencheu os campos 404, do anexo B, e os campos 5, do anexo H, daí dimanando a exclusiva declaração de rendimentos de propriedade intelectual. Advoga, nessa medida, que o erro na apreciação da prova inquina as conclusões de facto e de direito dele extraídos, o que determina, por si só, a ilegalidade da decisão. Adensa, neste particular, que apenas se admite o afastamento da veracidade das declarações apresentadas quando a AT demonstre, de forma inequívoca, a existência de um facto tributário não refletido nessas declarações ou divergente do declarado, através de elementos carreados para o procedimento, tendo em vista ilidir a presunção da veracidade das mesmas, o que não sucedeu no caso sub judice. Conclui, assim, que a AT não cumpriu a prova dos factos constitutivos do direito de tributar, nos termos do artigo 74.°, n° 1, da LGT, logo não tendo a mesma recolhido e carreado prova suficiente de que os rendimentos declarados não correspondiam a rendimentos provenientes da transmissão do direito de autor e autorização para a utilização da obra intelectual criada pelo ora Impugnante, não poderia a AT proceder à correção da matéria tributável cuja declaração respeita os termos legais, e ulteriores atos impugnados. Sustenta, adicional e subsidiariamente, que assim não se entendendo, sempre a decisão recorrida padece de deficit instrutório, na medida em que os autos não dispõem de todos os elementos para uma decisão conscienciosa, sendo vital a produção de prova testemunhal, a qual foi objeto de dispensa. Convoca, in fine, uma errada qualificação jurídica dos rendimentos, porquanto os mesmos em nada consubstanciam rendimentos decorrentes da prestação de serviços, mas, tão-só, rendimentos da propriedade intelectual. Advoga, à cautela, um erro de quantificação, mormente, quanto aos rendimentos respeitantes ao ano de 2006, na medida em que traduziu uma liquidação de IVA de €24.154,20, quando, no limite, apenas poderia legitimar o apuramento de imposto de apenas €16.804,20. Apreciando. Comecemos por ter presente o juízo de entendimento que fundou a improcedência. O Tribunal a quo evidencia, desde logo, que “o próprio Impugnante declarou nos anos de 2005, 2006 e 2007, nos campos respetivos, os rendimentos obtidos a título de “direitos de autor” e os de “prestações de serviços”. Clarificando, assim, que “contrariamente ao alegado pelo Impugnante, os rendimentos por si auferidos não correspondem na íntegra a rendimentos decorrentes de direitos de autor e como tal enquadrados no artigo 9.º, n.º 17 do CIVA, mas contém também rendimentos qualificados como de prestações de serviços e que não são conexos com os direitos de autor.” Conclui, portanto, que “deste modo, ao ultrapassar o limite constante do n.º1 do artigo 53.º do CIVA, o Impugnante estava obrigado a liquidar e pagar IVA relativamente aos serviços que prestou no âmbito do seu trabalho independente. E foram os rendimentos declarados em sede de IRS como de prestações de serviços e não conexos com direitos autorais que foram objeto de correção e das liquidações adicionais objeto dos presentes autos.” Vejamos, então. Comecemos por ter presente o quadro normativo. Em ordem ao consignado na alínea c), do n.º 1, e n.º 5 do artigo 3.º, do CIRS, os rendimentos provenientes da propriedade intelectual são considerados rendimentos da categoria B (rendimentos empresarias e profissionais), quando auferidos pelo seu titular originário, considerando-se como tais, os direitos de autor e direitos conexos. Por seu turno, nos termos do Código do Direito do Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, as quais compreendem, designadamente, as preceituadas nas alíneas a) a m) do artigo 2.º do citado diploma legal. Neste concreto particular, importa ter presente o consignado no, à data, artigo 56.º do EBF (atual 58.º), o qual consagrava uma exclusão parcial de tributação dos rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica, considerando-se como tal, os rendimentos provenientes da alienação de obras de arte de exemplar único e os rendimentos provenientes das obras de divulgação pedagógica e científica, que se traduz no englobamento, para efeitos de IRS, de apenas 50% do respetivo valor, com o limite consignado no seu nº3, líquido de outros benefícios, quando auferidos por titulares de direitos de autor ou conexos, residentes em território português que sejam os titulares originários e verificadas as demais condições e limites aí previstos. Com especial relevo para o caso vertente, importa ainda chamar à colação o preceituado no artigo 9.º, nº 17, do CIVA, o qual dispunha que se encontravam isentos de IVA: “A transmissão do direito de autor e a autorização para a utilização da obra intelectual, definidas no Código de Direito de Autor, quando efetuadas pelos próprios autores, seus herdeiros ou legatários.” O que significa, portanto, que o CIVA, isenta de imposto, as duas formas de disponibilidade dos poderes patrimoniais contidos no direito de autor, ou seja, a autorização da obra por terceiros e a cessão do conteúdo patrimonial do direito de autor sobre a sua obra. No atinente ao ónus da prova, há que ter presente que incumbe à AT a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, compete à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário. De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT. Mais se refira, com particular interesse para os presentes autos, que vigora neste âmbito o princípio da verdade declarativa, plasmado no artigo 75.º da LGT, segundo o qual: “1 - Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. 2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando: a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”. Daí resulta que, gozando o contribuinte da presunção de verdade da sua declaração, compete à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação. O que significa que, in casu, tem o ónus de demonstrar factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade dos rendimentos declarados pelo Impugnante, ora Recorrente, só então passando a competir ao mesmo o ónus da prova de que os mesmos correspondem à realidade. Visto o direito, atentemos, então, na prova produzida nos autos. Comecemos, então, por aferir se existiu, conforme alega o Recorrente, uma errónea interpretação dos rendimentos declarados, porquanto só foram declarados rendimentos dimanantes da propriedade intelectual, e nessa medida, uma errónea valoração e ponderação da verdade declarativa, com os inerentes reflexos na esfera probatória. Ora, tendo presente o probatório dos autos resulta que o Recorrente declarou nos anos de 2005, 2006 e 2007, no Anexo B, Quadro 4 A, campo 404, das Declarações de Rendimentos, Modelo 3, os seguintes montantes: €23.450,00, €40.010,00 e €48.720,00, respetivamente. Por seu turno, no Anexo H, quadro 5, e por referência aos mesmos anos, declarou os valores de €23.450,00, €40.010,00 e €30.000,00. Mais declarou no quadro 11, com a epígrafe de “Total das Vendas/Prestações de Serviços e outros Rendimentos”, no campo 1102, “Prestações de serviços e outros rendimentos” do Ano N, o valor de €46.900,00, €80.020,00 e €78.720,00. De facto, de uma leitura meramente literal e por alusão à epígrafe dos respetivos campos, tal permitiria, a priori, inferir que o Recorrente tinha, efetivamente, declarado nos anos de 2005, 2006 e 2007, rendimentos decorrentes de prestações de serviços no montante global de €205.640,00 (€46.900,00+€80.020,00+€78.720,00). Mas, assim não o é. Com efeito, estabelecendo uma leitura e interpretação conjugada dos valores declarados com as competentes instruções de preenchimento, veiculadas nas respetivas Portarias Legais, conclui-se que a AT não terá realizado a melhor interpretação do teor das visadas declarações, tendo, por conseguinte, a decisão recorrida, que secundou tal entendimento, incorrido no mesmo erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Senão vejamos. Regula a Portaria nº 1287/2005, de 15 de dezembro, que o campo 404, destina-se à indicação da parte não isenta dos rendimentos provenientes da propriedade intelectual abrangidos pelo artigo 56.º do EBF, ou seja, neste campo são incluídos 50 % do seu valor, e os restantes 50 % (parte isenta) deverão ser indicados no quadro 5, do anexo H. Constando, expressa menção na evidenciada Portaria que “[o]s rendimentos da propriedade literária, artística e científica, auferidos por autores residentes em território português que beneficiem da isenção prevista no art. 56.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, serão incluídos por 50 % do seu valor, neste campo, sendo os restantes 50 % indicados no quadro 5 do anexo H, não podendo exceder €27.194,00 (5-Valor atualizado para os €30.000,00 na Portaria 1448/2008, de 16.12, em conformidade com o preceituado no artigo 56.º, nº3 do EBF: pelo que o excesso deve ser incluído neste campo.)” Mais promanando quanto ao quadro 11, respeitante ao “Total das Vendas/Prestações de Serviços e Outros Rendimentos” que nele “deve ser indicado o total das vendas separadamente do total das prestações de serviços e de outros rendimentos, sujeitos a imposto, incluindo os que no total se encontram isentos, obtidos no ano a que se refere a declaração, bem como aos dois anos imediatamente anteriores.” Ora, do supra expendido resulta que o Recorrente, conforme alega, apenas declarou rendimentos da propriedade intelectual, não tendo declarado quaisquer quantias a título de prestações de serviços. Aliás, essa inferência retira-se, outrossim, do campo 403, na medida em que respeitando o mesmo, justamente, a prestações de serviços, nele não foi inscrito/declarado qualquer valor. É certo que, como visto, o campo 1102, atinente ao valor total dos rendimentos, se encontra preenchido, mas a verdade é que tal mais não representa que a soma de controlo dos rendimentos declarados, em nada se podendo inferir -entenda-se pela sua simples nomenclatura- que, in casu, representam prestações de serviços, quando ademais dela consta, outrossim, a menção de “outros rendimentos”. Com efeito, mediante uma operação aritmética de adição dos valores inscritos nos campos 404, do Anexo B, com os campos 501, dos Anexos H, obtém-se o valor total inscrito no campo 1102. Donde, conclui-se que o Impugnante, ora Recorrente, apenas declarou rendimentos decorrentes da propriedade intelectual –realidade que, ademais, se encontra de harmonia e em conformidade com a falta de apresentação de declarações periódicas de IVA, atenta a advogada isenção legal- o que significa, portanto, que gozando o contribuinte da presunção de verdade da sua declaração, competia à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação. Aqui chegados, há, então, que aquilatar se a AT cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, competindo, assim, convocar a fundamentação contemporânea do ato, contemplada no respetivo Relatório de Inspeção Tributária, do qual resulta que a mesma radica, exclusivamente, no facto de existir uma expressa declaração de rendimentos enquanto prestações de serviços. Note-se que, tal é o que resulta, desde logo, autonomizado no ponto da 1) da factualidade assente e dimana, outrossim, do respetivo Relatório de Inspeção tributária (ponto 5). Com efeito, dele dimana que os pressupostos legitimadores se coadunam com os elementos declarados, porquanto na sua óptica de entendimento, os rendimentos auferidos não correspondem na sua totalidade a rendimentos de direitos de autor, mas também de prestações de serviços, estando, por conseguinte, sujeitos a IVA enquanto rendimentos empresariais, subsumíveis na Categoria B. Ou seja, in casu, e conforme resulta, expressa e inequivocamente, do Relatório de Inspeção Tributária e bem assim da factualidade, ora, aditada por este Tribunal, ao abrigo dos seus poderes de cognição, a AT respeitou, na íntegra, os rendimentos declarados enquanto propriedade intelectual, não concretizando qualquer desqualificação e ulterior requalificação, apenas e só tributou, em sede de IVA, os que interpretou declarados como tal, ou seja, enquanto prestações de serviços. Aliás, tal é reiterado, claramente, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, na qual se evidencia, de forma expressa, que “[a] razão da correcção promovida pelos Serviços teve justamente por base a natureza dos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo declarados na DR Modelo 3, rendimentos não conexos com os Direitos de autor” realidade também externada na decisão recorrida. Mas a verdade é que, como visto e ora se reitera, tal enquadramento padece de erro interpretativo, concretamente, da base e natureza da matéria tributável, porquanto o Recorrente, tal como alega, não declarou quaisquer quantias como prestações de serviços, mas tão-só, rendimentos decorrentes da propriedade intelectual que subdividiu, em parte isenta e não isenta, e cuja soma de controle se encontra em conformidade com o valor total declarado. Ora, se a AT parte de uma premissa errada e face a esse erro interpretativo e a montante, não sindica a natureza dos rendimentos declarados, no caso que os mesmos respeitam, efetivamente, a rendimentos da propriedade intelectual, tal implica que os atos de liquidação impugnados padeçam de vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Com efeito, in casu, face à presunção de verdade declarativa, e para efeitos de legitimação das correções em contenda, a AT tinha de sindicar e demonstrar que a realidade declarada não tem correspondência com a realidade dos factos, mormente, que os rendimentos não assumem a natureza de rendimentos de propriedade intelectual, não resultando, por conseguinte, da transmissão do direito de autor ou da autorização para a utilização das obras. Obstando, portanto, à concreta subsunção normativa no artigo 9.º, nº 17, do CIVA, legitimando-se, nessa medida, o competente apuramento de IVA. Ora, como visto, nada disso foi feito. Destarte, não tendo a AT recolhido prova suficiente da existência do facto tributário, concretamente, que a dimensão do facto tributário é diferente da declarada, não poderia, sem mais, proceder à correção da matéria tributável, e ao competente apuramento de IVA fundante das liquidações em contenda, razão pela qual as mesmas são ilegais. Tal determina a procedência do recurso, resultando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: Lisboa, 11 de julho de 2024 (Patrícia Manuel Pires) (Rui A.S. Ferreira) (Cristina Coelho da Silva) |