Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2444/11.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:CGA
PENSÃO
ACUMULAÇÃO
RESTITUIÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I– O artigo 13.°/1 do DL n.° 133/88, de 20 de abril, determina que «o direito à restituição do valor das prestações indevidamente pagas prescreve no prazo de cinco anos a contar da data da interpelação para restituir», e o artigo 40.°/1 prescreve que «A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento».
Este prazo de prescrição reporta-se exclusivamente à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado, e não à prévia definição jurídica da obrigação de repor, em nada colidindo com a regra geral da revogação dos atos administrativos constitutivos de direitos.
É o próprio artigo 1.°/1 do DL n.° 133/88, de 20 de abril que refere que «O recebimento indevido de prestações no âmbito do sistema de segurança social dá lugar à obrigação de restituir o respetivo valor, sem prejuízo da observância do regime de anulação e revogação dos atos administrativos».
II- No mesmo sentido, a Lei n.° 55-B/2004, de 30 de dezembro, introduziu um n.° 3 ao artigo 40.° do DL n.° 155/92, de 28 de julho, conferindo-lhe natureza interpretativa, onde se refere que «O disposto no n.° 1 não é prejudicado pelo estatuído no artigo 141.° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de novembro».
III– O prazo de reposição de 5 anos não é aplicável quando o pagamento das quantias a repor tenha sido efetuado ao abrigo de um ato administrativo constitutivo de direitos, ou seja, quando a ordem de reposição pressuponha a anulação administrativa, ainda que tácita, de um ato com esta natureza.
O regime dos artigos 36.° e seguintes do DL 155/92, «maxime» o artigo 40.°, refere-se a casos de meros erros materiais ou contabilísticos, sendo inaplicável nos casos de alteração do entendimento do Estado sobre se a quantia paga era ou não devida, tendo a mesmo sido paga pelo Estado na convicção então havida da sua correção legal.
IV- Se o ato administrativo que reconheceu o direito de um funcionário ou particular a receber do Estado uma determinada importância está afetado de um vício que determina apenas a sua anulabilidade, é razoável que a restituição deva ser exigida no prazo de um ano, prazo este que é coincidente com o prazo que o Ministério Público, em defesa da legalidade, tem para impugnar atos ao abrigo do disposto no artigo 28°, n°1, al. c), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
V– O disposto no n° 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28.07, não é incompatível com o disposto no artigo 141° do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n°442/91, de 15 de Novembro.
VI- Existindo um crédito já definido é compreensível o prazo extenso de 5 anos para a restituição, uma vez que, nesse caso, a certeza é precisamente a que resulta da definição do crédito, ou seja, vai no sentido da restituição ao Estado, nos termos do disposto no n° 1 o artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28.07.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I Relatório
A………., devidamente identificado nos autos, intentou Ação Administrativa Especial contra a Caixa Geral de Aposentações - CGA, tendente à “(...) impugnação: i) do ato de 22.02.2011 do Diretor da entidade demandada, nos termos do qual a entidade demandada deliberara que, considerando que «desde 29 de junho de 2009 [o autor estivera] numa situação de cumulação prevista no artigo 79.° do Estatuto de Aposentação na redação do Decreto-Lei n° 179/2005, de 2 de novembro, com 4 fundamento no parecer do Gabinete Jurídico desta Caixa [ordenar ao demandante a] a restituição à Caixa Geral de Aposentações da quantia de €34.382,64 indevidamente recebida de 29 de junho de 2009 a 31 de dezembro de 2010»; e ii) do ato notificado, através do ofício com a referência S…………, datado de 27.04.2011, que dava conta de que, por lapso dos Serviços da Caixa Geral de Aposentações, havia sido enviado mapa de dívida com a respetiva guia processada por valor incorreto, pelo que se juntou em anexo ao referido ofício novo mapa, no valor de €34.483,78, e correspondente guia, em substituição dos anteriormente enviados.”
Por Sentença proferida no TAC de Lisboa em 29.11.2019, foi decidido:
1. julgar parcialmente procedente a presente ação, e, nessa medida,
2. anular parcialmente o ato impugnado de 28.02.2011, na parte em que deliberou ordenar ao autor a restituição à Caixa Geral de Aposentações da quantia indevidamente recebida de 29.06.2009 a 31.12.2010;
3. condenar a entidade demandada a recalcular a quantia efetivamente devida pelo autor, apenas a partir de 28.02.2010 e até 31.12.2010;”


A CGA, inconformada com a decisão proferida, veio em 6 de dezembro de 2019, Recorrer da mesma para esta instância, concluindo:
“1. Não está em causa o ato que atribui a pensão ao Autor, mas apenas as quantias que lhe foram pagas indevidamente.
2. O Autor prestou um serviço de interesse público, em acumulação, com a situação de aposentado e não podia ser autorizado a exercer funções em qualquer serviço público, em virtude do disposto no n.º 4 do artigo 78.° do EA, na medida em que aquele recorreu a um mecanismo de aposentação antecipada.
3. Assim, não tinha o direito de acumular a totalidade da remuneração com a totalidade da pensão de aposentação, no período decorrido de 2009-07-29 de 2010-12-31.
4. Pelo que, nos termos do artigo 79.° do EA, o Autor deve restituir à CGA a quantia equivalente a 2/3 da pensão de aposentação que lhe foi abonada durante aquele período, ou seja, €34.483,78.
5. O regime a que deve obedecer a restituição das pensões indevidamente pagas não se sopesa ao Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, mas ao constante do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril, que prevê o regime da responsabilidade emergente do pagamento indevido de prestações de segurança social.
6. O Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, trata, de facto, numa das secções (VI), da reposição de dinheiros públicos, mas de uma forma genérica, enquanto que o Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril, cuida especificamente, como resulta do disposto no seu artigo 1.°, do recebimento indevido de prestações no âmbito dos regimes de segurança social que dá lugar à obrigação de restituir o respetivo valor estando ambos os diplomas numa relação de especialidade (artigo 7.° do Código Civil) que implica, no caso, a aplicação deste último.
7. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril, concretiza o conceito de prestações indevidas como sendo as que sejam concedidas sem observância das disposições legais em vigor, v. g., sem a observância das condições determinantes da sua atribuição, ainda que a comprovação da respetiva inobservância resulte de posterior decisão judicial; em valor superior ao que resulta das regras de cálculo legalmente estabelecidas e na medida do excesso; após terem cessado as respetivas condições de atribuição (cfr. artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril).
8. Assim, a obrigação de restituição do pagamento indevido de prestações deverá prescrever no prazo de cinco anos a contar da data da interpelação para restituir, nos termos do artigo 13.° daquele diploma.
9. Ora, em 2011-05-02, data em que o autor foi notificado restituir a quantia de €34.483,78, ainda não haviam decorrido os 5 anos do prazo prescricional previsto no artigo 13.° do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril
10. Pelo que ao decidir de modo diferente, violou a sentença Recorrida o disposto nos n.ºs 1, alínea a) do n.º 2 do artigo 2.° e artigo 13.° do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”


A Autor, enquanto Recorrido veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 29 de janeiro de 2020, concluindo:
“I. Entendeu o Tribunal «a quo» julgar como parcialmente procedente a presente ação e, nessa medida, anular parcialmente o ato impugnado de 28 de fevereiro de 2011, na parte em que deliberou ordenar ao Recorrido a restituição à Recorrente da quantia recebida de 29 de junho de 2009 a 31 de dezembro de 2010, condenando a Recorrente a recalcular a quantia efetivamente a restituir pelo Recorrido, mas apenas a partir de 28 de fevereiro de 2010, e apenas até 31 de dezembro de 2010.
II. O DL. n.º 133/88, de 20 de abril, trata da responsabilidade emergente do pagamento indevido de prestações de segurança social, enquanto que o DL n.º 155/92, de julho, finaliza, como resulta do seu Preâmbulo, a arquitetura legislativa da reforma orçamental e de contabilidade pública, pela qual se estabelece um novo regime de administração financeira do Estado.
III. Parece-nos isenta de reparo a opção do Tribunal «a quo» por avaliar inicialmente a questão do prazo para reposição na ótica do diploma que estabelece, em data posterior ao diploma invocado pelo Recorrente, um novo regime de administração financeira do estado globalmente considerado, opção que cremos feita em consonância com o n.º 1 do artigo 9.° do Código Civil, que determina que o pensamento legislativo deve ser reconstituído tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
IV. Mesmo que assim não se entendesse, repare-se que ambos os diplomas preveem um prazo de prescrição, e idêntico prazo, para a restituição de prestações/quantias «indevidamente pagas»: o artigo 13.°/1 do DL n.º 133/88, de 20 de abril, determina que «o direito à restituição do valor das prestações indevidamente pagas prescreve no prazo de cinco anos a contar da data da interpelação para restituir», e o artigo 40.°/1 prescreve que «A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento».
V. Ora, tem-se entendido que este prazo de prescrição se reporta exclusivamente à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado, e não à prévia definição jurídica da obrigação de repor, em nada interferindo, pois, com a regra geral da revogação dos atos administrativos constitutivos de direitos.
VI. O artigo 1.°/1 do DL n.º 133/88, de 20 de abril, invocado pelo Recorrente, depõe nesse mesmo sentido: «O recebimento indevido de prestações no âmbito do sistema de segurança social dá lugar à obrigação de restituir o respetivo valor, sem prejuízo da observância do regime de anulação e revogação dos atos administrativos.»
VII. No mesmo sentido, a Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, introduziu um n.º 3 ao artigo 40.° do DL n.º 155/92, de 28 de julho, conferindo-lhe natureza interpretativa, com o seguinte teor: «O disposto no n.º 1 não é prejudicado pelo estatuído no artigo 141.° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro».
VIII. É orientação jurisprudencial consolidada que os atos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros atos administrativos, e não meras operações materiais, suscetíveis de se consolidarem na ordem jurídica como «casos decididos» se não forem objeto de atempada impugnação, na medida em que contenham uma definição voluntária e inovatória, por parte da Administração, da situação jurídica do funcionário abonado, relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo.
IX. Tanto a jurisprudência dos tribunais superiores como o n.° 3 do artigo 40.° do DL. n.° 155/92, de 28 de julho, com a redação introduzida pelo DL n.° 85/2016, de 21 de dezembro, apontam no sentido em que o prazo de reposição de 5 anos previstos n.° 1 desta norma não é aplicável quando o pagamento das quantias a repor tenha sido efetuado ao abrigo de um ato administrativo constitutivo de direitos; ou seja, quando a ordem de reposição pressuponha a anulação administrativa, ainda que tácita, de um ato com esta natureza.
X. Com efeito, o regime dos artigos 36.° e seguintes do DL 155/92, «maxime» o artigo 40.°, aplica-se a casos de meros erros materiais ou contabilísticos, sendo, pois, inaplicável nos casos de alteração do entendimento do Estado sobre se a quantia paga era ou não devida, tendo a mesmo sido paga na convicção então havida da sua correção legal; caso contrário, estar-se-ia a violar o artigo 140.° do CPA, a segurança jurídica e a tutela da confiança dos particulares.
XI. E, no caso em análise, a ordem de reposição por parte da Recorrente pressupõe a anulação administrativa, ainda que tácita, de um ato administrativo constitutivo de direitos, e não a assunção de um mero erro matéria ou contabilístico.
XII. Assim sendo, o regime convocável não pode ser outro que não o constante do artigo 141.° do CPA de 1991, que, sob a epígrafe «Revogabilidade dos atos inválidos», determinava que «1- Os atos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respetivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida. 2- Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar».
XIII. Atendendo a que o ato impugnado, datado de 28 de fevereiro de 2011, deliberou ordenar ao Recorrido a restituição à Recorrente da quantia de €34.382,64, indevidamente recebida, de 29 de junho de 2009 a 31 de dezembro de 2010, o mesmo efetivamente violou o regime do artigo 141.° do CPA, dado que a Recorrente apenas poderia ter revogado os atos de processamento posteriores a 28 de fevereiro de 2010.
XIV. Pelo que bem andou o Tribunal «a quo» quando julgou procedente o pedido subsidiário do Recorrido, determinando que o ato impugnado fosse parcialmente anulado, por violação do artigo 141.° do CPA de 1991, na parte em que determina a restituição da quantia recebida até 28 de fevereiro de 2010, e determinando que a Recorrente fosse obrigada a recalcular a quantia efetivamente devida pelo Recorrido, apenas a partir desta data.
Termos em que, e nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”


O Ministério Público, notificado em 27 de maio de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.


Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


II - Questões a apreciar
Importa verificar os vícios recursivamente suscitados pela CGA, que se consubstanciam no entendimento de que o “Tribunal a quo não ponderou devidamente o facto que desencadeou todo o procedimento tendente à recuperação dos dinheiros públicos indevidamente colocados à disposição de A…………”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.


III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz:
“1. Factos provados
1.1) O autor iniciou a sua atividade profissional a 15.01.1964 (facto não impugnado).
1.2) Até 30.04.1974, o autor sempre exerceu funções em empresas privadas (cf. fls. 114 do processo administrativo a que aludem os artigos 1.°, n.° 2, do Código de Procedimento Administrativo e 84.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante designado abreviadamente por processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
1.3) Até 30.04.1974 o autor esteve sempre abrangido por caixas de previdência do sector privado (cf. fls. 114 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.4) A 02.05.1974 o aqui autor foi admitido a exercer funções por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da empresa pública CTT — Correios e Telecomunicações de Portugal, Estado Português (cf. fls. 110, 112 e 114 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.5) A partir de 02.05.1974 o autor foi inscrito na Caixa Geral de Aposentações (idem).
1.6) A 31.12.1988 foi constituído o Fundo de Pensões do Pessoal dos CTT, gerido pela “P…….., SA”, que, de acordo com o contrato constitutivo, se destinou a «assegurar a satisfação dos encargos da responsabilidade dos CTT resultantes dos planos de pensões desenvolvidos e executados pela Caixa Geral de Aposentações, nos termos do Estatuto da Aposentação» (facto não impugnado; cf. também preâmbulo do Decreto-Lei n.° 246/2003, de 8 de outubro, publicado em Diário da República, constituindo facto notório, na aceção do artigo 412.°, n.° 1, do Código de Processo Civil).
1.7) Até à constituição do fundo de pensões referido em 1.6), a responsabilidade pelo abono das pensões dos trabalhadores dos CTT era assegurado diretamente pela empresa pública (idem).
1.8) Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 87/92, de 14 de maio, a 19.05.1992, a empresa pública CTT foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se C………., SA (facto notório, na aceção do artigo 412.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, porquanto se trata de diploma publicado em Diário da República).
1.9) Nos termos do n.° 1 do artigo 9.° do diploma referido em 1.8) ficou expressamente previsto que «[o]s trabalhadores e pensionistas da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal mantêm perante os C………, S. A., todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da entrada em vigor do presente diploma, ficando esta sociedade obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões do pessoal daquela empresa pública» (idem).
1.10) Com o Decreto-Lei n.° 277/92, de 15 de dezembro, realizou-se a cisão simples da C………, SA, e criou-se a Telecom Portugal, SA (facto notório, na aceção do artigo 412.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, porquanto se trata de diploma publicado em Diário da República).
1.11) Em 1992 o aqui autor, tendo prestado funções no sector privado, entre 1964 e 1974, pôde requerer aos C………, SA, a atribuição da pensão unificada para totalização dos períodos contributivos cumpridos, ao abrigo do regime previsto nos Decretos-Leis n.ºs 380/91, de 9 de outubro, e 159/92, de 31 de julho (facto não impugnado).
1.12) o autor aposentou-se antecipadamente, com pensão unificada, e com efeitos a partir de 01.12.1993 (idem).
1.13) Com a publicação do Decreto-Lei n.° 246/2003, de 8 de outubro, foi transferida a responsabilidade dos C…………, SA, pelos encargos com as pensões de aposentação do respetivo pessoal subscritor da Caixa Geral de Aposentações, já aposentado ou no ativo, para a entidade demandada, com efeitos a partir de 01.01.2003, consignando-se no seu preâmbulo o seguinte: «Em consequência da decisão de transferência de responsabilidades prevista neste diploma, deixará de fazer sentido manter na titularidade dos CTT os ativos recebidos do Fundo. Justifica-se, assim, que a empresa transfira estes ativos para a Caixa Geral de Aposentações, em contrapartida de lhe terem sido retiradas as responsabilidades com pensões deste pessoal» (facto notório, na aceção do artigo 412.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, porquanto se trata de diploma publicado em Diário da República).
1.14) A 29.06.2009 o autor passou a exercer funções no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, EPE (facto não impugnado).
1.15) A 31.12.2010 o autor deixou de exercer funções no hospital referido em 1.14) (idem).
1.16) A 14.02.2011 o hospital referido em 1.14) endereçou à aqui entidade demandada um ofício, segundo o qual, «[t]endo surgido dúvidas quanto à aplicação do regime introduzido pelo artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro, no caso dos reformados da Empresa Pública CTT, pelo fundo de pensões “P…….” integrado na CGA, solicita-se [...] informação sobre o aposentado A……….. [...] » (cf. fls. do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
1.17) A 25.02.2011 foi elaborado pelos serviços da entidade demandada um instrumento escrito, em papel timbrado daquela autoridade administrativa, sob a designação «Parecer», subordinado ao assunto «Cumulação de remuneração e pensão - Aposentados dos CTT. Ref: Utente n.°: …………/00 Nome: A……..» e com o seguinte teor: «O Serviço de Abono da Caixa Geral de Aposentações (SAC-5) veio colocar a questão de saber se os aposentados oriundos dos CTT que exerçam funções públicas, como será a situação do referenciado, cujas pensões são suportadas em parte pelo Fundo de Pensões integrado na CGA (que se encontrou insuficientemente provisionado) estão sujeitos ao regime previsto no Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro, e se já anteriormente estariam vinculados ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de novembro.» O interessado acima identificado foi aposentado com fundamento no regime previsto no Decreto-Lei n.° 380/91, de 9 de outubro, beneficiando de um mecanismo de antecipação da aposentação.» De harmonia com o disposto no artigo 78.° do Estatuto da Aposentação, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de novembro, os aposentados não podem exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado em quaisquer serviços do Estado, pessoas coletivas públicas ou empresas públicas, exceto quando haja lei que expressamente o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, Sua Excelência o Primeiro-Ministro expressamente o decida.» De acordo com o n.° 4 do mesmo normativo, a decisão acima referida não podia, em caso algum, ser tomada relativamente a quem tenha sido beneficiado de um mecanismo legal de antecipação de aposentação.» No caso em apreço, verifica-se que, com a entrada em vigor do referido normativo, o interessado deixou de estar em condições para continuar a exercer funções públicas em acumulação com a situação de aposentado e não podia ser autorizado a exercer funções em qualquer serviço público, em virtude do disposto no n.° 4 do artigo 78.° do EA, na medida em que aquele recorreu a um mecanismo de aposentação antecipada.» Assim:
» 1) No presente caso, verifica-se que o Sr. A………. recorreu a um mecanismo de antecipação de aposentação, pelo que, não podia obter o despacho de autorização previsto na alínea b) do n.° 1 do artigo 78.° do EA, na redação do Decreto- Lei n.° 179/2005, de 2 de novembro, até 2010-12-31.
» 2) Considerando que o interessado exerceu funções no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, EPE, sem poder fazê-lo, deve restituir as quantias indevidamente abonadas a título de pensão desde fevereiro de 2006 (90 dias após a entrada em vigor da nova redação do artigo 78.° do EA) até dezembro de 2010, apuradas de acordo com o n.° 1 do artigo 79.° do EA em vigor à época, por aplicação do instituto de enriquecimento sem causa.
» 3) Desde 2011-01-01, a circunstância de ser aposentado antecipadamente não é, em princípio, impeditiva da concessão de autorização, mas o exercício de funções apenas pode ter início após essa autorização.
» 4) Encontrando-se o Sr. A………. abrangido pelo regime introduzido pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro, deve cessar imediatamente funções com efeitos a 2011-01-01, por força dos n.ºs 1 e 2 do artigo 79.° do Estatuto da Aposentação e do n.° 2 do artigo 8.° do referido Decreto-Lei n.° 137/2010.
» À consideração superior [...]» (doc. 1 junto À petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
1.18) O parecer referido em 1.17) foi aprovado por deliberação da Direção da entidade demandada datada de 28.02.2011 (idem).
1.19) A 15.04.2011 a entidade demandada expediu por via postal o ofício com a referência «S…………..», endereçado ao aqui autor, subordinado ao assunto «Limite à cumulação de pensão e vencimento. Artigos 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação na redação do Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2/11» e com o seguinte teor: «Por decisão, de 2011-02-28, da Direção da Caixa Geral de Aposentações (CGA), tomada no uso da delegação de poderes conferida peio respetivo Conselho Diretivo, publicada no “DR”, II série, n.° 50, de 2008-03-11, desde 29 de junho de 2009, esteve numa situação de cumulação prevista no artigo 79.° do Estatuto de Aposentação na redação do Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de novembro, com fundamento no parecer do Gabinete Jurídico desta Caixa cuja cópia se junta.
» Deste modo, torna-se necessária a restituição à Caixa Geral de Aposentações da quantia de € 34 382,64 indevidamente recebida de 29 de junho de 2009 a 31 de Dezembro de 2010 (vd. mapa de cálculos anexo). Para o efeito, junta-se guia processada por aquele valor, cujo pagamento deverá ser efetuado em qualquer Agência da Caixa Geral de Depósitos no prazo máximo de 30 dias contados da data de receção da presente notificação, nos termos do n.° 1 do artigo 42.0 do DL n.° 155/92, de 28 de julho (regime de reposição de dinheiros públicos), findo o qual passarão a vencer-se os consequentes juros de mora. Efetuada que seja a reposição em apreço, agradece-se que do facto seja dado conhecimento a este serviço, com remessa de cópia certificada de uma das vias daquele documento. » Com os melhores cumprimentos [...]» (idem).
1.20) A 02.05.2011 o autor foi notificado, através do ofício com a referência «S………..», datado de 27.04.2011, de que, por lapso dos Serviços da Caixa Geral de Aposentações, havia sido enviado mapa de dívida com a respetiva guia processada por valor incorreto, pelo que se juntou em anexo ao referido ofício novo mapa, no valor de €34.483,78, e correspondente guia, em substituição dos anteriormente enviado (cf. doc. 2 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).”


IV - Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão Recorrida:
“(…) 2. Da violação do regime do art. 141.º do C.P.A. de 1991
xiii. Alega ainda o autor, a título subsidiário, que ainda que se entendesse que cada ato de processamento de atribuição da pensão a favor do demandante desde 29.06.2009 era inválido, o ato impugnado, datado que foi de 28.02.2011, apenas poderia ter revogado os atos de processamento posteriores a 28.02.2010, ex vi artigo 141.° do Código de Procedimento Administrativo de 1991.
xiv. A entidade demandada limitou-se a contrapor que apenas tomou conhecimento da situação ilegal com a comunicação do Hospital, pelo que tal prazo de 1 ano estabelecido naquele artigo 141.° do Código de Procedimento Administrativo apenas poderia tomar lugar desde esse conhecimento.
xv. A apreciação desta questão solvenda postula (recte: reclama) que se indague sucessivamente: i) se cada processamento salarial ou da pensão de aposentação constituiu mera operação material ou, ao invés, um ato administrativo, e, mais do que isso, ato constitutivo de direitos suscetível de se consolidar no ordenamento jurídico; ii) qual o fundamento para o estabelecimento de regimes derrogatórios que preveja, ou a revogação anulatória, pela Administração Pública, de atos administrativos constitutivos de direitos, ou a obrigação de repor quantias indevidamente abonadas; iii) qual desses dois institutos teoricamente convocáveis
(revogação anulatória, pela Administração Pública, de atos administrativos constitutivos de direitos vs. obrigação de repor quantias indevidamente abonadas) deverá ser aplicável em concreto; e iv) qual o específico regime aplicável. Vamos por partes.
XVI. Preliminarmente, importa deixar estabelecido que constitui jurisprudência pacífica do supremo Tribunal Administrativo que os atos de processamento de vencimento, quando não resultem de erro de cálculo ou material, mas correspondam à aplicação das regras aceites pelos serviços, constituem atos administrativos constitutivos de direitos.
XVII. Com efeito, não é desconhecido deste tribunal o sentido firme, reiterado e constante da jurisprudência do órgão de cúpula desta jurisdição, segundo a qual se tem vindo a entender que os atos de processamento de vencimentos dos funcionários públicos são verdadeiros atos administrativos — isto é, consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, que produzem efeitos jurídicos, numa situação
individual e concreta (cf. artigo 120.° do Código de Procedimento Administrativo de 1991), quanto as
questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade
decisória. Hoc sensu, vide, inter alia, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2001, 16.03.2004, 17.01.2006, 18.12.2007, 19.12.2007 e de 10.04.2008 (Pleno), proferidos respetivamente nos processos n.ºs 47140, 1682/02, 857/05, 414/07, 899/07 e 544/06, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt/jsta.
XVIII. Na mesma linha, no acórdão do Pleno uniformizador de jurisprudência n.° 1212/06, de 05.06.2008,o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que «os atos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros atos administrativos, e não meras operações materiais, suscetíveis de se consolidarem na ordem jurídica como “casos decididos” se não forem objeto de atempada impugnação, na medida em que contenham uma definição voluntária e inovatória, por parte da Administração, da situação jurídica do funcionário abonado, relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo» (sublinhados nossos).
XIX. E também já o sabemos: por razões elementares de segurança jurídica, a impugnação de atos administrativos [a semelhança do que sucede com a possibilidade de anulação administrativa (revogação com fundamento em ilegalidade)] encontra-se sujeita a prazos, cuja inobservância conduz à caducidade do direito de ação e, consequentemente, à impossibilidade do conhecimento dos vícios imputados ao ato impugnado. «E é isto assim, note-se, não apenas nos casos em que o(s) vício(s) em causa determine(m) a mera anulabilidade do ato, mas também, inclusivamente, em alguns casos em que procedência dos vícios que integram a causa de pedir determinaria a própria nulidade do ato - são as denominadas nulidades mistas ou atípicas, cuja invocação em juízo (pelo menos, para efeitos invalidatórios) está sujeita a um prazo de preclusão, de que constituem exemplos paradigmáticos os atos que sejam proferidos no âmbito de um procedimento para a formação de um dos contratos previstos no artigo 100.°, n.° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos2 (isto é, cuja impugnação deve ser efetuada através do processo urgente de contencioso pré-contratual, a ser intentado em tribunal no prazo de um mês), ou os atos praticados ao abrigo do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, por força do disposto no artigo 69.°, n.° 4, desse diploma [...]» (Caldeira: 2016).
xx. É também pelos mesmos motivos e tributários dos mesmos princípios de certeza e segurança jurídicas que o legislador consagrou institutos jurídicos tendentes a proteger a confiança dos beneficiários de atos constitutivos de direitos.
xxi. No entanto, e como também é consabido, existe outro princípio geral de direito imanente a toda a ordem jurídica que nem sempre se coaduna nem compagina com aqueles princípios da segurança e certeza jurídicas: falamos aqui da obrigação de restituir o que foi recebido indevidamente, segundo o princípio essencial de justiça suum cuique tribuere, o qual colide com a necessária estabilidade e segurança do comércio jurídico sempre que tenha decorrido um período considerável de tempo sobre o recebimento indevido.
xxii. É na conjugação destes dois princípios que soluções legais como a adotada pelo artigo 141.° do Código de Procedimento Administrativo vigente à data dos factos
(aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de novembro, com a redação entretanto atribuída pelo Decreto-Lei n.° 6/96, de 31 de janeiro) ou dos artigos 40.° e 43.° do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de julho, viriam a ser consagradas.
xxiii. Assim, de acordo com o artigo 141.° do Código do Procedimento Administrativo de 1991, «[o]s atos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respetivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida» (n.° 1), sendo que, «[s]e houver prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar» (n.° 2). E, como é consabido, o artigo 58.°, n.° 2, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, estabelece para o Ministério Público o prazo de um ano para a dedução de uma ação administrativa especial para a anulação de atos administrativos.
xxiv. Por seu turno, nos termos do artigo 40.° do Decreto-lei n.° 155/92, de 28 de julho, «[a] obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento» (n.° 1), sendo que «[o] decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição» (n.° 2).
Entretanto, a Lei n.°55-B/2004, de 30 de dezembro, introduziu um n.° 3 à citado artigo 40.° do Decreto-lei n.° 155/92, de 28 de julho, conferindo-lhe natureza interpretativa, com o seguinte teor:
«O disposto no n.° 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141.° do diploma aprovado pelo Decreto-lei n.°442/9i, de 15 de novembro».
xxVI. Face à alteração introduzida pela Lei n.° 55-B/2004, de 30 de dezembro, ao artigo 40.° do Decreto-lei n.°i55/92, de 28 de julho, formou-se jurisprudência no sentido de que a reposição de quantias indevidamente recebidas a título de vencimento poderia ser exigida até 5 anos após o seu recebimento, sem que tal exigência violasse o regime da revogação de atos inválidos constante do artigo 141.° do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-lei n.°442/91, de 15 de novembro, alterado pelo Decreto-lei n.°6/96, de 31 de janeiro. Neste sentido, vide o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de 05.06.2008, proferido no Processo n.° 01212/06, em que estava em causa a reposição de quantias relativas a subsídios de especialização e de itinerância.
xxVII. Refira-se adicionalmente e a latere que a norma do n.° 3 do artigo 40.° do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de julho, veio a ser novamente alterada pelo Decreto-lei n.° 85/2016, de 21 de dezembro, passando a dispor o seguinte: «Os atos administrativos que estejam na origem de procedimentos de reposição de dinheiros públicos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos a contar da data da respetiva emissão, nos termos do disposto na alínea c) do n.°4 do artigo 168.° do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.°4/2015, de 7 de janeiro». E, de acordo com o artigo 6.° do citado Decreto-Lei n.° 85/2016, de 21 de dezembro, «[a] alteração ao n.° 3 do artigo 40.° do Decreto-lei n.° 155/92, de 28 de julho, com a redação dada pelo presente decreto-lei, tem carácter interpretativo».
xxVrn. É no entanto discutível que esta última alteração seja aplicável à situação dos autos, porquanto se reporta ao Código de Procedimento Administrativo de 2015, que não se aplica in casu, como vimos já. De todo o modo, apesar de traduzir preceito que não se encontrava em vigor à data em que foi proferida a deliberação impugnada, podemos admitir-lhe força interpretativa, uma vez que o ato impugnado não se consolidou na ordem jurídica (precisamente por ter sido impugnado pelo autor nos presentes autos) e, assim, os seus efeitos não se encontram salvaguardados (cf. artigo 13.°, n. °1, do Código Civil).
xxIx. Não obstante, mais recentemente, alguma jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que o prazo de prescrição previsto no artigo 40.° do Decreto- lei n.° 155/92, de 28 de julho, não é aplicável quando existe um ato administrativo que reconheceu o direito do trabalhador ou particular a receber do Estado uma determinada quantia. Assim, além dos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11.10.2006 e de 19.12.2013, proferidos respetivamente nos Processos n.os 04933/00 e 09849/13, em que se considerou que o regime do referido artigo 40.° se refere a casos de meros erros materiais ou contabilísticos, sendo inaplicável nos casos de alteração do entendimento do Estado sobre se o abono pago era ou não devido, encontramos os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 20.11.2014, 15.07.2016, 30.11.2016, 09.06.2017 e 30.11.2017, proferidos respetivamente nos Processos n.os 00636/09.4BEAVR, 01679/13.9BEBRG, 01663/13.2BEBGR, 01689/13.6BEBRG e 00041/09.2BEPRT.
No ultimo desses arestos, num caso com inegáveis afinidades com a situação dos autos, deixou-se consignado o seguinte:
(Início de transcrição)
Efetivamente, o prazo prescricional de cinco anos, estabelecido do artigo 40.° do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28.7, para a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas que devam entrar nos cofres do Estado, reporta-se exclusivamente à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado e não à prévia definição jurídica da obrigação de repor, em nada interferindo, pois, com a regra geral da revogação dos atos administrativos constitutivos de direitos.
Neste sentido, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 1P.11.1QQ8 (Pleno), recurso n.° 41.173, de 11.3.1QQQ, recurso n.° 37.914. de 5.7.2005. recurso n.° 159/04, e de 23.5.2006, recurso n.° 01024/04: e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.3.2005, recurso n.° 00541/05, e de 11.5.2006, no recurso n.° 11946/03).
Não se diga, no entanto, que com este entendimento se subverte o estatuído no n.° 3 do artigo 40.° do DL n° 155/92, de 28 de julho:
Aí se diz que:
1- A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
2- O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.
3- O disposto no n° 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n°442/91, de 15 de novembro ".
Está aqui em causa, por um lado, o legítimo interesse do Estado em reaver as importâncias indevidamente pagas a terceiros (a exigir um prazo alargado) e, por outro, o interesse genérico na segurança e na certeza jurídicas (a impor para a revogabilidade dos atos constitutivos de direitos um limite temporal relativamente curto).
O equilíbrio entre esses interesses consegue-se plenamente com a interpretação sufragada pelos Tribunais Superiores Administrativos em recentes acórdãos e com a qual se concorda inteiramente.
Com efeito, existindo um crédito já definido é compreensível o prazo extenso de 5 anos para a restituição, uma vez que, nesse caso, a certeza é precisamente a que resulta da definição do crédito, ou seja, vai no sentido da restituição ao Estado.
Igualmente se admite a restituição no decurso de 5 anos após a declaração de nulidade, pois esta sanção só surge nos atos administrativos cuja validade é afetada de forma mais grave.
Ao invés, se o ato administrativo que reconheceu o direito, no caso, de um funcionário, a receber do Estado uma determinada importância, está afetado de um vício que determina apenas a sua anulabilidade, é razoável que a restituição deva ser exigida no prazo de um ano, o qual será coincidente com o prazo garantido ao Ministério Público para em defesa da legalidade, impugnar atos ao abrigo do disposto no art.° 58o. n° 2, al. a), do CPTA aplicável.
Como se sumariou no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11.10.2006, no processo n.° 04933/00, “o prazo prescricional de cinco anos, estabelecido do art.° 40° do D.L. 155/92, de 28.7, para a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas que devam entrar nos cofres do Estado, reporta-se exclusivamente à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado e não à prévia definição jurídica da obrigação de repor, em nada interferindo, pois, com a regra geral da revogação dos atos administrativos constitutivos de direitos”.
Idêntica posição foi adotada no Acórdão do TCAS de 19.12.2013, no Processo n.° 09849/13, no qual ficou afirmado que:
“De facto, a decisão do R (anulada pela sentença por vícios formais) de exigir a reposição de verbas remuneratórias por parte dos AA resultou expressamente de o R ter mudado o seu entendimento jurídico sobre o concreto direito dos AA àquelas verbas/subsídios/compensações. Como vimos, não se tratou de corrigir um lapso ou erro meramente contabilístico ou material no ou do processamento dos pagamentos; nesse caso, não há ato constitutivo de direitos (vd. art. 140°/2 CPA; Ac. STA de 12.7.09, P. n° 139/07; Ac. STA de 5.7.05, P. n° 159/04).
Como é há muito pacífico para o STA, constitui ato administrativo revogatório de atos constitutivos de direitos ou de interesses legítimos de concessão e processamento de abonos o envio ao interessado de ordem de reposição de quantias recebidas anteriormente (vd. art. 140° CPA; Ac. STA de 17.3.2010, P. n° 413/09).
Em qualquer caso, é manifesto que o ato que ordena a reposição de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40.°, n.° 1 do DL n.° 155/92, de 28 de julho, não viola o art. 141.° do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no n.° 3 do DL n.° 155/92, de 28 de julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77.° da Lei n.° 55-B/2004, de 30 de dezembro.
Esta doutrina surgiu por causa das subvenções ou apoios financeiros europeus, sujeitos a controlo posterior (cfr. RAVI PEREIRA, O D. Comunitário posto ao serviço..., in BFDUC, 2005, esp. a pp. 702 ss; CARLA A. GOMES/R.LANCEIRO, A revogação..., in RMP132, 2012, p. 46), e não em decorrência de processamento de vencimentos.
O que, efetivamente, resulta do art. 40.° do DL 155/92 é que o art. 141.° do CPA (“anulação administrativa”) não se aplica no caso de haver obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas, a qual prescreve decorridos cinco anos após o recebimento das quantias.
No demais, aplica-se o art. 140.° [e 141.°] do CPA, relativo à revogabilidade de atos válidos, enquanto ato de processamento de vencimentos e abonos aos servidores públicos.
Assim sendo, o regime dos arts. 36. ° ss do DL 155/92, maxime o seu art. 40.°, refere-se a casos de meros erros materiais ou contabilísticos, sendo inaplicável nos casos de alteração do entendimento do Estado sobre se o abono vago era ou não devido, tendo o mesmo sido vago na convicção então havida da sua conformidade legal.
Assim não sendo, estar-se-ia a violar o art. 140.° [e 141.°] do CPA, a segurança jurídica e a tutela da confiança dos particulares (cf. MARIO AROSO, Teoria Geral do DA. ..., pp. 282 ss; FILIPA CALVÃO, Revogação..., in CJA 54, pp. 36-37, e Os atos de concessão de pensões como atos administrativos verificativos ou declarativos com efeitos constitutivos ..., in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n° 3, 2005, pp. 229230), num caso em que não faz sentido falar em o Estado indemnizar os interessados que reporiam as quantias (vd. ainda FREITAS DO AMARAL, Curso., II, 2a ed., pp. 479 ss e 486).
Mesmo quando o pagamento dos abonos tenha subjacente um erro de direito a que o destinatário seja alheio, há um ato constitutivo de um interesse legalmente protegido, interesse tutelado pelos arts. 6°-A e 140°/2/a) do CPA (cf. FREITAS DO AMARAL, Curso., II, 2a ed., pp. 482-483; FILIPA CALVÃO).
Em função de tudo quanto se expendeu, o art. 140.° [e 141.°] do CPA prevalecerá sobre os arts. 36.° ss do DL 155/92, pois que se não mostra legitimo que a Entidade Administrativa possa revogar os atos de processamento de vencimentos anteriores, ordenando a reposição das quantias pagas, na convicção da sua licitude, salvo se de atos nulos se tratassem, sem prejuízo, mesmo neste caso, de se poder mostrar adequada a atribuição de certos efeitos jurídicos, em decorrência do decurso do tempo (cfr. art. 134.° n.° 3 do CPA).
Também no Acórdão deste TCAN de 25.09.2014, no processo n° 874/08BEVIS, se manteve o mesmo entendimento.
É orientação jurisprudencial consolidada que os atos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros atos administrativos, e não meras operações materiais, suscetíveis de se consolidarem na ordem jurídica como ««casos decididos» se não forem objeto de atempada impugnação, na medida em que contenham uma definição voluntária e inovatória, por parte da Administração, da situação jurídica do funcionário abonado, relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo (cfr., por todos, os Acórdãos do STA, de 10 de Abril de 2008, Pleno, recurso n.° 544/2006; de 19 de Dezembro de 2007, recurso n.° 899/07; de 28 de Novembro de 2007, recurso n.° 414/0; de 6 de Dezembro de 2005, Pleno recurso n.° 672/05; de 4 de Novembro de 2003, recurso n.° 48 050; de 3 de Dezembro de 2002, recurso n.° 42/02; de 19 de Março de 2002, recurso n.° 48065; de 7 de Março de 2002, recurso n.° 48 338; de 26 de Fevereiro de 2002, recurso n.° 48 281).
Assim, e na medida em que contenham uma definição voluntária e inovatória, é que tais atos podem ser vistos como verdadeiros atos administrativos.
Necessário é que “o ato em causa se traduza numa decisão voluntária e unilateral da Administração, e não numa pura omissão definidora de uma situação concreta" - Ac. do TCAN, de 18/06/2009, proc. n° 01260/07.1BEPRT].
Assim será, mesmo que de atos ilegais se trate, sem prejuízo dos limites impostos pelo art.° 141.° do CPTA para uma revogação anulatória.
O n.° 3 inovatoriamente introduzido no art.° 40.° do DL 155/92, sobre o qual discorremos foi expressamente consagrado como tendo natureza interpretativa, tendo assim o próprio legislador vindo fixar vinculativamente o alcance que, “ab initio", deve ser atribuído ao preceito interpretado.
Da conjugação normativa que resulta do art.° 40.°, n° 3, para o n.° 1 do mesmo artigo que tem em consideração, resulta que a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, não sendo esta previsão prejudicada pelo art.° 141.° do CPA.
Assim, fica subtraída a estabilidade de tais atos ao geral prazo de revogação anulatória estabelecido no art.° 141.° do CPA, pois que a aplicação da norma de reposição prevista no art.° 40.°, n.°s 1 e 3, do DL n.° 155/92, de 28/07, escapa aos pressupostos da sua tutela e, assim, permanece incólume à sua aplicação.
Assim, o autor, aqui Recorrente, independentemente do preenchimento integral dos pressupostos legalmente estabelecidos vara a acumulação de funções, tem a sua posição salvaguardada velo art.° 141.° do CPA, e pelo princípio da segurança jurídica.
Ultrapassado que está o período dentro do qual a Administração poderia ainda usar do seu poder revogatório, prerrogativa não utilizada em tempo, a relação administrativa estabilizou-se e consolidou-se.
Com efeito, independentemente da legalidade/ilegalidade da acumulação de funções, sendo certo que eventual desvalor da acumulação de funções, mais se não reduziria que à consequência da anulabilidade, sempre a revogação do direito consolidado na ordem jurídica, estava condicionado ao limite temporal estabelecido no art.° 141.° do CPA.
Assim, o ato objeto de impugnação que determinou a reposição de 2/3 da remuneração auferida no período de pouco mais de três anos, aqui em análise, mostra-se insuscetível de produzir efeitos, em decorrência do facto de ter sido ultrapassado o prazo previsto no referido Art° 141° do CPA.
Como se consignou, designadamente no Acórdão deste TCAN de 20.11.2014, no processo n.° 636/09BEAVR, “O disposto no n.° 1 do art.° 40.° do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28.6) não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141.° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n°442/91, de 15 de novembro”, nesta interpretação que reputamos correta, dado que o campo de aplicação de cada um dos preceitos é distinto.”
Em idêntico sentido apontaram os acórdãos deste Tribunal Central Administrativo, nos Processos n° 01663/13BEBRG, de 30 de junho de 2016; n° 01688/13BEBRG, de 26 de maio de 2017 e n° 01689/13BEBRG, de 9 de junho de 2017.
Assim, e seguindo de perto a jurisprudência deste TCAN que se foi citando, o autor, pese a ilegalidade que potencialmente é imputável à sua situação remuneratória. tem, relativamente ao período em apreciação, o beneplácito de proteção do art.° 141° do CPA, e do princípio de segurança jurídica que o enforma.
Ultrapassado o momento em que a Administração podia ainda usar do seu poder revogatório e deixou de o fazer, a relação administrativa estabilizou-se e assumiu o seu desenho tendencialmente definitivo, devendo por isso ficar resguardado da interferência modificativa de alguma das partes.
Quantos aos vencimentos de 23/09/2007 a 11/06/2008:
Há efetivamente uma questão que importará salvaguardar e que se relaciona com o facto do Autor aqui Recorrente ter sido notificado da necessidade da devolução de 2/3 da remuneração auferida, por ofício de 23/09/2008 (Facto Provado I), o que se consubstancia na revogação das remunerações atribuídas pelo Município no período de 01/07/2004 e 11/06/2008.
Importa pois verificar da suscetibilidade de reposição dos vencimentos processados relativamente ao ano imediatamente anterior ao despacho objeto de impugnação - 23/09/2007-23/09/2008.
Em função do que fomos afirmando, de que o Município teria um ano para revogar os atos remuneratórios, e uma vez que estes se vencem enquanto atos de processamento individualizado, cada remuneração atribuída constitui um ato administrativo, potencialmente impugnável.
Se relativamente aos atos de processamento entendidos como insuscetíveis de serem revogados, não importaria aferir da sua legalidade, por tal se mostrar inútil, já relativamente aos atos temporalmente situados no ano imediatamente anterior ao ato objeto de impugnação, por revogáveis, nos termos do Art° 141.° do CPA, importará verificar a sua licitude.
Desde logo, carecendo o exercício de funções do Autor/Recorrente. no período que medeia entre 1 de fevereiro de 2008 e 11 de junho de 2008, de autorização prévia, a qual não foi obtida. nos termos dos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação (com as alterações do DL 175/2005). por se inserir no período de revogabilidade do ato. nos termos do Art.° 141.° CPA. será devida a restituição dos 2/3 reclamados pelo aqui Recorrido.
Efetivamente, não se vislumbra a verificação de qualquer violação dos princípios constitucionais alegados, porquanto são esses mesmos princípios que exigem ao Município que prossiga com a reposição dos valores reclamados ao Autor/Recorrente. pois é certo que este não desconhecia (não podia deixar de conhecer) a situação de ilegalidade em que laborava (Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - n° 1 do art° 349° do C. Civil). (Final de transcrição — sublinhados nossos)
XXXI. Ora, neste conspecto, e mesmo tendo em consideração a nova redação do artigo 40.°, n.°3, do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de julho, não podemos deixar de concluir que o prazo de prescrição previsto no n.° 1 da mesma norma não é aplicável quando o pagamento das quantias a repor foi efetuado ao abrigo de atos administrativos constitutivos de direitos, sendo certo que a ordem de reposição consubstancia uma anulação administrativa tácita de tais atos e, assim, tem de observar os prazos previstos no artigo 141.° do Código de Procedimento Administrativo de 1991.
XXXII. Com efeito, o entendimento segundo o qual a exigência de reposição de quantias indevidamente recebidas poderia ter lugar no prazo de 5 anos após o seu recebimento encontrava o seu fundamento no disposto no n.° 3 do artigo 40.° do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de julho, com a redação introduzida pela Lei n.° 55- B/2004, de 30 de dezembro, pelo que, inexistindo atualmente norma de conteúdo idêntico, é de entender que quando as quantias tenham sido recebidas, ainda que indevidamente, ao abrigo de um ato administrativo constitutivo de direitos é aplicável o regime previsto no artigo 141.° do Código de Procedimento Administrativo.
XXXIII. Em suma, tanto a jurisprudência dos tribunais superiores a que aludidmos supra, como a própria norma do n.° 3 do artigo 40.° do Decreto-lei n.° 155/92, de 28 de julho, com a redação introduzida pelo Decreto-lei n.° 85/2016, de 21 de dezembro, vieram tornar claro que o prazo de prescrição de 5 naos previsto no n.° 1 não é aplicável quando o pagamento das quantias a repor tenha sido efetuado ao abrigo de um ato administrativo constitutivo de direitos, ou seja, quando a ordem de reposição pressuponha a anulação administrativa, ainda que tácita, de um ato com esta natureza.
XXXIV. Assim sendo, atendendo a que o ato impugnado, datado de 28.02.2011, deliberou ordenar ao autor «a restituição à Caixa Geral de Aposentações da quantia de € 34 382,64 indevidamente recebida de 29 de junho de 2009 a 31 de dezembro de 2010», temos que violou o regime do artigo 141.0 do Código de Procedimento Administrativo, posto que apenas poderia ter revogado os atos de processamento posteriores a 28.02.2010.
XXXV. E nem se refira poder ser aqui aplicável a tese da entidade demandada, segundo a qual o termo a quo do prazo de revogação se deveria contar do momento em que tomou conhecimento da situação ilícita.
XXXVI. Na verdade, não são desconhecidas deste tribunal as críticas que a solução do artigo 141.0 do Código de Procedimento Administrativo de 1991 poderia traduzir. Essas críticas foram estruturadas em torno de alguns argumentos essenciais, de que damos conta muito sucintamente de seguida.
XXXVII. Por um lado, na conjugação dos dois princípios fundamentais (justiça suum cuique tribuere vs. certeza e segurança jurídicas) que norteiam soluções como as dos artigos 141.0 do Código de Procedimento Administrativo vigente à data dos factos ou 40.° e 43.0 do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de julho, tais soluções legais foram objeto de reparos, especialmente quando interpretadas no sentido de o prazo de a revogação do ato ilegal se contar desde a prática do ato e não desde o momento em que é conhecido o facto que determina a necessidade de revogar — como seja o erro sobre os pressupostos da decisão ou o não preenchimento, ainda que posterior, dos pressupostos que estiveram na base da decisão que atribuiu um benefício. isto porque o princípio da segurança jurídica, que informa a solução adotada pelo Código de Procedimento Administrativo no artigo 141.° para a revogação dos atos inválidos (tributário, em parte, do princípio da confiança jurídica, como se viu já), adota uma solução que faz prevalecer a necessidade de segurança jurídica sem calibrar o peso deste valor com o peso reclamado por outros valores igualmente inscritos no sistema constitucional e comummente aceites como princípios jurídicos de idêntica relevância, designadamente para o justo equilíbrio nas relações jurídicas como base das instituições e da paz social. Ou, como afirma a doutrina mais autorizada, «[o]ptou-se por uma solução temporal de total precaridade do ato até um certo momento e de estabilidade absoluta a partir daí, sem considerar aspetos substanciais relevantes, que recomendariam porventura diferente regime. ||Por exemplo não se considera aqui a diferença entre atos constitutivos de direitos, atos precários e atos desfavoráveis que poderia ser decisiva para a ponderação dos interesses no caso; tal como não se dá relevo à boa ou má-fé do particular» (Vieira de Andrade, 1994: 188).
XXXVIII. Por outro lado, foi igualmente sustentado que, não sendo a ilegalidade conhecida pela Administração, não poderia retirar-se da sua inércia qualquer ilação quanto à sua decisão (de suposta conformação) relativamente à manutenção do ato ilegal no ordenamento jurídico. De facto, o decurso do prazo «só deve conduzir na prática à sanação tácita do ato quando significar uma inércia consciente da Administração após conhecer a ilegalidade cometida [pelo que, permanecendo ignorada a ilegalidade do ato,] não se pode inferir do simples decurso do prazo qualquer significado jurídico» (Robin de Andrade, 2013: 76).
XXXIX. Como vemos, também no campo do procedimento administrativo, e do lado da Administração Pública (e não já do particular que com ela interage), se foi progressivamente revelando inadequada a solução de fazer coincidir o início do prazo para fazer cessar uma ilegalidade com a data da prática do ato ilegal, e não com a data do conhecimento dessa mesma ilegalidade.
xl Não o negamos: esta ideia fez o seu caminho e viria, na revisão (rectius, substituição) do Código de Procedimento Administrativo «a dar origem a uma previsão inovadora» (CALDEiRA, 2013): a de que «os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessaão do erro , em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão» (cf. artigo 168.0, n.° 1, do Código de Procedimento Administrativo atualmente vigente, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de janeiro, não aplicável ao caso dos autos, como vimos já).
xli. De todo o modo, e isso é que importa reter, essa previsão não é aplicável ao caso dos autos. Como bem adverte a doutrina da especialidade, a previsão do artigo 168.°, n.° 1, do Código de Procedimento Administrativo de 2015 traduziu verdadeiramente «uma previsão inovadora»: «É que, nos termos do artigo 141.°, n.° 1 do anterior CPA - ao contrário do que sucede, por exemplo, com a lei alemã -, a Administração apenas estava habilitada a revogar atos administrativos, com fundamento na sua ilegalidade, “dentro do prazo do respetivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida”, sendo que, a existirem prazos diferentes para o recurso contencioso, deveria atender-se ao que terminasse em último lugar (n.° 2).
xlii. » Assim, isto significava que o prazo para a Administração exercer os seus poderes com vista a corrigir uma ilegalidade por si cometida se aferia, uma vez mais, pelo hiato temporal decorrido desde a prática dessa ilegalidade, independentemente do momento da descoberta desse vício [...]» (Caldeira, 2013).
xliii. Face ao exposto, julgamos procedente o pedido subsidiário formulado pelo autor, devendo o ato impugnado ser parcialmente anulado, na parte em que determina a restituição da quantia recebida até 28.02.2010.
xliv. O apuramento da quantia que o autor deve efetivamente restituir, em função da anulação parcial ora determinada, constitui mera operação aritmética, a que se encontra obrigada a entidade demandada em cumprimento da presente decisão, quando transitada em julgado (cf. artigos 205.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa e 158.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).”


Refere a própria Recorrente/CGA, que a decisão proferida em 1ª Instância assentou “no discurso fundamentador do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 2017-11-30, proferido no processo n.° 00041/09.2BEPRT.”


Acontece que o aqui Relator foi igualmente o relator daquele Acórdão do TCA Norte, que transitou já em julgado, em face do que se não vislumbram razões para divergir do então entendido.


Aqui chegados, vejamos:
A decisão recorrida anulou parcialmente o ato objeto de impugnação de 28 de fevereiro de 2011, na parte em que determinou a restituição à CGA da quantia recebida entre 29 de junho de 2009 a 31 de dezembro de 2010, mais a tendo condenado esta a recalcular a quantia efetivamente a restituir pelo Recorrido, relativa apenas ao período compreendido entre 28 de fevereiro de 2010, e 31 de dezembro de 2010.


Em concreto, a CGA considerou que o Recorrido terá estado, desde 29 de junho de 2009, numa situação de cumulação prevista no artigo 79.° do Estatuto de Aposentação, EA, tendo-o notificado para este lhe restituísse a quantia entendida como indevidamente recebida de €34.382,64.


Em momento ulterior, por via de oficio de 27 de abril de 2011, aquele montante foi corrigido para €34.482,78.


O aqui Recorrido interpôs Ação de anulação daqueles atos, designadamente por ter entendido que os mesmos padeciam de vício de violação da lei por erro sobre os pressupostos de Direito por entender que os preceitos invocados pela Recorrente, nomeadamente os artigos 78.° e 79.° do Estatuto de Aposentação, e o artigo 9.° da Lei n.° 52-A/2005, de 10 de outubro, não se mostravam aplicáveis.


Mais foi entendido que o ato controvertido deveria ser anulado por violação do artigo 141.° do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.°442/91.


Correspondentemente, entendeu o Tribunal «a quo» que a apreciação a fazer se deveria singelamente reconduzir à verificação da aplicabilidade do artigo 141.° do CPA de 1991, determinando o recálculo das quantias recebidas pelo Recorrido, decisão com a qual a CGA não se conformou.


DA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO
Entendeu o Tribunal «a quo» julgar como parcialmente procedente a presente ação, anulando o ato objeto de impugnação, no segmento que determinou a restituição da quantia recebida de 29 de junho de 2009 a 31 de dezembro de 2010, por prescrição, que mais condenando a CGA a recalcular a quantia efetivamente a restituir mas desta feita, de 28 de fevereiro de 2010 até 31 de dezembro de 2010.


Em qualquer caso a CGA vem recursivamente pugnar pela aplicação das regras constantes do DL n.° 133/88, de 20 de abril.


Entende a CGA que a obrigação de restituição do pagamento indevido de prestações deveria prescrever no prazo de 5 anos, a contar da data da interpelação para restituir, nos termos do artigo 13.° daquele normativo, pelo que, tendo sido o Recorrido notificado para restituir a quantia em causa a 2 de maio de 2011, não teria ainda decorrido este prazo.


Em qualquer caso, entende-se que a decisão adotada em 1ª Instância não merece censura, tanto mais que assentou no entendimento jurisprudencial que tem vindo recorrentemente a ser adotado no sentido de aplicar a regra de acordo com a qual estamos em presença de um ato constitutivo de direitos, em face do que, quanto à revogabilidade de atos inválidos, sempre seria de aplicar a regra constante do artigo 141.° do CPA de 1991.
Com efeito, o DL n.° 133/88, de 20 de abril, trata da responsabilidade emergente do pagamento indevido de prestações de segurança social, sendo que o DL n.° 155/92, de julho, concretiza a arquitetura legislativa da reforma orçamental e de contabilidade pública.


Mesmo que assim não fosse, o que é facto é que ambos os diplomas referidos, preveem um prazo de prescrição idêntico para a restituição de prestações/quantias «indevidamente pagas».


Com efeito, o artigo 13.°/1 do DL n.° 133/88, de 20 de abril, determina que «o direito à restituição do valor das prestações indevidamente pagas prescreve no prazo de cinco anos a contar da data da interpelação para restituir», e o artigo 40.°/1 prescreve que «A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento».


Aqui chegados, tem-se entendido que este prazo de prescrição se reporta exclusivamente à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado, e não à prévia definição jurídica da obrigação de repor, em nada colidindo com a regra geral da revogação dos atos administrativos constitutivos de direitos.


Aliás, é o próprio artigo 1.°/1 do DL n.° 133/88, de 20 de abril que refere que «O recebimento indevido de prestações no âmbito do sistema de segurança social dá lugar à obrigação de restituir o respetivo valor, sem prejuízo da observância do regime de anulação e revogação dos atos administrativos».


No mesmo sentido, a Lei n.° 55-B/2004, de 30 de dezembro, introduziu um n.° 3 ao artigo 40.° do DL n.° 155/92, de 28 de julho, conferindo-lhe natureza interpretativa, onde se refere que «O disposto no n.° 1 não é prejudicado pelo estatuído no artigo 141.° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de novembro».


É orientação jurisprudencial consolidada que os atos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros atos administrativos, e não meras operações materiais, suscetíveis de se consolidarem na ordem jurídica como «casos decididos» se não forem objeto de atempada impugnação, na medida em que contenham uma definição voluntária e inovatória, por parte da Administração, da situação jurídica do funcionário abonado, relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo.


Tem pois sido jurisprudencialmente entendido que o prazo de reposição de 5 anos não é aplicável quando o pagamento das quantias a repor tenha sido efetuado ao abrigo de um ato administrativo constitutivo de direitos, ou seja, quando a ordem de reposição pressuponha a anulação administrativa, ainda que tácita, de um ato com esta natureza.


Com efeito, o regime dos artigos 36.° e seguintes do DL 155/92, «maxime» o artigo 40.°, refere-se a casos de meros erros materiais ou contabilísticos, sendo inaplicável nos casos de alteração do entendimento do Estado sobre se a quantia paga era ou não devida, tendo a mesmo sido paga pelo Estado na convicção então havida da sua correção legal.


Assim não sendo, estar-se-ia a violar o artigo 140.° do CPA, a segurança jurídica e a tutela da confiança dos particulares.


Na situação aqui controvertida, a ordem de reposição pressuporia a anulação de ato constitutivo de direitos, sem que tivessem sido cumpridos os correspondentes pressupostos.


Assim, será de manter a aplicabilidade do regime constante do artigo 141.° do CPA de 1991, o qual, com a epígrafe «Revogabilidade dos atos inválidos», refere incontornavelmente que «1- Os atos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respetivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida. 2- Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar».


Deste modo, nos termos do referido normativo do CPA, a CGA apenas estava habilitada a revogar atos administrativos, com fundamento na sua ilegalidade, dentro do prazo do respetivo recurso contencioso ou até à resposta de entidade recorrida, sendo que, a existirem prazos diferentes para o recurso contencioso, deveria atender-se ao que terminasse em último lugar.


Como se sumariou no Acórdão do TCA Norte, proferido a 20 de novembro de 2016, no processo n.° 01663/13.2BEBRG:
“4. (...) se o ato administrativo que reconheceu o direito de um funcionário ou particular a receber do Estado uma determinada importância está afetado de um vício que determina apenas a sua anulabilidade, é razoável que a restituição deva ser exigida no prazo de um ano, prazo este que é coincidente com o prazo que o Ministério Público, em defesa da legalidade, tem para impugnar atos ao abrigo do disposto no artigo 28°, n°1, al. c), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
5. Está aqui em jogo, por um lado, o legítimo interesse do Estado em reaver as importâncias indevidamente pagas a terceiros (a exigir um prazo alargado) e, por outro, o interesse genérico na segurança e na certeza jurídicas (a impor para a revogabilidade dos atos constitutivos de direitos um limite temporal relativamente curto), logrando-se o equilíbrio destes interesses na interpretação supra.”


Mais se sumariou, desta feita no Acórdão do TCA Norte relatado pelo aqui igualmente relator, de 30.11.2017, Procº nº 00041/09.2BEPRT:
1 – O disposto no n° 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28.07, não é incompatível com o disposto no artigo 141° do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n°442/91, de 15 de Novembro.
2. Existindo um crédito já definido é compreensível o prazo extenso de 5 anos para a restituição, uma vez que, nesse caso, a certeza é precisamente a que resulta da definição do crédito, ou seja, vai no sentido da restituição ao Estado, nos termos do disposto no n° 1 o artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28.07.
3 - Se o ato administrativo que reconheceu o direito de um trabalhador a receber do Estado uma determinada importância está afetado de um vício que determina apenas a sua anulabilidade, é razoável que a restituição deva ser exigida no prazo de um ano, o qual é coincidente com o prazo que o Ministério Público, em defesa da legalidade, tem para impugnar atos ao abrigo do disposto no artigo 28º, nº1, al. c), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
4 - Está aqui em causa, por um lado, o legítimo interesse do Estado em reaver as importâncias indevidamente pagas a terceiros (a exigir um prazo alargado) e, por outro, o interesse genérico na segurança e na certeza jurídicas (a impor para a revogabilidade dos atos constitutivos de direitos um limite temporal relativamente curto), logrando-se o equilíbrio destes interesses na interpretação supra.


Em face de tudo quanto se expendeu, não merece censura a decisão adotada em 1ª Instância ao julgar procedente o pedido subsidiário do Recorrido, determinando que o ato impugnado fosse parcialmente anulado, por violação do artigo 141.° do CPA de 1991, na parte em que determina a restituição da quantia recebida até 28 de fevereiro de 2010, e o recálculo da quantia efetivamente a restituir pelo Recorrido, mas apenas a partir desta data.


V - Decisão:
Acordam, em conferência, os juízes da subsecção Social da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, negar provimento ao recurso interposto, confirmando-se a Sentença Recorrida.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 9 de maio de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Julieta França

Eliana de Almeida Pinto