Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4898/23.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/11/2024
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
ISENÇÃO DE CUSTAS
Sumário:I. De acordo com o previsto no artigo 4.º, n.º 2, al. b), do Regulamento das Custas Processuais (RCP), os processos administrativos urgentes relativos à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias estão isentos de custas.
II. Esta isenção apenas não será de aplicar nos casos de manifesta improcedência do pedido ou de responsabilidade da parte isenta por encargos a que dê origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida cf. artigo 4.º, n.os 5 e 6, do RCP.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum do Tribunal Central Administrativo Sul

D...instaurou a presente ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. – AIMA, na qual pede que a entidade requerida seja intimada a emitir-lhe a autorização de residência para atividade investimento (ARI).
Por decisão datada de 29/12/2023, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou verificada uma situação de inadequação absoluta da forma de processo utilizada, que constitui uma exceção dilatória inominada e conduz à nulidade de todo o processado (sem possibilidade de aproveitamento ou convolação), determinante do indeferimento liminar da petição inicial, mais condenando o requerente no pagamento das custas processuais.
Inconformado, o autor interpôs recurso, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1.º O Autor, ora Recorrente, intentou a presente ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias sob recurso, na qual o tribunal a quo julgou verificada a inadequação absoluta da forma de processo utilizada, e decidiu pelo indeferimento liminar da petição inicial.
2.º Em consequência, foi o Recorrente condenado no pagamento das custas processuais, nos termos do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela I-A do mesmo Regulamento.
3.º Decisão com a qual o Recorrente não concorda e não se pode conformar.
4.º Salvo o devido respeito, considera os Recorrente ter sido proferida decisão com erro de julgamento no que diz respeito às custas processuais aplicáveis, na medida em que foram erradamente interpretadas e aplicadas as normas de direito in casu.
5.º Com efeito, na fundamentação da decisão sob recurso, considerou o tribunal a quo que a isenção objetiva de custas prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do Regulamento das Custas Processuais não se aplica in casu, atenta a inadequação do meio processual utilizado que conduzia à isenção em causa.
6.º O tribunal a quo assentou ainda a sua decisão no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, que prevê a condenação em custas da parte que der causa ou da parte vencida, em caso de proferimento de decisão da ação.
7.º Contudo, é manifesto que a douta decisão se apoia em interpretação diversa da legislação ora aplicável, e com a qual o Recorrente não pode concordar.
Senão vejamos,
8.º As custas processuais regem-se pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 (Regulamento das Custas Processais), conforme prescreve o artigo 189.º, n.º 2 do CPTA: “O regime das custas na jurisdição administrativa e fiscal é objeto de regulação própria no Código das Custas Judiciais.”.
9.º O processo de Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias goza de isenção de custas nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais:
“2 - Ficam também isentos:
a) (…)
b) Os processos administrativos urgentes relativos ao pré-contencioso eleitoral quando se trate de eleições para órgãos de soberania e órgãos do poder regional ou local e à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;”
10.º Ora, esquece-se o tribunal a quo que, não obstante a sentença de indeferimento liminar do processo em causa, o pedido e a forma do processo não deixou de ser a mesma – a de Intimação.
11.º Pelo que, não tendo sequer a presente ação sido reaproveitada para convolação em qualquer outro meio processual adequado,
12.º Não crê o Recorrente ser responsável, nem tal resulta da lei, pelo pagamento de taxa de justiça.
13.º Em bom rigor, inexistiu qualquer decisão de mérito da causa, tendo apenas sido apreciado o meio processual utilizado, que culminou no indeferimento liminar do processo.
14.º Pelo que, neste sentido, improcede a aplicação do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, para onde vem a douta decisão sob recurso remeter, que ora se transcreve:
“1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”
15.º De igual forma, improcede ainda a eventual aplicação dos n.º 5 e 6 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, os quais ora se transcrevem:
“5 - Nos casos previstos nas alíneas b), f) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido.
6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos previstos nas alíneas b), f), g), h), s), t) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida.”
16.º Da interpretação dos artigos ora transcritos, retira-se que, apenas nas situações de o pedido ter sido julgado improcedente, ou a pretensão for julgada totalmente vencida, fica a parte isenta responsável pelo pagamento das custas processuais.
17.º Decisões (estas sim) que, a ser proferidas, constituiriam decisões mérito da causa e levariam ao pagamento devido das custas processuais pelo Autor.
18.º Contudo, não configuram o caso em apreço, porquanto a decisão não julgou o pedido improcedente, nem julgou a pretensão totalmente vencida.
19.º No limite, poderia o tribunal a quo ter decidido pela condenação do aqui Recorrente no valor de um incidente, mas nunca no valor de 612,00€ (seiscentos e doze euros) de taxa de justiça, que apenas é devida no caso de ser intentada ação administrativa comum, de acordo com a tabela I do Regulamento das Custas Processuais.
20.º Na verdade, nem mesmo na situação de ser intentada providência cautelar – processo de natureza igualmente urgente – seria devido tal montante, mas apenas o montante de 306,00€ (trezentos e seis euros), de acordo com o artigo 7.º, n.º 4 e tabela II do Regulamento das Custas Processuais.
21.º Pelo que, não entende ou consegue alcançar a interpretação do tribunal a quo quando vem condenar o ora Recorrente no pagamento de custas processuais de um processo de natureza isenta, no montante de 612,00€ (seiscentos e doze euros)!!
22.º Face ao ora descrito, resulta evidente que o tribunal a quo se apoia em normas legais que não se adequam ao caso em concreto.
24.º Uma vez que não se tratou de uma apreciação de mérito da causa, mas apenas da apreciação da forma processual utilizada, que culminou no indeferimento liminar da petição inicial.
25.º Salvo melhor entendimento, a exclusão da isenção objetiva de custas processuais não está legalmente prevista, ao invés da conclusão retirada pelo tribunal a quo, em caso indeferimento liminar.
26.º Nesta medida, é manifesto o erro de interpretação das normas legais aplicadas, de que expressamente se recorre,
27.º Podendo a decisão de que se recorre ser considerada, em última instância, contra legem, por contrariar expressamente o que está legalmente previsto!
28.º Pelo exposto, é de concluir que se impõe a reforma da decisão sob recurso, expurgando-se nesta o mero erro material que subsiste, em cumprimento do previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.
29.º Neste sentido, considera o Recorrente não serem devidas custas no âmbito do presente processo, pelo que requerem a reforma da decisão na parte referente à aplicação das custas processuais, isentando-os do respetivo pagamento em cumprimento do legalmente previsto.”
A entidade requerida não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, por entender, em síntese, que a Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias goza de isenção de custas nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, inexistiu decisão de mérito da causa e apenas foi apreciado o meio processual utilizado, que culminou no indeferimento liminar do processo, pelo que, neste sentido, improcede a aplicação do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*


A questão a decidir neste processo cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento da decisão recorrida ao condenar o requerente no pagamento das custas processuais.

A este propósito, consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:
Tendo em conta o indeferimento liminar do requerimento inicial, as custas ficam a cargo do requerente (artigo 527.º ns.º 1 e 2 do CPC), não se verificando isenção objetiva de custas prevista no artigo 4.º n.º 2 alínea b) (intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias) do Regulamento das Custas Processuais, atenta a inadequação do meio processual utilizado que conduziria à isenção em causa”.
De acordo com o previsto no artigo 4.º, n.º 2, al. b), do Regulamento das Custas Processuais (RCP), os processos administrativos urgentes relativos à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias estão isentos de custas.
Esta isenção não será de aplicar quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido, cf. artigo 4.º, n.º 5, do RCP.
E a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida, cf. artigo 4.º, n.º 6, do RCP.
Nenhuma destas situações ocorreu no presente caso, o Tribunal a quo não concluiu pela manifesta improcedência do pedido, nem a pretensão do recorrente foi totalmente vencida, uma vez que inexiste conhecimento do respetivo mérito.
Como assinala o Ministério Público no seu douto parecer, sem que tenha tido lugar decisão de mérito da causa, mas tão-só a apreciação do meio processual utilizado, que culminou no indeferimento liminar do processo, improcede a aplicação do disposto no artigo 527.º, n.os 1 e 2, do CPC.
Tem, pois, lugar a aplicação da isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, al. b), do RCP, independentemente da não verificação dos pressupostos de que depende a sua utilização, e nesta medida terá de ser revogada a decisão objeto de recurso que decidiu em sentido contrário (cf., v.g., os acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 03/02/2011, processo n.º 06997/10, e de 23/05/2024, proc. n.º 4906/23.0BELSB, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

Em suma, cumpre conceder provimento ao recurso, revogar a sentença no segmento relativo à condenação em custas, aplicando-se a isenção de pagamento de custas processuais prevista no artigo 4.º, n.º 2, al. b), do RCP.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença no segmento relativo à condenação em custas, aplicando-se a isenção de pagamento de custas processuais prevista no artigo 4.º, n.º 2, al. b), do RCP.
Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, al. b), do RCP.

Lisboa, 11 de julho de 2024

(Pedro Nuno Figueiredo)

(Joana Costa e Nora)

(Lina Costa)