Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 173/23.4BCLSB |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 10/24/2024 |
| Relator: | VITAL LOPES |
| Descritores: | NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA |
| Sumário: | I - A omissão de pronúncia implica que o tribunal deixe de apreciar uma questão sobre a qual tinha o dever de se pronunciar. II - Se ao Tribunal é pedida pronúncia sobre questão (erro de julgamento na interpretação e aplicação de determinada norma jurídica) que não lhe é licito conhecer no âmbito do processo em causa (impugnação de decisão arbitral), não ocorre omissão de pronúncia. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL N…, S.A., notificado do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 27/06/2024, que julgou improcedente a impugnação da decisão arbitral proferida em 20 de Novembro de 2023 no proc.º 176/2023 – T, pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído junto do CAAD, vem reclamar do referido acórdão com fundamento em nulidade por omissão de pronúncia. No essencial, alega: « (…) 6. Importa, para tanto, recapitular, nos seus traços essenciais, a decisão proferida por este tribunal quanto a tal arguição de nulidade por pronúncia indevida. 7. No acórdão reclamado (pp. 41 e 42), o presente Tribunal decide nos seguintes termos: “Quanto à arguida nulidade da decisão arbitral por pronúncia indevida, na medida em que se decidiram questões de direito com base em supostos “argumentos da Requerente” que, afinal, consubstanciam factos relevantes sobre que foi omitida pronúncia, vejamos. Está em causa, o trecho da decisão arbitral em que se diz: «O argumento da Requerente é que a gestão do Fundo não está cometida ao Requerente, mas sim ao General P…, não havendo nenhuma relação de gestão ou influência por parte daquela». Ora, depois de discorrer sobre o tema, o Tribunal Arbitral conclui: «Ao verificar-se uma participação superior a 20%, de forma indirecta, da requerente no capital da B… III, S.A., atesta-se o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC, que prevê aquele limite mínimo para efeitos de uma estrutura de capital ou direitos de voto». Pois bem, se o Tribunal Arbitral entende – bem ou mal, não o podemos sindicar aqui – que o pressuposto da norma do art.º 63.º, n.º 4 alínea a), do CIRC está preenchido por via da participação indirecta, não inferior a 20%, de uma entidade na estrutura de capital da outra, resulta manifesto que a prova e a factualidade relativas à demonstração de que “a gestão do Fundo não está cometida à Requerente, mas sim ao General P…, não havendo nenhuma relação de gestão ou influência por parte daquela”, visando afastar os pressupostos de aplicação da norma quanto à existência de relações especiais, não assumem qualquer interesse para a decisão a proferir e, nessa medida, lembrando o que acima dissemos, redundaria numa inutilidade proceder à apreciação critica dessa prova e seleccionar para o probatório a atinente matéria. Improcede a arguida nulidade da decisão arbitral por pronúncia indevida, valendo aqui o que acima se disse sobre a conformidade constitucional da leitura que fazemos dos fundamentos impugnáveis da decisão arbitral nos termos do art.º 28.º, n.º 1, do RJAT, resultando inadmissível que, sendo as possibilidades de recurso da decisão arbitral muito limitadas (não abrangendo decisões de facto), essas limitações passassem a ser supridas contra legem por via da sindicância, na impugnação prevista no art.º 27.º do RJAT, de erros de julgamento disfarçados de nulidades da sentença.” 8. Em suma, o Tribunal sustenta que, uma vez que no artigo 63.º, n.º 4, a) do CIRC se prevê que se presume a existência de relações especiais quando uma das partes detenha, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20% do capital de outra entidade, os factos alegados e a prova produzida atinentes à demonstração da inexistência de relações especiais são irrelevantes para a decisão a proferir, pelo que a pronúncia do tribunal arbitral não seria indevida. 9. Sucede, porém, que, para o tribunal se poder pronunciar quanto ao caráter relevante ou irrelevante dos factos e da prova em causa, teria, antes, de necessariamente se pronunciar sobre uma questão jurídica que é prévia a esta e de que esta depende indissociavelmente – a questão que se prende com a natureza da presunção legal contida nessa norma. 10. É que, se, em sede de apreciação dessa questão de direito prévia, de que o tribunal deve conhecer oficiosamente, o Tribunal decidir no sentido de que está em causa uma presunção inilidível, poderá depois, apreciando a questão da relevância ou irrelevância dos factos e da prova a que se reporta, concluir serem estes irrelevantes. 11. Porém, se concluir (como se afigura adequado e conforme à lei), quanto a essa questão de direito prévia e de conhecimento oficioso, que está em causa uma presunção ilidível, já quando se pronunciar sobre a relevância ou irrelevância dos factos e da prova, se impõe concluir que estes assumem relevo para a decisão da causa e, nessa medida, que houve pronúncia indevida no âmbito do acórdão arbitral. 12. A decisão (devidamente fundamentada, naturalmente, nos termos gerais) quanto à questão relativa ao caráter ilidível ou não da presunção representa, assim, um pressuposto necessário da decisão quanto à relevância ou irrelevância dos factos e prova em apreço e, nessa medida, no raciocínio do tribunal, quanto à existência ou não de pronúncia indevida no acórdão arbitral. 13. Não se tendo pronunciado sobre tal questão, cujo conhecimento condiciona a devida possibilidade de decisão quanto à questão que apreciou, o Tribunal incorreu em omissão de pronúncia, que, nos termos do previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte do CPC (por remissão do artigo 666.º, n.º 1 do CPC e dos artigos 281.º e 2.º do CPPT) consubstancia nulidade do acórdão, o que gera a impossibilidade de subsistência deste na ordem jurídica. 14. A interpretação do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte do CPC no sentido de que o tribunal pode proferir decisão quanto a uma questão sem decidir, em momento anterior, sobre questão prévia, que é um pressuposto lógico daquela, sem que tanto represente causa de nulidade por omissão de pronúncia, viola o direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, o que desde já se invoca para os devidos efeitos. (…)». Ouvida a parte contrária, nada disse. A Exma. Senhora PGA emitiu douto parecer concluindo que a reclamação deve improceder por falta de verificação das nulidades invocadas. * Como se deixou explicado no acórdão reclamado, a sindicância da decisão arbitral por via da impugnação é de âmbito muito limitado, circunscrevendo-se à apreciação de vícios que inquinam estruturalmente a decisão ou se prendem com a preterição de princípios estruturantes do processo, nomeadamente, a violação do contraditório.Com esse alcance, é manifesto que a este Tribunal está vedado sindicar se a decisão arbitral fez errónea interpretação e aplicação da norma do art.º 63.º, n.º 4 al. a), do CIRC – que a tanto se reconduz a apontada omissão de pronúncia sobre a natureza ilidível ou inilidível da presunção ali contida – ainda que esse erro de direito tenha sido determinante do juízo de desnecessidade que a decisão arbitral veio a fazer da prova que a Impugnante pretendia produzir. Como está bem de ver, a não se entender assim, de cada vez que o tribunal arbitral decida prescindir da produção de prova por desnecessidade (cf. art.º 16.º, alínea e) do RJAT) com base na sua própria interpretação das normas legais, este Tribunal ver-se-ia na contingência de, a pretexto da alegada violação do direito à prova, se ter de pronunciar sobre o bem fundado da interpretação que o Tribunal Arbitral fez das normas que aplicou. De resto, note-se, não é este Tribunal que “…sustenta que, uma vez que no artigo 63.º, n.º 4, a) do CIRC se prevê que se presume a existência de relações especiais quando uma das partes detenha, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20% do capital de outra entidade, os factos alegados e a prova produzida atinentes à demonstração da inexistência de relações especiais são irrelevantes para a decisão a proferir, pelo que a pronúncia do tribunal arbitral não seria indevida”; o que se diz no ac. reclamado é que esse entendimento do Tribunal Arbitral se mostra coerente com o juízo que veio a fazer sobre a desnecessidade da prova. Não podendo este tribunal pronunciar-se sobre a natureza ilidível ou inilidível da presunção ínsita na norma do art.º 63/4 al. a) do CIRC, porque tal envolveria indagar se a decisão arbitral incorreu num erro de julgamento, torna-se inútil entrar na apreciação dos extensos considerandos doutrinários e de jurisprudência que o reclamante alega para concluir pela natureza ilidível da presunção. Não vemos que a interpretação que fazemos viole o direito do reclamante a um processo equitativo, com garantia constitucional no art.º 20.º, n.º 4 da CRP. O princípio da tutela jurisdicional efectiva pressupõe, é certo, que as partes no processo possuam um arsenal de poderes processuais que lhes permita influir na decisão final da lide, no entanto, são poderes em relação aos quais o legislador ordinário possui uma razoável dose de discricionariedade de atribuição, tendo este, porém, em qualquer caso, de mover-se na órbita do direito a um processo equitativo. Quanto a esta questão, a jurisprudência e a doutrina portuguesas têm vindo a assinalar duas vertentes no tratamento equitativo das partes no processo civil: o princípio do contraditório e, no que especialmente aqui importa, o princípio da igualdade processual ou de igualdade das armas, que se encontra conexionado com a particular garantia de imparcialidade do tribunal perante as partes. Ora, o Tribunal não trata diferentemente as partes, nem deixa de ser imparcial, pela circunstância de entender que não pode sindicar, na impugnação, questões que envolvam entrar na apreciação de erros de julgamento da decisão arbitral, ainda que determinantes do juízo arbitral sobre a desnecessidade da prova pretendida produzir. * Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o requerido. Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC`s. Lisboa, 24 de Outubro de 2024 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Patrícia Manuel Pires ________________________________ Cristina Coelho da Silva |