Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2842/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/07/2024
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO
FUNDAMENTAÇÃO
CULPA
Sumário:I - A inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição à execução fiscal subsumível na alínea i) do art.º 204.º do CPPT, quando essa falta de notificação respeite ao devedor originário.
II - Se a citação do devedor subsidiário não cumpre as formalidades legais, nomeadamente, não se faz acompanhar dos elementos essenciais da liquidação da dívida revertida e sua fundamentação (artigo 22/5 da LGT), tal poderá contender com a validade da citação, mas não determina a inexigibilidade da dívida.
III - Os elementos essenciais da liquidação da dívida e sua fundamentação não integram os requisitos da fundamentação do despacho de reversão, que na jurisprudência consolidada do STA “se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada”.
IV - Não vindo impugnado que o Opoente e ora Recorrido era gestor de facto da devedora originária e tendo a reversão sido efetuada ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, cabia-lhe ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento dos tributos.
V - Cumpre ao Opoente demonstrar não ter contribuído para a situação de falta de pagamento dos tributos no momento do termo do prazo para pagamento voluntário e ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado [artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)].
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

Vem G…, interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a oposição por si apresentada à execução fiscal n.º 3085200501131907 e apensos, instaurada originariamente contra a sociedade “F… – Audiovisuais, Lda.”, por dívidas de IRC do ano de 2003, de IRS – Retenção na fonte, dos anos de 2003 a 2006, tudo no montante global de € 181 714,86.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:

«E.l) DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO:
I. Com base na documentação constante dos autos e no depoimento das testemunhas inquiridas, o Tribunal a quo considerou como provados os factos descritos a fls. 8 a 10, da sentença de fls…, Pontos 1. a 10.

II. Advogámos que a decisão de reversão laborava em manifesta omissão de fundamentação.

III. Atendendo a que há sobeja prova produzida nos autos que demonstra tal falta de fundamentação do despacho de reversão, advogávamos que devia o tribunal ad quem, ao abrigo do disposto no art.º 712º do CPC, revendo o quadro factual aqui em causa e em aditamento ao probatório, considerar que o despacho de reversão não está devidamente fundamentado, enfermando, por isso, de grosseira ilegalidade.

IV. Aduzíamos ainda com a inaceitável omissão do probatório da contingência associada aos reembolsos de IVA a que a devedora originária teria direito (que invariavelmente redundava em amputações relevantes dos legítimos pedidos de reembolsos de IVA peticionados e a custo legitimados) e ainda com as dificuldades de tesouraria a que tais demoradas restituições levavam, radicando aqui a falta de meios monetários tendentes ao pagamento das dividas revertidas, devendo estabelecer-se um nexo de causal entre tais emergentes dificuldades e a falta de pagamento atempado dos impostos aqui em causa, devendo pois o tribunal ad quem, ao abrigo do disposto no art.º 712º do CPC, revendo o quadro factual aqui em causa, considerar que provada ficou a ausência de culpa do aqui recorrente na falta de pagamento das dividas revertidas.

V. É à luz deste enquadramento fáctico que o presente recurso deve ser apreciado.

E.2) DO EXCESSO DE PRONÚNCIA
VI. Em manifesto excesso de pronuncia e sem que as partes o suscitassem, o Mº Juiz a quo decide discorrer sobre a nulidade da citação (não invocada nem peticionada).

VII. O Mº juiz a quo, enquanto entidade decidente, por força do que estatui o n.º 2 do art.º 660º do CPC, aplicável ao caso, ex vi da alínea e) do art.º 2º do CPPT, encontrava-se vinculado à apreciação de todas as questões que lhe são submetidas a julgamento pelas partes litigantes, mas apenas e só dessas e já não quaisquer outras.

VIII. O vício de excesso de pronúncia de que, advogávamos, a douta sentença enfermava, resultava do facto do Mº Juiz recorrido se haver debruçado sobre a questão da nulidade da citação e do erro na forma de processo, sem que, sequer, o aqui recorrente ou a fazenda o cogitassem, quando a verdade é que nenhuma consideração deveria ter emitido a tal propósito, já que jamais as partes no desenrolar desta contenda haviam suscitado essa "questão" (o oponente e aqui recorrente, limitou-se a sustentar que a citação estava enferma, inferido daí a ilegalidade da decisão de reverter e a ineficácia dos actos tributários de liquidação em relação ao devedor subsidiário) e na medida em que tal conhecimento também não se mostrava sequer em prejuízo da solução que viria a ser dada a todas as outras "questões" suscitadas pelas partes.

E.4) DAS ALEGAÇÕES DE DIREITO QUE CONSUBSTANCIAM O ERRO DE JULGAMENTO:

IX. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do acervo normativo aqui em equação, como doravante se demonstrará.

X. Do mesmo modo que advogávamos que a sentença recorrida enfermava de excesso de pronúncia, considerámos que ela enfermava, correspectivamente, de erro de julgamento relativamente à ilegalidade do despacho de reversão e à concomitante ineficácia dos actos tributários de liquidação em relação ao devedor subsidiário que foi aduzida pelo aqui recorrente e incompreensivelmente não entendida pelo M. º juiz a quo.

XI. Analisada a notificação para audição prévia e a citação que integra o despacho de reversão, constatámos que em nenhum desses documentos se encontrava qualquer referência aos elementos essenciais das liquidações que originaram a dívida revertida, e muito menos se encontrava qualquer referência à respectiva fundamentação.

XII. Tal como abundantemente se aduzia na PI de oposição, a não notificação dos elementos essenciais da liquidação e da sua fundamentação impedem o exercício do direito de impugnação por parte do revertido. De todo o acervo de prova junto aos autos não consta que o aqui recorrente tenha tomado conhecimento das liquidações revertidas ou pelo menos dos fundamentos que as estribam.

XIII. De acordo com jurisprudência unânime dos Tribunais superiores que, de tão consabida, nos escusávamos enunciar, é a oposição à execução o meio processual adequado para o executado, por reversão, discutir em juízo as enfermidades do despacho determinativo dessa reversão, nomeadamente, imputando-lhe vícios de forma por ausência de fundamentação e preterição de formalidades legais, mais devendo enquadrar-se este fundamento da oposição na alínea i) do art.º 204º do CPPT que foi exactamente um dos fundamentos aduzidos na PI de oposição, concretamente no seu art.º 11º, para fundamentar a interposição da lide que está na base da decisão recorrida.

XIV. Discorríamos no sentido de que o despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo (cfr. art.º 120º do CPA), pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à fundamentação (cfr. art.º 268º, n.º.3, da CRP e n.º 5 do art.º 22º, n.º 4 do art.º 23º e art.º 77º, todos, da L.G.T.), tal como serão de considerar, como consequências resultantes do seu incumprimento. as que resultam da lei que regula a validade e perfeição das notificações e já não as que resultam da invalidade das citacôes - acto de natureza judicial por excelência.

XV. Intuindo-se daqui que a sentença de que se recorre incorreu em erro de julgamento, ao desconsiderar todo o argumentário esgrimido na PI de oposição que sustentava que o despacho de reversão não se encontrava suficientemente fundamentado, devendo inferir-se daí, como consequência, a ineficácia dos actos de liquidação revertidos e já não a nulidade da citação.

XVI. Sustentando-se que a ilegalidade da decisão de reversão por falta de fundamentação não podia deixar de ter consequências em termos de perfeição do acto de reversão, comunicável, em termos de eficácia, aos actos de liquidação revertidos, não podendo deixar de se inferir daí a necessária inexigibilidade da divida revertida, a tal propósito se repristina aqui o art.º 22º da PI de oposição.

XVII. Defendíamos também que perante a não inclusão nas citações da fundamentação legalmente exigível das liquidações que estão na origem nas dívidas exequendas, não se impunha ao ora recorrente o recurso à faculdade que lhe concede o art.º 37.º do CPPT de requerer a notificação dos requisitos em falta.

XVIII. E dito isto advogávamos que a sentença recorrida deveria ter considerado procedente o pedido formulado e decidido no sentido de que ocorreu uma efetiva violação do artigo 22.º, n.º 5 da LGT (e de todo o normativo que regula a notificação dos actos tributários de liquidação de tributos e que foi sobejamente explicitada na pi de oposição e aqui se reitera) que só podia consequenciar a ineficácia dos actos de liquidação revertidos relativamente ao devedor subsidiário e aqui recorrente e não o tendo feito. a sentença recorrida incorreu manifesto em erro de julgamento.

XIX. Considerámos ainda que o Mº Juiz a quo incorreu em erro de julgamento ao não considerar que o aqui recorrente é parte ilegítima para estar presente nas lides executivas aqui em causa como devedor subsidiário, atenta a incontornável prova documental apresentada (docs. n.º 3 a 12 da PI de oposição) e também o depoimento das testemunhas arroladas e ouvidas.

XX. Encontrando-se, pois, reunidos os pressupostos de procedibilidade da indeferida oposição judicial, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida.

F. DO PEDIDO:
Termos em que, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Exªs, se requer:
A) Seja alterada a decisão recorrida quanto à matéria de facto, na medida em que o Tribunal Ad quem vier a dispor de todos os elementos probatórios necessários para o efeito;

B) Seja declarada a nulidade da sentença recorrida devido a excesso de pronúncia, nos termos e em conformidade com o estatuído no art.º 125º, n.º 1, “in fine” do CPPT;

C) Seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que declare a procedência do pedido que sustentava inexigibilidade, por ineficácia, as liquidações controvertidas e a ilegitimidade, por inexistência de culpa, do aqui recorrente para estar nas lides executivas aqui em causa na qualidade de devedor subsidiário, tudo com as legais consequências, assim fazendo V. Exªs, venerandos desembargadores, a tão costumada justiça!»


A Recorrida, Autoridade Tributária e Aduaneira, não apresentou contra-alegações.

Após se pronunciar no sentido da não verificação das alegadas nulidades da sentença, o recurso da sentença foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso apresentado.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.


II – Fundamentação

Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.

Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir se a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia ou de erro de julgamento, na seleção e interpretação dos factos e aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1. Em Outubro de 2004 constavam 10 nomes no “Quadro de pessoal” da sociedade “F…, Lda” – cfr. quadro de pessoal, a fls. 90 do suporte físico dos autos;
2. Em 26 de Dezembro de 2005 foi instaurado, contra “F… Aduiovisuais, Lda. NIPC 5…”, o PEF 3085200501131907, do Serviço de Finanças de Lisboa 3, referente a “Tributo IRS”, “Tipo Ret. Font - Cjm”, pela quantia de €28.211,99 – cfr. PEF, a fls. 125 e 126 do suporte físico dos autos;Em Outubro de 2008 constavam 7 nomes no “Quadro de pessoal” da sociedade “F…, Lda” – cfr. quadro de pessoal, a fls. 91 do suporte físico dos autos;
3. Por despacho de 19 de Agosto de 2009, a Chefe de Finanças de Lisboa 3 elegeu o processo referido em 2) “como principal a fim de serem apensados ao mesmo os processos números 3085200601049542 e 3085200601113364” – cfr. despacho, a fls. 128 do suporte físico dos autos;
4. No dia 19 de Agosto de 2009 foi elaborada informação onde consta que “Após consultar os elementos existentes neste Serviço de Finanças, não foram encontrados quaisquer bens em nome da executada, assim, e confirmada a inexistência de bens penhoráveis por parte de F… Audiovisuais. Lda. NIPC 5…, é meu parecer que se deve proceder á reversão contra os responsáveis subsidiários, referente às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercido do cargo”, no seguimento da qual foi proferido despacho de “Para identificação dos responsáveis subsidiários, solicite-se à Conservatória do Registo Comercial o teor da certidão de registo da executada.” – cfr. informação e despacho, a fls. 129 do suporte físico dos autos;
5. No dia 15 de Setembro de 2009 foi proferido “Despacho (Reversão)” onde consta “Face às diligências de fls. retro, e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário{s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra G… contribuinte n.° 2…, morador em C… N 29 4 - LISBOA – 1… LISBOA na qualidade dc Responsável Subsidiário, pela divida abaixo discriminada. Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do{s) executado(s) por reversão, nos termos do Art * 160° do C. P. P. T para pagar no prazo dc 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros dc mora nem custas (n.º 5 do Art.º 23º da L. G. T)” e “FUNDAMENTOS DA REVERSÃO Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº l/b) LGT]” – cfr. despacho, a fls. 137 do suporte físico dos autos;
6. No dia 17 de Setembro de 2009 foi assinado o aviso de recepção com o registo RM 554145109PT, referente a “Citação (Reversão)” do PEF referido em 2) e enviado para a morada referida em 6) – cfr. ofício de citação, listagem de correspondência e aviso de recepção, a fls. 139 a 142 do suporte físico dos autos;
7. Pelo ofício 9382 do Serviço de Finanças de Lisboa 3, de 24 de Setembro de 2009, foi o Oponente informado “Nos termos do artigo 241.° do Código de Processo Civil, […]que no dia 17/09/2009, foi entregue por funcionário dos CTT — Correios, na morada acima indicada, citação pessoal na pessoa de C…. Fica V. Exª, por este meio, notificado de que para todos os efeitos legais se encontra citado (na qualidade de responsável subsidiário de F… Audiovisuais, Lda) de que corre termos neste Serviço de Finanças o(s) processo(s) executivo(s) acima referenciado(s), devendo proceder ao pagamento da quantia exequenda no prazo de 30 (trinta) dias a contar da concretização citação, considerando-se esta efectuada em 17/09/2009, nos termos dos artigos 250° e 252°-A CPC” – Cfr. ofício, a fls. 143 do suporte físico dos autos;
8. A petição inicial que deu origem ao presente processo foi carimbada no Serviço de Finanças de Lisboa 3 em 20 de Outubro de 2009 – cfr. carimbo, a fls. 1 do suporte físico dos autos;
9. A sociedade utilizava os valores descontados do salário dos funcionários, a título de imposto, para pagar dívidas próprias.”

Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

“Não se deram como não provados quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.”

E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

“Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos.
O facto provado 10 decorre da prova testemunhal ouvida que mereceu crédito quanto a esta parte, pela coerência demonstrada na afirmação de um facto que, atenta a sua natureza, não beneficia o Oponente.”


II.2 Do Direito

O Opoente e ora Recorrente, deduziu oposição ao processo de execução fiscal n° 3085200501131907 e apensos, que contra si reverteu, na qualidade de responsável subsidiário, por dívidas de IRC e IRS dos anos de 2003 a 2006, da sociedade devedora originária “F… – Audiovisuais, Lda.”.

Notificado da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a oposição por si deduzida, dela veio interpor o presente recurso.

Nas conclusões das alegações de recurso, o Opoente e ora Recorrente imputa à sentença, além do erro de julgamento de facto e de direito, vício de nulidade, por excesso de pronúncia.

Nas alegações de recurso o ora Recorrente não impugna expressamente a matéria de facto, mas pede o aditamento de factos ao probatório fixado na sentença, embora ao abrigo do artigo 712º CPC, artigo indicado por evidente lapso de escrita.

Solicita assim que seja aditado que o despacho de reversão não está devidamente fundamentado, enfermando, por isso, de grosseira ilegalidade e que os reembolsos de IVA a que a devedora originária teria direito (que invariavelmente redundava em amputações relevantes dos legítimos pedidos de reembolsos de IVA peticionados e a custo legitimados) e ainda com as dificuldades de tesouraria a que tais demoradas restituições levavam, radicando aqui a falta de meios monetários tendentes ao pagamento das dividas revertidas, devendo estabelecer-se um nexo de causal entre tais emergentes dificuldades e a falta de pagamento atempado dos impostos aqui em causa, devendo pois o tribunal ad quem, ao abrigo do disposto no art.º 712º do CPC, revendo o quadro factual aqui em causa, considerar que provada ficou a ausência de culpa do aqui recorrente na falta de pagamento das dividas revertidas [cf. conclusões III e IV das alegações de recurso supra transcritas].

Contudo, para suportar esta sua pretensão de modificação da matéria de facto fixada na sentença, não indica os concretos meios de prova, limitando-se a remeter em bloco para toda a prova produzida, quer documental quer testemunhal.

Como é consabido, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas. Na seleção dos factos, e na decisão sobre a matéria de facto deve o Juiz acolher apenas o facto cru, despido de conceitos de direito e de conclusões, afastando, pois, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

Prosseguindo:

Relativamente ao despacho de reversão, o mesmo encontra-se transcrito sob o nº 5 dos factos provados, sendo que a alteração pretendida encerra em si mesma além de conceitos de direito, uma conclusão: a de que o despacho não se encontra devidamente fundamentado e que enferma de ilegalidade.

O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto ao tema da culpa na falta de pagamento dos impostos em dívida, por também fazer apelo a conceitos de direito e à retirada de conclusões.

Termos em que indefere a alteração ao probatório pretendida.

Estabilizada a matéria de facto, vejamos, agora, se a sentença é nula por excesso de pronuncia, como alega.

Diz o artigo 125/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), sob a epígrafe Nulidades da sentença:

1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Também a alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (CPC), dispõe que é nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.


Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 125/1 do CPPT, constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

A nulidade por excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal se pronuncia sobre questões que não foram suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso.

Por questões submetidas à apreciação do Tribunal deve entender-se aqui as que se referem aos pedidos formulados, atinentes à causa de pedir ou às exceções alegadas, não se confundindo, pois, com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem verdadeiras questões para os efeitos preceituados na norma citada.

Nas palavras de Alberto dos Reis (1-Aut Cit, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: anotado, I Vol. pág. 284, 285 e V Vol. pág. 139), são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão

Alega o ora Recorrente não ter suscitado a questão da nulidade da citação e, logo, que a sentença sobre ela não se deveria ter pronunciado.

Vejamos:

Diz o artigo 35/2, do CPPT: “[a] citação é o ato destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada”.

Quanto às formalidades da citação regia o artigo 190º CPPT:

1 - A citação deve conter os elementos previstos nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 163.º do presente Código ou, em alternativa, ser acompanhada de cópia do título executivo.
2 - A citação é sempre acompanhada da nota indicativa do prazo para oposição, para pagamento em prestações ou dação em pagamento, nos termos do presente título.
3- Quando a citação for por mandado, entregar-se-á ao executado uma nota nos termos do número anterior, de tudo se lavrando certidão, que será assinada pelo citando e pelo funcionário encarregado da diligência.
4 - Quando, por qualquer motivo, a pessoa citada não assinar ou a citação não puder realizar-se, intervirão duas testemunhas, que assinarão se souberem e puderem fazê-lo.
5 - A citação poderá ser feita na pessoa do legal representante do executado, nos termos do Código de Processo Civil.
6 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, só ocorre falta de citação quando o respetivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável.

Ocorre, assim, nulidade da citação quando não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei.

Ora, compulsado o teor da p.i., argumentos esses levados também às conclusões das presentes alegações de recurso, dúvidas não há que foi suscitado o tema da nulidade da citação, por inobservância das formalidades prescritas na lei, incluindo a fundamentação, quando defende que com a citação lhe não foram transmitidos os elementos essenciais da liquidação das dívidas que ora lhe estão a ser exigidas [nos termos dos artigos 22/4 e 23/4, da Lei Geral Tributária (LGT)], com evidente prejuízo para a defesa.

Se bem que o ora Recorrente invoque a inexigibilidade da dívida exequenda por a citação não vir acompanhada dos elementos essenciais da liquidação, é patente que a apreciação da questão da ineficácia implica, em algum grau, a apreciação da regularidade da citação.

Com efeito, nos termos do artigo 22/5 da LGT: “[A]s pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais”.

Temos assim que se no ato de citação do responsável subsidiário não lhe forem comunicados os elementos essenciais da liquidação da dívida, tal poderá determinar a invalidade da citação. E, desde já diremos que tal não inquina de vício formal ou material o despacho de reversão, como defende o Opoente e ora Recorrente nas conclusões das alegações de recurso, como melhor veremos infra.

Sem necessidade de mais discorrer sobre o tema, tanto basta para se concluir não ter razão o ora Recorrente quanto à verificação da alegada nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Termos em que improcede a alegada nulidade por excesso de pronúncia.

Prosseguindo:

Como vimos já supra, mas agora noutra vertente, defende o ora Recorrente que o despacho de reversão deveria conter os elementos essenciais da liquidação das dívidas contra si revertidas, criticando a sentença recorrida por não ter concluído que o despacho de reversão não se encontra devidamente fundamentado nem pela inexigibilidade da dívida exequenda.

Se é verdade que a falta de notificação dos tributos ao contribuinte no prazo de caducidade, constitui fundamento de oposição, nos termos da alínea i) do nº 1 artigo 204º CPPT, é entendimento jurisprudencial que tal fundamento respeita à notificação ao devedor originário (contribuinte) mas já não o será quanto ao revertido. Nesse sentido chamamos à colação o recente acórdão deste TCAS de 2023.06.01, proferido no processo nº 495/14.5BELRS e demais jurisprudência para que remete. Do citado acórdão transcreve-se:

«Pretende outrossim a oponente que o despacho de reversão não está suficientemente fundamentado, nomeadamente, não contém os elementos relativos à liquidação da dívida.

Sobre o tema e em termos que merecem a nossa concordância, escreveu-se no acórdão do STA de 29/10/14, tirado no processo nº 0925/13, o seguinte:

“(…) não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (art. 268.º n.º 3 da CRP; arts. 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).

E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT). Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, proferido em 16/10/13, 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os acórdãos desta Secção do STA, de 31/10/2012, proc. nº 580/12 e de 23/1/2013, proc. nº 953/12).
(…)”.»

Também nos presentes autos, defende, pois, o ora Recorrente a carência da fundamentação do despacho de reversão, nomeadamente, por não conter os elementos relativos à liquidação da dívida.

Todavia compulsado o conteúdo da alínea nº 5 dos factos provados, verifica-se que o despacho de reversão cumpriu o dever de fundamentação formal que lhe era exigível, i. é, indica as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade e o preenchimento dos pressupostos: (i) inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (artigo 23/2 da LGT e artigo 153/2 do CPPT); (ii) o exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes; bem como a extensão temporal.

Tanto basta para se concluir não ter razão o Opoente e ora Recorrente quanto a esta questão, improcedendo nesta parte o recurso.

Por fim, vejamos quanto à alegada ilegitimidade por ausência de culpa na falta de pagamento das dívidas exequendas.

No caso em apreço não é controvertido que a reversão se efetuou ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, pelo que cabia ao revertido ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento dos tributos. Este artigo consagra uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto – nesse sentido veja-se a jurisprudência deste TCAS nomeadamente nos acórdãos de 2012.05.08, Proc. nº 5392/12; de 2014.11.13, Proc. nº 7549/14, de 2017.04.06, Proc. nº 456/13.1BELLE, de 2018.05.17, Proc. nº 1099/14.8 BELRS, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Na sentença recorrida entendeu-se precisamente que o Opoente e ora Recorrente não fez prova de que a falta de pagamento do tributos não lhe foi imputável e isso passava por demonstrar que a falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento das dívidas exequendas não se deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.

Vejamos, então se o Opoente e ora Recorrido, contrariamente ao decidido, conseguiu demonstrar não ter contribuído para a situação de falta de pagamento dos tributos no momento do termo do prazo para pagamento voluntário e ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado [artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)].

Alegou o ora Recorrente que a sentença recorrida não valorizou devidamente os documentos juntos com a petição inicial e que comprovavam que houve atrasos significativos no reembolso do IVA acarretando dificuldades de tesouraria e de liquidez na empresa no período em causa, decorrentes das penhoras de que a sociedade foi alvo.

Todavia não ficou determinado nem comprovado qual o impacto ou peso dessa privação de rendimentos na atividade da empresa.

Antes resultando dos factos apurados que no exercício de 2003 a empresa gerou lucros tributáveis que estão na origem de parte da dívida que agora está a ser exigida do revertido.

Não tendo ficado demonstrado que a gestão do ora Recorrido foi a mais adequada, aferida esta segundo os padrões médios de diligência de um gestor médio e que com a sua conduta e opções não contribuiu para a falta de pagamento dos tributos.

Não conseguiu, assim, o revertido ilidir a presunção de culpa decorrente do artigo 24/1.b) da LGT, sendo certo que o respetivo ónus sobre si recaía.

Não tem, pois, razão o ora Recorrente sobre esta questão.

Em face do exposto, improcede o recurso.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pelo Recorrente, que ficou vencido.


Sumário/Conclusões:

I - A inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição à execução fiscal subsumível na alínea i) do art.º 204.º do CPPT, quando essa falta de notificação respeite ao devedor originário.
II - Se a citação do devedor subsidiário não cumpre as formalidades legais, nomeadamente, não se faz acompanhar dos elementos essenciais da liquidação da dívida revertida e sua fundamentação (artigo 22/5 da LGT), tal poderá contender com a validade da citação, mas não determina a inexigibilidade da dívida.
III - Os elementos essenciais da liquidação da dívida e sua fundamentação não integram os requisitos da fundamentação do despacho de reversão, que na jurisprudência consolidada do STA “se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada”.
IV - Não vindo impugnado que o Opoente e ora Recorrido era gestor de facto da devedora originária e tendo a reversão sido efetuada ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, cabia-lhe ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento dos tributos.
V - Cumpre ao Opoente demonstrar não ter contribuído para a situação de falta de pagamento dos tributos no momento do termo do prazo para pagamento voluntário e ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado [artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)].


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu, nos termos expostos.

Lisboa, 7 de novembro de 2024

Susana Barreto

Isabel Vaz Fernandes

Luísa Soares