Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11/15.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/13/2025
Relator:ISABEL VAZ FERNANDES
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
PENHORA
AQUISIÇÃO POSTERIOR
Sumário:I - Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. artigo 237.º, do CPPT):
a- A tempestividade da petição de embargos;

b- A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;

c- A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.

II – Os embargos de terceiro servem, actualmente, não só para defender a posse, como também qualquer outro direito que se mostre incompatível com a diligência ordenada.
III – Nos termos do artigo 819.º do Código Civil, “sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados”.

Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida pelo TAF de Leiria em 21/01/2025 que considerou procedentes os presentes Embargos de Terceiro, deduzidos por ..., ora Recorrido, no âmbito do PEF nº 1945.2011/01004336, a correr termos contra ... no Serviço de Finanças de Almeirim, na sequência da publicitação da data para realização da venda electrónica do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6191, da freguesia e concelho de Almeirim.

Para tanto, a Recorrente, nas suas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões:

“i) Visa o presente recurso reagir contra decisão em 1ª instância que julgou procedentes os embargos de terceiro deduzidos pelo Embargante à margem identificado e, em consequência, determinou a anulação da penhora constituída pela Autoridade Tributária no âmbito do processo de execução fiscal em discussão nos autos.

ii)Dissentimos da sentença recorrida em resultado do que entendemos ser uma errada subsunção dos factos ao direito e erro na apreciação e interpretação da matéria de direito consagrada nos artigos 819.°, 824.° do Código Civil e artigo 237.°, n.° 1 do CPPT;

iii) Pois, conforme resulta da factualidade considerada provada pelo Tribunal a quo, a penhora em dissídio nos autos foi constituída pela AT em data anterior, quer à posse, quer ao registo de aquisição efectuado pelo Embargante;

iv) Nesses termos, reconhecidos factualmente pelo Tribunal a quo, a posse do Embargante é inoponível à execução, conforme estipulado no artigo 819.° do Código Civil;

v) Pelo que a posse do Embargante é irrelevante para a execução e a posição da exequente - AT - não é afectada por essa posse;

vi) E, em sede da venda executiva, os bens são transmitidos livres dos direitos reais que não tenham registo anterior ao da penhora (cf. artigo 824.°, n.° 2 do Código Civil);

vii) Daqui se conclui, naturalmente, que face à anterioridade da penhora constituída pela AT (em 2011), inexiste nos autos qualquer ofensa ou incompatibilidade com a posse e propriedade do imóvel adquirido posteriormente pelo Embargante (em 2013);

viii) Pelo que, salvo o mui merecido e devido respeito, se conclui que errou o Tribunal a quo ao considerar provada a ofensa à posse que o Embargante detém sobre o bem penhorado e ao determinar o levantamento da penhora em dissídio, incorrendo assim em erro na subsunção dos factos ao direito e erro na apreciação e interpretação da matéria de direito consagrada nos artigos 819.° e 824.° do Código Civil e artigo 237.°, n.° 1 do CPPT.

x) Tudo razões que se reputam determinantes para a prolação dum juízo que determine a revogação da decisão aqui recorrida e, do mesmo passo, venha confirmar a valia da penhora concretizada pela AT.

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo e, desse modo, julgar totalmente improcedentes os embargos interpostos pelo recorrido, com o que V. Exas. farão a almejada Justiça!”

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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

Ao abrigo do preceituado no nº6 do artigo 663º do CPC, remete-se para a matéria de facto fixada na sentença.


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao julgar procedentes os presentes embargos, com fundamento na prova da posse por parte do Embargante.

A Recorrente dissente do assim decidido pela circunstância de a penhora ter sido efectuada e registada em data anterior à aquisição do bem pelo ora Recorrido.

Adiante-se que tem razão a Recorrente.

Vejamos, então.

A sentença recorrida concluiu, depois de enquadrar o regime legal pertinente, nos seguintes termos:

“(…)Em suma, o Embargante logrou provar nos autos que, aquando da publicitação da data de realização da venda electrónica do bem penhorado, era e vinha sendo, desde 2013, o legítimo possuidor do bem atingido pelas diligências de penhora e correspondente venda judicial (não concretizada, mas que se perspectiva, e que, por isso, também se concebe aqui como um ato passível de ofender a posse do Embargante, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 237.°, n.° 1, do CPPT), diligências que afectam tal direito e são com ele incompatíveis, o que é determinante da respectiva ilegalidade, não podendo, por isso, manter-se no ordenamento jurídico.(…)”

A Recorrente refere que face à anterioridade da penhora constituída pela AT (em 2011), inexiste nos autos qualquer ofensa ou incompatibilidade com a posse e propriedade do imóvel adquirido posteriormente pelo Embargante (em 2013).

Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. artigo 237.º, do CPPT):

a- A tempestividade da petição de embargos;

b- A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;

c- A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.

Do probatório resulta que a penhora do bem pela FP foi realizada em 11/07/2011 (alínea K)) e registada em 26/07/2011 (alínea L)). E que a aquisição do bem pelo Recorrido foi registada em 12/09/2013 – cfr. alínea N).

A sentença recorrida refere, expressamente, que a posse vem sendo exercida pelo Recorrido, desde que adquiriu o bem, em 2013.



Ou seja, a posse do Recorrido é, claramente, posterior à data da penhora e respectivo registo.

Não existem, por conseguinte, dúvidas que, à data da realização da penhora (em 2011), o Embargante, ora Recorrido, não era proprietário ou possuidor do prédio, o que só veio a acontecer depois da aquisição, em 2013.

Decorre do preceituado no artigo 819º do Código Civil que, “sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.

Ou seja, a penhora apenas gera a indisponibilidade do bem penhorado relativamente ao processo executivo, produz um direito de garantia a favor da execução, a ineficácia relativamente à execução, e não apenas ao exequente, porque opera relativamente também aos credores reclamantes, o comprador dos bens, o próprio tribunal. Trata-se de uma inoponibilidade objectiva ou situacional, diversa da inoponibilidade meramente subjectiva, isto é, em face de um certo terceiro (cfr. Castro Mendes, in Acção Executiva, p. 100, nota 2), o executado continua a poder alienar ou onerar o bem penhorado. Tais actos não são nulos ou anuláveis, tudo se passando afinal como se, relativamente ao exequente e credores concorrentes, não tivessem tido lugar.

Assim, será de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedentes os embargos.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedentes os embargos.



Custas pelo Recorrido.

Registe e Notifique.

Lisboa, 13 de Novembro de 2025

(Isabel Vaz Fernandes)

(Susana Barreto)

(Lurdes Toscano)