Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1299/19.4BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:12/10/2020
Relator:LINA COSTA
Descritores: ÓNUS DE ALEGAR
PROVIDÊNCIA
ANTECIPAÇÃO DO JUÍZO SOBRE A CAUSA PRINCIPAL
INTEMPESTIVIDADE DA ACÇÃO
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
Sumário:1. O ónus de alegar e de formular conclusões de recurso vem previsto no nº 2 do artigo 144º do CPTA

2. O recurso visa alterar a decisão judicial com a qual o recorrente não concorda pelo que deve consistir num ataque dirigido aos respectivos fundamentos de facto e de direito e não numa repetição dos argumentos deduzidos no/s articulados apresentados ou atinentes à causa;

3. Nas acções administrativas impugnatórias e atento o disposto no nº 4 do artigo 146º do CPTA, a alegação e conclusões de recurso em que o recorrente se limite a reafirmar os vícios imputados ao acto impugnado na acção não determina o seu imediato indeferimento, impondo ao juiz a prolação de despacho de aperfeiçoamento, se não for possível deduzir quais os concretos aspectos de facto e/ou de direito que aquele entende terem sido incorrectamente julgados, sob pena de não conhecimento do recurso na parte afectada;

4. O direito de audiência prévia dos interessados visa permitir a participação destes na tomada de decisões que lhes digam respeito, contribuindo para assegurar a correcção e justeza do acto final do procedimento administrativo;

5. O acto administrativo impugnado/suspendendo, em referência nos autos, pôs termo ao procedimento administrativo de restrição do horário de funcionamento, produzindo efeitos que a Recorrente na providência qualificou de lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, considerando preenchido o critério de decisão cautelar do periculum in mora;

6. Tal acto administrativo é eficaz desde a data da sua prática, por não conter qualquer indicação que implique a sua eficácia diferida ou condicionada (cfr. os artigos 155º e 157º do CPA), logo não há que procurar outra data ou qualquer requisito de operatividade, seja o termo do prazo de audiência prévia ou o impulso do direito de defesa do interessado consistente na interposição da providência cautelar;

7. A instauração de uma acção de anulação de um acto administrativo está sujeita a um prazo de caducidade, substantivo, cujo termo importa a caducidade do direito de acção, de forma peremptória, sem possibilidade de prorrogação ou alteração, por estar em causa o exercício de direitos materiais e não a prática de actos processuais na pendência de um processo, como sucede nos prazos judiciais ou processuais;

8. O CPTA não prevê prazo para instaurar providência cautelar;

9. A apresentação em juízo de um requerimento cautelar, que irá ser tramitado autonomamente em relação ao processo principal, não tem a virtualidade de suspender/interromper ou alterar a natureza do prazo de instauração da acção principal;

10. O prazo de caducidade está previsto na lei e tem como cominação, caso a acção não seja instaurada até ao seu termo, que o particular interessado deixa de poder exercer o direito de acção e consequentemente o direito que pretendia fazer valer através dela;

11. O princípio da tutela jurisdicional efectiva não impõe que a pretensão cautelar da Recorrente seja apreciada e decidida quando ocorra a caducidade do direito de acção.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

M….., devidamente identificada nos autos de outros processos cautelares, que instaurou contra o Município de Sintra, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 8.5.2020 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que, antecipando o juízo da causa principal da acção administrativa tramitada sob o nº 48/20.9BESNT, julgou procedente a excepção dilatória da intempestividade da prática do acto processual e, em consequência, absolveu a Entidade demandada da instância.

Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«(i) A requerente foi notificada em 11.10.2019 de uma proposta (nº …..) redigida num texto aprovado em minuta, cfr. fls. 188 do processo administrativo instrutor.
(ii) Da notificação que acompanhou a referida proposta não consta qualquer referência à possibilidade da requerente exercer o seu direito de audição, sendo, igualmente, omissa quanto às formas de defesa.
(iii) A requerente, ao ser notificada de uma proposta redigida num texto minutado, sem qualquer actividade cognitiva ou conteúdo decisório, tem legitimidade para presumir que não está perante um acto administrativo final.
(iv) Tampouco do teor da referida proposta ou da notificação que a acompanha se infere qualquer acto administrativo com conteúdo decisório e horizontalmente definitivo – Cfr. fls. 191, verso, do processo administrativo instrutor.
(v) Assim e desde logo, tal proposta não cumpre os requisitos legais para que seja considerada como um verdadeiro ato administrativo impugnável por não ter conteúdo decisório, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos na esfera da requerente.
(vi) Mas por mera cautela, em 14.11.2019, a requerente deu entrada da providência cautelar alegando a nulidade do “acto” praticado pela entidade administrativa, tendo a correspondente ação principal dado entrada em juízo no dia 14.01.2020.
(vii) Estabelece a al. b) do nº 1 do artº 58 CPTA, “Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) (…);
b) Três meses, nos restantes casos.
(viii) De acordo com nº 1 do artº 59 CPTA sem prejuízo da faculdade de impugnação em momento anterior, dentro dos condicionalismos do artigo 54.º, os prazos de impugnação só começam a correr na data da ocorrência dos factos previstos nos números seguintes se, nesse momento, o ato a impugnar já for eficaz, contando-se tais prazos, na hipótese contrária, desde o início da produção de efeitos do ato.
(ix) Assim e dado que o “acto” agora impugnado nunca chegou a ser eficaz, pelo que o referido prazo de impugnação, não se iniciou na data em que foi levado ao conhecimento da requerente.
(x) Sem prescindir e para o caso de assim não se entender, o “acto” entretanto impugnado só estaria a apto a produzir os seus efeitos se verificados dois acontecimentos e cumpridos alguns requisitos essenciais para a sua operatividade:
(xi) o primeiro verificar-se-ia logo após o termo do prazo para o eventual exercício do direito de audição, momento em que, porventura o conteúdo do projeto se converteria em definitivo, sendo certo que para que isso acontecesse deveria tal projeto advertir nesse sentido, o que não foi o caso.
(xii) o segundo verificar-se-ia após a prolação do despacho de admissão da providência cautelar, notificado à requerente em 19-11-2019, dada a sindicância judicial operada, ainda que de forma muito preliminar, sobre a pretensão da requerente ou no limite, na data em que a mesma foi apresentada em juízo.
(xiii) O prazo substantivo aplica-se à acção que impulsiona o direito de defesa do interessado, a qual se traduz, in casu, na acção cautelar intentada pela recorrente, e que foi tempestivamente apresentado em juízo em 14.10.2019.
(xiv) Deste momento, o prazo, inicialmente substantivo para a prática do acto subsequente, interposição da acção principal, convola-se em prazo judicial, sendo regido nos seus termos pelo artº 138 CPC.
(xv) Donde, transformando-se a natureza do acto a praticar, teria a recorrente que ser notificada pela secretaria para pagamento da multa correspondente à prática deste acto no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo judicial.
(xvi) Pois só a partir de tais momentos se poderia colocar a hipótese da produção de quaisquer efeitos do “acto, em particular, a restrição do horário da requerente.
(xvii) Ora, assente nos entendimentos supra explanados, entende a requerente que a exceção de caducidade do direito à ação não se verifica no caso concreto, tanto mais que na ação principal se vem pedir a nulidade do acto administrativo, cujos prazo de impugnação é de um ano (n.º 1, do art.º 58.º, do CPTA: “a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo (...)”.
(xviii) Mas se tais entendimentos falecerem, sempre o princípio da tutela jurisdicional efetiva reclamaria o exercício do direito de impugnar o putativo acto administrativo ao abrigo da al. c), do nº 3, do art. º 58.º, do CPTA, dadas as dificuldades que, no caso concreto, se colocaram quanto à identificação do ato impugnável e que são imputáveis à entidade administrativa.
(xix) Entendimento contrário, sempre seria inconstitucional por violação do dito principio da tutela jurisdicional efectiva.
(xx) Admitindo por mera hipótese de raciocínio, o decurso do prazo processual na acção principal, sempre estaria o tribunal a quo em sede preliminar em condições de proferir uma decisão de mérito que acautelasse definitivamente a pretensão da recorrente.
(xxi) Desde logo, porque o processo cautelar, tempestivamente apresentado, está instruído com todos os documentos necessários que permitem a decisão de mérito sobre a questão aqui discutida, e foi com base nesses mesmos documentos que o tribunal a quo fixou os factos provados e não provados.
(xxii) Até porque quando a recorrente vem impugnar o acto administrativo, assim o designa só por uma questão de compreensão da acção intentada, ficcionando a existência do mesmo, no que concede apenas e só por uma questão de clareza de raciocínio.
(xxiii) O acto não se formou, logo não temos acto impugnável.».
Requerendo a final:
«Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas doutamente suprirão requer-se:
1. A admissão do presente recurso por tempestivo e legalmente admissível;
2. A improcedência da excepção dilatória da intempestividade da prática do acto processual».

O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1ª – O presente recurso deverá ser rejeitado, porquanto ignora em absoluto as regras processuais aplicáveis aos recursos jurisdicionais e que resultam do artigo 639º do CPC, não cumprindo a Recorrente o dever de identificar os segmentos da sentença em que considera ter o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento - antes vindo demonstrar uma absoluta contradição com a posição anteriormente assumida e que justificou o início dos presentes autos, ao alegar a inimpugnabilidade do ato que impugnou, reiterando, quanto a tudo o resto, tudo o que foi referido no requerimento cautelar e petição inicial.
– O ato administrativo impugnado traduz a decisão proferida no procedimento administrativo a que respeita, sendo assim impugnável, na medida em que produz efeitos externos numa situação individual em concreta, nos termos do artigo 51º do CPTA.
– O caráter definitivo do ato impugnado resultava absolutamente assimilável pelo homem médio, pelo facto de ser subsequente a pronúncia apresentada pela Recorrente em sede de audiência prévia e porquanto respeitava a uma Deliberação da Câmara Municipal, que aprovava uma proposta do Presidente da Câmara Municipal – resultando tão mais evidente que a Recorrente percebeu que se encontrava perante um ato definitivo que até requereu a suspensa o da respetiva eficácia meros dias após a respetiva notificação.
– A Recorrente foi notificada para efeito do exercício do direito de audiência prévia, tendo-o exercido, como é facto assente nos presentes autos – não surgindo qualquer razão legal ou lógica para que fosse notificada, para efeito da concessão de um novo momento de pronúncia, juntamente com a comunicação da decisão final…
– As diligências complementares podem ser requeridas pelos interessados, sendo a utilidade da respetiva realização aferida pela entidade decisória – no caso, visto que a Recorrente pretendia fazer prova da inexistência de reclamações que foram apresentadas precisamente ao ora Recorrido, claro está que nenhuma conveniência revestia a realização das ditas diligências.
– A motivação do indeferimento da realização das diligências complementares correspondia a parte da fundamentação subjacente à decisão final do procedimento e que resulta completa do ato administrativo em causa nos presentes autos – sendo certo que nenhuma razão se apresenta para que tivesse de ser feita menção expressa a um indeferimento que resultava evidente ao homem médio e que, claramente, compreendeu a Recorrente, que o autonomizou enquanto vício do ato administrativo.
– Mesmo que o vício apontado ao ato se verificasse, nunca estaria em causa uma omissa o de pronúncia, mas sim, no limite, uma violação do dever de fundamentação – que, não obstante, e em virtude do referido a propósito, não se verifica.
– O prazo de impugnação dos atos respeita a impugnação – não se confundindo com a providência cautelar que lhe é acessória, cujo requerimento dentro do prazo de três meses previsto para a impugnação não determina o respetivo cumprimento.
– O prazo de caducidade do direito de ação é substantivo, conforme resulta evidente do artigo 58º, nº 2 do CPTA, não existindo a figura da convolação em prazo judicial.
10ª – Os dias de multa acrescem aos prazos judiciais/processuais – não encontrando qualquer aplicação no que respeita aos prazos substantivos, conforme a extensa jurisprudência existente sobre a matéria.
11ª – O vício apontado pela Recorrente, e decorrente do alegado ilícito indeferimento das diligências complementares, jamais poderia consubstanciar uma violação do direito de defesa, porquanto o direito de defesa e associado aos procedimentos sancionatórios – o que não é o caso do procedimento em causa, no qual o direito de pronúncia é designado por direito de audiência prévia.
12 ª – Os vícios apontados pela Recorrente ao ato - que inexistem – sempre seriam geradores de mera anulabilidade, não obstante o facto de ter a mesma invocado, incorretamente, a nulidade – pelo que a impugnação encontra-se sujeita ao prazo previsto no artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA.
13ª – A imposição de um prazo de exercício do direito de ação não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, tendo o Tribunal Constitucional se pronunciado por diversas vezes quanto a previsão legal de prazos de exercício do direito de ação, existentes em diferentes âmbitos legais.
14ª – Se o direito de ação caducou, o Tribunal não pode conhecer do respetivo mérito – resultando a antecipação desse juízo igualmente inadmissível.
15ª – Tendo a Recorrente sido notificada do ato em causa em 11 de outubro de 2019, e tendo a ação de impugnação dado entrada em 14 de janeiro de 2020, verifica-se uma exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual, por caducidade do direito de ação, devendo o ora Recorrido ser absolvido da instância, mantendo-se a sentença recorrida, que resulta absolutamente correta.».
Requerendo a rejeição, por incumprimento do ónus de alegar ou, caso assim não se entenda, que seja negado provimento ao recurso.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

A Recorrente pronunciou-se pela improcedência do pedido de rejeição do recurso, formulado pelo Recorrido.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.

Da admissibilidade do recurso:

Veio o Recorrido requerer a rejeição do presente recurso por se verificar incumprimento do ónus de alegar, nos termos do nº 1 do artigo 639º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, defendendo a Recorrente que o acto que impugnou e cuja suspensão de eficácia requereu é afinal inimpugnável, limitando-se, no resto, a reiterar tudo o que já referiu no requerimento cautelar, sem especificar o erro ou a omissão de pronúncia em que incorreu o tribunal recorrido.

A Recorrente contrapôs que apresentou alegações de recurso, reproduzindo partes da sentença recorrida de que discorda, e conclusões em termos que o Recorrido percebeu perfeitamente, tanto que contra-alegou, pelo que requer a admissão do recurso.

Apreciando.

De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 144º do CPTA o requerimento de recurso inclui ou junta a respectiva alegação, enunciando os vícios imputados à decisão recorrida.
A alínea b) do nº 2 do artigo 145º do mesmo Código, prevê o indeferimento do requerimento de recurso quando o mesmo não contenha ou junte alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões, sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 146º, idem.
O mencionado nº 4 do artigo 146º estatui que: “Quando o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado, sem formular conclusões ou sem que delas seja possível deduzir quais os concretos aspetos de facto que considera incorretamente julgados ou as normas jurídicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido, o relator deve convidá-lo a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afetada.” [sublinhado nosso].
Já o artigo 639º do CPC com a epígrafe “Ónus de alegar e formular conclusões”, aplicável supletivamente por força do nº 3 do artigo 140º do CPTA, dispõe que:
“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
(…)”.

Em face do que nas alegações de recurso, quer em direito processual administrativo quer em direito processual civil, deve o recorrente indicar as razões de facto e de direito pelas quais discorda da decisão recorrida, considera que não observou as formalidades legais na sua elaboração ou incorreu em erros de julgamento, que constituam os fundamentos para a sua anulação, revogação ou modificação, terminando com as conclusões, em que resume, sintetiza os fundamentos da discordância alegada.
Por serem uma súmula das alegações de recurso está vedado o alargamento nas conclusões do âmbito das alegações. O mesmo é dizer que as conclusões de recurso que versem sobre matéria não tratada nas alegações são totalmente irrelevantes (no mesmo sentido v. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8.6.2018, no proc. nº 1840/16.4T8FIG-A.C1, in www.dgsi.pt).
Por outro lado, como resulta do disposto no artigo 635º do CPC, a delimitação do objecto do recurso, das questões que cumprem ao tribunal superior conhecer, é efectuada pelas conclusões, significando que se estas não sumariarem todas as questões vertidas nas alegações de recurso, só as constantes das conclusões e nos termos em que o forem, serão apreciadas pelo tribunal de recurso [para além das que forem de conhecimento oficioso].
Em suma, o recurso visa alterar a decisão judicial com a qual o recorrente não concorda pelo que deve consistir num ataque dirigido aos respectivos fundamentos de facto e de direito e não numa repetição dos argumentos deduzidos no/s articulados apresentados ou atinentes à causa. Dito de outro modo, o objecto do recurso é a decisão recorrida e não a pretensão deduzida na acção em que aquela foi proferida.
No entanto, no que concerne às acções administrativas impugnatórias e atento o disposto no nº 4 do artigo 146º do CPTA, a alegação e conclusões de recurso em que o recorrente se limite a reafirmar os vícios imputados ao acto impugnado na acção não determina o seu imediato indeferimento, impondo ao juiz a prolação de despacho de aperfeiçoamento, se não for possível deduzir quais os concretos aspectos de facto e/ou de direito que aquele entende terem sido incorrectamente julgados, sob pena de não conhecimento do recurso na parte afectada.
Ora, na situação em apreciação a sentença recorrida foi proferida, num processo cautelar, em antecipação do juízo sobre a causa principal [instaurada e tramitada sob o nº 48/20.9BESNT] de impugnação da decisão camarária que determinou a restrição do horário de funcionamento do estabelecimento da Recorrente. Esta alegou e formulou conclusões de recurso, ainda que sem atacar de forma directa a sentença recorrida, reafirmando o que já tinha defendido nos autos da providência. Razão pela qual lhe é aplicável o disposto no nº 4 do artigo 146º.
Entendemos, no entanto, que a alegação e as conclusões foram formuladas em termos que, apesar de deficientes, permitem perceber porque é que a Recorrente não concorda com os fundamentos da decisão que julgou procedente a excepção da intempestividade da acção.
Em face do que inexiste fundamento para rejeitar o recurso ou para proferir despacho de aperfeiçoamento, sendo de manter o despacho de admissão proferido pelo tribunal recorrido.

A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida, de antecipação do juízo sobre a causa principal, enferma de erro de julgamento ao ter julgado a acção intempestiva.

A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade, que não foi impugnada:

«A) A Autora é proprietária do estabelecimento comercial "V…..", com CAE 56302 - Bares, sito na ….., Agualva-Cacém. (Cfr. fls. 1 a 3 do Processo Administrativo -PA-)

B) Em 10-01-2019, a Autora, através de Mandatário, apresentou na Divisão de Licenciamento das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Sintra os relatórios acústicos que constam de fls. 45 a 62 do PA. (Cfr. fls. 44 do PA)

C) Em 22-01-2019, a Chefe da Divisão de Licenciamento das Atividades Económicas dirigiu o seguinte ofício ao Mandatário da Autora:
«Em resposta ao V. email de janeiro de 2019, relativamente ao funcionamento do estabelecimento denominado “V…..”, sito na ….. - Cacém, explorado por M….. e com o CAE 56302, correspondente a actividade de bar, informamos V.Exa que, o relatório a apresentar deverá ser um relatório de avaliação acústica, para verificação do cumprimento do disposto no n.° 1 do artigo 13.° do Regulamento Geral do Ruído. Este relatório deverá ser realizado por meio de ensaio, indicando os valores referente ao período do entardecer e noturno, a executar por entidade acreditada pelo IPAC, conforme legislação aplicável, nos termos conjugados e para efeito do disposto nos artigos 13.° e 34.° do RGR.
Mais se esclarece que o relatório apresentado por Vex.as, tem como objetivo verificar os parâmetros no âmbito do Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifício (RRAE), que regula o ruído ambiente da edificação.
Assim, fica Vexa notificado, para no prazo de 10 dias, a contar da data da receção do presente ofício proceder a entrega do ora solicitado relatório.» (Cfr. fls. 79 do PA)

D) Em 26-03-2019, a Divisão Policial de Sintra dirigiu o seguinte ofício ao Município de Sintra:
«ASSUNTO: Restrição de horário
Exmo. Senhor (a)
Encarrega-me o Exmo. Senhor Comandante, em suplência, da Divisão da Polícia de Segurança Pública de Sintra, de remeter a V. Ex.ª informação dada pelo Senhor Comandante da Esquadra do Cacém.
"...“B…..” - 66a Esquadra - …..
Relativamente a este assunto e no que se refere ao bar V….., sito na ….., Cacém, informo que consultada a informação existente na PSP, foi possível apurar que esta Polícia já foi chamada ao local por questões de ruído nas seguintes datas: *
01-04-2015; 30-10-2015, 06-11-2015, 24-12-2015
03-01-2016; 28-02-2016; 01-03-2016; 12-04-2016; 21-04-2016; 05-08-2016; 24-08-2016; 03-09-2016; 21-10-2016
26-02-2017; 10-03-2017; 01-05-2017; 10-05-2017; 08-12-2017
14-04-2018; 20-09-2018; 02-10-2018; 20-10-2018; 15-11-2018; 25-11-2018
08-01-2019
Informo ainda que já foram levantados dois ANCO por funcionamento fora do horário estabelecido, que mereceram o NPP: …..e Reg. …..da 66ª Esqª e o NPP: …..e Reg. …..da EIFP.
Em relação ao horário de funcionamento e conforme determinado pelo Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços do concelho de Sintra - AVISO N.º 10915/2016 publicado no Diário da República 2.ª série - n.º 168 de 1 de Setembro de 2016, este estabelecimento só pode funcionar até às 24H00, uma vez que não possuiu espaço para dança e assim não tem licença para o efeito, no entanto, sendo uma área tão basta, é sempre difícil a cabal fiscalização diária e consequente cumprimento do horário estabelecido.
Por tudo o exposto, mediante as queixas que têm existido e sendo o local um bar de alterne, sou a informar que nada há a opor à proposta de redução de horário para as 22H00..."
(...)» (Cfr. fls. 93 e 94 do PA)

E) Em 22-04-2019, Técnica Superior da Câmara Municipal de Sintra elaborou a Informação - Proposta n.º SM ….., a qual propõe o seguinte:
«Presentes os elementos de facto e de direito, melhor explanados na presente informação, somos a propor:
• Restringir o horário de funcionamento do estabelecimento comercial denominado “V…..”, sito na …... no Cacém, explorado por M….., a encerrar às 22:00 h, e que o reclamado seja notificado da proposta de restrição do horário de funcionamento, de acordo com o estipulado nos artigos 114°, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015 de 7 de janeiro para, querendo, no prazo de
10 dias úteis, a contar da data da receção do presente ofício, se pronunciar em sede de audiência dos Interessados.
À Consideração Superior,»
(Cfr. fls. 96 e 97 do PA, que se têm por integralmente reproduzidas)

F) Em 24-04-2019, Vereadora da Câmara Municipal de Sintra apôs despacho de concordância na informação referida na alínea anterior. (Cfr. fls. 97 verso do PA)

G) Em 2-05-2019, a Chefe de Divisão de Licenciamento das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Sintra emitiu o ofício SM n.º ….., com o seguinte teor:
«ASSUNTO: Proposta de Restrição de horário de funcionamento do estabelecimento “V…..” - Audiência dos Interessados
Tendo presente as diversas reclamações registadas nesta autarquia relativa ao funcionamento do v/estabelecimento, notifica-se Vexa, nos termos do artigo 114.° do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de janeiro, que por despacho da Sr.ª Vereadora Dr.ª Piedade Mendes, datado de 24 de abril de 2019, existe intenção de restrição do horário de encerramento do estabelecimento para as 22h00, nos termos da informação que se anexa.
Mais fica notificado para, nos termos do artigo 121.° e 122.° do Código do Procedimento Administrativo, se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias úteis, em sede de audiência dos interessados.
Informamos ainda que o processo se encontra patente na Divisão de Licenciamento das Atividades Económicas, onde poderá ser consultado durante o horário de expediente (9h00 às 17H00).
Junta: informação proposta n.° …..Com os melhores cumprimentos» (Cfr. fls. 98 do PA)

H) Em 15-06-2019, a Autora foi notificada do ofício referido na alínea anterior. (Cfr. fls. 105 do PA)

I) Em 16-06-2019, a Autora apresentou no Município de Sintra o relatório acústico que consta de fls. 103 a 122 do PA. (Cfr. fls. 111 do PA)

J) Em 25-06-2019, a Autora apresentou no Município de Sintra o relatório de avaliação acústica que consta de fls. 126 a 142 do PA. (Cfr. fls. 123 a 125 do PA)

K) Em 27-06-2019, o estabelecimento “V…..”, através de Mandatário, apresentou o seguinte requerimento no Município de Sintra:
«Estabelecimento “V…..”, com sede na …..no Cacem, CAE n.° 56302, cujo objeto corresponde à actividade de Bar, explorado pela aqui representante legal, M….., devidamente notificada da intenção de restrição do horário de encerramento do estabelecimento para as 22h00, vem requerer a V.Exa, nos termos disposto nos art.° I2I.°, 122.° e 123.° do Código de Procedimento Administrativo, que a sua audição prévia seja concretizada oralmente, tendo nela o propósito de pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito constante no processo, bem como, requerer diligências complementares e juntar documentos.
Para tanto, requer-se que seja agendada respectiva diligência notificando-se a interessada para o efeito.» (Cfr. fls. 169 do PA)

L) Em 1-07-2019, a Chefe da Divisão de Licenciamento das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Sintra emitiu o ofício SM n.º ….., dirigido ao Mandatário do estabelecimento "V…..", com o seguinte teor:
«ASSUNTO: Audiência dos Interessados - v/registo SM …..
Na sequência do seu pedido formalizado através do registo supra identificado, fica Vexa notificado, nos termos do artigo 122.° n.° 1 do Código do Procedimento Administrativo, de que, por decisão do órgão responsável do procedimento, a audiência do interessado deverá ser formalizada por escrito.
Assim, fica Vexa novamente notificado na qualidade de mandatário, para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias úteis, em sede de audiência dos interessados.
Informamos ainda que o processo se encontra patente na Divisão de Licenciamento das Atividades Económicas, onde poderá ser consultado durante o horário de expediente (9h00 às 17H00).» (Cfr. fls. 173 do PA)

M) Em 23-07-2020, o estabelecimento "V…..", através de Mandatário, remeteu ao Município de Sintra, por correio eletrónico, articulado de audiência de interessados, no qual peticionou o seguinte:
«Termos em que deverá V/Exas. a final;
a) Decretar e julgar totalmente procedente as irregularidades invocadas, com todas as legais consequências;
b) Julgar-se e concluir-se pelo indeferimento da proposta de redução de horário do Estabelecimento “V…..”, com sede na …..no Cacem, CAE n.° 56302, cujo objeto corresponde à actividade de Bar, explorado pela aqui representante legal, M….., para as 22h00, por falta de critérios legais e fundamentação objetiva.» (Cfr. fls. 144 a 151 do PA, que se têm por integralmente reproduzidas)

N) No articulado referido na alínea anterior foi junto um relatório acústico e requerida a inquirição de uma testemunha. (Cfr. fls. 151 do PA)

O) Em 19-09-2019, o Presidente da Câmara Municipal de Sintra emanou a Proposta n.º ….., com o seguinte teor:
«Considerando que:
Na ….., no Cacém, funciona um estabelecimento denominado “V…..”, com o CAE n° 56302 correspondente à atividade de bar e explorado por M….. (fls 1-3);
2. Com base nas reclamações apresentadas, relativamente ao excesso de ruído, provocado pelo funcionamento do estabelecimento, foi o explorador/proprietário alertado para a existência de varias reclamações de ruído e do incumprimento do horário de funcionamento, oficio SM n° ….., (fls 4 a 7, 20 a 35);
3. Em resposta, o advogado enviou via email uma exposição e cópia de um relatório de ensaio acústico - Medição do Isolamento Sonoro a Sons Aéreos de Fachada.
4. Este relatório tem como objetivo verificar os parâmetros no âmbito do regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios (RRAE) e não ao abrigo do Regulamento Geral do Ruído (RGR) - (fls 37-57);
5. Em consequência, foi enviado novo ofício, SM ….., a solicitar a entrega de relatório válido para o ensaio acústico ao abrigo do RGR (fls 70-71);
6. No entretanto, novas reclamações foram rececionadas, onde predomina o excesso de ruído e a falta de descanso e de segurança, o que causa graves danos aos residentes nas proximidades do estabelecimento;
7. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 10/2015, de 16 de janeiro, é decretada a liberalização dos horários de funcionamento, podendo, no entanto, as Câmaras Municipais restringir os mesmos, nos termos do art,° 3.°;
8. Ao abrigo do artigo 12° do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Município de Sintra, a Câmara Municipal tem competência para restringir os horários de funcionamento, desde que estejam comprovadamente em causa razões de segurança ou proteção de qualidade de vida dos cidadãos.
9. Assim, deu-se início ao procedimento de restrição de horário, conforme despacho da Ex.ma Sr.ª Vereadora Dr.ª Piedade Mendes, aposto no SM n° ….. de 22/03/2019 (fls72);
10. Em sede de instrução processual, foram consultadas diversas entidades, designadamente, Associações Sindicais, as Forças de Segurança, Associações de empregadores e consumidores e a Junta de Freguesia;
11. Iniciado o procedimento administrativo correspondente, e ouvidas as entidades conforme determina o artigo 3° do Decreto-lei 10/2015, de 16 de janeiro, que aprova em anexo o Regime Jurídico de Acesso e Exercício de Atividades de Comércio, Serviços e Restauração, em resposta, obtivemos os seguintes pareceres (fls 78 - 85);
[cópia de imagem – quadro – no original]
12. Regularmente notificado, veio o advogado do explorado, alegar em sede de audiência dos interessados (fls 99-171):
• “É falso que a PSP tenha sido chamada ao local, por questões de ruido ou incumprimento de horários porquanto o interessado, nunca foi condenado ou imposto injunções.
• Nunca a interessada foi interpelada por qualquer agente da PSP relativamente à atividade desenvolvida no Bar, motivo pelo qual se considera injurioso e de má fé, as considerações efetuadas quando se afirma “, sendo um bar de alterne", bem sabendo que não corresponde à verdade. ’’
• Conforme supra ficou demonstrado, mediante o estudo de avaliação acústica com mediação de níveis de pressão sonora e critério de incomodidade efetuada pela empresa certificada, está assim comprovada que a atividade está em total harmonia com o direto ao repouso e segurança dos cidadãos e em conformidade com o Regulamento Geral do Ruido, aprovado pelo DL n° 9/2007 de 17 de janeiro, pelo que, consequentemente, é falso a atividade do estabelecimento é incompatível com o direito dos cidadãos.”
13. Analisadas as alegações apresentadas constatamos que as mesmas são contrárias ao constante nas diversas reclamações e ocorrências que se encontram juntas ao processo, provenientes dos moradores e da PSP:
(...)
14. Solicitada informação à Divisão de Execuções e Contraordenações, verificou-se que dos três autos de notícia lavrados pela PSP, um dos processos já se encontra concluído com sentença de sanção de admoestação com condenação no pagamento de custas processuais (fls 177).
15. E que se encontram a correr termos os outros dois processos de contraordenação com fundamento no funcionamento para além do horário permitido, nos dias 8 de janeiro e 27 de abril de 2019 (fls 177).
16. O estabelecimento está situado numa zona densamente habitada, localizado num prédio habitacional, onde ocorrem alterações de ordem pública que são geradoras de instabilidade e de sentimento de insegurança por parte dos moradores dos prédios limítrofes;
17. A atividade do estabelecimento, com as movimentações de pessoas daí decorrentes, impede que os residentes sintam a segurança devida para um descanso em tranquilidade, devidamente retemperador das suas energias;
Face ao exposto tenho a honra de propor à Câmara Municipal de Sintra que delibere ao abrigo do artigo 12° do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Publico e de Prestação de Serviços no Município de Sintra, que a Câmara Municipal delibere:
Restringir o horário de funcionamento do estabelecimento comercial denominado “V…..” explorado por M….., para funcionar com encerramento às 22:00 horas.» (Cfr. fls. 189 a 191 dos autos)

P) Em 24-09-2019, a Câmara Municipal de Sintra aprovou por unanimidade a Proposta n.º ….., subscrita pelo Presidente da Câmara Municipal de Sintra. (Cfr. fls. 188 do PA)

Q) Em 4-10-2019, o Chefe da Divisão de Polícia Municipal e Fiscalização de Sintra emitiu o mandado de notificação pessoal SM ….., com o seguinte teor:
«Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 114.° do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de janeiro, e do determinado pelo Despacho n.° ….., mando ao funcionário deste Departamento, designado para o efeito, notificar a Senhora M….., responsável pelo funcionamento do estabelecimento denominado “V…..”, sito na ….., no Cacém, da Proposta n.° ….., aprovada por Deliberação da Câmara Municipal, de 24/09/2019, que visa: "Restringir o horário de funcionamento do estabelecimento comercial explorado por M….., para funcionar com Encerramento: às 22:00 h".
—Faz parte integrante da presente notificação, a Deliberação da Câmara Municipal e Proposta n.° ….., num total de sete (7) folhas.
—Cumpra-se, observadas as formalidades legais.» (Cfr. fls. 186 dos autos)

R) Em 11-10-2019, Agente de Polícia Municipal de Sintra certificou que a Autora foi notificada do mandado que antecede, tendo a mesma declarado e assinado ter ficado ciente do assunto da notificação. (Cfr. fls. 186 verso do PA)

S) Em 14-01-2020, a Autora intentou a ação administrativa que corre termos, no presente tribunal, como processo 48/20.9BESNT, pela qual peticiona o seguinte:
«Nestes termos e nos demais de direito que V.Ex.ª doutamente suprirá e ainda do princípio pro actione, requer-se a V. Exa., se digne declarar a nulidade da decisão
camarária para restrição de horário de funcionamento aplicada à requerente, porquanto os pressupostos elencados no artº 12º do Regulamento dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais no município de Sintra não se encontram preenchidos.» (Cfr. SITAF)

ii) Factos não provados

Inexistem factos alegados não provados com relevo para as decisões a proferir.

iii) Motivação da matéria de facto

A convicção do tribunal fundou-se nos documentos constantes no processo administrativo junto pela Entidade Demandada, os quais não foram impugnados, conforme indicado em cada uma das alíneas.».

Considerada a factualidade assente, importa entrar, agora na análise dos fundamentos do recurso.

Na sentença recorrida a decisão de procedência da excepção da intempestividade da acção, foi fundamentada, de direito, nos termos seguintes:
«(…)
Passando a apreciar, de acordo com o n.º 1 do art.º 59.º do CPTA, o prazo de impugnação de ato administrativo que deva ser notificado, como é o caso, só ocorre a partir da data da sua notificação.
De acordo com a al. b) do n.º 1 do art.º 58.º do CPTA, sendo o desvalor o da anulabilidade, o impugnante tem o prazo de três meses para intentar a ação administrativa impugnatória, o qual é contado nos termos do art.º 279.º do Código Civil (n.º 2). De assinalar que, com a revisão do CPTA operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, o prazo de impugnação deixou de ser processual, contando-se assim continuamente e sem se suspender nas férias.
Contudo, de acordo com a al. e) do art.º 279.º do Código Civil, o termo do prazo de três meses transfere-se para o primeiro dia útil seguinte se terminar em domingo ou dia feriado. Tem-se considerado também o sábado, numa interpretação atualista, por os tribunais estarem fechados. Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 08-10-2014, proc. n.º 0548/14.
Na vigência da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos, tendo o prazo de recurso contencioso de anulação a mesma natureza substantiva, o STA firmou interpretação no sentido de que o prazo de impugnação termina no mesmo dia (do mês correspondente) àquele em que o particular se considera notificado.
Neste sentido é de assinalar, em especial, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, de 27-06-2001, proc. n.º 021638, do qual se extraíram as seguintes conclusões:
«I - O prazo do recurso contencioso previsto na al. a) do artº 28° da LPTA (2 meses) conta-se desde o dia da respectiva notificação ou publicação, quando esta for imposta por lei (cfr. art. 29 nº 1. da LPTA), e expira, por força do estabelecido na al. c) do art. 297° do Código Civil, subsidiariamente aplicável ex vi do disposto no nº 2 do artº 28 da LPTA, no dia correspondente do segundo mês seguinte.
II - À contagem deste prazo legal, porque fixado em meses, não é aplicável a regra fixada na al. b) do referido artº 279° do C.C., pois a regra aplicável, a da al. c), já tem ínsito o que naquela se estabelece.
III - E este entendimento não contende ou colide com qualquer princípio ou preceito constitucional, designadamente com os princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva.»
Acórdão que, de resto, seguiu o entendimento dos acórdãos do mesmo Tribunal de 28-05-1992 – rec. n.º 26.478 e de 28-06-1994 – rec. n.º 28.858 e que continuou a ser seguido nos acórdãos de 4-05-2006, rec. n.º 46/04 e de 14-07-2008, proc. n.º 0663/07.
De assinalar, mais recentemente, o acórdão do mesmo Supremo Tribunal, mas da Secção de Contencioso Tributário, de 25-10-2017, proc. n.º 01140/16, relativo a equivalente prazo do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
No caso em apreço, inexistindo causas de suspensão do seu curso aplicáveis, de acordo com o disposto na al. c) do art.º 279.º do Código Civil, o prazo terminaria no mesmo dia (do mês correspondente) àquele em que a Autora se considera notificada.
A Autora foi notificada em 11-10-2019, pelo que o prazo terminaria em 11-01-2020. Porém, tal dia coincide com um sábado. Pelo que, ao abrigo da al. e) do art.º 279.º do Código Civil, o termo do prazo corresponde ao primeiro dia útil seguinte. Ou seja, segunda-feira dia 13-01-2020. Um dia antes, portanto, da data de instauração da ação principal.
De acrescentar que, sendo o prazo de natureza substantiva e não judicial, não lhe é aplicável o art.º n.º 5 do art.º 139.º do CPC, que prevê a possibilidade de prática de atos nos três dias subsequentes ao termo do prazo mediante o pagamento de multa (cfr. acórdão do STA de 30-05-2007, proc. n.º 0238/07).».

i) Alega a Recorrente que perante uma proposta camarária que se encontra redigida num texto aprovado em minuta, sem actividade cognitiva e conteúdo decisório, usando expressões como “propõe” que a Câmara Municipal “delibere”, ou seja, que não cumpre os requisitos legais, tem legitimidade para presumir que não está perante um acto administrativo final, que o mesmo não possa produzir efeitos na sua esfera jurídica, sendo que da respectiva notificação, sem referência à possibilidade de exercer o seu direito de audição ou às formas de defesa, também não pode inferir o contrário [v. conclusões (i) a (v)].

Considerando que a Recorrente defendeu este mesmo entendimento (assim como os demais que invoca em sede de recurso) na pronúncia que apresentou sobre a questão prévia da intempestividade da acção, o tribunal requerido efectuou do mesmo a seguinte apreciação:
«Começa por alegar que a deliberação impugnada não reúne os requisitos para ser considerada um ato administrativo impugnável, não se inferindo da notificação a prática de um ato administrativo com conteúdo decisório e horizontalmente definitivo.
Ora, a deliberação impugnada resultou da aprovação, por unanimidade, em sessão da Câmara Municipal de Sintra realizada em 24-09-2019, da Proposta n.º ….., de 19-09-2019, submetida pelo Presidente da referida Câmara Municipal, cfr. factos O) e P).
Na referida proposta, o Presidente da Câmara Municipal propõe de forma expressa e clara (reforçada a negrito) que a Câmara Municipal delibere «Restringir o horário de funcionamento do estabelecimento comercial denominado “V…..” explorado por M….., para funcionar com encerramento às 22:00 horas.»
Em 11-10-2019, com expressa referência ao art.º 114.º do CPA (que disciplina a notificação dos atos administrativos), a Autora foi notificada do teor da referida proposta, o que a mesma visa e de que a mesma foi aprovada por deliberação da Câmara Municipal de 24-09-2019, tendo a Autora, no ato de notificação, declarado ter ficado ciente do assunto da referida notificação, cfr. factos Q) e R).
Desta forma, resulta claro da notificação que foi dirigida à Autora que a deliberação impugnada constitui uma decisão final de restringir o horário de funcionamento do estabelecimento para as 22:00, não se tratando de um mero ato preparatório. Aliás, a Autora já se tinha exercido o direito de audiência prévia relativamente a esse projeto de decisão, sendo o ato horizontal (e mesmo verticalmente) definitivo. De resto, resulta contraditório que a Autora venha, neste âmbito, negar a impugnabilidade de um ato que efetivamente impugnou.».

Entende a Recorrente que o juiz a quo deveria ter concluído precisamente o contrário, ou seja, que se estaria perante um acto preparatório uma vez que não obteve resposta cabal e inteligível à sua pronúncia em sede de audiência de interessados.
Mas não lhe assiste qualquer razão.
O direito de audiência prévia dos interessados visa permitir a participação destes na tomada de decisões que lhes digam respeito, contribuindo para assegurar a correcção e justeza do acto final do procedimento administrativo.
O facto de a Administração não responder à pronúncia do interessado em sede de audiência prévia nos termos em que este desejaria ou não proceder às diligências complementares pedidas [faculdade que, de acordo com o disposto no artigo 125º do CPA assiste à Administração], não obsta a que o acto proferido no final do procedimento administrativo seja definitivo, executório e impugnável, podendo eventualmente constituir um vício deste determinante da sua invalidade, se invocado na correspondente acção impugnatória e julgado procedente.
A “resposta” à pronúncia apresentada pelo particular encontra-se na maioria dos casos no texto ou fundamentação do próprio acto administrativo decisório.
O que se verifica, precisamente, na situação em apreciação ainda que a Recorrente possa discordar do seu teor.
Como resulta reproduzido no facto O) da factualidade assente na Proposta nº ….., do Sr. Presidente da Câmara, de 19 de Setembro, é feita referência aos factos que determinaram a abertura do procedimento de restrição do horário de funcionamento, à sua tramitação, ao exercício do direito de audiência prévia pela aqui Recorrente, do alegado nesta sede pelo seu mandatário, e da análise [13. Analisadas as alegações apresentadas constatamos que as mesmas são contrárias ao constante nas diversas reclamações e ocorrências que se encontram juntas ao processo, provenientes dos moradores e da PSP: (…)”] e diligências efectuadas [14. Solicitada informação à Divisão de Execuções e Contraordenações, verificou-se que dos três autos de notícia lavrados pela PSP, um dos processos já se encontra concluído com sentença de sanção de admoestação com condenação no pagamento de custas processuais (fls 177). // 15. E que se encontram a correr termos os outros dois processos de contraordenação com fundamento no funcionamento para além do horário permitido, nos dias 8 de janeiro e 27 de abril de 2019 (fls 177).”] pelo Recorrido na sequência daquela, concluindo [“17. A atividade do estabelecimento, com as movimentações de pessoas daí decorrentes, impede que os residentes sintam a segurança devida para um descanso em tranquilidade, devidamente retemperador das suas energias;”] que é de propor a redução do horário de funcionamento do seu estabelecimento, passando a encerrar às 22h.
Proposta que foi aprovada por unanimidade pela deliberação da Camara Municipal de Sintra de 24.9.2019 [v. facto P)].
E quer a proposta quer a deliberação foram notificadas, através de mandado de notificação pessoal, à própria Recorrente, conforme resulta do seu teor: «(…) notificar a Sra. M….., responsável pelo funcionamento do estabelecimento denominado “Vício” (…), da Proposta n.° ….., aprovada por Deliberação da Câmara Municipal, de 24/09/2019, que visa: "Restringir o horário de funcionamento do estabelecimento comercial explorado por M….., para funcionar com Encerramento: às 22:00 h» e que «- Faz parte integrante da presente notificação, a Deliberação da Câmara Municipal e Proposta n.° ….., num total de sete (7) folhas.» [v. factos Q) e R) e negrito nosso].
Assim, afigura-se perfeitamente claro e perceptível que pela proposta em referência o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Sintra propôs a redução do horário de funcionamento do estabelecimento da Recorrente – daí nela ser utilizado o termo “propõe” -, e submeteu essa proposta à Câmara Municipal, por ser o órgão compete para proferir o acto administrativo final do procedimento, designado por deliberação por se tratar de órgão colegial.
Terminologia que não pode ter deixado de ser bem entendida/percebida pelo mandatário da Recorrente que, em consonância interpôs providência cautelar de suspensão de eficácia daquele acto administrativo [“consubstanciado na decisão camarária que restringiu o horário de funcionamento do estabelecimento comercial explorado pela requerente– v. a primeira fl. do requerimento inicial, sublinhado nosso], alegando que a execução do mesmo lhe “acarreta” “prejuízos irreparáveis e irreversíveis” [o que um acto preparatório e ineficaz não poderia provocar] e depois instaurou acção administrativa, requerendo a declaração da nulidade desse mesmo acto administrativo.
O que é manifestamente contraditório e incompatível com o que defendeu na pronúncia apresentada sobre a questão prévia da intempestividade da acção, e continua, apesar de nada haver a censurar ao decidido na sentença recorrida, a defender no âmbito do recurso.
Assim, manifestamente não pode proceder este fundamento do recurso.

ii) Alega a Recorrente que quer no requerimento da providência quer na petição inicial da acção, instauradas, invocou a nulidade do “acto” e, que de acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 58º do CPTA, a impugnação de actos nulos não está sujeita a prazo [v. conclusões (vi), (vii) e (xvii)].

Da fundamentação da sentença recorrida extrai-se sobre esta questão o seguinte:
«Mais argumentou a Autora que na ação principal peticiona a nulidade do "acto", pelo que, de acordo com a al. a) do n.º 1 do art.º 58.º do CPTA, a sua instauração não está sujeita a prazo.
Para efeitos do conhecimento da exceção invocada, haverá de analisar se algum dos vícios imputados à deliberação impugnada é, em abstrato, suscetível de gerar o desvalor da nulidade. Se assim não for, procede a exceção dilatória invocada. Na realidade, não basta alegar-se a nulidade de um ato para beneficiar da prerrogativa de instauração da ação a todo o tempo.
Na ação administrativa, a Autora invocou, em suma, que a deliberação impugnada violou os princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e proibição de excesso; padece de erro nos seus pressupostos (quanto aos processos de contraordenação e aos relatórios acústicos) e violou o seu direito de defesa (na medida em que a Entidade Demandada não se pronunciou sobre os argumentos apresentados pela Autora).
Ora, a violação de princípios gerais da atividade administrativa tem por consequência a anulabilidade do ato praticado e não a sua nulidade, cfr. acórdão do STA de 19-04-2007, proc. n.º 0809/06. Assim, o disseram, especificamente quanto ao princípio da proporcionalidade, além desse aresto, os acórdãos do STA de 22-11-2011, (proc. n.º 01011/10) e de 10-03-2010 (proc. n.º 046262) e do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 17-11-2017 (proc. n.º 00014/16.9BEPRT).
Aliás, o art.º 163.º do CPA diz expressamente que “são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios (…) aplicáveis, cuja violação se não preveja outra sanção”. E assim será, pelo menos, sempre que não esteja em causa um ato proferido em procedimento administrativo sancionatório.
Também o erro sobre os pressupostos do ato administrativo constitui causa da anulabilidade do ato, não sendo enquadrável em qualquer das alíneas do n.º 2 do art.º 161.º do CPA.
Quanto ao vício de forma por falta de fundamentação, como tem vindo a ser reiterado pela jurisprudência dos tribunais administrativos, a falta de fundamentação gera, em regra, a mera anulabilidade do ato. Neste sentido, designadamente, o acórdão do STA de 22-11-2011, proc. n.º 01011/10.
De resto, como afirmado no acórdão do TCAN de 13-01-2017, proc. n.º 00551/16.5BEBRG: «(…) como tem sido entendimento pacífico na nossa jurisprudência, por regra a falta de fundamentação, como preterição de um direito instrumental, gera a mera anulabilidade; só gera a nulidade, nos termos do disposto na alínea f) do n.º2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo (de 1991; alínea g) do n.º 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo de 2015) se a fundamentação servir o conteúdo essencial de um direito fundamental (…).» E no caso não está em causa a violação de um direito fundamental.
Por fim, a Autora invocou como causa de pedir a violação do direito de defesa, na medida em que a Entidade Demandada não se pronunciou sobre os argumentos apresentados pela Autora.
A este respeito, deve ser realçado que o procedimento em apreço não tem cariz sancionatório, razão pela qual o direito cuja violação é alegada dirá respeito ao direito de audiência prévia ou ao respeito pelos deveres de fundamentação.
Ora, a maioria da doutrina e a jurisprudência de forma uniforme não reconhecem à audiência dos interessados a natureza de um direito fundamental, cuja preterição determine a nulidade do ato final praticado para efeitos do disposto na al. d) do n.º 2 do art.º 161.º do CPA. Só será detetável a violação de um direito fundamental quando o direito de participação se traduza num verdadeiro direito de defesa, designadamente para efeitos do art.º 32.º e do art.º 269.º, n.º 3 da Constituição, o que não é o caso, como visto.
Acrescente-se que a violação do art.º 12.º do Regulamento dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais no Município de Sintra também não constituiria causa de nulidade da deliberação impugnada, dispondo o n.º 1 do art.º 161.º do CPA que “são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa (…) (de) normas jurídicas aplicáveis”.».

Limitando-se a Recorrente a reafirmar o anteriormente alegado sem imputar qualquer erro à apreciação efectuada da questão pelo tribunal recorrido, nada há a apreciar em sede de recurso, mantendo-se o bem decidido na sentença recorrida.

iii) Alega a Recorrente que, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 59º do CPTA, o prazo de impugnação conta-se a partir do momento em que o acto é eficaz e o “acto” impugnado nunca chegou a ser eficaz, pelo que o referido prazo de impugnação não teve início na data em que foi levado ao seu conhecimento e, caso assim não se entenda, só teria tido início após o termo do prazo para o eventual exercício do direito de audição, momento em que o projecto de decisão se converteria em definitivo, se tivesse sido efectuada advertência para o efeito, ou após o despacho de admissão da providência, que lhe foi notificado em 19.11.2019, dada a sindicância judicial operada ou no limite na data em que a mesma foi apresentada em juízo, em 14.10.2019, data que observou o prazo para instaurar a acção, este prazo inicialmente substantivo para a prática do acto subsequente, de instauração da acção principal, convola-se em prazo judicial, regendo-se pelo disposto no artigo 138º do CPC, pelo que deveria ter sido convidada a pagar multa pela prática do acto no primeiro dia subsequente ao termo do prazo judicial, pois só a partir de tais momentos se poderia colocar a hipótese de quaisquer efeitos do acto de restrição do horário de funcionamento do seu estabelecimento [v. conclusões (viii) a (xvii)].

Sobre o que, a decisão recorrida expendeu o seguinte:
«Ainda de acordo com a argumentação da Requerente e Autora, nos termos do n.º 1 do art.º 59.º do CPTA, o prazo de impugnação conta-se a partir do momento em que o ato é eficaz e o "acto" impugnado nunca chegou a ser eficaz.
Porém, de acordo com o n.º 1 do art.º 155.º do CPA, “O ato administrativo produz os seus efeitos desde a data em que é praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa, diferida ou condicionada”. O art.º 157.º do mesmo diploma esclarece que «o ato administrativo tem eficácia diferida ou condicionada: a) Quando estiver sujeito a aprovação ou a referendo; b) Quando os seus efeitos ficarem dependentes de condição ou termo suspensivos; c) Quando os seus efeitos, pela natureza do ato ou por disposição legal, dependam de trâmite procedimental ou da verificação de qualquer requisito que não respeite à validade do próprio ato.»
Ora, na situação em apreço, a deliberação impugnada não prevê que a decisão que incorpora tenha eficácia diferida ou condicionada, seguindo assim a regra do n.º 1 do art.º 155.º do CPA, de produção de efeitos desde a data da sua prolação. Aliás, a restrição do horário foi decidida com efeitos imediatos, não relegando para data determinada a sua entrada em vigor.
Por outro lado, a proibição de executar o ato suspendendo, prevista no art.º 128.º do CPTA, não releva para os efeitos em análise, não permitindo prorrogar o prazo de impugnação do ato suspendendo.».

O que aqui é alegado e concluído assenta no pressuposto de que o acto praticado pelo Recorrido é um acto preparatório, ineficaz e, consequentemente impugnável.
Em face do entendimento contrário vertido supra – o acto impugnado /suspendendo é definitivo, pondo termo ao procedimento administrativo de restrição do horário de funcionamento, produzindo efeitos que a Recorrente na providência qualificou de lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, considerando preenchido o critério de decisão cautelar do periculum in mora - o acto administrativo em referência é eficaz desde a data da sua prática, por não conter qualquer indicação que implique a sua eficácia diferida ou condicionada (cfr. os indicados artigos 155º e 157º do CPA), logo não há que procurar outra data ou qualquer requisito de operatividade, seja o termo do prazo de audiência prévia ou o impulso do direito de defesa do interessado.
Ainda assim entendemos esclarecer a Recorrente que a acção administrativa é um meio processual não urgente e que visa a regulação definitiva de um litígio. Uma providência cautelar é um meio processual urgente, instrumental, por dependente de uma acção principal, e provisório por não implicar uma pronúncia judicial definitiva uma vez que visa apenas acautelar a utilidade da decisão de procedência a proferir na acção principal, e tem tramitação autónoma (v. o disposto nos artigos 112º e 113º do CPTA).
A instauração de uma acção de anulação de um acto administrativo, como a que está em apreciação, está sujeita a um prazo de caducidade, substantivo, cujo termo importa a caducidade do direito de acção, de forma peremptória, sem possibilidade de prorrogação ou alteração, por estar em causa o exercício de direitos materiais e não a prática de actos processuais, na pendência de um processo, como sucede nos prazos judiciais ou processuais.
Nenhum prazo está previsto no CPTA para a interposição de uma providência cautelar que, ainda assim, terá por limite o termo do prazo previsto para a acção principal de que depende porquanto se esta acção não tiver sido atempadamente instaurada, a providência não poderá assegurar a sua finalidade – acautelar a utilidade de uma decisão que não poderá vir a ser proferida por caducidade do correspondente direito de acção.
A apresentação em juízo de um requerimento cautelar, como já se referiu com tramitação autónoma em relação ao processo principal, não tem a virtualidade de suspender/interromper ou alterar a natureza do prazo de instauração da acção principal. Este prazo corre sem qualquer relação com a interposição ou não de providência/s que dependam da acção.
De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 58º do CPTA o prazo de impugnação previsto na alínea b) do nº 1 do mesmo artigo, conta-se nos termos do artigo 279º do CC que, com a epígrafe “Cômputo do termo”, estabelece as regras de contagem dos prazos substantivos, como é o de propositura de uma acção.
Dele não consta qualquer norma que permita o que a Recorrente vem defender – a convolação de um prazo substantivo, que não está sujeito às regras dos prazos judiciais, num prazo processual para beneficiar da norma prevista no nº 3 do artigo 139º do CPC, que admite a prática do acto processual nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo com pagamento de multa.
Atendendo ao que manifestamente não procede este fundamento do recurso.

iv) Por fim, alega a Recorrente, à cautela, que sempre o princípio da tutela jurisdicional efectiva reclamaria direito de impugnar o putativo acto administrativo ao abrigo da alínea c), do nº 3, do artigo 58º, do CPTA, dadas as dificuldades que, no caso concreto, se colocaram quanto à identificação do acto impugnável e que são imputáveis à entidade administrativa, entendimento contrário seria inconstitucional, por violação deste princípio, porque o processo cautelar está instruído com os documentos necessários à prolação de uma decisão de mérito e porque impugnou o acto, designando-o desta forma por uma questão de compreensão da acção instaurada, ficcionando a sua existência apenas por uma questão de clareza de raciocínio, o acto não se formou, logo não é impugnável [v. conclusões (xviii) a (xxiii)].

A sentença recorrida apreciou esta questão da seguinte forma:
«Por fim, entende a Autora que o princípio da tutela jurisdicional efetiva reclama «o exercício do direito de impugnar o putativo acto administrativo ao abrigo da al. c), do nº 3, do art. º 58.º, do CPTA, dadas as dificuldades que, no caso concreto, se colocaram quanto à identificação do ato impugnável e que são imputáveis à entidade administrativa.»
Ora, o princípio da tutela jurisdicional efetiva não é incompatível com a imposição de prazos para a impugnação de atos administrativos, os quais salvaguardam valores como a segurança e a estabilidade jurídicas.
Ainda assim, precisamente como corolário do princípio da tutela jurisdicional efetiva, o CPTA admite a existência de circunstancialismos que justificam a impugnação do ato administrativo depois de decorrido o prazo geral previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 58.º do CPTA. No caso, a Autora alega a circunstância prevista na al. c) do n.º 3 do referido preceito, com base numa alegada dificuldade na identificação do ato impugnável.
No entanto, tal posição afigura-se manifestamente improcedente, porquanto a notificação que foi dirigida à Autora identifica claramente que a restrição do horário de funcionamento foi decidida por deliberação da Câmara Municipal de Sintra de 24-09-2019, a qual aprovou por unanimidade a Proposta n.° …..do respetivo Presidente, juntando o teor integral da referida proposta.
Aliás, logo em 14-11-2019 a Autora intentou providência cautelar de suspensão de eficácia da referida deliberação, na qual enunciava a intenção de intentar ação de impugnação da mesma. Sendo contraditório que venha agora alegar que, por dificuldades quanto à identificação do ato impugnável, só tenha intentado a ação principal em 14-01-2020.
Desta forma, o atraso na instauração da ação principal não é desculpável para efeitos do disposto na al. c) do n.º 3 do art.º 58.º do CPTA.».

E outra não podia ser a decisão depois de se entender não haver quaisquer dúvidas sobre a deliberação camarária, que restringiu o horário de funcionamento do estabelecimento da Recorrente, consistir num verdadeiro acto administrativo impugnável, no prazo de três meses a contar da respectiva notificação a esta.
Se há responsabilidade a imputar será à Recorrente [mais concretamente ao seu mandatário] que, notificada da decisão camarária, instaurou providência cautelar para suspensão dos respectivos efeitos, mas depois não teve a diligência necessária na contagem do prazo de três meses, previsto na lei, para instaurar a acção principal e só deu entrada da correspondente petição inicial no dia seguinte ao respectivo termo, sendo que a argumentação de que o acto seria meramente preparatório só surgiu quando confrontada com a evidenciada intempestividade da acção.
O prazo de caducidade está previsto na lei e tem como cominação caso a acção não seja instaurada até ao seu termo, que o particular interessado deixa de poder exercer o direito de acção e consequentemente o direito que pretendia fazer valer através dela. Mas se foi instaurada, a verificação da intempestividade da acção implica a absolvição da parte demandada da instância [v. a alínea k) do nº 4 do artigo 89º do CPTA], obstando ao conhecimento do mérito da causa.
O princípio da tutela jurisdicional efectiva não impõe que a pretensão cautelar da Recorrente seja apreciada e decidida quando ocorra a caducidade do direito de acção.
No mesmo sentido o acórdão do TCAN, de 5.12.2019, proc. 02557/18.0BEPRT, in www.dgsi.pt, de cujo teor se extrai:
«(…) quanto à invocada impossibilidade de reagir contenciosamente contra uma decisão sancionatória da Autoridade Administrativa e de que tal constitui uma violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP), também julgamos pela sua inatendibilidade, pois que a efectivação do direito à tutela judicial efectiva está dependente da prévia observância de regras disciplinadas pelo legislador, designadamente quanto ao uso do meio processual adequado, quanto ao estabelecimento de prazos para esse exercício, ou da necessidade de prévia utilização de meios graciosos, o que visa alcançar segurança jurídica nas relações entre todos aqueles que tenham necessidade de recorrer ao Tribunal, pelo que, quando esteja fixado um prazo para a dedução de uma acção, porque extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, a não exercitação desse direito no prazo definido, importa na sua caducidade.
(…)» [sublinhados nossos].

Improcedendo manifestamente todos os fundamentos do recurso, nada há a censurar à sentença recorrida que deve ser mantida na ordem jurídica.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os respectivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2020.

(Lina Costa – relatora que consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Carlos Araújo e Ana Paula Martins).