Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 199/23.8BELRA |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/30/2025 |
| Relator: | VITAL LOPES |
| Descritores: | DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL ACTO PROCESSUAL INÚTIL FORMALIDADES DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA CORRECÇÕES ARITMÉTICAS ÓNUS DE PROVA |
| Sumário: | I. A produção da prova testemunhal (e depoimento de parte) requerida deve ser dispensada caso o Tribunal conclua que os factos a que vinham depor as testemunhas já estão documentalmente provados ou apenas são susceptíveis de prova documental ou não revestem interesse para a boa decisão da causa, sob pena de incorrer na prática de um acto processual inútil (art.º 130.º do CPC);
II. A oposição entre os fundamentos e a decisão corresponde a um vício lógico da decisão, sentença ou acórdão — se, na fundamentação da decisão, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. III. Só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial. IV. Não há norma jurídica que impeça a creditação para a acção inspectiva externa de um inspector tributário que já tenha assegurado anteriores inspecções externas à entidade inspeccionada, cabendo, em qualquer caso, à impugnante indicar a norma jurídica violada (art.º 639/2 alínea a) do CPC), o que não faz. V. Nos casos em que o procedimento de inspecção tenha por fundamento Inquérito-crime participado, pode haver lugar, por razões cautelares e visando assegurar a eficácia da acção inspectiva, a dispensa de notificação prévia para início do procedimento de inspecção, nos termos do art.º 50.º, n.º 1 alínea b) do RCPIT. VI. Não ocorre falta de fundamentação de facto se a sentença alinha os factos provados com indicação da respectiva fonte probatória e, quanto aos factos «não provados», diz inexistirem com interesse para a decisão da causa; VII. A circunstância de a sentença reproduzir no probatório (al. H) o conteúdo do relatório de inspecção, não significa que dê como provados – acriticamente, como alega a impugnante/ recorrente – os factos que nele se referem. VIII. Embora em matéria de imposto sobre o Rendimento a prova dos custos se possa fazer com base em documentos internos corroborados por prova testemunhal, não constitui para este efeito documento interno uma listagem desacompanhada de suporte documental das realidades que refere elaborada pela impugnante após a conclusão da acção inspectiva; IX. Cessada fundadamente a presunção de veracidade dos elementos declarativos e contabilísticos da impugnante, nos termos do art.º 75/1 da LGT, a esta cabe o ónus de demonstrar, nos termos gerais de direito, que os constatados erros e omissões declarativas e contabilísticas não suportam as correcções levadas a efeito pela Administração tributária. X. Essa prova tem de ser concludente, e caso não tenham sido levados ao probatório factos que a prova dos autos suporta, à impugnante/ recorrente cabe impugnar eficazmente a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do art.º 640.º, n.º 1 do CPC. XI. As ilegalidades de forma do procedimento de reclamação graciosa, nomeadamente, a apontada incompetência do órgão decisor, podendo assumir relevância anulatória da decisão de reclamação graciosa, não inquina de ilegalidade o procedimento de liquidação, nem o acto de liquidação reclamado. XII. Nos termos do art.º 36.º, n.º 2 do CPPT, «As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências». XIII. O incumprimento desta exigência legal não inquina de ilegalidade o acto notificado, mas apenas e só constitui irregularidade do acto de notificação. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO A …………………… (doravante recorrente) deduziu a presente Impugnação Judicial no seguimento do indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentara contra o ato de liquidação do IRS e respetivos juros compensatórios, do ano de 2020, no valor total de € 84.358,76, a qual, por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, foi julgada totalmente improcedente com a consequente absolvição da Autoridade Tributária do pedido. Outrossim, impugna, nos termos do disposto no art.º 644/3 do CPC, a decisão da Mmª juiz a quo de dispensar a produção da prova testemunhal e depoimento de parte requeridos. Na alegação que apresentou, após convite ao aperfeiçoamento das conclusões inicialmente formuladas -através de despacho datado de 08.04.2025-, formulou as seguintes conclusões [renumeradas por nossa iniciativa a partir da concl.242., por manifesto lapso] «Conclusões Do indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal por manifesta desnecessidade 213. No âmbito da presente impugnação judicial foi arrolada prova testemunhal e requerido depoimento de parte a exemplo do que foi feito nos autos de impugnação das liquidações de IVA a que coube o Processo n.° 1195/23.0BELRA, recurso este já decidido por esse TCA Sul. 214. Indeferida a produção prova testemunhal por manifesta desnecessidade, nos termos do artigo 114.° do CPPT, foi interposto recurso, sendo que por do Despacho de 29.05.2024 foi o dito recurso rejeitado. 215. Apresentada reclamação, foi por Despacho da Mma Juíz de Direito de 10.07.2024 ordenada a subida dos autos, ao Tribunal Central Administrativo Sul, sendo que proferida decisão Sumária em 26.09.2024 pelo TCA Sul, foi indeferida a reclamação, deixando expresso a decisão: "Assim, e tal como decidido no despacho reclamado, a decisão de que se pretende recorrer só é impugnável no recurso interposto da decisão final, sendo a decisão que vier a ser obtida nessa altura, ainda útil, pois caso seja dado provimento a esse recurso, será aberto um período de produção de prova face á constatação da existência de matéria de facto ainda controvertida, bem como será anulado o processado posteriormente a tal despacho". 216. O ora recorrente indicou ao Tribunal os artigos sobre os quais iriam depor as testemunhas e a parte, versando os artigos indicados sobre correcções aritméticas em sede de IRS, de que resultaram entendimentos antagónicos, ou seja, diferentes posições tidas pela A.T. e pelo contabilista certificado e o próprio impugnante, sendo que para além de constarem na contabilidade documentos atinentes a estas operações, que só por si não foram suficientes para impedir que a AT procedesse ás correções que deram lugar ás liquidações impugnadas. 217. Sendo que uma coisa são os resultados a que se chega outra é a realidade por via da qual a A.T. estatui esses resultados e essa se não tiver sido vivida, seja por testemunhas seja pela inspeção tributária, não se compreenderá na sua totalidade. 218. Desde logo ilegalidades aptas a ser explicadas pelo contabilista certificado do impugnante, designadamente as cometidas pela A.T. ao utilizar questionários discricionários e insuficientes para apurar certa realidade factual, ao acrescentar IVA ao valor anunciado nas vendas ao consumidor final quando o preço de venda das viaturas já incluía todos os impostos, mas também, a desconsideração dos custos de aquisição em viaturas de retoma e a tributação pela margem. 219. O impugnante tem direito a refutar as correções estabelecidas pela A.T. também por via do conhecimento que os depoentes que apresenta detêm sobre os factos em tratamento, não sendo despiciendo, que se ausculte o responsável da contabilidade, no sentido da compreensão do iter por este seguido, em contraponto ao diverso iter seguido pela A.T., e do qual resultou um apuramento que o impugnante contesta. 220. O impugnante tem também conhecimento de facto relevante, desde logo quanto a questões basilares nestes autos, relacionadas com as vendas e com o preço das viaturas e sua afixação. 221. Quanto à matéria vertida nos artigos 25.° a 35.°; 49.°; 53.°; 64.° a 74.° da P.I., arrolado como testemunha o Contabilista Certificado, são aqueles temas que interessam à defesa sejam esclarecidos, ademais porque versam sobre contabilidade e operações contabilísticas, factos não do conhecimento geral, porque são específicos e, exigem formação académica para a sua cabal explicitação. Da eventual nulidade do despacho nos termos do artigo 615.°, n.°1, c) C.P.C. 222. Em prol do princípio do inquisitório, mas também em prol do princípio que professa a igualdade de armas entre as partes e sendo almejo do impugnante demonstrar a falta de assertividade das conclusões da A.T. também por via das suas testemunhas, -e neste caso, do conhecimento técnico contabilístico-, não deverá esta prerrogativa que assiste o recorrente ser vista como irrelevante, até pelo prejuízo patrimonial que as conclusões da acção inspectiva já causaram. 223. A fundamentação do Tribunal a quo para o indeferimento da prova testemunhal arrolada não será consentânea, desde logo porque não será assertiva salvo melhor opinião, a afirmação que expressa que os artigos indicados, "...respeitam a factos suscetíveis de prova documental ou se traduzem em alegações conclusivas, de direito ou mesmo em factos não controvertidos." 224. Ora não é verdade que assim sejam observados os factos balizados entre os artigos 25.° a 35.°, 49.°; 53.°; 64.° a 74.° da P.I., admitindo-se que alguns possam conter matéria de direito, o que não invalida, porém, que outros que não a têm, não possam ser discutidos. 225. Mesmo um facto que possa estar virtualmente documentado, tal não significa de modo automático, que não existam explicações ou esclarecimentos passíveis de ser dados sobre certa realidade documental, aptos a infirmar presunções decorrentes dessa mesma prova documental. 226. Dizer ainda que o despacho em crise, normativamente alude ao artigo 114.° do CPPT, o que não será conciliável com fundamentação atinente, uma vez que o artigo 114.°, prevê que, "Não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias". 227. O artigo 113.° do CPPT não é elencado como também não foi por exemplo, o artigo 547.° do C.P.C., subjacente à adequação formal, pelo que o impugnante não deverá, salvo melhor opinião, ser prejudicado com o indeferimento da prova testemunhal por si apresentada. 228. Crê-se que o despacho de 30 de abril de 2024 apresenta salvo melhor opinião inconciliabilidade entre fundamentos e decisão, de modo a vedar-se ao impugnante, a auscultação da prova testemunhal por si arrolada. 229.Está em causa uma impugnação judicial onde é discutida liquidação no valor de 84 358, 76€, tendo as testemunhas sido arroladas com a P.I. 230. Nada existe de dilatório no natural exercício de um direito processual que o legislador previu a favor do impugnante, não tendo obviamente aquando dessa previsão, configurado a possibilidade de esse direito passar a ser facilmente excepcionado. 231. Alude a este respeito ao Ac. do TCA Norte, de 30/09/2021, no âmbito do Processo 01423/06.7BEVIS - "No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que significa que o Juiz não só pode, como também deve realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade. Deste modo, tendo sido sugerida a realização de uma diligência, o Juiz só não a deve realizar se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado." 232. Pelo que invoca o ora recorrente a eventual nulidade do despacho que indeferiu a produção da prova testemunhal, apresentada pela impugnante, nos termos do artigo 615.°, n.°1, c) do C.P.C. 233. Observado o interesse do impugnante e observado o cuidado que teve na indicação concreta dos factos sobre os quais as testemunhas versariam, - factos que não incidem apenas sobre questões de direito, - requer-se junto de V. Exas, possa ser concedido provimento à presente apelação quanto a este segmento, determinando a Douta decisão do Tribunal ad quem a baixa dos autos ao Tribunal a quo, tendo em vista a produção de prova ora indeferida, sem prejuízo da restante motivação que ora se traz junto V. Ex.- que poderá ser apta a determinar a revogação da decisão do Tribunal a quo e consequentemente a anulação das liquidações em discussão. Da nulidade da sentença Do facto provado em alínea H) 234. O facto ínsito em alínea H) correspondente á transcrição do RIT- pág.9 a 20 da sentença recorrida 235. Dir-se-á que o mérito a atribuir à posição das partes também se avaliará por aquela que foi a sua bondade na litigância, o seu esforço na demonstração dos factos, a sua legítima convicção de uma razão. 236. Tendo o douto julgador estatuído de modo diverso do propugnado pelo impugnante, exigia-se-lhe, assim se crê respeitosamente, que especificasse os factos, ao invés de sem qualquer distinção ou pronúncia crítica, plasmar grande parte do RIT no facto provado em alínea H) da decisão, dando-o como provado. 237. Foram articuladas pelas partes posições diametralmente opostas, foi produzida prova que claramente contradiz conclusões estruturantes do RIT, e existem passagens do RIT que ou não foram sindicadas quanto à sua veracidade, ou traduzem opiniões e ideias subjectivas, que não podem valer como um facto único. 238. A A.T. nunca teve que demonstrar nada por automaticamente e sem fundamento ter transferido o ónus para o aqui recorrente, mas acaba a ver o seu RIT dado como provado, sem que o Mm° Juiz a quo tenha procedido a especificações, que não está dispensado de especificar, o que muito se estranha e frontalmente se contesta, pois como adiante se demonstrará junto de V. Exas, vários são os exemplos de factos dúbios ou improvados que emanam do RIT. 239. Ora o facto provado em alínea H) diz o seguinte: - "Em 19/01/2022 foi elaborado o relatório de inspeção Tributária (RIT) respeitante á ação mencionada na alínea C) do qual resultaram correções, designadamente, á matéria tributável do IRS do ano de 2020, que foi fixada e, €196 494,78, extraindo-se do respetivo teor o seguinte:" 240. Nesse mesmo facto provado segue-se a transcrição do RIT de pag.9 a 20 da sentença recorrida. 241. O Tribunal a quo ao ter agido como agiu corre flagrante risco de incorrer na parcialidade, pois está a ater-se ao conteúdo integral de 12 páginas, evidentemente repletas de factos e não com apenas um e está a fazer da fundamentação da A.T a sua própria fundamentação, sem que se perceba o "caminho" que o próprio julgador percorreu, para decidir contra o impugnante. 242. 242. O facto provado dado como provado em H) composto por 12 páginas da sentença recorrida, não cumpre os critérios legais, violando assim os direitos do impugnante, que quisesse impugnar o facto da alínea H), ver-se-ia envolto em exigências hercúleas que o legislador não concebeu. 243. O facto provado na alínea H) consubstanciará sempre uma afirmação demasiado escassa e que inviabiliza o entendimento das razões, dos fundamentos e da lógica inerente ao pensamento do julgador para selecionar uns factos em detrimento de outros, ou mesmo para entender no caso concreto, se de facto o julgador a quo, entende que todo o teor daquelas 12 páginas que reproduziu no texto da decisão, são verdadeiras. 244. Crê o ora recorrente que a conduta de transformar sem destrinça e sem critica, um RIT ou parte dele em facto provado, consubstancia o cometimento de uma nulidade, como a prevista no artigo 615.°, n.°1, b) do C.P.C. 245. Nesta senda suscita-se posição vertida em Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do processo 00479/09.5BEPRT, datado de 28/01/2016, Relator Dr. ……………. que expressa a partir do ponto 8 do sumário: "A prática de verter nos factos provados o conteúdo do relatório da inspecção é uma prática censurável que não cumpre dever de selecção da matéria de facto que deve constar na sentença." 246. Acrescenta, "Processualmente é tão errado dar como reproduzidos documentos que constem do processo, como reproduzi-los integralmente sem indicar - discriminar, especificar-, os factos que esses documentos comprovam." 247. Acabando a concluir de forma taxativa, "Se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão ( o que sucede na maioria das vezes), deverá cuidadosamente selecioná-los (e só os factos!) descriminando-os por alíneas ou números, refletindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.° 147°/2; 552°/d CPC e 1083/1 do CPPT). 248. São trechos que contendem absolutamente com a prática levada a cabo no caso concreto, que de forma simplista e indiscriminada averbou como facto provado em alínea H), partes do RIT, que constituem 12 pág. da sentença recorrida, razão pela qual se suscita a nulidade da decisão. Da não existência de outros factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como provados ou não provados 249. Não concorda o ora recorrente que não existam factos alegados relevantes para a decisão, provados ou não provados, desde logo decorrente do facto dado como provado em alínea M). 250. Consta do facto provado em alínea M), que, "Na decisão mencionada na alínea que antecede, não consta menção a delegação de poderes ou subdelegação de poderes no Chefe de Divisão (...)" 251. É um facto que não foi indicada na decisão que indefere a p.i. de reclamação graciosa, se o ato foi praticado no âmbito de delegação ou subdelegação de poderes. 252. Entende o ora recorrente, dever inserir-se na sentença recorrida, em Factos não provados - que, não se provou, que o órgão decisor da p.i. de reclamação graciosa tivesse competência delegada ou subdelegada para a prática do acto decisório da petição de reclamação graciosa. Da motivação da matéria de facto 253. Diz a sentença recorrida que se fundou a motivação da matéria de facto na análise critica de toda a prova produzida nos autos, designadamente documentos juntos aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório, bem como na posição expressa pelas partes. 254. Em nenhuma das alíneas do probatório é feita qualquer referência a documentação apresentada pelo impugnante ora recorrente, designadamente, a que foi apresentada com a petição de reclamação graciosa. 255. Foram apresentados dois documentos importantes, um relativo ao apuramento da matéria Tributável em sede de IRS, após correções ao valor da venda, do preço de custo e do IVA declarado e um segundo documento relativo ao apuramento da matéria tributável, sendo que qualquer deles, carece de esclarecimento do Contabilista Certificado, por forma a perceber o julgador que os dados ali constantes são reais e constam na contabilidade devidamente organizada. 256. A propósito de outro segmento, deixa expresso a sentença recorrida que a atuação da AT é norteada pelo princípio do inquisitório - artigo 58.° da LGT- cabendo-lhe realizar todas as diligências necessárias á descoberta da verdade. 257. Tal decorre da alínea d) do n.°1 do artigo 63.° da LGT, resultando, que, em sede de inspeção, para apurar a situação tributária do contribuinte, deve a AT desenvolver todas as diligências necessárias, nomeadamente solicitando a colaboração de terceiros. 258. Não se crê que tivesse adotado o julgador idêntico comportamento, quanto á análise da documentação junta com a p.i. de reclamação graciosa, ou que tivesse desenvolvido todas as diligências necessárias no sentido de apurar se tinha andando bem a AT no que concerne ao apuramento da situação Tributária do ora recorrente. 259. Se está a AT vinculada ao principio da legalidade tributária e a sua atuação é norteada pelo principio do inquisitório e se deve desenvolver todas as diligência necessárias, nomeadamente solicitando a colaboração de terceiros, então também deve usar do memso comportamento quanto ao impugnante, não se limitando a descartar prova documental que espelha a realidade dos factos e a dispensar prova testemunhal e depoimento de parte sendo que ambos os meios de prova muito contribuíram para uma mais justa decisão, assim se crê. 260. Resulta prejudicado o que diz a sentença recorrida quanto á motivação da matéria de facto se ter fundado na análise critica de toda a prova produzida nos autos, designadamente, documentos juntos aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório, bem como na posição expressa pelas partes. Da motivação de Direito 261. Aprecia em primeiro lugar a sentença recorrida a questão da falta de notificação prévia nos termos do que dispõe o artigo 49.° do RCPITA, 262. Motiva no 4.° paragrafo de folhas 23, que se pretende com a previsão da alínea b) do n.°1 do artigo 50.° do RCPITA, evitar que a notificação antecipada ao sujeito passivo introduza alguma perturbação numa investigação ou inquérito criminal, 263. Concluindo que, "a AT fez o que lhe cabia: verificou o requisito de que depende a dispensa ao abrigo da alínea b) do n.°1 do artigo 50.° do RCPITA, sendo a mesma legitima e fundada, não lhe cabendo os deveres cujo incumprimento o impugnante lhe imputa". 264. Não concorda o ora recorrente com a perspetiva da sentença recorrida, pois se pretendia evitar a IT, que a notificação antecipada ao sujeito passivo introduzisse alguma perturbação na investigação ou no inquérito, tal não foi demonstrado de forma alguma. 265. Nada foi pedido nem apreendido de elementos ou documentos contabilísticos pois tudo estava no gabinete de contabilidade nem tão pouco foi manifestada por parte dos inspetores, nesse dia ou em algum dos dias seguintes, intenção de lá se deslocarem, ficando por demonstrar a urgência em iniciar o procedimento inspetivo e o alegado risco de perturbação do inquérito, que justificou a falta de notificação prévia ao contribuinte. 266. A perspetiva da sentença recorrida de que pudesse ser introduzida alguma perturbação na investigação ou no inquérito é vaga, não se apresenta minimamente fundamentada, como naturalmente se impunha, nem se alcança o que pudesse ser levado a efeito pelo contribuinte que viesse a perturbar a investigação. 267. O procedimento inspetivo inicia-se em 21.05.2021, o contribuinte não tinha ainda efetuado a entrega da declaração de rendimentos do ano de 2020, com o procedimento em curso, a AT procede á emissão de uma declaração de rendimentos oficiosa em 16.12.2021, no valor de € 390 124,92, ou seja, sete meses após ter iniciado o procedimento inspetivo ao mesmo exercício. 268. O resultado após a apresentação de reclamação graciosa que substitui a declaração de rendimentos oficiosa foi o arquivo da dita reclamação, a liquidação oficiosa anulada e, a AT emite em 9.04.2022 a liquidação que resulta das correções levadas a efeito, impugnada nos presentes autos no valor de € 84 358,76 . 269. Fica assim demonstrado, assim se crê, quem pretendeu incomodar ou perturbar o contribuinte, que no decorrer do procedimento inspetivo (sete meses depois) emite uma liquidação oficiosa no valor de € 390 124,92, quando o fim em vista de uma ação inspetiva é justamente apurar a real situação tributária do contribuinte. 270. Houve preterição de formalidade legal em resultado da ausência de notificação da carta aviso nos termos do que dispõe o artigo 49 ° do RCPIT, sendo que no prazo que medeia entre a notificação da carta Aviso e o inicio do procedimento que ocorre com a assinatura de ordem de serviço, a única perturbação que podia causar o inspecionado á investigação, era proceder á entrega da declaração de rendimentos do ano inspecionado e IES. 271. A dispensa de realização de notificação prévia com enquadramento no previsto na alínea b) do n.°1 do artigo 50.° do RCPITA não é aceitável porque nenhum argumento no que concerne á urgência, foi apresentado pela AT e não tem a sentença recorrida de se substituir á IT, motivando a respeito da ausência de notificação antecipada ao sujeito passivo, poder introduzir perturbação na investigação ou no inquérito. Da incompetência do órgão 272. Resulta da sentença recorrida que a decisão que indefere a petição de reclamação graciosa não refere em que qualidade atua o Chefe de Divisão, concluindo a sentença recorrida, que, a falta de menção não acarreta a incompetência do autor do ato para o praticar. 273. Não acarreta a incompetência, contudo, não tendo sido demonstrada, sempre devia ficar a constar em - factos não provados - não se provou que o autor do ato fosse detentor de competência para a sua prática. Da insegurança jurídica/dos procedimentos inspetivos sancionados pelo mesmo Superior Hierárquico 274. O procedimento inspetivo foi conduzido pelo mesmo inspetor tributário que levou a cabo ação inspetiva aos dois exercícios anteriores (2018 e 2019), no qual havia já manifestado entendimento oposto ao do Colega, agente inspetor responsável (da mesma Divisão) pelo procedimento inspetivo externo ao exercício de 2016 (primeiro ano de exercício de atividade do ora recorrente). 275. Suscita-se a respeito da insegurança jurídica, na medida em que entendimentos opostos de colegas da mesma Divisão e equipa, podem causar resultados nefastos na vida do contribuinte, pessoal e profissional, no início da sua atividade profissional, com consequências irreversíveis, para mais quando o Superior Hierárquico tanto sanciona um como outro sem que tivesse ocorrido alguma alteração legislativa. 276. A esse respeito entendeu a sentença recorrida que, “se a AT conclui ter existido um erro no passado, cometido no seio de ação inspetiva, não pode perpetuá-lo, assim obriga o princípio da legalidade previsto nos termos do artigo 55.° da LGT". 277. Não concorda o ora recorrente ademais porque não há legislação que obrigue a que agente inspetor responsável por determinado procedimento, tenha de ser o mesmo nos procedimentos seguintes determinados ao mesmo contribuinte. 278. Tanto assim, que o agente responsável pela ação inspetiva ao exercício de 2016 foi um (que entendeu apresentar-se a contabilidade correta entendimento sancionado pelo Superior hierárquico. 279. No procedimento seguinte, foi designado agente diferente, que, expressamente entendeu que o Colega anterior tinha feito tudo errado, entendimento que manteve nas ações anteriores e nas presentes aos exercícios de 2020 e 2021 que a sentença recorrida, corroborou. 280. A AT está vinculada ao princípio da legalidade tributária, não podendo á custa de tal princípio, uma vez que admite ter havido erro cometido no seio da ação inspetiva ao ano de 2016, ignorar outros princípios a que também está vinculada, causando uma situação (prejuízo) irreparável na vida do ora recorrente a todos os níveis irreversível. 281. Depois de um Agente Inspector ter concluído um procedimento inspetivo externo ao exercício de 2016 (1.° ano de actividade do ora recorrente) sem correções, é determinado novo procedimento inspetivo externo aos exercícios de 2018 e 2019, sem que este ultimo exercício, de 2019, estivesse encerrado, não suficiente é determinado novo procedimento inspetivo externo aos exercícios de 2020 e 2021, também, sem que este último, de 2021, estivesse encerrado. 282. As correcções levadas a efeito ao exercício de 2018 e 2019, cujas impugnações de momento não estão decididas tiveram consequências irreversíveis na vida pessoal e profissional (apenas com dois anos de atividade) do ora recorrente, face aos montantes absurdos corrigidos. 283. Sem tempo para recuperar do folego, é determinado novo procedimento inspectivo aos exercícios de 2020 e 2021, credenciando-se o mesmo inspetor tributário. 284. Naturalmente que tendo o impugnante suscitado posições antagónicas de cada um dos inspectores nas impugnações de 2018 e 2019, relativamente aquele que tinha sido o entendimento do agente que inspecionou 2016, sancionado pelo mesmo Superior Hierárquico, entende o ora recorrente ter sido um erro credenciar o mesmo inspector para as ações inspetivas aos exercícios de 2020 e 2021. 285. O Superior Hierárquico sabia que tinha sancionado o RIT da ação inspetiva ao exercício de 2016, vindo depois a sancionar o RIT da ação inspetiva aos exercícios de 2018 e 2019, onde as conclusões são completamente opostas e posteriormente, ainda as de 2020 e 2021. 286. O resultado de 2018 e 2019 criou uma situação irreversível á vida do ora recorrente, o de 2020 e 2021 não tem classificação, pois não existem vendedores de automóveis em Portugal que apurem nas suas contabilidades nos mesmos exercícios, tributo a pagar, na ordem de um milhão de euros, justamente o valor que a inspeção corrigiu ao ora recorrente. 287. Não suficiente, emite ainda a inspeção tributária uma liquidação oficiosa para o IRC de 2020, no valor de € 390 124,91 cujo tributo apurado teve na base a correção levada a efeito no ano anterior, ainda não decidida pelo Tribunal, sendo que em momento anterior, corria um procedimento inspectivo iniciado, a 21 de Maio de 2021, destinado a apurar a real situação tributária do inspecionado. 288.A liquidação emitida em resultado das correções levadas a efeito pelo Inspetor Tributário ao exercício de 2020 apresenta o valor da liquidação impugnada (€ 84 358,76) não se alcançando o que leva a emitir uma liquidação oficiosa, sete meses após ter iniciado o procedimento inspetivo externo ao mesmo exercício (2020) 289. Decorrente da declaração de rendimentos apresentada para o mesmo exercício, apurou a contabilidade prejuízo fiscal, sendo que para além de todos os elementos estarem na posse da AT, pois foi entregue a declaração de rendimentos e IES, todos os esclarecimentos que o Tribunal entenda por convenientes estão ao alcance do Contabilista Certificado. 290.A informação prestada pela AT, em Janeiro de 2019, no âmbito do procedimento de inspeção externo ao exercício de 2016 e sancionada por despacho do senhor Diretor de Finanças de Santarém no relatório final de inspeção tributária constituiu a segurança jurídica necessária para que o ora recorrente mantivesse o comércio de viaturas usadas adquiridas a revendedores comunitários, mantivesse os fornecedores, mantivesse as condições de compra e a liquidação do IVA pelo regime da margem, sempre que os requisitos das faturas de aquisição fossem idênticos aos das faturas de 2016. 291. Perante isto não apresentava razões o inspecionado ou mesmo experiência, para recorrer ao mecanismo do artigo 64.° do RCPITA de modo a que a AT conferisse eficácia vinculativa ao relatório de inspeção tributária de 2016? 292. Não ter recorrido a esse mecanismo equivale a inexperiência, equivale justamente, a acreditar numa entidade superior que tendo observado o seu trabalho, a sua atividade pela primeira vez, lhe transmitiu confiança, nada tendo por isso a temer, muito menos fazer coisa diferente da que havia sido entendida como correta, ou seja, esteve de boa fé para com a AT. 293. A ter recorrido ao mecanismo previsto no artigo 64.° do RCPITA de modo a conferir eficácia vinculativa ao relatório de inspeção, equivaleria a conhecer do alegado erro cometido pelo agente responsável pelo procedimento de 2016. 294. Crê o ora recorrente, de tudo o que que motiva, que, não podia e não devia o orgão com competência, credenciar o mesmo funcionário, que discorda da perspetiva do colega que concretizou o procedimento inspetivo externo ao exercício de 2016, sob pena de se entender que o fez tendenciosamente, pois de outra forma, credenciaria o inspetor tributário que havia sido responsável pelo procedimento inspetivo externo ao exercício de 2016. 295. As razões que levaram a diferentes perspetivas de opinião de dois agentes da mesma divisão, cujo superior hierárquico é o mesmo, estão a ser discutidas, não estão decididas, muito menos transitadas. 296. Se não há norma jurídica para requerer a nomeação de outro agente inspector, também não há para nomear o mesmo agente inspetor, pois bem sabemos que, decorrente de diversas situações são muitas vezes substituídos os agentes responsáveis pelo procedimento, apenas por despacho do orgão que atribuíra a credenciação. 297. O que se impunha, desde logo por uma questão de demonstrar que o Estado é uma pessoa de bem que não frustra de modo infundado as expetativas legitimas dos cidadãos, dando assim cumprimento ao principio de igualdade das partes, seria, a credenciação de novo inspetor tributário, de forma a aferir de uma terceira perspetiva. 298. Desde logo porque, ambos os relatórios foram sancionados pelo mesmo superior hierárquico, o que mal se compreende, pois ambos os procedimentos têm poucos meses de diferença um do outro acrescendo que não se verificou qualquer alteração à lei que sustente as divergentes perspetivas dos inspetores que sem se perceber como, merecem despacho de concordância do mesmo superior hierárquico. 299. Não foi em momento algum esclarecido o facto de em dois momentos ter sido iniciado procedimento inspectivo a dois exercícios que não se mostravam encerrados (2019 e 2021). Não só foi omitida pronuncia pela AT como pela sentença recorrida, o que, constitui, situação bastante singular. Da perspetiva da sentença recorrida quanto ás correcções levadas a efeito pela IT 300. Diz a sentença recorrida que a atuação da AT é norteada pelo princípio do inquisitório cabendo-lhe realizar todas as diligências necessárias á descoberta da verdade e nesse sentido entendeu por bem recolher informação junto de adquirentes das viaturas. 301. Não pode concordar o ora recorrente, desde logo porque, ainda que fora de prazo, foi apresentada a declaração de rendimentos do exercício inspecionado e IES. 302. Apura a contabilidade prejuízo fiscal em contraposição com a liquidação impugnada cuja legalidade se discute, proveniente do procedimento inspetivo que entende o ora recorrente padecer igualmente de ilegalidade. 303. Não ficou a valer na ordem jurídica o valor da liquidação oficiosa, no valor de € 390 124,91, tributo este apurado em resultado da liquidação anterior, também esta em resultado das correcções levadas a efeito pela IT, que ainda se discutem e, portanto, até ao transito em julgado não se podem consideram definitivas, sendo certo que, para além do expendido, se decorria um procedimento inspetivo destinado a apurar a real situação tributária do contribuinte, sobrepunha-se o mesmo á emissão de uma liquidação oficiosa, para mais consubstanciada num procedimento inspetivo cuja ilegalidade ainda se discute 304. A contabilidade do ora recorrente é uma contabilidade organizada e pese embora estivesse o contribuinte em falta (que já não está) com a apresentação da declaração de rendimentos do exercício inspecionado (2020), não seria pela falta de apresentação da declaração de rendimentos, punida com coima, que a contabilidade deixa de oferecer credibilidade. 305. Se de facto não fosse possível apurar a matéria tributável pela via directa (porque a contabilidade não oferecia credibilidade e/ou apresentava irregularidades) tinha ao seu alcance a IT a possibilidade de recurso a métodos indiretos, mecanismo que não utilizou em nenhum dos procedimentos e embora se discuta no presente a legalidade dos métodos que adotou e perspetiva quanto ás correcções que concretizou, o certo é que apura a inspeção um tributo de € 84 358,76, ou seja, sensivelmente inferior a cinco vezes o valor da liquidação oficiosa emitida, reiteramos, no decorrer de um procedimento inspectivo externo destinado a apurar a real situação tributária do ora recorrente. 306. Diz ainda a sentença recorrida que o impugnante alega que o RIT não esclarece como foi apurado o IVA, que não sendo pela margem, mas acrescido ao valor indicado no dito questionário, não levou em consideração que por imposição legal, o preço do veículo anunciado para venda tem IVA incluído, o que corresponde inteiramente á verdade. 307. O impugnante ora recorrente juntou prova documental conforme refere a sentença recorrida sendo que seis dos veículos foram adquiridos pelos valores expressos na coluna 2 do quadro e dois foram colocados no stand para venda em consignação com preços de venda fixados nos valores constantes da coluna 4 do mesmo quadro. 308. Corroborando da perspetiva do RIT, refere a sentença recorrida, quanto ás oito viaturas, que o impugnante não detinha nem apresentou documentos comprovativos dos custos, desconsidera em absoluto a prova documental que atesta no artigo anterior que foi junta pelo impugnante, concluindo que andou bem a AT em atribuir custo zero. 309. Não se conforma o ora recorrente com tal perspetiva, ademais, porque, considerando a motivação apresentada em sede de petição inicial, quadros com cálculos absolutamente correctos, resulta claro que a sentença recorrida tão pouco se debruçou sobre os mesmos para uma correta análise o que equivale a falta de fundamentação e, ainda que tenha deixado expresso que se norteia a AT pelo principio do inquisitório, cabendo-lhe realizar todas as diligências necessárias á descoberta da verdade - não foi isso que aconteceu, pois tão pouco ouviu as testemunhas arroladas, o depoimento de parte, desconsiderou a prova documental apresentada pelo impugnante, ou seja, sem mais, corroborou na integra a posição vertida no RIT, dando-a como provada, em suma, não teve dúvidas mas uma férrea convicção, a que deixou vertida na sentença recorrida. 310. Quanto às aquisições feitas em Portugal, a particulares, resultam as correções sustentadas em respostas de particulares, a quem o agente inspetor enviou questionários para preencherem e posteriormente, devolverem ao Serviço de Inspeção Tributária. 311. Naturalmente que cada um pode responder o que entender, podendo inclusive haver razões para influenciar um determinado tipo de resposta, ou porque a viatura não correspondeu às expectativas, ou porque avariou, ou porque encontrou posteriormente ao negócio viatura idêntica mais barata, ou porque simplesmente não simpatiza com a pessoa. 312. As conclusões retiradas no âmbito de um procedimento inspectivo não podem de forma alguma resultar de questionários feitos a terceiros, para mais quando esses terceiros são particulares, sem qualquer atividade que obrigue a comprar ou vender com fatura, não dispondo por isso a AT de elementos que lhe permitam apurar a veracidade das respostas obtidas através dos ditos questionários, cujo encargo de prova sobre si impendia. 313. Outra questão não esclarecida, desde logo no projeto e depois no RIT, designadamente, a forma como apura o agente responsável pelo procedimento, o tributo (IVA), que não sendo pela margem, mas acrescido ao valor indicado no questionário, não levou em consideração, que por imposição legal o preço do veículo é anunciado (IVA incluído). Vejamos então 314. Em sede de IRS procede a IT á seguinte correção:
315. Em sede de IVA, para efeitos de contextualização, para melhor compreensão, não porque aqui se discuta qualquer liquidação de IVA:
316. A organização contabilística e fiscal está descrita no ponto II.33 do RIT e nele se refere que "O contribuinte dispõe de contabilidade informatizada e organizada, nos termos dos artigos 17°, 123° e 125°, todos do CIRC, por remissão da alínea b) do n° 1 e do n° 3 do artigo 28° do CIRS e artigo 44° do CIVA. (...) Do trabalho realizado, foi constatado que a execução da contabilidade era efectivamente realizada pelo contabilista Certificado Paulo ……………………, NIF …………….. que interagiu com o técnico da Autoridade Tributária e Aduaneira no decurso de todo o procedimento inspectivo." 317. Assim, no que respeita às operações contabilísticas verifica-se que a contabilidade está organizada de maneira a apurar a margem de lucro de cada viatura e o IVA pela margem, sendo que, na data da venda da viatura é elaborado um documento interno onde são apurados os dados e valores a registar nas respectivas subcontas: • Data e valor da compra PC a registar na subconta 7114; 318. Em sede de petição inicial, referiu-se a título de exemplo a Fatura FA2020/1, de 2020.01.08, no valor de 24.900,00€ referente à venda do veículo de matrícula ………………. ao cliente X. Este veículo foi adquirido por 19.119,00€ (PC). O IVA foi apurado pelo Regime de Tributação pela Margem. · Por força do disposto no art° 6° do DL 199/96, de 18/10 esta operação deu origem aos seguintes cálculos e registos contabilísticos: 319. No que concerne ás correções ao IVA declarado e à Matéria Tributável em IRS a) Correções ao IVA declarado - Para cada veículo transacionado, a Administração Tributária corrigiu o IVA declarado, pois este, como refere o RIT, indevidamente, teve por base a margem de lucro. b) Correções à Matéria Tributável em IRS efetuada pela AT no RIT Como se verifica pelos cálculos expressos no anexo 118 do RIT, e sintetizados no quadro seguinte, a IT apura a "Matéria Tributável IRS" por diferença entre as correções que fez ao "Rendimento declarado" e as correções que fez ao "CMVMC Contabilizado".
320. Análise dos cálculos e fundamentos que serviram de base às correções efetuadas pela AT à "Matéria Tributável IRS" no valor de 209.231,32€ Conforme resulta do RIT, a IT analisou, veículo a veículo, os registos contabilísticos e documentos inerentes à determinação e correção do CMVMC e da "Matéria Tributável em IRS". Corrigiu, nomeadamente, 21,06€ de imposto circulação e 22,58€ de juros de mora. 321. No entanto, no "Mapa de correções nas vendas" (Anexo 118 ao RIT), figuram oito veículos, identificados no quadro seguinte, para os quais a IT não apurou, nem estimou qualquer valor para o CMVMC destes veículos, isto é, para estes veículos, o CMVMC é de zero euros. «Quadro no original»
322. Não é normal no comércio de viaturas usadas as retomas não serem valorizadas, nem a Administração Tributária aceitou tal hipótese nas correções que efetuou aos valores contabilizados referentes aos outros veículos. Daí as correções efetuadas aos valores declarados. 323. Seria normal para estas situações, consideradas pela IT anómalas, consultar o mercado e estimar o "valor comercial" de tais viaturas. Mas, não o fez. Por esse facto, o "Lucro Tributável em IRS" apurado no RIT que serviu de base à liquidação de IRS supra identificada não é o lucro real (o apuro real resultou em prejuízo fiscal) devendo por isso ser a liquidação de IRS impugnada anulada (sublinhado nosso). 324. De acordo com os documentos comprovativos juntos em sede administrativa, seis destes veículos foram adquiridos pelos valores expressos na coluna 2 do quadro seguinte e dois veículos foram colocados no stand para venda à consignação com os preços de venda fixados nos valores constantes da coluna 4 do mesmo quadro: «Quadro no original»
325. Com base nos valores expressos nos documentos juntos em sede administrativa e nos elementos apurados pela AT no RIT elabora a ora recorrente o quadro seguinte onde ficam expressos os valores apurados pela AT e o "CMVMC Reclamado" para estes veículos:
326. Tendo por base os fundamentos invocados anteriormente, elabora a ora recorrente um mapa de apuramento da "Matéria Tributável em IRS" de 2020, que se anexou à p.i. de reclamação graciosa e dela ficou a fazer parte integrante onde se apura a "Matéria Tributável IRS" por diferença entre as correções efetuadas pela AT aos "Rendimentos declarados" e as correções a "CMVMC Reclamado", isto é, CMVMC corrigido dos 64.565,00 referente ao valor de aquisição dos veículos supra identificados. 327. Quanto a correção à "Matéria Tributável em IRS" no montante de 122.419,86€ descrita no ponto "MI.4.3.2 do RIT - Correções com base em transmissão de inventários realizada", motiva o ora recorrente em sede de p. i. de impugnação, a respeito de um fundamento legal confuso, recorrendo a duas normas legais distintas: o disposto no artigo 28° do CIRC e o disposto no artigo 63° do mesmo diploma. 328. Refere o RIT no ponto "MI.4.3.2 - Correções com base em transmissões de inventários". Como se verifica pelo descrito na segunda parte do ponto "III.4.3.2" a IT, á luz do disposto no artigo 63° do CIRC, refere a transmissão de bens efetuada pelo Contribuinte com uma redução a metade do custo de compra das viaturas, do Imposto Sobre Veículos (ISV) com inclusão dos juros compensatórios e outras despesas tidas com as viaturas e conclui que ao praticar estes preços de venda o Contribuinte está a distorcer o mercado e eventualmente a alterar os efeitos ou impactos fiscais que resultariam em ambos os operadores económicos. 329. Procede a IT á "Correção à matéria tributável" do Contribuinte no valor de 122.419,86€. 330. A IT transcreveu no RIT muito do disposto no artigo 63° do CIRC, mas, ignorou o n° 13 do mesmo normativo, apesar de ter aplicação no caso em análise. 331. Com efeito, estabelece o n° 13 do artigo 63° do CIRC o seguinte; "Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira proceda às correções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo de IRC ou do IRS, na determinação do lucro tributável ou do rendimento tributável deste último, devem ser efetuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo daquelas correções.” 332. Ora, como se verifica do RIT, a IT não refere o n° 13 do artigo 63° do CIRC no ponto "III.4.3.2 do RIT", sendo que o mesmo tinha aplicação no caso em análise, pois estabelece que na determinação do lucro tributável da Sociedade devem ser efetuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correções efetuadas no Contribuinte A............. dos Santos da Cruz. 333. Acabando a sentença recorrida a dizer, que estando em causa nos presentes autos liquidação de IRS emitida em nome do impugnante e não obstante ter na sua base correções ao abrigo do artigo 63.° do CIRC, cujos pressupostos não foram foram colocados em causa (não corresponde á verdade, toda a impugnação coloca em causa os pressupostos que levam ás correções perpetradas pela IT), 334. Deixa expresso, que não se vê como poderá o Tribunal pronunciar-se sobre o alegado uma vez que não está em causa liquidação emitida á sociedade e nesse sentido não pode tomar posição quanto ao que deve ser ajustado ao abrigo do n.°13 do artigo 63.° do CIRC. 335. Crê o ora recorrente que a sentença recorrida entendeu bem o que pretendeu o impugnante motivar com a referência ao n.° 13 do artigo 63.° da do CIRC. 336. Naturalmente que não seria o Tribunal a pronunciar-se sobre qualquer questão relacionada com sociedade, desde logo porque os presentes autos não versam sobre qualquer correção ou liquidação efetuada á sociedade, 337. Mas, mormente, perceber o Tribunal a forma feroz como se tem vindo a atacar o ora recorrente, desde 2018, que não sendo suficiente o prejuízo irreparável e irreversível causado á sua vida pessoal e profissional, ainda corrige a IT a matéria tributável em 122 419,86 €, ignorando o n.°13 da norma. 338. Não pretendeu a IT executar um bom trabalho mas, sobretudo, causar uma situação no contribuinte de constrangimento pessoal e financeiro, ao ponto da sentença recorrida corroborar da mesma perspetiva, ao ponto, inclusive, de dispensar a prova testemunhal, o depoimento de parte e desvalorizar toda a prova produzida e emitir uma liquidação oficiosa no valor de € 390 124,91 quando decorria procedimento inspetivo externo com vista ao apuramento da real situação tributária do ora recorrente. 339. Não andou bem a sentença recorrida ao decidir como decidiu, deixando expresso que a AT está vinculada ao princípio do inquisitório, cabendo-lhe realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes e in casu, impedir o recorrente do direito que lhe assiste ao uso de qualquer meio de prova, testemunhal ou documental, deixando expresso a mesma sentença recorrida: 340. Que, "(...) os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, para além de princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado" 341. Quanto á falta de segurança jurídica, diz a sentença recorrida: "Num estado de Direito como é o estado português, é imperativo que o estado se comporte como pessoa de bem e que não frustre de modo infundado as expetativas legitimas dos cidadãos, menos ainda as expectativas que assentem na propria lei". 342. Perante o que transcreve a sentença recorrida seja a respeito da segurança jurídica seja a respeito de comportar o Estado como pessoa de bem não se alcança o sentido do que diz a sentença recorrida - pág. 26 " a AT conclui ter existido um erro no passado, cometido no seio de ação inspetiva, não pode é perpétuá-lo (...)" Termos em que nos melhores de Direito se requer a V. Ex. seja o presente recurso admitido por estar em tempo, concedendo a Douta decisão do Tribunal ad quem provimento ao mesmo por provado, revogando assim a sentença produzida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra, determinando a anulação da liquidação impugnada, face a toda a motivação aduzida.» *** III. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: « A) O Impugnante foi alvo de ações inspetivas aos anos de 2016, 2018 e 2019 - facto não controvertido. B) Em 2020, o Impugnante encontrava-se enquadrado no regime de contabilidade organizada, para efeitos de IRS e exercia, como atividade principal o comércio de veículos automóveis ligeiros, e, como atividades secundárias, o comércio de outros veículos automóveis, de artigos em segunda mão, serviços de financiamento, seguros e fundos de pensões - cf. fls. 8 do RIT, constante de fls. 56 e ss. do documento com a ref. n.° 5660006 nos autos. C) Ao abrigo da ordem de serviço n.°OI202100404, emitida em 10/05/2021, o Impugnante foi alvo de ação inspetiva externa de âmbito parcial, incidente sobre o IRS do ano 2020 - cf. fls. 10 do documento com a ref. n.° 5659906 nos autos. D) Foram designados os inspetores M ……………… e P ……………… para levar a cabo a ação inspetiva mencionada na alínea que antecede - cf. fls. 10 do documento com a ref. n.° 5659906 nos autos. E) Em 14/05/2021, foi, pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Santarém, proferido despacho de concordância com informação prestada pelo inspetor Paulo Silva, relativa à dispensa de notificação prévia à ação inspetiva mencionada em C), extraindo-se da mesma o seguinte: - cf. fls. 19 do documento com a ref. n.° 5659906 nos autos. F) Com a ordem de serviço mencionada em C), foi junta “Carta-Aviso," contendo no seu teor o âmbito e extensão da inspeção, e um “Folheto informativo”, com o objetivo de dar a conhecer ao Impugnante os seus direitos e obrigações perante a ação inspetiva - cf. fls. 14 e 15 do documento com a ref. n.° 5659906 nos autos. G) O Impugnante recusou assinar a ordem de serviço mencionada em B), tendo sido, quando a mesma foi apresentada, elaborado manuscrito com a data 21/05/2021, com assinaturas nas quais se lê "P …………………", "M …………….." e "P ……………….", no qual se pode ler o seguinte: H) Em 19/01/2022, foi elaborado o relatório de inspeção tributária ("RIT") respeitante à ação mencionada na alínea C), do qual resultaram correções, designadamente, à matéria tributável do IRS do ano 2020, que foi fixada em €196.494,78, extraindo-se do respetivo teor o seguinte: II. 3.4 Obrigações fiscais declarativas 111.1. Diligências realizadas 111.1.4. Esclarecimentos solicitados ao contribuinte Da consulta e análise realizada à documentação disponibilizada e das informações extraídas das bases de dados ao dispor da AT bem como de todos os restantes elementos e informações paralelamente recolhidas, suscitaram-se operações comerciais realizadas pelo contribuinte que, carecendo de melhor enquadramento, motivaram a notificação realizada através do oficio 1639 remetido por correio registado com AR em 2021/07/23m documento onde se solicitaram esclarecimentos e envio de elementos justificativos sobre: 111.1.5. Informações solicitadas a terceiros III.2. Análise da contabilidade 111.2.1.1. Apuramento do CMVMC Através da consulta dos documentos contabilísticos do contribuinte que foram disponibilizados, verifica-se que foi ali realizada uma contabilização separada em contas de vendas, com evidências de valores que permitem perceber uma distinção dos montantes a considerar como custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC) como melhor se pode verificar no seguinte quadro: «Quadro no original»
Já a subconta 7114 - venda viaturas em 2.- mão (valor da compra), verificou-se que peio contribuinte era utilizada para contabilizar o valor de rendimentos faturados que correspondia aos efetivos valores de compra, ou seja, os montantes aqui considerados correspondiam aos CMVMC. Esta prática era adotada pelo Contribuinte com o intuito de diferenciar o valor de compra da margem de lucro obtida em cada negócio, procedimento que lhe permitiria diferenciar a base tributável para aplicação do regime especial de IVA da margem de lucro. De acordo com o previsto no Regime Especial de Tributação dos dos Bens em Segunda Mão (RETBSM), aprovado pelo DL 199/96, de 18/10, além de outros requisitos, existe a obrigação de escrituração em registo especial, designadamente de modo a evidenciar os elementos que permitam concluir a verificação das condições previstas no artigo 3.°, dos elementos determinantes do valor tributável referidos no artigo 4.° e respeitar uma constituição de registos exigido pelo artigo 6.° deste regime especial de tributação. Esta mesma constatação se retira da contabilização realizada nas restantes viaturas vendidas, em que o Contribuinte distribui o montante dos rendimentos em subcontas diferentes, registando em subconta 7114 os montantes suportados pela aquisição de cada viatura, e em subconta 7117 a importância considerada como lucro obtido individualmente em cada venda faturada. Resulta assim que o valor constante do saldo da subconta 7114 de 700.681,73 € corresponde integralmente a CMVMC, interpretação inclusivamente retirada da designação atribuída a esta rubrica contabilística "Venda viaturas em 2.ª mão (VALOR DA COMPRA), situação que se considera inclusivamente provada, verificação que pode ser consultada nas demonstrações individuais apresentadas aquando da abordagem das faturas emitidas pelo Contribuinte, que individualmente serão posteriormente apreciadas para eventuais efeitos de proposta de correção e constituindo tópico próprio neste relatório. Complementarmente, o Contribuinte regista em subconta 7117 - Valor acrescentado venda viatura 2.- mão, os montantes por si efetivamente considerados como a diferença entre o montante de venda (com exclusão do IVA declarado) e o CMVMC, sempre atendendo individualmente a cada venda contabilizada e pelos valores que o próprio reconhece. Perante estes factos, que são sustentados em valores demonstrados e até reconhecidos pelo contribuinte, emergem os montantes que efetivamente permitem determinar os Custos da Matérias Vendidas e das Matérias Consumidas que não foram, pela contabilidade do Contribuinte, apresentados, mas que, conforme aqui demonstrado e devidamente justificado, se consideram para efeitos tributários, e em particular no âmbito do presente procedimento inspetivo relativo ao ano de 2020, do contribuinte A …………………. e ao abrigo da 01202100404, serão os seguintes: Atendendo ao facto de o Contribuinte não ter, no desenrolar da presente ação, apresentado relações dos seus inventários nem respondido ao pedido de esclarecimentos que lhe foi oportunamente endereçado, foram levados em consideração documentos anteriormente por aquele facultados à AT, ainda que no âmbito de outros procedimentos inspetivos, designadamente relação dos inventários do contribuinte em 2019/12/31 (ANEXO 10), e-mail remetido com esclarecimentos prestado pelo contribuinte em 2020/05/15 (anexo 11), em que são admitidas vendas realizadas já em 2020. 111.4.2. Critérios aplicados nas correções fiscais propostas 111.4.2.2. Direito à utilização do regime especial de IVA da margem Decorreu da documentação consultada que A............. ………………., no âmbito do seu normal exercício da atividade de venda de veículos automóveis, procedia à aquisição de viaturas usadas em outros estados membros da União Europeia para posterior revenda no mercado nacional. Verificou-se que, com data de 2020.09.26, pelo Contribuinte A............. ……………., foi emitida também a fatura N.° FR 2020/65, documento em que, ao abrigo do n.° 4 do artigo 3.° do CIVA, transmite para a Sociedade M ……………….. - UNIPESSOAL LDA. um total de dezanove viaturas existentes no seu inventário. Sobre esta sociedade, na base de dados da AT encontram-se os seguintes registos: Verifica-se que, na contabilidade do Contribuinte, o registo desta transmissão efetuada através do documento interno 9002, envolveu o reconhecimento de rendimentos no valor de € 122.419,86 € em conta 71.12: VENDA VIATURAS ISENTAS ABRIGO N.°4 ART° 3.° CIVA, não sendo efetuada liquidação de IVA. Por outro lado, pela análise dos valores faturados e contabilizados, e examinando o mapa anexo com identificação das viaturas transmitidas que foi apresentado pelo Contribuinte, constata-se que a transmissão do Contribuinte para a Sociedade Unipessoal de que o mesmo é sócio-gerente, é realizada por metade do preço de compra de cada viatura e por metade dos gastos já contabilizados e transmitidos. Com base neste fator, foi o SP notificado através do ofício n.°1.639 datado de 2021.07.23, (AR assinado em 5 8. anexo 6), para esclarecer, apresentando justificativo para a transmissão de bens do inventário para a Sociedade M ………………. - Unipessoal Lda, NIPC ……………., realizada com a emissão da fatura FR 2020/65, datada de 2020.09.26, e em particular ser atendido aos valores individual e globalmente considerados, sendo que, havendo razões para imparidade, deveria ser remetida a documentação relevante constante de dossier fiscal. Apesar da realização desta notificação formal, pelo Contribuinte não foi apresentada qualquer justificação para a alegada desvalorização das viaturas transmitidas, não sendo assim exibida qualquer prova para as alegadas perdas obtidas ou expostos os fundamentos para realização das transmissões abaixo do preço compra, a qual comportava uma consideração individualmente em todas as viaturas exatamente de metade do preço de aquisição, tal como apenas metade das outras despesas suportadas com cada uma das viaturas, em que se incluíam, o Imposto Sobre Veículos (ISV) com os respetivos juros compensatórios, de transporte, de atribuição de matrícula nacional e de homologação. Perante esta ausência de reposta por parte do Contribuinte, conclui-se pela inexistência de motivos para a contabilização de imparidades ocorridas nos inventários de A……………….., sendo que as provas, a existirem, teriam de constar em dossier fiscal do operador económico, o que não foi demonstrado. Ainda mais será de difícil demonstração de como ocorreram desvalorizações ou imparidade em gastos suportados com o Imposto Sobre Veículos (ISV) e respetivos juros compensatórios, pelo transporte ou pela atribuição de matrícula nacional e de homologação das viaturas. (…) Assim, o Contribuinte ao realizar uma transmissão de bens com uma redução a metade custo de compra das viaturas, do Imposto Sobre Veículos com inclusão dos respetivos juros despesas tidas com as viaturas tais como transporte, homologação, atribuição matrícula nacional, etc, está a distorcer o mercado e eventualmente a alterar os efeitos ou impactos fiscais que resultariam em ambos os operadores económicos. I) Em 24/01/2022, foi, pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Santarém, proferido despacho em concordância com o parecer do Chefe de Equipa dos Serviços de Inspeção Tributária, confirmando as correções propostas - cf. fls. 58 do documento com a ref. n.° 5660006. J) Em 09/04/2022, na sequência das correções efetuadas, foi emitida em nome do Impugnante a liquidação de IRS n.° …………….789 e respetivos juros compensatórios (€ 1.525,04), referente ao ano de 2020, no montante global de € 84.358,76, com termo do prazo para pagamento voluntário a 09/06/2022 - cf. documento a fls. 98 do documento com a ref. n.° 5660128 nos autos. K) O Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea que antecede - cf. documento com ref. n.° 5615162 nos autos. L) Em 16/11/2022, foi, pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Santarém, proferido despacho de indeferimento da reclamação mencionada na alínea que antecede - cf. fls. 1 do documento com a ref. n.° 5615162 nos autos. M) Na decisão mencionada na alínea que antecede, não consta menção a delegação de poderes ou subdelegação de poderes no Chefe de Divisão - cf. fls. 1 do documento com a ref. n.° 5615162 nos autos. * Não existem outros factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como provados ou não provados.* MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTOA decisão da matéria de facto fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos juntos aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório, bem como na posição expressa pelas partes, tendo sido considerados os factos relevantes para a decisão dentro das várias soluções plausíveis das questões de direito [nos termos conjugados do n.° 2 do artigo 123.° do CPPT e dos n.°s 4 e 5 do artigo 607.° do CPC, este último preceito aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT].» B.DE DIREITO Antes de mais e relativamente à douta promoção da Exma. Senhora PGA no sentido da rejeição do recurso, importa dizer o seguinte. É facto que o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) e que essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que ao tribunal superior cumpre solucionar. E que não devem valer como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas. No caso, o recorrente não reduziu a complexidade e prolixidade das conclusões no seguimento de convite para o efeito, limitou-se a reduzir em cerca de 20 o número das conclusões. Em bom rigor, o recorrente não cumpriu o ónus que lhe é imposto no art.º 639.º, n.º 1 do CPC (apresentar conclusões sintéticas), no entanto, dado que as conclusões não resultam ininteligíveis (apreende-se delas o objecto do recurso) e relevando o esforço empreendido pelo recorrente na sua condensação, conheceremos do recurso. * Passando ao conhecimento da impugnação da decisão do tribunal recorrido de dispensar a produção da prova testemunhal e depoimento e parte requeridos, para sustentar a sua decisão a Mmª juiz a quo refere que, perscrutados os artigos da P.I. a que foram indicados os depoimentos se apura que os mesmos ou respeitam a factos susceptíveis de prova documental (como sucede com os artigos 25.º, 26.º, 29.º a 33.º, 49.º e 71.º, todos da P.I.), ou se traduzem em alegações conclusivas, de direito ou mesmo factos não controvertidos (como sucede com os artigos 27.º, 28.º, 34.º, 35.º, 64.º a 70.º, e 72.º a 74.º, todos da P.I.).E compulsada a douta P.I., haverá que dar razão ao Tribunal recorrido. Ora vejamos, a título exemplificativo, remetendo-se quanto ao restante para o articulado em questão: “ 25. Em Janeiro de 2019, o ora impugnante foi objecto de um procedimento de inspeção externo ao exercício de 2016 (iniciara a atividade em Novembro de 2015), em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). 26. Pelo ofício nº 348, de 01 - 02 - 2019, da DF de Santarém foi o ora impugnante notificado do Projeto de relatório de inspeção tributária onde, nos pontos II.3.7 e III se descreve, em síntese, o seguinte: (segue transcrição do relatório). 27. Conforme resulta demonstrado, a AT após a análise e controlo que efectuou aos elementos contabilísticos e documentais descritos no parágrafo anterior, não mencionou qualquer irregularidade no apuramento do IVA pelo regime especial de tributação dos bens em segunda mão, donde se conclui, que o ora impugnante estava a proceder e a interpretar correctamente as regras de liquidação do IVA relativamente às viaturas adquiridas em países comunitários 29. Em Fevereiro de 2020, por determinação das ordens de Serviço n.º OI202000052 e n.º OI202000053 foi iniciado, o procedimento de inspecção externa, de âmbito parcial, aos exercícios de 2018 e 2019. 49. No que concerne às aquisições feitas pelo inspecionado em Portugal, a particulares, procede o agente inspetor responsável pelo procedimento à correção, tendo por base respostas, desses particulares, a quem enviou questionários para preencherem e, posteriormente, devolverem ao Serviço de Inspeção Tributária. 64. Da “Organização contabilística e fiscal” A organização contabilística e fiscal está descrita no ponto II.33 do RIT e nele se refere o seguinte: (segue transcrição) 72. A correção à “Matéria Tributável em IRS” no montante de 122.419,86€ descrita no ponto “III.4.3.2 – Correções com base em transmissão de inventários realizada” apresenta um fundamento legal confuso, recorrendo a duas normas legais distintas: o disposto no artigo 28º do CIRC e o disposto no artigo 63º do mesmo diploma. Refere o RIT no ponto “ III.4.3.2 – Correções com base em transmissões de inventários” o seguinte: (segue transcrição).”. Como se vê, os factos a que vinham depor as testemunhas arroladas ou estão documentados nos autos ou respeitam a matéria conclusiva (…no que respeita às operações contabilísticas verifica-se que a contabilidade está organizada de maneira a apurar a margem de lucro de cada viatura e o IVA pela margem), pelo que a produção da prova requerida redundaria num acto inútil, que ao juiz não é lícito realizar (art.º 130.º do CPC). Com relação e esta decisão, o recorrente vem ainda arguir a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1 alínea c) do CPC, por oposição dos fundamentos com a decisão, mas se sucesso. A nulidade da decisão, por oposição entre os fundamentos e a decisão (art.º 615º, nº1, c) do CPC), é um vício intrínseco da mesma, não se confunde com um hipotético erro de julgamento, nem pode ser invocada para manifestar discordância com a decisão, que é no fundo o que o recorrente faz, ora atente-se: “Mesmo um facto que possa estar virtualmente documentado, tal não significa de modo automático, que não existem explicações ou esclarecimentos passíveis de ser dados sobre certa realidade documental, aptos a infirmar presunções decorrentes dessa mesma prova documental”. Adianta ainda o recorrente que contraditoriamente com a decisão de dispensa da prova requerida, a Mmª juiz a quo refere o art.º 114.º do CPPT ao invés do art.º 113.º do mesmo Código. Também neste particular não vemos na decisão qualquer erro e muito menos, contradição. Refere o art.º 114.º que “Não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias, (…)”, o que permite apreender, no contexto da decisão, que o juiz vai conhecer imediatamente do pedido prescindindo de actos de instrução. A dispensa de produção da prova requerida com os fundamentos indicados não merece censura, sendo de confirmar a decisão do Tribunal recorrido. Agora com relação à sentença, o recorrente começa por arguir a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC, por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão. Assim entende porquanto na alínea H) do probatório, a sentença limita-se a transcrever o conteúdo do relatório de inspecção tributária sem dele extrair os factos relevantes para a decisão que considera provados ou «não provados». Como a jurisprudência dos Tribunais superiores o tem vindo a assinalar pacificamente, só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial. Ora, com este alcance restritivo, é manifesto que a sentença recorrida não enferma da invocada nulidade, porque toda a matéria de facto alinhada está suportada em remissão para o documento que suporta o facto. E quanto aos factos «não provados», é referido que inexistem com relevância para a decisão. No caso, o que especialmente parece ter impressionado negativamente o recorrente é a circunstância de, alegadamente, a sentença ter dado por assente na alínea H) do probatório os factos vertidos no relatório de inspecção tributária, sem os confrontar com a demais prova dos autos. Mas este modo de ver não procede pela singela circunstância de que olhando à formulação do facto, se constata com clareza que a sentença não deu por provada a factualidade vertida no relatório, antes se limita a transcrever o que dele consta, coisa bem diferente. Improcede a arguida nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto que a justificam. Já em sede de erro de facto, alega o recorrente que contrariamente ao que se fez constar da alínea M) dos factos provados, se deveria fazer constar dos factos «não provados» que “não se provou que o órgão decisor da p.i. de reclamação graciosa tivesse competência delegada ou subdelegada para a prática do acto”. Nos termos do art.º 36.º, n.º 1 do Cód. do Procedimento Administrativo, «A competência é definida por lei ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes, à suplência e à substituição». Ora, se é a lei que atribui a competência aos órgãos administrativos, falando-se, a tal propósito, num princípio da legalidade da competência, não vemos que deva constar do probatório se o órgão tinha ou não tinha competência para a prática do acto, tal constitui matéria de direito. O que releva e constitui facto é saber se do acto e/ou sua notificação consta, sendo o caso, a menção da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências, que no fundo foi o que a sentença deixou vertido na impugnada alínea M) dos factos assentes. De resto, adiantamos já, ainda que ao autor do acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada da liquidação faltasse competência legal para o efeito, tal apenas inquinaria de vício de forma a decisão de reclamação graciosa, mas não contagiaria de ilegalidade o acto tributário de liquidação reclamado. Improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. O recorrente alega ainda em sede factual que não foi feita apreciação critica de toda a prova dos autos e que apresentou dois documentos importantes cujo conteúdo melhor seria explicado por um contabilista certificado, que tinha aliás arrolado como testemunha na P.I., mas que não foi ouvido por ter sido dispensada a produção da prova testemunhal. A apreciação crítica das provas consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida. Se foi produzida prova documental que o Tribunal recorrido indevidamente desconsiderou, mas que, se fosse analisada e ponderada poderia levar a uma diferente leitura da demais prova e dos factos seleccionados, ao recorrente cabia o ónus de impugnar a decisão relativa à matéria de facto nos termos do disposto no art.º 640.º do CPC, o que manifestamente não faz, não concretizando sequer que documentos refere, havendo o recurso de ser rejeitado neste segmento. Quanto ao facto de o inspector tributário credenciado para a inspecção que originou a liquidação impugnada ter sido o mesmo credenciado para as inspecções aos exercícios de 2018 e 2019, não vemos que norma procedimental ou formalidade foi violada, nem o recorrente o diz. A circunstância de o inspector credenciado para esta acção inspectiva e as efectuadas aos exercícios de 2018 e 2019, ter assumido posição diferente do inspector credenciado para a acção inspectiva de 2016, de resultado mais favorável ao contribuinte, não contende com o princípio da segurança jurídica, pelas razões que a sentença bem explica, a propósito: «(…) concluímos que, na análise da violação do princípio da segurança jurídica, impõe-se desde logo desvelar se existe uma expetativa legítima da manutenção de uma atuação ou de uma situação, por parte de quem é alegadamente vítima dessa violação. Ora, no caso dos autos não existe uma expectativa legítima a tutelar, em concreta, de que a AT mantenha, ao inspecionar os anos seguintes, o entendimento que adotou na inspeção realizada ao Impugnante e referente ao ano de 2016. A expectativa de que as inspeções seguintes a uma inspeção “pacífica”, em que a AT considerou estar tudo certo na atuação do sujeito passivo não é, desde logo, consentânea com a realidade dinâmica empresarial e fiscal, nem com as funções acometidas à administração tributária. Note-se que ao inspecionar o sujeito passivo, a AT encontra-se delimitada (ainda que auto delimitada) aos anos sobre os quais a inspeção incide e analisará a situação do sujeito para esse espaço temporal, o que implica analisar, entre outras coisas, operações concretas e documentos contabilísticos desse mesmo período, pelo que não encontrará, necessariamente, uma realidade igual àquela que foi inspecionada anteriormente. Ademais, mesmo na hipótese de a situação fáctica ser semelhante (o que não se analisa aqui em concreto uma vez que a inspeção efetuada ao ano de 2016 não se enquadra no objeto destes autos, apenas sendo considerada para efeitos de análise da violação do princípio da segurança jurídica), se a AT conclui ter existido um erro no passado, cometido no seio de ação inspetiva, não pode perpetuá-lo, assim obriga o princípio da legalidade previsto nos termos gerais no artigo 55.° da LGT. Acresce que o artigo 64.° do RCPITA prevê um mecanismo para conferir eficácia vinculativa ao relatório de inspeção e que pode ser espoletado por iniciativa do sujeito passivo. Atendendo ao espírito da lei, se o relatório de inspeção elaborado no passado vinculasse a AT, tal mecanismo não seria necessário. Ora, como bem refere a Fazenda Pública na contestação, o Impugnante não alega, nem prova, ter recorrido a tal mecanismo legal. Cumpre ainda frisar que, ao afirmar que se impunha à AT a designação de novo inspetor, diverso do que inspecionou os anos de 2018 e 2019, por forma a obter uma terceira perspetiva, o Impugnante não sustenta tal alegação em qualquer norma, limitando-se a formular um juízo conclusivo e opinativo, não invocando qualquer impedimento ou obrigação legal. De igual modo, não sustenta juridicamente a alegação de que haveria o superior hierárquico de esclarecer qual a base legal para ter sancionado dois procedimentos que, versando sobre a mesma matéria, perfilham de entendimentos diferentes. Deste modo, soçobram todos os argumentos do Impugnante quanto à violação da segurança jurídica no procedimento inspetivo em causa.» Concordamos com este modo de ver, em reforço diremos apenas que a alegada circunstância de o recorrente não ter conhecimento da possibilidade de requerer a eficácia vinculativa do relatório com os efeitos do art.º 64.º, n.º 4, do RCPIT, em nada lhe aproveita porque o ónus de requerer é seu, sendo esse um instrumento pensado pelo legislador para mitigar a “permanente tensão entre os princípios da segurança jurídica e justiça fiscal”, de que fala Ana Paula Dourado, in “Direito Fiscal”, 7.ª edição Almedina. Improcede este segmento do recurso. Nos termos do art.º 49.º, n.º 1, do RCPIT, «O procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.». De acordo com o n.º 1 do art.º 50.º do mesmo diploma, «Não há lugar a notificação prévia do procedimento de inspecção quando: a)…. b) O fundamento do procedimento for participação ou denúncia efectuada nos termos legais e estas contiverem indícios de fraude fiscal; c) (…)». Embora o recorrente alegue não haver fundamento para a dispensa de notificação prévia, a verdade é que o despacho que determina tal dispensa e integra a alínea E) do probatório, refere que o procedimento foi aberto na sequência de Inquérito-crime no qual é evidenciada a prática de ilícitos criminais em sede de IRS e IVA, dos anos de 2020 e 2021. Ora, o argumento de que todos os elementos da sua escrita e contabilidade se encontravam no gabinete de contabilidade é inócuo porque a norma tem subjacente um escopo cautelar visando assegurar a eficácia da acção inspectiva, que de outro modo se poderia ver frustrada com a eventual subtracção, manipulação ou desvio de elementos da contabilidade. Se afinal de contas, se constata que toda a documentação relevante estava no gabinete de contabilidade e os inspectores nada pediram nem apreenderam, tal só aproveita ao contribuinte, mas não torna ilícita a dispensa de notificação prévia com fundamento preventivo visando acautelar o risco de manipulação, desaparecimento ou desvio dessa documentação. De resto, note-se, o recorrente não diz em que medida saiu prejudicado com a dispensa de notificação prévia para o procedimento de inspecção, pelo que mesmo a entender-se ter ocorrido preterição de formalidade, no que se não acompanha o recorrente, ela não teria efeitos invalidantes. Este segmento do recurso também não logra procedência. Entrando, por fim, no domínio das correcções aritméticas levadas a efeito, vejamos. De acordo com o disposto no art.º 75.º, n.º 1 da LGT, «Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. Dispõe o n.º 2 que «A presunção referida no número anterior não se verifica quando: a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; b) (…)» De acordo com o disposto no art.º 74.º, n.º 1 da mesma LGT, «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.». Ora, o relatório de inspecção tributária refere falta de cumprimento de obrigações declarativas, nomeadamente a declaração anual de rendimentos do ano de 2020 e IES; ausência de contabilização de facturas; falta de apresentação de facturas; atrasos na execução da contabilidade, com falta de apuramento do resultado líquido do período fiscal. Mais informa a AT que “…foi realizada circularização com diversos adquirentes de viaturas automóveis…procedimento de que resultaram informações, consistentes em declarações com anexação de documentos de prova que melhor esclarecem sobre a actividade comercial exercida pelo contribuinte, as quais reflectem negócios e rendimentos por aquele omitidos (…)”. Os factos relatados são suficientes à demonstração de falta de credibilidade e fiabilidade da contabilidade do contribuinte, pelo que, nesta situação, este não goza da presunção de veracidade da sua declaração, contabilidade e escrita, cabendo-lhe, nos termos gerais de direito, fazer a prova dos factos que alega e com os quais pretende infirmar as conclusões do relatório. Todavia, não alcançamos no probatório da sentença qualquer facto que permita infirmar as conclusões do relatório em nenhuma das correcções levadas a efeito. É certo que o recorrente pretendia produzir prova testemunhal, cuja produção foi dispensada pelo tribunal. No entanto, como vimos, a matéria a que vinham depor as testemunhas ou não consubstanciava factos ou os mesmos já estavam documentalmente comprovados. Diz também o recorrente que juntou ao processo dois documentos, porém, na P.I. não é referida a junção de qualquer documento (art.º 108.º, n.º 3 do CPPT), e na informação que sustenta a decisão de indeferimento da reclamação graciosa é referido o seguinte: «18° - Pela conferência dos elementos juntos aos autos verificamos que o reclamante limitou-se a elaborar uma listagem das referidas 8 (oito) viaturas a que atribuiu um preço. 19° - Como é óbvio e notório, a referida listagem com valores inscritos pelo reclamante sem qualquer documento que os comprove, não pode legalmente ser aceite como custo da sua atividade, pelo que, deverá manter-se o apurado pela inspeção tributária no RIT.» É certo que, em sede de Imposto sobre o Rendimento, os documentos internos quando devidamente corroborados por prova testemunhal permite dar por comprovados os factos que documentam, mas obviamente não é possível dar por demonstrado o conteúdo de listagens elaboradas depois de concluída a acção inspectiva, ainda que testemunhas, aí incluindo o contabilista da empresa, corroborem e expliquem os dados nelas inscritos. Por fim e decisivamente, salienta-se que o recorrente não impugna eficazmente a decisão relativa à matéria de facto, como era seu ónus (art.º 640.º, n.º 1 do CPC), demonstrando os concretos factos que pretendia ver levados ao probatório como matéria provada ou «não provada» e qual o meio de prova que os suporta. Em particular no que respeita às oito viaturas a que não foi atribuído qualquer valor de aquisição, por falta de documentação, salienta-se que em matéria de correcções aritméticas e técnicas, a Administração tributária não tem de presumir qualquer valor de aquisição, cabendo ao contribuinte o ónus da prova do custo respectivo. Tudo visto e, concluindo, a sentença e o despacho impugnado não incorreram nas apontadas nulidades e erros de julgamento, de facto e de direito, merecendo ser inteiramente confirmados. O recurso não merece provimento. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento aos recursos interpostos da sentença e do despacho de dispensa de produção de prova. Custas a cargo do Recorrente. Lisboa, 30 de Setembro de 2025 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Sara Diegas Loureiro ________________________________ Cristina Coelho da Silva |