Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8/08.8BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2024
Relator:ELIANA CRISTINA DE ALMEIDA PINTO
Sumário:I - As hipóteses de responsabilização por fatos praticados no exercício jurídico-administrativo do Poder Judiciário, incluindo, em regra, os danos provenientes de mau funcionamento da administração da justiça, competem à jurisdição administrativa, nos termos no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). Já os casos de reparações por erro judiciário serão de competência da Justiça Comum, conforme artigo 4.º, n.º 3, alínea a), do ETAF.
II - Sobre o artigo 13.º do RRCEE, que condensa a responsabilidade civil por erro judiciário, sublinha-se o problema do erro grosseiro, a que parece ligar-se a ideia de culpa grave, na medida em que a decisão jurisdicional em causa reflete uma diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontram obrigados os juízes em razão do cargo. Ou seja, o artigo 13.º citado do RRCEE tipifica a responsabilidade civil por erro judiciário como resultante de decisões jurisdicionais causadoras de danos e que a lei tipifica como decisões “manifestamente inconstitucionais ou ilegais” ou como decisões “injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”.
III - A causa de pedir referente à genérica imputação de erro judiciário pela aplicação da medida de coação de suspensão de funções, tal pedido configuraria o enquadramento de um pedido ressarcitório por erro judiciário e neste caso, o Tribunal a quo decidiu justa e adequadamente a incompetência material do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
IV - Quanto à caducidade do direito de ação, o artigo 109.º do CPA, que previa o “indeferimento tácito”, contenciosamente impugnável, não seria aplicável à situação vertente, já que estamos no âmbito de um procedimento administrativo de segundo grau que se mostra disciplinado, nesse âmbito, pelo artigo 175.º do CPA, na redação aplicavável aos presentes autos.
V - Questiona-se se as situações de inércia referidas no artigo 69°, n.º 1, do CPTA incluiriam a falta de decisão recursos hierárquicos, sobretudo em razão da norma prever o prazo de um ano para se instaurar a ação condenatória, pois esse prazo articular-se-ia mal com o dies a quo do prazo de três meses para atacar o ato primário (artigo 59°, n.° 4, da versão inicial do CPTA).
VI - Pois bem, as situações de inércia a que o artigo 69°, n.º 1, do CPTA sempre aludiu eram, no passado, e são, hoje, as que correspondem ao absoluto silêncio administrativo sobre pretensões subjetivas em 1.° grau - o qual deverá superar-se mediante a propositura de uma acção condenatória no prazo de um ano, pois a completa falta de definição administrativa mantém o interessado expectante de uma primeira pronúncia e explica que se lhe conceda um prazo muito lato para reagir.
VII - Assim, o recurso hierárquico era havido como indeferido tacitamente se não decidido e o recorrente teria - em três meses - de se socorrer da via contenciosa, nos termos do artigo 58.º/1 do CPTA.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO

M......., militar da Guarda Nacional Republicana, ora recorrente, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra uma ação administrativa especial contra o Ministério da Administração Interna e o Estado Português, representado pelo Ministério Público, recorridos, visando a “...revogação do acto de indeferimento tácito, condenando-se solidariamente os Réus – MAI e Estado Português – a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais, o montante de € 11.151,58 e a título de danos não patrimoniais a quantia de € 28.848,72, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos...”.

A 13/07/2012 foi prolatado saneador-sentença, na qual se decidiu:

“i) Absolver a Autoridade Demandada e o Réu, Estado Português, da instância quanto ao pedido de condenação a pagar ao Autor a quantia € 28.848,72, a título de danos patrimoniais;
ii) Julgar procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção, e absolver a Autoridade Demandada da instância quanto aos pedidos de revogação do acto de indeferimento e de condenação à prática de acto devido, consubstanciado no pagamento da quantia de € 11.151,28, correspondente às diferenças de progressão no escalão 4º para o 5º, suplementos de patrulha e escala, gratificação de trânsito, por proceder uma causa impeditiva do seu conhecimento (artº. 87º, nº 1, alin. a) e 89º, nº 1, alin. h), ambos do CPTA)”.

Inconformado com a decisão, recorreu o aqui recorrente, que, após vicissitudes várias, entre as quais, as decisões deste Tribunal Central Administrativo proferidas a 26/09/2014 e 10/09/2015, foi indeferida a reclamação para a conferência apresentada do referido saneador-sentença, mantendo a decisão reclamada.

***
Notificado da decisão veio o recorrente interpor o presente recurso tendo, nas respetivas alegações, formulado as conclusões que infra se reproduzem:
“...
A - A aplicação da medida coactiva penal de suspensão da actividade profissional do arguido, seguida de absolvição da prática dos crimes de referência, constitui caso de mau funcionamento do serviço de justiça;
B - Tendo determinado danos na imagem, consideração e honra do recorrente, por ter sido divulgada a decisão interlocutória penal em causa, pelo Comandante-Geral da GNR, concorde, pelo que o artigo 22.° da CRP determina que os prejuízos sejam removidos;
C - E, neste sentido, é competente para o julgamento do caso o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e não os tribunais comuns, a quem está adstrito apenas o julgamento da responsabilidade extracontratual do Estado por erro de oficio, grave, dos magistrados;
D - É que não foi articulado qualquer erro de decisão judicial, mas simplesmente pedida a reparação dos prejuízos que incluem, durante os três anos da suspensão de funções, não ter sido o recorrente abonado dos suplementos de patrulha e escala, gratificação de trânsito, bem como não ter sido desbloqueado, com referência à data de 26/04/2004, do 4.° para o 5.° escalão da escala remuneratória;
E - Errou a sentença recorrida ao remeter este aspecto da questão para o foro comum, com base no artigo 4.°/2/alíneas b) e c) ETAF, preceito que, in casu, não exclui a competência dos tribunais administrativos;
F - Depois, a p.i., sobretudo nos art.°s 60.° a 69.°, articula factos bastantes de caracterização do dano não patrimonial sofrido pelo recorrente;
G - Ao que acresce a indicação precisa, no articulado restante, dos danos materiais correspondentes ao não abono durante o tempo da suspensão dos suplementos de patrulha e escala, gratificação de trânsito, pagamento das férias ou desbloqueamento do 4.° para o 5.° escalão, que deveria ter ocorrido em 26/04/2004;
H - Quando muito, merecem aperfeiçoamento da p.i., estes aspectos do dano e modo como foram produzidos, no que diz respeito à imputação ao Senhor Tenente-General Comandante-Geral da GNR que, nesta qualidade de militar, amplificou os efeitos do despacho judicial junto da opinião pública;
I - Ora, o despacho de aperfeiçoamento não é decisão discricionária do juiz, mas o exercício de um poder/dever vinculado;
J - Neste particular, a decisão recorrida, ao não lançar mão do despacho de aperfeiçoamento, segundo o artigo 508.° CPC e, sobretudo, ao não considerar como factos relevantes de integração do dano moral aqueles que na p.i. se lhe referem expressamente, nos artigos citados em F, errou;
K - Não se justifica, portanto, a absolvição da instância do Estado, neste particular de reposição dos suplementos de patrulha e escala, gratificação de trânsito e desbloqueamento do 4.° para o 5.° escalão;
L - Mas, ainda assim, seria, no limite, caso de mero aperfeiçoamento que vincasse e vinque bem a concausalidade e derive responsabilidades em sobreposição;
M - Em suma: pelos argumentos aduzidos, deve ser revogada a sentença recorrida, quando muito (e talvez seja preferível) é devido um despacho de aperfeiçoamento da p.i., moldado no objecto de fazer arrumar as matérias indemnizatórias segundo a concausalidade e a subsidiariedade - esta, no que diz respeito ao pedido de revogação do indeferimento das reposições (na qualificação que o recorrente aqui lhe expressa e defende);
N - Neste termos, não é tematizável a preclusão do direito de acção, tanto mais que a directiva constitucional de uma tutela jurisdicional efectiva ficaria afectada, pois qualquer prazo útil deve ser contado da data do conhecimento da última decisão administrativa, ainda que esta confirme as anteriores;
T - Caso assim se não entenda, então, está a ser feita uma interpretação inconstitucional dos artigos 58.°/2/alínea b e 69.°/2 CPTA, deles estando a ser retirada uma norma, reitora da contagem do prazo, contrária ao artigo 20.° CRP;
U - De qualquer modo, ao caso presente aplica-se o artigo 69.°/1 CPTA: o n.° 2 desta disposição legal pressupõe uma consolidação do acto administrativo - imprópria, perante a falta de decisão do recurso hierárquico necessário interposto;
X - Em suma, a partir da absolvição criminal do recorrente, a medida de coacção intercalar, injustificada ab ovo, dá não só dimensão crítica, em si e por si, como se constitui na dimensão indemnizatória: rasura a excepcão.
Pede a reforma da sentença recorrida no sentido destas conclusões, ou no mais que for de suprimento, douto e necessário.
…”.
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O recorrido Ministério da Administração Interna, notificado, apresentou contra-alegações, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“...
1) Nos termos do disposto na alínea c) do n.° 2 do artigo 4.° do ETAF, a jurisdição administrativa é incompetente quanto à apreciação do pedido de indemnização por danos morais; e
2) A data da interposição da presente ação judicial - 3 de janeiro de 2008 – considerando o prazo de 3 meses previsto no artigo 58.°, n.° 2, alínea b) e n.° 3 do CPTA, encontrava- se largamente ultrapassado.
Pede a improcedência do recurso.
…”.

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O recorrido Ministério Público, em representação do Estado Português, notificado, apresentou contra-alegações, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“...
1) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido nos presentes autos, em sede de reclamação para a conferência, nos termos do artigo 27.º, n.º 2 do CPTA, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro (vide art.º 15º, n.º 2 deste diploma legal), no qual, por um lado, foi julgada procedente a excepção de incompetência absoluta da jurisdição administrativa quanto ao pedido de indemnização por danos morais e, em consequência, determinada a absolvição da instância dos Réus quanto ao pedido a título de indemnização por danos não patrimoniais, e, por outro lado, foi julgada procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção e, em consequência, determinada a absolvição do Ministério da Administração Interna da instância quanto aos pedidos de revogação do acto de indeferimento e de condenação à prática de acto devido, consubstanciado no pagamento da quantia de € 11.151,28.
2) Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente em sede de recurso jurisdicional, a primeira questão radica em saber se o facto de alguém ter sido objecto de medidas de coacção em processo penal, vindo depois a ser absolvido no julgamento, traduz ou não o mau funcionamento do sistema de administração da justiça.
3) Salvo melhor entendimento, a aplicação de medidas de coacção ao arguido, em processo penal, deve obedecer aos requisitos da lei penal adjectiva, sendo os pressupostos da sua aplicação aferidos em função dos concretos elementos existentes no processo na data da decisão.
4) Caso o arguido com elas se não conforme, pode impugná-las, em sede de recurso jurisdicional, ou requerer a sua alteração ou substituição.
5) A alegada - que não provada - divulgação pelo Comandante-geral da GNR das medidas de coacção aplicadas ao ora A, enquanto arguido em processo penal, não tem por virtualidade alterar a questão essencial: tais medidas têm de ser decretadas pela entidade competente e no quadro legal aplicável.
6) Na estrutura constitucional e no quadro processual penal vigente, a absolvição de um arguido, na sequência de julgamento, é um acto coerente com a pré-existência das medidas de coacção: significa apenas que, em julgamento, não se fez prova de que o arguido cometeu os factos pelos quais vinha acusado e pronunciado.
7) Consequentemente, se alguém pretende ser indemnizado por via da aplicação de medidas de coacção, por ter sido absolvido, não está a questionar o mau funcionamento do sistema de administração da Justiça, mas, eventualmente, a decisão jurisdicional que decretou tais medidas.
8) Em tal hipótese, estamos no domínio da responsabilidade extracontratual do Estado por prejuízos alegadamente decorrentes da decisão proferida em 6.11.2002 pelo Juiz de Instrução do TIC de Lisboa, no âmbito do mencionado processo, depois mantida por despacho de 2.03.2004.
9) Como bem se refere no saneador-sentença recorrido, a alínea c) do nº 2 do art.º 4º do ETAF exclui da jurisdição administrativa a apreciação dos litígios emergentes de "(...) actos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da acçõo penal e à execução das respectivas decisões".
10) A incompetência absoluta acarreta a absolvição do réu da instância - artigos 105.º, n.º 1 e 288.º, nº 1, alínea a) do CPC, subsidiariamente aplicável.
11) Pelo que a decisão recorrida, ao decretar a absolvição da instância do R. Estado Português, não merece censura.
12) Outra questão suscitada ao longo do recurso, prende-se com o despacho de aperfeiçoamento.
13) Pretende o Autor que os autos regressem à fase inicial, e que o Juiz, após ter analisado e decidido desfavoravelmente a pretensão do Autor, lhe diga o que deve articular e provar para a sua pretensão vir a ser julgada procedente.
14) Sucede que na presente acção é obrigatória a constituição de Advogado – artº 11º, nº 1 do CPTA, o que significa isso que neste tipo de acções, pela sua natureza e complexidade, as partes têm obrigatoriamente de estar patrocinadas por Advogado.
15) O despacho de aperfeiçoamento encontra-se previsto no artigo 88º, n.º 2 do CPTA: "quando a correcção oficiosa não seja possível, o juiz profere despacho de aperfeiçoamento, destinado a providenciar o suprimento de excepções dilatórias e a convidar a parte a corrigir as irregularidades do articulado, fixando o prazo de 10 dias para o suprimento ou correcção do vicio, designadamente por faltarem requisitos legais ou não ter sido apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa".
16) Entendemos que, salvo melhor opinião, o despacho de aperfeiçoamento apenas é admissível para suprimento de excepções dilatórias ou o suprimento de irregularidades no articulado, quando admissíveis, não para substituir uma petição improcedente por outra putativamente procedente, nem para permitirão Autor alegar factos que não alegou ab initio.
17) Consequentemente, não seria admissível despacho de aperfeiçoamento quanto à incompetência absoluta do TAF de Sintra.
18) No mais, o Tribunal concluiu pela caducidade do direito de acção, excepção insusceptível de suprimento por via do despacho de aperfeiçoamento.
19) O recurso ao despacho de aperfeiçoamento, em termos mais amplos que os permitidos pelo artigo 88º, n.º 2 do CPTA, conduz a uma evidente desigualdade de armas entre as partes, já que o Autor é colocado perante o conhecimento prévio daquilo que o Tribunal entende ser indispensável para a procedência da acção.
20) Sobre a caducidade do direito de acção, cumpre referir que é indiscutível que nos presentes autos, o recurso hierárquico da decisão final proferida pelo Comandante-Geral da GNR era necessário - artigo 188.º do DL 265/93, de 31.07.
21) Decorre do artigo 190º. do mesmo diploma, que o recurso considera-se tacitamente indeferido quando tiverem decorrido 45 dias sobre a data de interposição do mesmo, sem que tenha sido proferida decisão expressa e, decorrido o prazo de 45 dias, a que alude o artigo 190º do DL nº 265/93, contado nos termos do artigo 72º do CPTA, cessa o efeito suspensivo do mesmo, por força do disposto no artigo 170º, n.º 1 CPTA, tornando-se a decisão inicial definitiva e com eficácia externa, logo contenciosamente impugnável.
22) Tratando-se de acto a que seja assacado o vício de anulabilidade, como sucede in casu, o prazo de impugnação é de três meses – artigo 58º, nº 2, al. b) do CPTA.
23) Tal prazo conta-se a partir do 45.º dia posterior à data da notificação ao Autor da remessa dos autos ao MAI - artigo 190º do DL nº 265/93 e art.º 172º do CPA.
24) Tem sido entendimento jurisprudencial, relativamente ao preceituado no artigo 69º, nº 1 do CPTA, que "(...) o prazo de um ano, contado desde o termo do prazo fixado para a emissão do acto ilegalmente omitido, apenas se aplica às situações de inércia da Administração, ou seja, às situações em que ocorre omissão de pronúncia administrativa face à pretensão formulada pelo administrado. Já nos outros casos, em que há um acto expresso de recusa, seja da prática do acto devido, seja da apreciação do pertinente requerimento, o prazo de caducidade já será, em princípio, de três meses [artigos 67º nº1 alíneas a) b) e c), e 69º nº 1 e nº 2, do CPTA" - cfr. Ac. TCA Norte de 9.06.2006, in Pº 00032/05.2BECBR, pelo que, à data da propositura da presente acção, caducara o direito de acção.
Nestes termos, defende que o recurso deva ser considerado improcedente
…”.

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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento por:
a) errada decisão de declaração de incompetência absoluta do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em razão de o recorrente ter sido objeto de medidas de coação em processo penal, vindo depois a ser absolvido no julgamento, e de, no período em que esteve sujeito a elas [3 anos] ter sido lesado por danos patrimoniais e não patrimoniais, pedindo, na ação, que fosse ressarcido por eles, também causados por declarações do Comandante-Geral da GNR que publicamente o condenou com a adoção de medidas de coação;
Caso se conclua pela competência material do Tribunal, será apreciado o erro de julgamento quanto:
b) ao facto de o Tribunal a quo não ter proferido despacho de aperfeiçoamento quanto aos danos não patrimoniais e patrimoniais, sendo aquele um poder/dever do Juiz de 1.ª instância e não um poder discricionário, ao abrigo do artigo 508.º do CPC, bem como;
c) à declaração da caducidade do direito de ação quanto ao pedido de pagamento dos suplementos de patrulha e escala, gratificação de trânsito, bem como o desbloqueamento do 4° para o 5.° escalão da escala remuneratória (tendo por referência a data de 26/04/2004), em razão da sua suspensão no período da aplicação das medidas de coação.

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III – FUNDAMENTOS

III.A) DE FACTO
Com relevância para a apreciação das questões prévias suscitadas, nomeadamente de caducidade do direito de ação que, a proceder, obstava ao conhecimento do mérito da causa, na decisão judicial recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
“...
i) Em 16.11.2006, o Autor apresentou, na Brigada de Trânsito (GAC) da Guarda Nacional Republicana, o requerimento onde requer “...que lhe seja efectuado o pagamento referente aos subsídios de alimentação, patrulha, gratificação de trânsito e desbloqueamento do escalão (4º para o 5º) correspondente aos três anos em que esteve suspenso de funções no âmbito do Processo judicial 1594/01.9TALRS. Sobre o processo judicial anteriormente referido recaiu a decisão judicial transitada em julgado, de 03 de Julho de 2006, que confirma o requerente como absolvido no processo...” – cf. fls. 2 do processo administrativo apenso;
ii) Por despacho de 19 de Fevereiro de 2007, do Comandante Geral, foi indeferido o pedido precedente, nos termos do Parecer e da Informação n.º 94/CSF, da qual se destaca:
“(…) 15. Assim, dúvidas não restarão de que o militar deve ser abonado do subsídio de alimentação, que deixou de auferir durante o período em que esteve sujeito a medidas de coação.
16. Já quanto ao desbloqueamento de escalão, conforme anteriormente referido, por força do disposto no n.º 3 do artigo 13.º do Decreto-Lei nº 504/99, de 20NOV, o tempo em que esteve sujeito a medida de coacção não lhe é considerado para efeitos de progressão nos escalões.
17. Por fim quanto ao suplemento de patrulha, bem como à gratificação de trânsito, não auferidos durante o período em que esteve sujeito a medidas de coacção, recorde-se que, conforme referido na alínea c) do ponto nº 4 do capítulo III da já referida circular 16/CSF, de 15JUL04, os mesmos são atribuídos em funções do desempenho efectivo de determinada função, cujo exercício é sustado por motivo de tais medidas.
(…)
III – PROPOSTA
Nestes termos, caso o Exmº Chefe do Serviço de Finanças se digne concordar com quanto se acabou de expender poderá, promover a subida da presente informação ao Exmo Comandante-Geral que, se igualmente com ela concordar poderá indeferir o requerimento apresentado pelo Soldado Matias (…)” – cf. fls. 43 a 47, processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido
iii) O despacho precedente foi notificado ao Autor em 26.02.2007 – cfr. doc. 11 junto á p.i. (confissão artigo 19.º da p.i.);
iv) A 9.03.2007, o Autor reclamou do despacho de indeferimento para o autor do acto – cf. doc. 12 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
v) Por despacho de 16.04.2007, do Comandante-Geral da GNR, nos termos e com os fundamentos do parecer e da Informação 204/CSF, foi mantida a decisão de indeferimento – cfr. fls. 69 a 72 do processo administrativo apenso;
vi) O Autor tomou conhecimento do despacho precedente em 23 de Abril de 2007 – cf. doc. 13 junto à p.i.;
vii) Em 5 de Abril de 2007, o Autor interpôs recurso hierárquico para o Ministro da Administração Interna – cf. doc. 14 junto á p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
viii) Através de ofício nº 2466, de 13.04.2007, do MAI, foi o Autor notificado da recepção e encaminhamento do seu recurso ao Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna – cf. doc. 16 junto à p.i.
ix) A petição inicial da presente acção administrativa especial foi enviada via e-mail em 3.01.2008 – cf. fls. 1 dos autos.
…”.
Para apreciar os pedidos formulados no recurso aditam-se os seguintes factos provados:
x) O Autor foi detido, constituído arguido e sujeito à medida de coacção "suspensão de funções", em 5 de novembro de 2002, a qual se manteve até 21 de Novembro de 2005, tendo, tal medida, perdurado mais de três anos, (doc 1)
xi) O Autor foi novamente reintegrado ao serviço antes de ser proferida decisão no processo-crime em causa, a qual ocorreu em 31 de Março de 2006, (Doc 1)

III.B) DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso, segundo a sua ordem de precedência lógica.
Relativamente às questões a resolver na sentença, o artigo 608.º, n.º2, do mesmo Código estabelece o seguinte: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

A) Da declaração de incompetência absoluta do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra

Alega o recorrente, logo na sua conclusão de recurso “A-“ que “... A aplicação da medida coactiva penal de suspensão da actividade profissional do arguido, seguida de absolvição da prática dos crimes de referência, constitui caso de mau funcionamento do serviço de justiça...”, pelo que, aqui, o recorrente está a enquadrar o pedido ressarcitório formulado num erro judiciário, mas fazendo-o de modo absolutamente genérico e sem qualquer substanciação concreta por referência a um qualquer erro judiciário na tomada de decisão de aplicação da medida de coação de “suspensão de funções”, que o manteve afastado durante 3 anos e que, na sua versão dos factos, lhe causou danos patrimoniais vários e não patrimoniais.
Por outro lado, simultaneamente, são várias as alegações feitas em que não resulta claro que a sua imputação é dirigida a um eventual erro judiciário concreto, mas antes é referida genericamente a aplicação de uma medida de coação de suspensão de funções que lhe causou danos, vindo-se mais tarde a apurar a sua absolvição, mas, reitera-se, sem imputação concreta a que teria existido erro judiciário na aplicação daquela concreta medida de coação. Em todo o caso, tal facto adviria, sempre, de uma decisão judicial e, apesar de na sua alegação n.º 40 do recurso jurisdicional referir, confusamente, má administração da justiça. Na verdade, quando o recorrente fala em má administração da justiça, em vez de erro judiciário, não nos permite tirar mais conclusões, porquanto nenhum facto foi alegado que permita ao Tribunal subsumir uma causa de pedir relacionada com essa má administração da justiça.
O recorrente defende, sobre o assunto, que “... no processo-crime foi deduzida acusação pública contra o Autor, na qual este foi acusado pela prática de oito crimes de corrupção passiva para acto ilícito, [...] Em consequência daquele processo criminal, em 5 de Novembro de 2002, foi o Autor detido, constituído arguido e sujeito à medida de coacção "suspensão de funções", a qual se manteve até 21 de Novembro de 2005, tendo, tal medida, perdurado mais de três anos ...”. Ainda alegou que “... a imposição ao Autor de medida de coacção de suspensão do exercício de funções durante um período de mais de três anos consecutivos, também causou ao Autor danos não patrimoniais elevados...”, e que “... O facto de o Autor ter sido por duas vezes detido, uma para ser sujeito a primeiro interrogatório judicial, e outra para reanálise da medida de coacção que, num primeiro momento, lhe houvera sido imposta, fazendo-o associar a um qualquer corrupto, causaram ao Autor danos não patrimoniais irreparáveis...”.
Por outro lado, expõe que “... As ofensas ao bom-nome do Autor atingiram efeitos graves, na medida em que foram proferidas através de órgãos de comunicação social, no mínimo, com projecção em todo o território nacional, facto que agravou as consequências lesivas daqueles bens jurídicos...” e que “... No mesmo passo, as declarações que responsáveis da Guarda Nacional Republicana prestaram a órgãos de comunicação social, nomeadamente, o Comandante-Geral, afirmando que o processo em causa era um acto de depuração da Guarda, fizeram com que o Autor se sentisse ofendido na sua honra, consideração, bom nome e auto-estima, causando-lhe danos não patrimoniais de elevada monta...”, pelo que, claramente indica uma outra causa de pedir reportada a facto ilícito, por comportamentos do Comandante-Geral da GNR que, antes de uma condenação criminal, publicamente refere tratar-se de “... um acto de depuração da Guarda...”, mesmo sabendo tratar-se de uma mera medida de coação, com natureza meramente preventiva.
O Tribunal a quo sobre o assunto decidiu “... resulta que o Autor fundamenta, assim, o seu pedido de indemnizatório, quanto aos danos morais, nos actos praticados no decurso do processo crime e pelos actos que só a ele dizem respeito (causa de pedir). A competência dos tribunais afere-se tendo em conta a causa de pedir e o pedido. O artigo 211°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), diz, relativamente à jurisdição comum: “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas as outras ordens judiciais”. Trata-se da consagração do princípio da competência residual dos tribunais judiciais, uma vez que ela se estende a todas as matérias que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais. Por sua vez, o artigo 212° da CRP, no seu n° 3, quanto à ordem administrativa refere: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais”. Densificando o art. 4.º do ETAF, no seu no, 1, que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto nomeadamente: (...) g) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, nos termos da lei, bem como a resultante do funcionamento da administração da justiça”. Ficando no entanto excluída nos termos do no 2, alínea c) “ do citado artigo 4o “a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação actos relativos ao inquérito e instrução criminais, no exercício da acção penal e à execução das respectivas decisões”. Em consonância, o artigo 66° do Código de Processo Civil confirma que “[s]ão da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, formulação reafirmada no art. 26°, n° 1 da Lei n° 52/2008 de 28/8 (LOFTJ). Pelo que, nos termos do disposto na alínea c) do no 2 do art. 4o do ETAF, procede a excepção da incompetência absoluta da jurisdição administrativa, quanto à apreciação do pedido de indemnização por danos morais suscitada pelo Réu, Estado Português. A incompetência absoluta acarreta, como consequência, a absolvição do réu da instância (art. 105º/1 e 288º/1, alínea a) do CPC...”.
Apreciando e decidindo.
Uma lesão de origem jurisdicional pode decorrer de erro no julgamento ou no procedimento processual, de culpa lato sensu do magistrado ou de mora na prestação do serviço jurisdicional. Por outro lado, devemos distinguir atos jurisdicionais de atos judiciais. Os primeiros são os atos típicos de juízes, provenientes de sua atuação exclusiva no exercício da função de julgar, consubstanciado em sentenças, acórdãos, decisões, liminares, por exemplo. Já atos judiciais são os oriundos das demais atividades do Poder Judiciário, ou seja, ações necessárias ao regular desenvolvimento da atividade jurisdicional, mas que não precisam ser essencialmente executadas por juízes.
Pois bem, corroborando a devida diferenciação entre “erro judiciário” e “mau funcionamento da justiça”, no RRCEE, consagrado na Lei n.º 67/2007, distinguiu-se a responsabilidade por danos provenientes de atuações jurídico-administrativas do âmbito judicial, abordada no artigo 12.º do RRCEE, daquela oriunda de decisões judiciais, prevista no artigo 13.º daquele mesmo RRCEE. A primeira assemelha-se à disciplina geral da responsabilidade da função administrativa por atos ilícitos, enquanto a segunda se submete a regime próprio, justificado pela especialidade da função jurisdicional.
Essa dualidade de regimes acarreta diferenciações de ordem processual. As hipóteses de responsabilização por factos praticados no exercício jurídico-administrativo do Poder Judiciário, incluindo, em regra, os danos provenientes de “mau funcionamento da administração da justiça”, competem à jurisdição administrativa, nos termos no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). Já os casos de reparações por erro judiciário serão de competência da Justiça Comum, conforme artigo 4.º, n.º 3, alínea a), do ETAF.
Em síntese, sobre o primeiro sublinha-se a cláusula geral de remissão no domínio da responsabilidade por factos ilícitos, que se extrai do artigo 12.º citado. É uma cláusula geral de remissão no domínio da responsabilidade por factos ilícitos, cabendo no ilícito um sem número de situações, por ação e/ou omissão, ligadas à administração da justiça, com intervenientes vários: juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários de justiça. Já sobre o artigo 13.º do RRCEE, que condensa a responsabilidade civil por erro judiciário, sublinha-se o problema do erro grosseiro, a que parece ligar-se a ideia de culpa grave, na medida em que a decisão jurisdicional em causa reflecte uma diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontram obrigados os juízes em razão do cargo. Neste caso, o artigo 13.º citado do RRCEE condensa a responsabilidade civil por erro judiciário, resultante de decisões jurisdicionais causadoras de danos e que a lei tipifica como decisões “manifestamente inconstitucionais ou ilegais” ou como decisões “injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”.
Ainda há a ressaltar o regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e a de privação injustificada da liberdade, que foi ressalvado no n.º 1 do artigo 13.º do RRCEE (é o regime constante do artigo 225.º CPP relativamente à indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada, e dos artigos 461.º e 462.º do CPP, no âmbito da sentença absolutória do juízo de revisão).
Aqui, no caso de sentença penal condenatória injusta, ou de uma privação injustificada da liberdade, também se situa no erro judiciário, mas impõe o n.º 2 do artigo 13.º do RRCEE, que o pedido de indemnização deva ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, o mesmo sucedendo para as situações de privação injustificada da liberdade, integrantes do n.º 1 do mesmo preceito legal, sendo-lhe aplicável designadamente a situações a que reportam os artigos 220.º, n.º 1, e 222.º, n.º 2, do CPP.
É claro que, se a causa de pedir do recorrente fosse claramente a de imputar erro judiciário por suspensão de funções, em execução de uma medida de coação materialmente injustificada, tal pedido configuraria o enquadramento de um pedido ressarcitório por erro judiciário e neste caso, o Tribunal a quo teria decidido justa e adequadamente a incompetência material do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
Apesar de imprecisa, caso essa seja uma das causas de pedir, o Tribunal a quo andou bem, porquanto a competência para o seu julgamento não é da jurisdição administrativa e fiscal.
Por outro lado, apreciada a globalidade da causa de pedir, a imputação também é feita por referência a um ato ilícito pelas “... declarações que responsáveis da Guarda Nacional Republicana prestaram a órgãos de comunicação social, nomeadamente, o Comandante-Geral, afirmando que o processo em causa era um acto de depuração da Guarda, fizeram com que o Autor se sentisse ofendido na sua honra, consideração, bom nome e auto-estima, causando-lhe danos não patrimoniais de elevada monta...”. Considerando a alegação de recurso em que claramente o recorrente imputa danos na imagem, consideração e honra do recorrente, por ter sido divulgada a decisão interlocutória penal em causa, pelo Comandante-Geral da GNR, e mais que isso, por ter sido retirada uma conclusão precipitada, porque não correspondente a uma condenação em juízo, ao ser referido publicamente, com a mera decisão de suspensão preventiva, enquanto medida de coação, tratar-se de “...um acto de depuração da Guarda...”, reitera-se, antes mesmos da decisão final do processo, pelo que potencialmente ilícita e causadora de ofensa ao seu bom nome.
Pois bem, para a apreciação do direito à ressarcibilidade de danos não patrimoniais, relevará recordar o disposto no artigo 496.º, n.º 1, do CC, que os limita àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que sempre imporá uma apreciação de mérito que o Tribunal ad quem, no presente não está em condições de julgar, por carecer da produção de prova.
Assim, observa-se a presença de um único pressuposto para a compensação destes danos: a “sua gravidade” que, por sua vez, irá justificar a tutela do direito (“mereçam tutela do direito”), o que se apreciará após a apreciação do mérito da pretensão.
Tal significa que, em abstrato, estas imputações trazem estes pedidos para a esfera da jurisdição administrativa e fiscal. Claro que, saber se tais imputações procedem ou não é, já, outra questão.
Ora, o artigo 22.º diz-nos que o Estado e as demais entidades públicas são responsáveis pelos factos lesivos praticados e ainda que respondem solidariamente quando esses factos são imputáveis diretamente à conduta dolosa de um titular de um órgão, funcionário ou agente. E claramente o artigo 22.º da CRP não exclui a hipótese de um qualquer comportamento da Administração poder ser gerador de danos indemnizáveis e ainda assim ter sido praticado licitamente por um funcionário que, no estrito cumprimento das suas funções, não incorreu em qualquer erro.
Portanto, o Tribunal ad quem não pode manter integralmente o decidido em 1.ª instância, revogando, nesta parte, a decisão recorrida, ordenando a baixa dos autos para que seja produzida a prova necessária a tais causas de pedir – responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito em resultado do comportamento do comandante-Geral da GNR, decidindo-se, em consequência, o mérito da causa.


B) Da Caducidade do direito de ação
Alega o recorrente que foi feita uma incorreta interpretação dos artigos 58.º/2, alínea b) e 69.º/2 do CPTA, sendo que se deve aplicar o disposto no artigo 69.º/1 do CPTA.
Explicita, para tanto que, em 17 de Janeiro de 2007, em cumprimento do artigo 100.° e ss. do Código do Procedimento Administrativo, o interessado, aqui recorrente, foi notificado do projecto de intenção de indeferimento do requerimento por si apresentado, no que concerne ao pagamento dos suplementos de patrulha escala, gratificação de trânsito desbloqueamento do 4° para o 5.° escalão, e em 26 de Fevereiro de 2007, por carta registada, o, aqui, recorrente, foi notificado do indeferimento que recaiu sobre o requerimento por si apresentado junto Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, frustrando-se, assim, as suas pretensões.
Em 9 de Março de 2007, o recorrente reclamou desse indeferimento para o autor do ato, ou seja, para o Ex.mo Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, e foi indeferida a 23 de abril de 2007, mas em 5 de abril o recorrente apresentou recurso hierárquico necessário para o Ministro da Administração Interna, sem decisão até à data da propositura da presente ação, por indeferimento tácito de 14 de junho de 2007, por força do artigo 190.º do DL 265/93, de 31 de julho e artigos 109.º e 72.º do CPA aplicável, à época dos factos.
À data da propositura da ação não tinha sido ultrapassado o prazo de um ano de que dispunha, ao abrigo do artigo 69.º do CPTA.
Sobre o assunto, o recorrente, Ministério da Administração Interna, o ato tácito de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto para o MAI, do despacho do Comandante Geral da GNR, através do qual foi mantida a decisão de indeferimento da pretensão do recorrente, formou-se em 14 de Junho de 2007, pelo que à data da interposição da presente ação - 3 de janeiro de 2008 - o prazo de 3 meses, previsto no artigo 58.°, n.° 2, alínea b) e n.° 3 do CPTA, encontrava-se largamente ultrapassado. Mais acrescenta não estarmos perante o disposto no artigo 69.º, n.º 1 do CPTA, pois não há situação de inércia, já que a sua pretensão foi indeferida por desapcho do Comandante-Geral da GNR, que se revestiu de eficácia externa.
Em parecer, o Ministério Público, afirma ser indiscutível que o recurso hierárquico da decisão final proferida pelo Comandante-Geral da GNR era necessário, conforme artigo 188.ºdo DL 265/93, de 31.07. E, nos termos do artigo 190.º do mesmo diploma, o recurso considera-se tacitamente indeferido quando tiverem decorrido 45 dias sobre a data de interposição do mesmo, sem que tenha sido proferida decisão expressa, pelo que, decorrido o prazo de 45 dias, a que alude o citado artigo 190.º do DL nº 265/93, prazo esse contado nos termos do art. 72º do CPA em vigor à data, cessou o efeito suspensivo do mesmo, por força do disposto no artigo 170.º, n.º 1, do CPA em vigor à data, tornou-se aquela decisão inicial definitiva e com eficácia externa, logo contenciosamente impugnável.
Apreciando e decidindo.
Pois bem, estatui o artigo 69º/1 do CPTA que “... em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido; e o seu nº 2 prescreve que: Tendo havido indeferimento, o prazo de propositura da acção é de três meses...”.
Pois bem, está provado que, a 16 de novembro de 2006, o recorrente requereu o pagamento de múltiplos subsídios e da promoção para o 5.º escalão, dirigindo tal pedido ao Comandante-Geral (facto provado i). E está provado que tal pedido foi indeferido, expressamente, em 19 de fevereiro de 2007 (facto provado ii.) e ainda que o recorrente dele reclamou, em 9 de maarço de 2007, mantendo-se o ali decidido, tendo o recorrente tomado conhecimento desse indeferimento a 23 de abril de 2007 (facto provado vi)). Por fim, o recorrente recorre hierarquicamente para o Ministro da Administração Interna a 5 de abril de 2007 (facto provado viii.).
O recurso hierárquico em discussão proposto pelo recorrente da decisão do Comandante-Geral para o Ministro da Administração Interna é necessário, por força do disposto no artigo 188.º, n.º 1 e 2, do DL 265/93, de 31.07. Portanto, o referido recurso hierárquico necessário era pressuposto essencial para a propositura da presente ação.
Por outro lado, enquadra-se a situação em presença na previsão do artigo 67.º/1, alínea a) do CPTA, já que sobre o recorrido, Ministério da Administração Interna, impendia o dever de decidir a pretensão que o recorrente havia formulado e sobre a mesma efetivamente acabou por não emitir qualquer pronúncia (cfr. artigo 9.º do CPA) (facto provado viii.).
É que, face ao poder conferido aos Tribunais Administrativos pelo CPTA de condenarem a Administração à prática de atos administrativos ilegalmente omitidos, procedeu-se à abolição da figura do até aí denominado “indeferimento tácito” que, de resto, estava previsto no artigo 190.º do sobredito DL 265/93, de 31.07 (cfr. artigos 51.º/4 e 67.º/1, alínea a) do CPTA), mostrando-se revogado o regime decorrente do n.º 1 do referido artigo 109.º do CPA e, em consequência, o daquele artigo 190.º do DL 265/93, de 31.07 (cfr., entre outros, J.M. Sérvulo Correia em “O incumprimento do dever de decidir” in: CJA n.º 54, págs. 6 e segs., em especial, pág. 16; M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: “Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados”, vol. I, pág. 412/413, nota II; Mário Aroso Almeida e C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição revista, págs. 443, nota 464; M. Aroso de Almeida in: “Manual de Processo Administrativo”, 2010, pág. 323].
Nas verdade, a revogação parcelar do artigo 109.º do CPA resulta, em síntese, do novo regime estabelecido no CPTA [artigos 2.º alínea i), 46.º/1, 66.º/1, 67.º/1 alínea a) e 71.º/1], e que se mostra incompatível com o estatuído naquele preceito do CPA no tocante ao indeferimento tácito, figura esta que resultou assim extinta. A inércia da Administração passou pois a ser legalmente considerada como omissão pura e simples, com vista à propositura de ação administrativa especial de condenação à prática de acto devido (tal como sucedeu na vertente situação).
Por outro lado, para além da própria questão da não vigência do n.º 1 do artigo 109.º do CPA, temos que o invocado normativo que previa a formação de um “indeferimento tácito”, contenciosamente impugnável, não seria aplicável à situação vertente já que estamos no âmbito de um procedimento administrativo de segundo grau que se mostra disciplinado, nesse âmbito, pelo artigo 175.º do CPA, na redação aplicavável aos presentes autos.
Vejamos.
Questiona-se se as situações de inércia referidas no artigo 69°, n.º 1, do CPTA incluiriam a falta de decisão recursos hierárquicos, sobretudo em razão da norma prever o prazo de um ano para se instaurar a ação condenatória, pois esse prazo articular-se-ia mal com o dies a quo do prazo de três meses para atacar o ato primário (artigo 59°, n.° 4, da versão inicial do CPTA).
Pois bem, as situações de inércia a que o artigo 69°, n.º 1, do CPTA sempre aludiu eram, no passado, e são, hoje, as que correspondem ao absoluto silêncio administrativo sobre pretensões subjectivas em 1.° grau - o qual deverá superar-se mediante a propositura de uma acção condenatória no prazo de um ano, pois a completa falta de definição administrativa mantém o interessado expectante de uma primeira pronúncia e explica que se lhe conceda um prazo muito lato para reagir.
No anterior CPA, a certeza de que o recurso hierárquico não apreciado se encontrava indeferido levava a que a reação do interessado se fizesse no prazo de três meses. E, suprimido o indeferimento tácito dos recursos hierárquicos pelo novo CPA, surgiu a necessidade do CPTA se ajustar a isso - o que se fez através do acual texto artigo 69°, n.º 2, onde continua a prever-se que a ação correspondente se deduza no prazo de três meses.
É outra a situação do que recorre hierarquicamente: ele já sabe que a Administração lhe foi desfavorável; e, embora espere que o órgão «ad quem» lhe dê razão, deve igualmente saber que a falta de decisão tempestiva do recurso hierárquico o instará a fazer algo a breve trecho.
Assim, no regime do antigo CPA, o recurso hierárquico era havido como indeferido e o recorrente teria - em três meses - de se socorrer da via contenciosa, atacando o ato primário ou o secundário, se ele foi necessário ou inovador, que silentemente o reproduzira.
Recorda-se que só com o novo CPA, aprovado pela Lei 4/2015, de 7 de janeiro, no seu artigo 198.°, n.º 4, foi afastado, inovadoramente, o indeferimento tácitos dos recursos hierárquicos - optando por outra solução, adjetivada no novo teor do n.º 2 do artigo 69° do CPTA.
Confrontado com a falta de decisão do recurso hierárquico que deduzira, a ora recorrente devia tê-la encarado como um indeferimento tácito do seu meio gracioso, já que esse resultado era imposto pelo artigo 175°, n.º 3, do CPA, que então ainda vigorava.
Assim, ainda que com maior completa fundamentação, a decisão do Tribunal a quo é de manter, sendo o prazo aplicável o estabelecido no artigo 58.º/1 do CPTA – 3 meses e não um ano - como defendeu o recorrente.


***
Em consequência, será de conceder parcial provimento ao recurso.

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IV – DISPOSITIVO

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão do Tribunal a quo quanto à incompetência material absoluta do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra para a apreciação do pedido ressarcitório pelos danos não patrimoniais alegados, por força do facto ilícito imputado ao comandante-Geral da GNR, ordenando a baixa dos autos para a competente produção de prova e decisão de mérito, mas mantendo a decisão do Tribunal a quo quanto à incompetência material para apreciar o pedido ressarcitório por erro judiciário e de caducidade do direito de ação quanto aos demais pedidos.
Custas a cargo do recorrente e recorridos, na proporção de 50% cada.
Registe e Notifique.
Lisboa, dia 9 de maio de 2024
(Eliana Pinto - Relatora)

(Helena Filipe – 1.ª adjunta)

(Luis Freitas – 2.º adjunto)