| Decisão Texto Integral: | ♣
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
♣ I – RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, notificada do acórdão datado de 2 março de 2025, veio deduzir pedido de reforma do mesmo quanto a custas, ao abrigo dos artigos 616º, nº1 e 666º, nº1, ambos do C.P.C, aplicáveis ex vi al. e) do artigo 2º do CPPT, alegando o seguinte:
“1. Nos termos do acórdão supra identificado, que decidiu não conceder provimento ao recurso da Fazenda Pública, foi esta condenada nas respetivas custas.
2. Contudo, tendo em conta o valor da causa, que ascende ao montante de €718.093,07 (cfr. Sentença, fls. 3), impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respetivo remanescente em cumprimento do disposto na anotação à TABELA I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), de acordo com a 1.ª parte do n.º 7 do art.º 6.º do citado diploma legal.
3. E o Tribunal, ao não se pronunciar sobre o valor das custas processuais, tem como consequência o funcionar a regra geral da fixação do valor a pagar apenas pelo critério do valor da causa que, neste caso, é de um montante muito elevado.
4. Lembramos que a decisão aqui em causa não nos parece ter implicado um elevado grau de dificuldade, uma vez que a questão decidenda foi apenas a de estabelecer se não lograram ilidir a presunção legal, constante do art. 6.º, n.º 4 do CIRS, matéria já objeto de abundante e reiterada jurisprudência.
5. Mas mais do que isso, parece-nos, o muito elevado montante a pagar a título de taxa de justiça põe um problema evidente de desproporcionalidade, de um excesso evidente e injusto entre as taxas de justiça a suportar e o serviço efetivamente prestado.
6. A que acresce que nos parece demonstrado que a Fazenda Pública adotou um comportamento irrepreensível em todo o processado porque sempre se norteou pelo princípio da legalidade na sua atuação e, concretamente neste processo, pautou a sua conduta processual pelo princípio da colaboração com a justiça, abstendo-se da prática de atos inúteis, fornecendo todos os elementos necessários à boa decisão da causa e não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória.
7. Diz-nos o acórdão do STA de 22/03/2017, no recurso nº 01568/15, que “A dispensa do remanescente prevista neste preceito legal prende-se com a verificação de dois requisitos cumulativos, a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal”.
8. Em sentido idêntico, entendeu-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Processo n.º 964/15.0BELRS datado de 13/10/2017), o seguinte: Conforme entendimento expresso no acórdão do STA de 07.05.2014, proferido no processo n.º01953/13 a que aderimos, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes),iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Considerando que o valor da presente causa ultrapassa o patamar de 275.000€ e que a mesma não assumiu especial complexidade nem a conduta assumida por qualquer uma das partes, em recurso, pode considerar-se num nível reprovável, tendo-se limitado, como referido, grosso modo, à discussão da questão jurídica da (i)legitimidade substantiva da oponente na execução fiscal,
Nada obsta que a recorrente seja dispensada, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendo o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
9. E a jurisprudência mais recente tem vindo a dar uma importância acrescida à questão da proporcionalidade das taxas de justiça, tanto no aspeto do seu valor relativamente ao serviço prestado e, ainda mais importante, às consequências negativas que o seu valor elevado pode ter no próprio acesso à justiça e na sua concretização prática, tendo em conta que a administração da justiça é um dos elementos fundamentais de um estado de direito.
10. Como nos diz o STA (P. 1240/08.0BEPRT de 10 de Março de 2021) onde se renova o entendimento já adotado no processo 2778/11.7BEPRT de 09.01.2019 e seguindo, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 227/07 e 421/2013, respetivamente de 28-3-2007 e 15-7-2013:
(…) não podemos olvidar que a taxa de justiça tem uma natureza bilateral constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo (cfr. artigos. 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, da LGT).
E que, como vem sendo decidido, não sendo de exigir uma equivalência rigorosa entre o valor da taxa e o custo do serviço prestado, muitas vezes difícil ou mesmo impossível de determinar, não podemos perder de vista o critério de que «a causa e justificação do tributo tem que radicar do ponto de vista material no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» e que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito».
11. Pelo exposto, parecem-nos reunidas as circunstâncias para que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art.º 6.º do RCP, por forma a dispensar a Fazenda Pública do pagamento do remanescente da taxa de justiça, reformando-se, nessa parte, o Acórdão quanto a custas, ao abrigo do n.º 1 do art.º 616.º do CPC, corrigindo-se assim a situação criada.
12. Desta forma, vimos pedir que seja reformado o presente acórdão, tendo em conta o máximo de €275,000,00 fixado na TABELA I do RCP, desconsiderando-se, neste caso concreto, o remanescente aí previsto.
Nestes termos, requerer-se, a V. Ex.ª, se digne proceder à reforma do acórdão, no que respeita à condenação em custas pela Fazenda Pública.”
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A recorrida, devidamente notificada do presente incidente, nada veio aduzir.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, devidamente notificado para o efeito, emitiu douto parecer no sentido de ser de atender o pedido de reforma do acórdão, quanto à condenação em custas.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
Emergente dos autos com relevo para a apreciação do mérito do pedido de reforma, as seguintes ocorrências processuais:
1- Fernando José Fonseca Real e Elisabete Clemente dos Santos Real, deduziram impugnação judicial contra a liquidação adicional n.º 2006 00000855377, relativa a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2004, no valor de € 710.093,07.
2- Após julgamento o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferiu sentença em 26 de Novembro de 2015, com o seguinte dispositivo: “(…) decide-se julgar a presente impugnação, intentada por Fernando José Fonseca Real e Elisabete Clemente dos Santos Real, improcedente, por não provada, e absolver a Fazenda Pública do pedido. Custas pelos Impugnantes (cfr. art. 527.º, n.º 1 do CPC ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT).(…)”.
3- Inconformados os Impugnantes apelaram para este Tribunal Central Administrativo Sul que, em acórdão prolatado a 12 de Março de 2025, concede provimento ao recurso, revoga a sentença recorrida e julga procedente a impugnação judicial anulando a liquidação sindicada. E no que diz respeito à responsabilidade pelas custas decide que as mesmas “ (…)são da responsabilidade da Recorrida, embora não seja devida taxa de justiça no recurso por nele não ter contra-alegado. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art.º2.º, alínea e) do CPPT].”
4- No dia 25 de março de 2025, a Fazenda Pública apresenta requerimento a solicitar a reforma do acórdão, no que respeita à sua condenação em custas, supra transcrito.
5- Em 29 de abril de 2025 a Fazenda Pública veio interpor recuso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, peticionando a este Alto Tribunal que lhe seja “dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000.”
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- Do Direito
Vem a Reclamante peticionar a reforma do acórdão na parte que respeita à dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7 do RCP, arguindo que sendo o valor da ação de € 718.093,07 e encontrando-se reunidos os pressupostos para a mencionada dispensa, o aresto deveria ter procedido à dispensa aludida.
Importa fazer duas notas iniciais.
A primeira, para afirmar que uma vez proferida a sentença (ou acórdão), o poder jurisdicional do juiz fica imediatamente esgotado (cfr. art. 613º, nº.1, do C.P.C), excecionando-se a possibilidade de reclamação com o objetivo da retificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr. arts. 613º, nº 2, e 616º, nº 1, ambos do CPC, e art. 125º do CPPT). Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado (cfr. arts. 619º e 628º, ambos do CPC).
Como tem vindo a ser sustentado, quer pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, como pela doutrina, a possibilidade de dedução do incidente de reforma da sentença/acórdão visa, deste modo, satisfazer a preocupação de realização efetiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12 (cfr. ac. S.T.A. - 2ª Secção, 24/2/2011, rec.400/10; ac. S.T.A. - 2ª Secção, 19/10/2011, rec.497/11; ac. T.C.A.Sul - 2ª Secção, 9/4/2013, proc.5073/11; ac. T.C.A.Sul - 2ª Secção, 3/10/2013, proc.6579/13; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág. 388 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Atualizada, 2008, Almedina, pág.321 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e seg.).
Uma segunda nota, para dizer que muito embora no seu articulado a Reclamante faça menção que pretende a reforma do Aresto quanto a custas, a verdade é que do corpo das alegações resulta claro que o por si pretendido é a dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, pelo que se procederá à apreciação do mesmo, tendo em vista este pedido de dispensa.
Neste mesmo sentido, foi doutrinado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Dezembro de 2023, prolatado no âmbito do Processo nº 11962/21.4T8SNT-A.L1-7, numa situação em tudo idêntica à dos autos, com o qual concordamos sem reservas, o seguinte:
“(…) Parece evidente o equívoco dos apelantes na invocação do art.º 616.º, ex vi do art.º 666. n.º1.
É que não está aqui em causa a reforma do acórdão quanto a custas.
Dispõe o art.º 1.º, n.º 2, do RCP, que «para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.»
Assim, para efeitos de custas, cada recurso passou a ser considerado um processo autónomo.
Por isso, o acórdão, encarou e decidiu, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das custas, aplicando ao caso, como não poderia deixar de ser, o que conjugadamente estatuem as disposições contidas nos art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, dos quais decorre que o coletivo de juízes da Relação deve condenar quem for o responsável no pagamento das custas processuais no âmbito do recurso, estabelecendo a respetiva proporção.
O art.º 527.º contém, quanto ao pagamento das custas, dois princípios, que são de aplicação sucessiva.
- o princípio da causalidade, segundo o qual é condenada nas custas a parte que deu causa ao processo, entendendo-se que dá causa a parte vencida; e,
- o princípio do proveito, segundo o qual, não havendo vencimento, é condenada nas custas a parte que tirou proveito do processo.
faz-se, atendendo apenas e só ao ocorrido no “processo autónomo” que cada recurso é.
(….) não há, portanto, no acórdão, qualquer erro jurídico ou, sequer, qualquer lapso, na condenação dos apelantes em custas, que importe reformar.
O acórdão observou, na devida forma, o estatuído nos art.ºs 527.º e segs. do Código de Processo Civil.
O que os recorrentes, enquanto partes vencidas na apelação, pretendem com o requerimento agora apresentado, é, afinal de contas, tal como da sua narrativa inequivocamente resulta, não a reforma do acórdão quanto a custas, mas, antes, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (…)
É isso, exatamente, o que resulta do requerimento ora sujeito à nossa apreciação.
A dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente não se insere nesse contexto, e por isso não se concebe para tal efeito a figura da reforma da decisão quanto a custas.
Uma coisa é a condenação do responsável em custas, outra coisa é a base tributária (o montante) a considerar para efeitos de custas.
Dispõe, no entanto, o n.º 3 do art.º 193.º que «o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.»
À luz deste mecanismo contido no citado preceito, inexiste impedimento no sentido do erro de qualificação consistente no pedido de reforma de acórdão quanto a custas ser oficiosamente corrigido e convolado para simples requerimento tendente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.”
Ali como aqui, e como já afirmámos, a presente reclamação será apreciada tendo em vista o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça.
Ainda quanto a esta dispensa e como tem vindo a ser afirmado pelo STA, designadamente no seu Aresto de 23/06/2022, proferido no proc. 2048/20.0BELSB, acolhendo-se a jurisprudência que tem vindo a ser firmada pelo STJ, segundo a qual, a dispensa do remanescente da taxa de justiça apenas se estabilizará com o trânsito em julgado da decisão o que pode ocorrer em qualquer das instâncias, dependendo da existência ou não de recursos.
Prosseguindo.
O artigo 6º, do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), determina o seguinte, sob a epígrafe “Regras gerais”, na parte que aqui releva:
“1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento. (…)
5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.
6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.
7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
8 - Quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente. (…)”
O impulso processual a que faz menção o nº 1 deste preceito, mais não é do é, grosso modo, do que a prática do ato de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a ação, o incidente e o recurso (cfr. acórdãos deste T.C.A.Sul - 2ª.Secção, de 16/1/2014, tirado no proc. nº 7140/13; de 13/3/2014, no proc. nº 7373/14; de 15/12/2016, no proc. nº 6622/13, e bem assim Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).
O nº 7, do preceito sob interpretação, consagra que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento. Por outro lado, cumpre relembrar que, nos termos do artigo 529º, nº 2, do CPC, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). No entanto, a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso.
O mencionado remanescente está concatenado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fração, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efetivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.
Esta decisão judicial de dispensa, que mais não é do que uma medida com características excecionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, nomeadamente tendo em atenção a complexidade da causa e a conduta processual das partes.
Assim, quando seja constatada uma menor complexidade ou simplicidade da causa, bem como a cooperação das partes ao longo do pleito, pode o juiz dispensar o aludido remanescente.
Para que se possa considerar estarmos perante uma lide com maior ou menor complexidade, devemos ter em consideração os factos índice que o legislador consagrou no artigo 530º, nº 7, do CPC, que estatui:
“7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”
Quer a doutrina quer a jurisprudência têm procurado concretizar o que deve entender-se por questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, sendo entendido que estaremos perante questões com essa natureza aquelas que, grosso modo, envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem de decidir. Por outro lado, e no que tange ao que deve ser entendido por questões jurídicas de âmbito muito diverso, deverão considerar-se as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr. acórdãos deste TCASul - 2ª.Secção, de 13/3/2014, tirado no proc.7373/14; de 15/12/2016, no proc. nº 6622/13, bem como Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).
Finalmente e no que respeita à conduta processual das partes a ter em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do preceito em análise, deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no artigo 8º, do CPC. Significa isto que as partes devem atuar no pleito pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (vide artigo 542º, do CPC).
Exposto assim brevemente o Direito, cumpre baixar ao caso que aqui nos ocupa, por forma a verificarmos se, num primeiro momento, no aresto aqui criticado foi ou não dispensado o remanescente da taxa de justiça e, em caso negativo, aferir se, in casu, se mostram reunidos os pressupostos supra mencionados para proceder à aludida dispensa.
Ora, da leitura do mencionado aresto, facilmente se retira que do mesmo não consta qualquer apreciação sobre a eventual dispensa do remanescente da taxa de justiça, pelo que cumpre reformá-lo, nesta parte.
Tendo sido fixado como valor da causa o montante de € 718.093,07 e solicitando a Reclamante a dispensa do pagamento do remanescente das custas, invocando, em síntese, a sua conduta processual e a pouca complexidade da questão apreciada, cumpre saber se no caso sub judice deve ser dispensado o mencionado remanescente, pois nos termos do artigo 527º, n.º 1, do CPC, “a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito” e no seu n.º 2 determina-se que “Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”
Acresce que, como foi doutrinado no Aresto deste TCASul, de 13/03/2014, tirado no proc. nº 07373/14 “o direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº. 20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa».
Ora, no caso em apreço considerando a simplicidade da questão a decidir, bem como por nada haver a censurar à conduta processual das partes, e atendendo ao facto do montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, afigura-se ser de deferir o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, estabelecendo-se como limite o valor da taxa de justiça até ao máximo de € 275.000,00.
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III- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em deferir o pedido formulado pela Fazenda Pública e, consequentemente, dispensá-la, nesta instância, do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, que aproveita a ambas as partes, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7 do RCP.
Sem custas neste incidente.
Lisboa, 15 de Julho de 2025
Cristina Coelho da Silva (Relatora)
Rui A.S. Ferreira
Teresa Costa Alemão |