Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:126/19.7BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2025
Relator:TIAGO BRANDÃO DE PINHO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
PRONÚNCIA INDEVIDA
IGUALDADE DAS PARTES
Sumário:1 – O tribunal arbitral é competente para conhecer do pedido da anulação de liquidações de IVA e de IRC, a tal não obstando a dedução de acusação pela prática de crime fiscal conexo com as mesmas liquidações.

2 – Sendo deduzido pedido de pronúncia arbitral em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados ao Arguido, o processo penal tributário suspende-se até que a situação tributária fique estabilizada na ordem jurídica.

3 – É nula a deliberação arbitral proferida sem que antes seja apreciado requerimento apresentado pela parte vencida em que pede a produção de prova documental.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

No pedido de pronúncia arbitral que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa sob o n.º 593/2018-T, apresentado por ... , Lda. contra Autoridade Tributária e Aduaneira, foi emitida deliberação em 2 de outubro de 2019 que anulou, na sua totalidade, as liquidações impugnadas, com todas as demais consequências legais, nomeadamente no tocante às reclamações graciosas apresentadas, e condenou a requerida no pagamento dos juros indemnizatórios legalmente devidos.
Inconformada, a Autoridade Tributária e Aduaneira deduziu, ao abrigo do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a presente Impugnação contra aquela deliberação, formulando as seguintes conclusões:
1) A decisão arbitral ora impugnada ao ter deliberado julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e ao ter anulado, por ilegais, na sua totalidade, as liquidações impugnadas, com todas as demais consequências legais, nomeadamente no tocante às reclamações graciosas apresentadas.
Cometeu, em primeiro lugar, pronúncia indevida, uma vez que excedeu a competência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral.
2) Na verdade, a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
Estabelece aquela norma que:
«1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais. » (sublinhados nossos).
3) Por outro lado, a competência dos tribunais arbitrais também depende dos termos da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos nos termos do RJAT, cfr. art. 4.º do RJAT.
4) Nos termos das als. a) e b) da Portaria n.º 112-A/2011, ficam excluídas do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais as "pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo tributária", bem como, "pretensões relativas a atos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão".
5) Inexiste, pois, qualquer suporte leqal que permita que seiam proferidas pelos tribunais arbitrais condenacöes de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT.
6) Ora, no Pedido de Pronúncia Arbitral em apreço (adiante designado por ppa), a então requerente pretendia obter a anulação de várias liquidações de IVA, bem como de IRC relativas aos anos/exercícios de 2013 e 2014 invocando vícios de violação de lei, que a decisão de correcção da matéria colectável em sede de IRC e de consideração de imposto em falta em sede de IVA e os actos de liquidação subsequentes violaram, designadamente, os artigos 15.º, 17.º, 18.º, 23.º, 42.º n.º 1 al. g) do CIRC, 19.º n.º 3, 79.º e 80.º do CIVA, art. 74.º da LGT, art. 36.º do RCPIT, 123.º, n.º 1, al. d), 133.º e 135.º do CPA.
7) Invocou a então requerente naquele p.p.a, tentando contrariar a fundamentação das correcções efectuadas pela AT, que as operações colocadas em crise pela AT são reais, que a falta de estrutura produtiva permanente dos fornecedores não é um facto/ indício suficiente de que se possa extrair a impossibilidade de realização das operações colocadas em crise pela AT, que nunca a requerente poderia ter conhecimento nem obrigação de ter conhecimento dos indícios de que a AT retira a inadequada estrutura empresarial e que não tem acesso à informação fiscal dos seus fornecedores, isto é, invoca a requerente que desconhecia que estava perante um esquema de
facturas falsas, inexistindo dolo da sua parte em todo o procedimento e que a AT não reuniu elementos que a relacionassem com o esquema de fraude tendo apenas recolhido indícios de falsidade quanto aos emitentes das facturas, pelo que, alega, não pode, por não saber que as facturas são falsas, ser penalizada com a não dedução do IVA e com a não dedução de custos que efectivamente suportou.
8) E, relativamente aos factos que estão em causa no processo arbitral, isto é, relativamente aos anos/exercícios de 2013 e 2014 e às facturas em causa que foram consideradas falsas pela AT, foi deduzida acusação pelo MP em 19/11/18 no âmbito do processo de inquérito n.º 1248/16.1IDLSB, Departamento de Investigação e Acção Penal – 1.ª Secção de Torres Vedras, contra a requerente em co-autoria material e na forma continuada, pela prática de dois crimes de fraude fiscal qualificada p.p. pelos artigos 7.º, n.º 1, 103.º, n.º 1, al. a) e b) 2 e 3 e 104.º, n.º 1, al. a), d) e e) e n.º 2 ambos do RGIT, e pelo artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal.
9) Assim, verifica-se que à data da instauração do procedimento arbitral já havia sido deduzida acusação contra a então requerente, ora impugnada, pelos crimes de fraude fiscal qualificada e que tendo essa acusação já sido deduzida, o MP tinha elementos de prova designadamente autos de interrogatório e gravações relativas a esses interrogatórios que, para além dos Relatórios das Acções Inspectivas desencadeadas a todos os intervenientes, sustentam fortemente os indícios apurados de que as facturas são falsas, de que não titulam operações reais e de que a ora requerente conhecia tal situação, mais, que esteve directamente envolvida e promoveu esse esquema de facturação falsa para, de forma dolosa, obter para si um enriquecimento económico ilegítimo à custa da defraudação do Estado - AT.
10) Por outro lado, não só no processo penal podem ser utilizados meios de prova que não são possíveis no processo arbitral, como também será aquele o processo adequado, atendendo aos meios investigatórios de que reclama, para serem devidamente apurados os factos que estão em causa no p.p.a. que passam pela qualificação de factos como tipificando ou não ilicitude-simulação.
11) Admitir o contrário levaria a que se pudesse atingir, no processo arbitral, uma solução contrária àquela que seria dada no processo crime, que é a sede própria para se apurar, em termos de prova, da veracidade dos factos que estão em causa também no processo arbitral
12) E, por outro lado, sendo certo que a causa de pedir no p.p.a., visa abalar os factos apurados pela AT no procedimento inspectivo factos estes que também estão em causa e sustentam a dedução de acusação crime contra a então requerente, designadamente, quanto ao envolvimento directo da própria requerente no esquema de facturação falsa, existiria sempre, necessariamente, uma relação de prejudicialidade entre o p.p.a e o referido processo crime, o que justificava a suspensão daquela instância cfr. art 272.º do CPC até que fosse proferida decisão final, no âmbito do processo crime.
13) Entendia a então requerida e ora impugnante que, atenta a diferente natureza do processo de impugnação judicial e do processo arbitral quanto à produção da prova e dos poderes dos Tribunais quanto à descoberta da verdade material, designadamente, no processo arbitral o árbitro não tem o poder de impor a terceiros o dever de cooperação com o tribunal arbitral na obtenção de prova em seu poder, o Tribunal Arbitral carecia de suficiência de meios para analisar a prova que as partes pretendiam produzir.
14) Contudo, o Tribunal Arbitral entendeu que tinha competência para apreciar da questão em causa e decidiu prosseguir com o processo.
15) Salvo o devido respeito, entende a Impugnante que, pelos motivos acima expostos, o Tribunal Recorrido, ao entender que o processo arbitral, corresponde ao processo de impugnação judicial, nos termos e para os efeitos previstos no art. 47.º do RGIT, excedeu a competência do Tribunal Arbitral, tal como definida na Portaria de vinculação acima referida.
16) Bem como, salvo melhor opinião, mal interpretou a norma prevista no art. 47.º do RGIT, pois que esta o que prevê é que o processo penal tributário se suspenda se estiver a correr processo de impugnação, quando neste caso, sucedeu o contrário, ou seja, estava a correr o processo penal tributário, já com despacho de acusação proferido, quando foi proposto o ppa.
17 Pelo que, sendo a regra no direito português a regra do primado do direito penal (tal como admitiu o Tribunal) e, não se subsumindo a factualidade na previsão da norma de excepção constante do art. 47.º do RGIT, não podia o Tribunal recorrido ter-se pronunciado, sem que antes fosse julgado o processo penal tributário.
18) Mais, não cabe no art. 2.º do RJAT e atenta a Portaria de Vinculação, a apreciação de casos como o presente, que têm a ver com um eventual esquema de facturação falsa e de fraude fiscal, crime tributário, em que, com toda a certeza se o legislador o tivesse previsto não pretenderia a vinculação da AT.
19) Ou seja, pese embora o processo arbitral seja entendido como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial deve entender-se que o Tribunal Arbitral não detém a mesma competência que detêm os Tribunais administrativos e fiscais (designadamente, não podem ser realizadas pelo Tribunal Arbitral as mesmas diligências de descoberta da verdade material, com um eventual prejuízo para o Estado), para apreciação de uma liquidação quando está em causa a eventual prática de um crime fiscal e sendo certo que já existe acusação em processo crime.
20) O Tribunal Arbitral ao entender prosseguir com o processo reclamou, pois, de uma competência igual à dos Tribunais Tributários quando é certo que o não devia fazer atenta a existência de um processo crime, tal circunstância impedia, tendo em conta a diferente natureza das jurisdições e dos poderes investigatórios das mesmas, que o Tribunal Arbitral se tivesse pronunciado de acordo com uma prova realizada, que foi "coxa" sobre uma questão que extravasa a sua competência.
21) É que, tal questão tem a ver com a determinação do carácter fraudulento ou não das aquisições de madeiras e pela simulação das aquisições feitas pela então requerente, pelo que, esta questão não visa directa e imediatamente a apreciação da legalidade da liquidação, mas antes, directa e imediatamente, atenta a prova que se irá produzir, a qualificação de um comportamento como tipificando, ou não, um comportamento ilícito.
22) E sendo certo que o Tribunal Arbitral não tem os mesmos poderes que o Tribunal Tributário ou o Penal têm no que toca aos meios de que dispõe para a descoberta da verdade material.
23) Ou seja, o Tribunal Arbitral não se limitou a apreciar da (i)legalidade de uma liquidação, mas antes, a apreciar de acordo com uma prova "coxa", da ilicitude ou não de um comportamento como constituindo, ou não, simulação e isso, nos termos do art. 2.º do RJAT e da Portaria de Vinculação não cabe nas suas competências.
14) Em segundo lugar, o acórdão Arbitral ora impugnado, violou o princípio do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes estão estabelecidos no artigo 16.º do RJAT.
15) Efectivamente, na Resposta apresentada pela ora Impugnante, esta requereu desde logo, em termos de prova o que se passa a transcrever:
Quanto à suspensão da instância
"Requer-se, ainda, como forma de prova do invocado que seja requerida ao Ministério PúblicoProcuradoria da Comarca de Lisboa Norte - Departamento de Investigação e Acção Penal — 1 a secção de Torres Vedras certidão do despacho de acusação do MP no Processo
1248/16.11DLSB."
Quanto à prova a efectuar no processo:
"Prova (caso não seja deferida a requerida suspensão dos presentes autos, requer-se a seguinte produção de prova):
Junção aos presentes autos da prova constante do processo Proc. n.º 1248/16. IIDLSB, designadamente:
Auto de Interrogatório e gravação a fls. 923/924 e cd a tis. 933;
Documental:
- Certidões da CR Comercial a fls. (do referido processo) 30/33, 308/311, 312/314, 327/334, 590/599, 897899, 958/959;
Procurações a fls. (do referido processo) 35/38;
Declarações IRS, IVA de ... , a fls. (do referido processo) 106/120, 528/531; publicação DR. a fls. (do referido processo) 121 (... );
- Informação fiscal e ISS,IP a fls. 124/133, 316/318, 322/326, 472/486, 523/527, 532/534, 602/609, 7371739;
Cópia de sentença a fls. (do referido processo) 935/956,
Cópia de facturas e cheques a fls'. (do refendo processo)47/62 e 657/670 (V... ),
102/105 671/673 (C... ), 134/291 e 452/471 (... );
Documentos de fls. (do referido processo) 319/321;
Balancete/Extractos/documentação contabilístico/a de fls. (do referido processo)63/101, 366/448, 6991709;
Relatórios de Acção Inspectiva e Relatório Final a fls. (do referido processo) 2/15, 17/22, 23/28, 348/365, 7571774;
- CRC a fls. (do referido processo)883/890.
Testemunhal:
1. Luís Figueiredo Coragem. Inspector Tributário, com domicílio profissional na Direcção de Finanças de Lisboa, Área da Inspecção Tributária, fls. (do referido processo) 773:
2. Pedro Miguel Mendonça Gomes leitão, Instrutor, com domicílio profissional na Direcção de Finanças de Lisboa, Divisão de Processos Criminais Fiscais, fls. (do referido processo)773;
3. ... , Administradora de Insolvência, id. a fls. (do referido processo) 122;
4. ... , id. a fls. (do referido processo) 553;
5. ... , id. a fls. (do referido processo)543;
6. ... , id. a fls. (do referido processo) 547;
7. ... , id. A fls. (do referido processo) 550. '
16) Ora, o Tribunal, não atendeu aos requerimentos probatórios efectuados pela ora Impugnante.
17) Ou seja, nunca veio a ser oficiado ao Tribunal onde corre o processo penal tributário, a junção de qualquer certidão ou elemento probatório, tal como nunca vieram a ser inquiridas as testemunhas indicadas pela ora Impugnante, de cuja inquirição nunca prescindiu.
18) Tal prova, aliás, era essencial para a ora impugnante, mas o Tribunal Arbitral a ela não atendeu até porque não detém qualquer poder de impor a terceiros o dever de cooperação com o tribunal arbitral na obtenção de prova em seu poder, dado o carácter convencional da arbitragem.
19) Pelo que, à semelhança do que já se referiu quanto à pronúncia indevida, se num processo de natureza arbitral, tendo em conta os factos em apreço e a matéria criminal, já não seria fácil à Impugnante exercer o contraditório, no pleno da capacidade de um processo judicial (em que as testemunhas podem ser notificadas), garante, no caso concreto, ainda se viu a Impugnante mais limitada, do que naturalmente já seria a sua possibilidade de prestação de prova, ou seja, de pronúncia sobre os factos.
20) Ou seja, houve uma violação ostensiva do direito de defesa da ora impugnante que viu irremediavelmente ferido o seu direito de realizar prova quanto aos factos em causa no processo, daí que, a decisão arbitral é também anulável, em virtude da violação do princípio do contraditório.
21) Finalmente, a decisão arbitral é também nula por falta de fundamentação de facto e de direito que justifique a decisão.
22) Efectivamente, no que toca à liquidação respeitante ao IRC em apreciação no processo, esta resultou do facto de a AT não ter aceite como gasto fiscalmente dedutível os montantes titulados por facturas por se ter considerado que o custo para efeitos de IRC não era indispensável, para efeitos do art. 23.º do CIRC.
23) Ora, quanto a esta questão e de forma a sustentar a anulação da liquidação deliberou o Tribunal Arbitral num único parágrafo que: "Pela mesma razão, há que concluir que, não tendo sido feita prova da simulação, o valor correspondente ao preço pago pela requerente é um gasto
fiscalmente dedutível para efeitos de IRC, uma vez que a compra de bens para revenda tem subjacente um escopo empresarial.
24) Assim, tendo em conta o que consta da decisão arbitral no que toca à fundamentação que sustenta a anulação da liquidação de IRC, há que concluir que a ora impugnante não ficou devidamente habilitada a impugnar eficazmente o decidido, por serem insuficientes as razões apontadas para se decidir como decidiu, quer de facto quer de direito.
V - Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:
Atendendo ao facto de o valor do recurso ser superior a €275.000,00 requer-se que esse Venerando Tribunal se pronuncie e decida, a final, pela dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendendo a que estamos em sede de impugnação de decisão arbitral, que não há lugar à produção de prova testemunhal e que ao Tribunal se pede que analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade, cfr. art. 6.º n.º 7 do RCP.
*
E contra-alegando conclui, por sua vez, ... , Lda.:
A. A pronúncia indevida, prevista na alínea c), do nº1, do artigo 28º do RJAT, só se verifica quando o Tribunal se pronunciou sobre um pedido que não lhe foi apresentado ou quando seja materialmente incompetente para dele conhecer;
B. Ora, o Tribunal Arbitral impugnado era, e é, materialmente competente para proferir a mui douta decisão impugnada (cfr. os artigos 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do R.J.A.T. e o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março);
C. E proferiu decisão sobre a causa de pedir e pedido que lhe foi apresentado;
D. Os tribunais arbitrais em função no C.A.A.D. têm as mesmas competências que os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial;
E. O legislador jamais quis restringir a dedução da pretensão da declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação a qualquer fundamento específico, com exclusão de outro;
F. A decisão de não suspensão do processo arbitral não corresponde a uma pronúncia indevida nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do R.J.A.T.
G. A decisão de suspensão ou não suspensão pressupõe sempre a competência material do tribunal e o poder de decidir tal questão (de uma forma ou de outra);
H. É contraditória nos seus termos, a Impugnante (A.T.) invocar que existe uma pronúncia indevida sobre a decisão de uma questão (suspensão/não suspensão), quando foi a Impugnante (A.T.) que pediu ao Tribunal uma decisão sobre a questão, reconhecendo que o Tribunal tinha poderes para decidir a questão, e o Tribunal não decidiu a questão em seu favor;
I. A regra geral no nosso ordenamento jurídico, salvo disposição expressa em contrário (artigo 47º do RGIT), é que um Tribunal quando tem competência e poderes para decidir a questão de fundo, tem sempre poderes para decidir todas as questões prejudiciais, sendo a decisão de suspensão sempre uma faculdade (“pode”), não uma imposição, à disposição do julgador (cfr. os artigos 92.º e 272.º, ambos do C.P.C. ou 7º do C.P.P.);
J. Sem prejuízo do supra alegado, a decisão de não suspender o processo tributário é a única compaginável com as normas vigentes, a legalidade e com o nosso ordenamento jurídico;
K. Por força do n.º 1 do artigo 47.º do R.G.I.T., é o processo penal tributário que deve ser suspenso até que transite em julgado a decisão a proferir no processo tributário e nunca o contrário;
L. “A regra no direito português é a regra do primado do direito penal. O artigo 47.º do RGIT consagra uma exceção a tal regra e impõe ao tribunal tributário e ao tribunal penal que haja suspensão do processo penal até que haja decisão do processo impugnatório. Na portaria de vinculação, quer o Ministério das Finanças, quer o Ministério da Justiça vinculam-se a todo o RJAT com exceção das matérias especificamente aí previstas. Assim sendo, o Tribunal não pode suspender o processo, tendo sim que ser aplicado o artigo 47.º do RGIT. Refere-se, por fim, que a diferença de meios referida pelo representante da autoridade Tributária e Aduaneira foi devidamente acautelada pelo legislador português ao admitir a suspensão da caducidade da liquidação quando esteja a correr um processo crime”;
M. A partir do momento em que a Impugnante (A.T.) decide liquidar os tributos, não aguardando pelo desfecho do processo crime (que foi precisamente elaborado e instruído pela Impugnante (A.T.)(!), não pode impor ao particular, ora impugnada (... , Lda), que tenha de aguardar pelo processo crime para ter uma decisão de mérito sobre a legalidade dos tributos liquidados.
N. Tratar-se-ia, para além de uma enorme incoerência, de um autêntico abuso do direito, e de uma compressão totalmente desproporcional dos mais elementares direitos constitucionais da impugnada (... , Lda), supra referidos.
O. Assim, a interpretação das normas da Portaria de Vinculação no sentido propugnado pela Impugnante (A.T.) é claramente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20º e 268º, nº4, da C.R.P.
P. A tese aventada pela impugnante, no sentido da suspensão do processo tributário (quer o mesmo corra os seus termos nos Tribunais Administrativos e Fiscais, quer corra no Tribunal Arbitral), é uma possibilidade unilateralmente pensada pela A.T. e que não tem qualquer acolhimento na lei, não tendo sido querida nem prevista pelo legislador.
Q. Bem andou, assim, o mui douto Tribunal Arbitral, ao indeferir a suspensão do processo arbitral requerida pela A.T., fazendo uma correta interpretação e aplicação do artigo 47.º do R.G.I.T..
R. Também não podemos concordar com a impugnante quando a mesma afirma ter visto irremediavelmente ferido o seu direito de realizar prova quanto aos factos em causa no processo e que a mui douta decisão arbitral impugnada violou o seu direito de defesa e os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
S. O mui douto tribunal arbitral impugnado deu adequado cumprimento, ao longo de todo o processo, ao princípio do contraditório, na medida em que:
- Concedeu às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre todas as questões de facto ou de direito suscitadas no processo;
- Assegurou às partes a participação efetiva no desenvolvimento da lide e a possibilidade de influenciar a decisão;
T. In casu, nenhuma das partes:
- Foi impedida de se pronunciar sobre qualquer questão, de facto ou de direito; 48 - Foi surpreendida, na decisão arbitral, com a consideração de qualquer questão nova;
- Nem sequer a impugnante alega qualquer questão, de facto ou de direito, sobre a qual não tenha tido oportunidade de se pronunciar.
U. Da mesma forma, o tribunal arbitral impugnado respeitou integralmente o princípio da igualdade das partes, concedendo-lhes iguais oportunidades de:
- Requererem a junção aos autos da prova documental e testemunhal que considerassem relevante para a decisão da causa;
- Dizerem, em igualdade de circunstâncias, tudo aquilo que tivessem por conveniente;
V. Ao abrigo do art. 411º CPC, o Juiz só deve intervir activamente no campo probatório, da descoberta da verdade material, quando alguma das partes pedir a sua intervenção, alegando e demonstrando que para cumprir o ónus que lhe incumbe pretende apresentar determinadas provas, sejam documentos, seja outro tipo de prova, mas está a ter grandes dificuldades em conseguir apresentar as mesmas nos autos. Só assim o Juíz garante a si próprio um estatuto de total equidistância, assegura a igualdade processual das partes, e respeita a repartição do ónus da prova;
W. Ora, no caso concreto, invoca a Impugnante (A.T.) que foram violados os seus direitos de defesa por dois motivos:
- O tribunal não ouviu todas as testemunhas arroladas pela Impugnante (A.T.)
- O tribunal não oficiou ao Tribunal Estadual a emissão de uma certidão.
X. Padece totalmente de razão a Impugnante (A.T.), visto que:
- As testemunhas eram a apresentar (a Impugnante (A.T.) não requereu a sua notificação) e não as apresentou em juízo em nenhuma das três sessões de julgamento;
- A Impugnante (A.T.) podia ter obtido diretamente certidão junto do Tribunal Estadual (artigo 90º do CPP).
Y. Em suma, caso considerasse que a junção ao processo arbitral da prova produzida no processo crime era adequada a provar os factos que alegava (o que a Impugnante (A.T.) não esclarece), era à mesma que incumbia diligenciar no sentido da obtenção das certidões requeridas, por forma a proceder à sua junção ao processo arbitral, o que a impugnante não fez e poderia ter feito, por sua própria iniciativa e a qualquer altura do processo (cfr. o artigo 90.º, n.º1 do C.P.P.).
Z. Acresce que a Impugnante (A.T.) não requereu a notificação das testemunhas que indicou, pelo que, mesmo num tribunal estadual, as testemunhas eram a apresentar (artigo 507.º, n.º 2 do C.P.C.) e apenas não foram ouvidas porque a A.T. não as apresentou, o que consta de despacho expresso proferido pelo Tribunal Arbitral (“Considerando que não foi possível apresentar as demais testemunhas, as mesmas não serão ouvidas” – cfr. ata da segunda sessão)
AA. Por outro lado, mesmo que assim não se considerasse, acresce que, nas diversas sessões de julgamento realizadas, aquando da prolação do despacho (na 3ª sessão) que convidou as partes a apresentarem alegações escritas, nem nas alegações escritas que apresentou, a Impugnante (A.T.) nunca invocou qualquer irregularidade, pelo que, mesmo que a mesma tivesse exigido, o que não se concede, teria ficado sanada, por não ter sido arguida (era o que sucederia num processo civil estadual, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 199.º do C.P.C.).
BB. Recorde-se que, nos termos do supra referido artigo 16.º do R.J.A.T., o processo arbitral rege-se, ainda, pelos seguintes princípios:
“c) A autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas;
d) A oralidade e a imediação, como princípios operativos da discussão das matérias de facto e de direito;
e) A livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros;
f) A cooperação e boa fé processual, aplicável aos árbitros, às partes e aos mandatários;
g) A publicidade, assegurando-se a divulgação e publicação das decisões arbitrais, nos termos do artigo 185.º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, devidamente expurgadas de quaisquer elementos suscetíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito” (nossos destaques).
CC. É ao Tribunal (Arbitral ou Comum) que, no uso do seu poder na condução do processo, incumbe decidir da relevância ou irrelevância da produção de determinados meios de prova, não existindo qualquer obrigatoriedade do Tribunal, como é evidente, de suprir a falta de iniciativa da A.T. na junção aos autos da prova documental e na produção da prova testemunhal. E uma tal liberdade na condução do processo jamais equivale a uma preterição da descoberta da verdade material.
DD. A regra geral no processo é a de que as partes devem apresentar as provas, quer documentais, quer testemunhais (só no caso de a parte requerer a sua notificação é que, em determinados casos, o Tribunal Estadual a notifica).
EE. Nem ao C.A.A.D., nem aos Tribunais Administrativos e Fiscais se impõe a ordenação, ex officio, da emissão de qualquer certidão requerida pelas partes, as quais não podem olvidar-se de que sobre si impende o princípio da autorresponsabilidade em matéria probatória.
FF. O mui douto Acórdão impugnado cumpriu integralmente o ónus de fundamentação de decisão que sobre si recaía, porquanto:
- Indicou os factos dados como provados e não provados;
- Identificou todos os meios de prova nos quais os senhores árbitros formaram a sua convicção;
- Indicou as normas jurídicas nas quais optou por subsumir a factualidade dada como provada;
- Explanou, de forma muito clara e objetiva, o iter do raciocínio seguido na tomada de decisão.
GG. Em suma, a mui douta decisão arbitral impugnada encontra-se devida e suficientemente fundamentada, razão pela qual deverá o vício de nulidade por falta de fundamentação alegado pela impugnante ser julgado totalmente improcedente, por não provado.
*
A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da presente impugnação, por considerar que “aquilo que a Impugnante reputa como nulidade não é, senão, um eventual erro de julgamento, questão arredada da apreciação deste TCAS” e que não foram violados os princípios do contraditório e da igualdade das partes “como muito bem refere a Recorrida”.
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As questões a decidir são, então, as de saber se a deliberação impugnada é nula por:
- Se ter pronunciado indevidamente sobre o objeto do processo;
- Ter violado os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
- Padecer de falta de fundamentação de facto e de direito.
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E colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Vejamos, pois.
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QUANTO À PRONÚNCIA INDEVIDA:
Nos primeiros 23 artigos das suas conclusões, a Impugnante sustenta que o tribunal arbitral excedeu a competência, em razão da matéria, que lhe é atribuída pelos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, bem como pela Portaria n.º 112-A/2011 que define o âmbito da sua vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais, por existir uma relação de prejudicialidade entre o pedido de pronúncia arbitral formulado pela contribuinte e a acusação contra esta pendente da prática de crimes de fraude fiscal qualificada, que justificava a suspensão da instância arbitral ao abrigo do artigo 272.º do Código de Processo Civil, por serem os mesmos os factos em análise (operações subjacentes a faturas dos exercícios de 2013 e 2014 e o envolvimento da contribuinte no esquema de faturação falsa), apurados no procedimento de inspeção tributária, e vigorar a regra do primado do direito penal.
Defende, deste modo, que o tribunal arbitral fez uma errada interpretação do artigo 47.º do RGIT e que não cabe no artigo 2.º do RJAT, atenta a Portaria de Vinculação, a apreciação de casos relacionados com um eventual esquema de faturação falsa e de fraude fiscal, em que a questão não visa direta e imediatamente a apreciação da legalidade da liquidação, mas, antes, direta e imediatamente, atenta a prova necessária, a qualificação de um comportamento como tipificando, ou não, um comportamento como constituindo, ou não, uma simulação ilícita.
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Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do RJAT, a decisão arbitral é impugnável com fundamento na pronúncia indevida.
O legislador não esclarece o significado da expressão «pronúncia indevida», sendo que, logo literalmente, ela é mais ampla que a nulidade da decisão por excesso de pronúncia, que a irregularidade que, por influir no exame ou decisão da causa, configura nulidade processual, ou que o pressuposto processual da competência material do tribunal.
Assim, a pronúncia do tribunal arbitral será indevida sempre que violar um comando legal relativo à delimitação da sua competência, relativo ao rito processual em termos de influenciar o exame ou a decisão da causa, ou relativo ao próprio conteúdo da decisão arbitral.
No que ora interessa, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), primeira parte, do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, sendo que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos do RJAT depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos – artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
Ora, no ponto, por força dos artigos 1.º, alínea a) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, a Autoridade Tributária e Aduaneira encontra-se vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no Centro de Arbitragem Administrativa, em litígios de valor não superior a € 10.000.000,00, que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no predito n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com exceção das seguintes:
“a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”
Deste modo, no que ora interessa, pretendeu o legislador que os tribunais arbitrais possam manter, anular ou declarar nulos ou inexistentes atos de liquidação de tributos, desde que de valor inferior a € 10.000.000,00.
Isto é, o critério legal para determinar o âmbito da competência material dos tribunais arbitrais é o da pretensão deduzida que deve ser a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, o que se afere pelo efeito jurídico pretendido: a anulação ou declaração de nulidade ou de inexistência de tais atos de liquidação.
Por um lado, a impugnante sustenta que a competência do tribunal arbitral para conhecer daquela pretensão e determinar um destes efeitos jurídicos é limitada “quando está em causa a eventual prática de um crime fiscal e sendo certo que já existe acusação em processo crime” (conclusão 19), uma vez que nestes casos o tribunal arbitral não se limita a apreciar da (i)legalidade de uma liquidação, “mas antes, a apreciar de acordo com uma prova «coxa», da ilicitude ou não de um comportamento como constituindo, ou não, simulação, e isso, nos termos do art. 2.º do RJAT e da Portaria de Vinculação não cabe nas suas competências” (conclusão 23).
Não tem, todavia, razão.
Como se viu, o critério legal para determinar o âmbito da competência material dos tribunais arbitrais é o da pretensão deduzida, e o efeito jurídico que a contribuinte pretendeu obter com o pedido de pronúncia arbitral foi a anulação das liquidações adicionais de IVA e de IRC, relativas aos anos de 2013 e 2014, e respetivos juros, assim como das decisões das Reclamações Graciosas que as tiveram por objeto - cfr. fls. 140 a 146 do pedido de pronúncia arbitral -, que não a qualificação de um comportamento como sendo lícito.
Sendo que a pretensão apreciada na deliberação arbitral foi precisamente a da declaração de ilegalidade das liquidações, assim como foi o efeito jurídico determinado: a anulação, na sua totalidade, das liquidações impugnadas, com todas as demais consequências legais, nomeadamente no tocante às reclamações graciosas apresentadas, além da condenação da requerida no pagamento dos juros indemnizatórios legalmente devidos.
Ou seja, ao contrário do alegado pela recorrente, não foi proferido pelo tribunal arbitral qualquer condenação de outra natureza, estranha às competências fixadas no RJAT (conclusão 5).
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Por outro lado, a impugnante sustenta que “existiria sempre, necessariamente, uma relação de prejudicialidade entre o p.p.a e o referido processo crime, o que justificava a suspensão daquela instância – cfr. art. 272.º do CPC – até que fosse proferida decisão final no âmbito do processo crime” (conclusão 12), defendendo que foi mal interpretada “a norma prevista no art. 47.º do RGIT, pois esta o que prevê é que o processo penal tributário se suspenda se estiver a correr processo de impugnação, quando, neste caso, sucedeu o contrário, ou seja, estava a correr o processo penal tributário, já com despacho de acusação proferido, quando foi proposto o p.p.a” (conclusão 16), “sendo a regra no direito português a regra do primado do direito penal” (conclusão 17).
Nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do RJAT, os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade, aplicando-se subsidiariamente ao processo arbitral tributário as normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais normas tributárias – artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Ora, dispõe o artigo 47.º, n.º 1, do Regime das Infrações Tributárias, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, que “Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar a oposição, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças”.
Pretendeu, assim, o legislador que não fosse imputada qualquer responsabilidade criminal ao Arguido se a qualificação criminal dos factos que lhe são imputados depender da sua situação tributária, e esta ainda não estiver estabilizada na ordem jurídica.
Para o efeito, determinou a suspensão do processo penal tributário até ao trânsito em julgado da decisão que estabilize aquela situação tributária, a qual constitui caso julgado para o processo penal tributário, quanto às questões nela decididas e nos precisos termos em que o forem – artigo 48.º do RGIT.
Assim, o processo penal tributário não deve ser instaurado, nem seguir a sua tramitação se estiver pendente, enquanto a situação tributária não estiver consolidada na ordem jurídica.
Há, efetivamente, uma relação de prejudicialidade entre o processo tributário e o processo penal, mas, ao contrário do que sustenta a impugnante, é aquele o subordinante, e este o que deve ter a sua tramitação suspensa.
Pelo que a razão não está, também aqui, com a impugnante.
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QUANTO À VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA IGUALDADE DAS PARTES:
Nos artigos 14´ e seguintes das suas conclusões, a impugnante sustenta a violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes por o tribunal arbitral não ter atendido aos requerimentos probatórios por si apresentados, tendo ficado limitada na possibilidade de prestação de prova, ou seja, na pronúncia sobre os factos uma vez que o este não detém qualquer poder de impor a terceiros o dever de cooperação na obtenção de prova em seu poder, dado o caráter convencional da arbitragem. Conclui, então, que houve uma violação ostensiva do seu direito de defesa, na medida em que viu irremediavelmente ferido o seu direito de realizar prova quanto aos factos em causa no processo.
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Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do RJAT, a decisão arbitral é impugnável com fundamento na violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º.
Por sua vez, dispõe a alínea b) deste artigo 16.º que constitui princípio do processo arbitral “a igualdade das partes, concretizado pelo reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa”.
Pretendeu, assim, o legislador que o tribunal arbitral coloque requerente e requerida em situação paritária, de modo a que os poderes de gestão processual não originem tratamentos diferenciados entre as partes ao ponto de colocar em xeque a possibilidade efetiva de ambas influenciarem de modo simétrico a decisão final.
No caso dos autos, em 21 de março de 2019, o presidente do tribunal arbitral proferiu o seguinte despacho: “Para a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção de prova testemunhal indicada pelas partes, designo o dia 3 de maio de 2019, às 10h30” – cfr. p. 6426 do processo arbitral -, o qual foi notificado à requerente – cfr. p. 6429 do processo arbitral.
A requerente solicitou, então, a “suspensão da instância, ou, assim não se entendendo, o que não se concede, deve ser deferida a requerida prova documental, apenas após a qual se poderá verificar da viabilidade da prova testemunhal, bem como dos factos controvertidos para a qual esta se mostre admissível em função da prova documental então já produzida” – cfr. pp. 6431-6433 do processo arbitral.
A requerente pediu, assim, de forma alternativa, ou a suspensão da instância ou a produção de prova documental.
No dia 29 de abril de 2019, o presidente do tribunal arbitral proferiu o seguinte despacho: “A reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT destina-se a analisar as questões relativas à suspensão da instância suscitada na resposta, bem como a admissão da prova documental aí requerida, ficando a produção de prova testemunhal indicada pelas partes dependente do que vier a decidir-se quanto a essas questões, não havendo motivo, nesse contexto, para alterar o despacho arbitral que agendou a reunião, que se mantém para a data inicialmente indicada” – cfr. p. 6438 do processo arbitral.
Ou seja, o tribunal arbitral comunicou à requerente que a admissão da prova documental requerida seria apreciada na reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.
Nesta reunião, a 3 de maio de 2019, foi, além do mais:
- Deliberado o seguinte: “A regra no direito português é a regra do primado do direito penal. O artigo 47.º do RGIT consagra uma exceção a tal regra e impõe ao tribunal tributário e ao tribunal penal que haja suspensão do processo penal até que haja decisão do processo impugnatório. Na portaria de vinculação, quer o Ministério das Finanças, quer o Ministério da Justiça vinculam-se a todo o RJAT com exceção das matérias especificamente aí previstas. Assim sendo, o tribunal não pode suspender o processo, tendo sim que ser aplicado o artigo 47.º do RGIT. Refere-se, por fim, que a diferença de meios referida pelo representante da Autoridade Tributária e Aduaneira foi devidamente acautelada pelo legislador português ao admitir a suspensão da caducidade da liquidação quando esteja a correr um processo crime”;
- Prestadas declarações de parte;
- Ouvidas as primeiras quatro testemunhas arroladas pela requerente;
- Deliberado ainda que “as restantes testemunhas arroladas pela requerente e pela requerida serão inquiridas no próximo dia 15-05-2019, pelas 10h30” – cfr. a ata da reunião a fls. 6443-6451 do processo arbitral.
Nesta reunião nada foi, então, decidido quanto à produção de prova documental requerida pela impugnante.
No dia 15 de maio de 2019 foram ouvidas as restantes testemunhas arroladas pela requerente, e as primeiras testemunhas arroladas pela requerida, tendo ficado consignado que na ata que “Considerando que não foi possível apresentar as demais testemunhas, as mesmas não serão inquiridas” – cfr. p. 6636 do processo arbitral.
Também na segunda sessão da reunião nada foi, pois, decidido quanto à produção de prova documental requerida pela impugnante.
Posteriormente, em 27 de junho de 2019, o tribunal arbitral “notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo a esta concedido” – cfr. fls. 6722 do processo arbitral.
Verifica-se, assim, que o requerimento para produção de prova documental apresentado pela impugnante, que de acordo com o despacho de 29 de abril de 2019 seria analisado na reunião de 3 de maio, não foi aí, nem em momento posterior, apreciado.
Aliás, pode ler-se na decisão impugnada que “Em 26 de abril de 2019, a Requerida apresentou um requerimento, tendo o tribunal arbitral decidido que se pronunciaria sobre o mesmo aquando da reunião do artigo 18.º do RJAT” e, quanto ao seu conteúdo, ficou referido que nesse requerimento aquela “solicitou a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no artigo 272.º do Código de Processo Civil”, sem qualquer referência à requerida produção de prova documental.
Ora, a falta de resposta do tribunal arbitral quanto ao requerimento de produção de prova documental da impugnante, num processo em que deu como não provados os factos por esta alegados, colocou a requerida numa situação de desigualdade em relação à requerente quanto à possibilidade de poder influenciar a decisão final, o que fere de nulidade a deliberação arbitral, por violação do princípio da igualdade das partes (e consequente pronúncia indevida).
Ficando prejudicado o conhecimento das restantes nulidades imputadas à deliberação, uma vez que independentemente da resposta que lhes fosse dada, a deliberação arbitral sempre teria de ser anulada.
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QUANTO À DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA:
Solicita a impugnante a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, “atendendo a que estamos em sede de impugnação de decisão arbitral, que não há lugar à produção de prova testemunhal e que ao Tribunal se pede que analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade”.
Dispõe o artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, sendo que, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, “Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o Juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Pretendeu, pois, o legislador que o juiz, olhando às circunstâncias do caso concreto, nomeadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, equacionasse se se justifica, ou não, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, modalidade das custas processuais que é devida pelo impulso processual do interveniente.
Ou seja, a dispensa deste pagamento é exceção, não a regra, sendo que o montante global da taxa de justiça devida deve ser proporcional ao serviço de Justiça prestado.
O pedido de pronúncia arbitral é um meio processual alternativo à Impugnação Judicial, a que as partes podem recorrer, sendo certo que tem diferenças conhecidas, no ponto, as previstas no Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 28.º, n.º 1, do RJAT.
Com efeito, por força deste último comando legal, a impugnação da decisão arbitral apenas é possível com um dos seis fundamentos aí taxativamente previstos.
Na presente impugnação, das seis possíveis, foram assacadas quatro nulidades à deliberação arbitral, pelo que se impõe concluir que os presentes autos não têm uma complexidade inferior à que é comum e que é expectável neste meio processual.
Ora, considerando:
- Que vem pedida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na presente impugnação, que totaliza menos de € 5.000,00 (sendo despiciendo o montante de custas arbitrais devidas ao abrigo do RCPAT no CAAD, fruto da opção das partes, que se estimam em € 60.000,00 a título de taxa de arbitragem, € 45.000,00 a título de honorários e € 15.000,00 a título de despesas administrativas);
- Que esta dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é excecional;
- Que a presente impugnação não tem uma complexidade inferior à habitual; e
- Que o montante global da taxa de justiça devida deve ser proporcional ao serviço de Justiça prestado,
indefere-se o requerido.
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Termos em que se acorda conceder provimento à presente impugnação, anulando-se a deliberação arbitral impugnada.
São devidas custas de parte, neste TCA Sul, pela impugnada, não se dispensando o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Lisboa, 5 de maio de 2025.
Tiago Brandão de Pinho (relator) – Sara LoureiroVital Lopes