Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 506/14.4BEBJA |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 06/25/2019 |
Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
Descritores: | LIQUIDAÇÃO OFICIOSA PRESUNÇÃO VERACIDADE INQUISITÓRIO/VERDADE MATERIAL VÍCIO DE VIOLAÇÃO LEI/ANULABILIDADE |
Sumário: | I- A mera apresentação da declaração de rendimentos fora do prazo legal mas dentro do prazo de caducidade não implica de per si a anulação da liquidação oficiosa, desde logo, porque não goza da presunção de verdade declarativa. II- A presunção de verdade declarativa não se estende à contabilidade, desde que devidamente organizada; III- Tendo sido apresentada declaração de rendimentos após a emissão de liquidação oficiosa, mas dentro do prazo de caducidade e mediante a faculdade consignada no artigo 76.º, nº4 do CIRS, o princípio da tributação pelo rendimento real impõe outras diligências por parte da Administração Tributária, designadamente, a realização de ação inspetiva para aferição de todos os elementos que foram supervenientemente apresentados pelo contribuinte e na sequência de pronúncia da Administração Tributária. Inexistindo tal procedimento ocorre excesso de quantificação de rendimentos. IV- O vício de violação de lei, por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito e excesso de quantificação, determina a anulabilidade do ato de liquidação e não a sua nulidade. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
l – RELATÓRIO
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por José ……….. e Maria ……….., tendo por objeto a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), respeitante aos rendimentos do ano de 2011, no montante de €13.339,04. *** A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “A - A AT encontra-se vinculada ao princípio da legalidade. B - Como tal e atenta a omissão declarativa por parte do impugnante, procedeu à liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativo ao exercício de 2011, de harmonia com o preceituado na alínea b) do n.º 1 do Código de IRS; C - Assim e tendo o autor procedido à apresentação das declarações periódicas de IVA respeitantes ao exercício de 2011, as quais revelavam operações ativas (vendas e prestações de serviços) no montante de € 59.950,36, procedeu a AT ao apuramento da matéria tributável da Categoria B de rendimentos, pela aplicação a tal valor, do coeficiente de 70%, enquanto coeficiente mais elevado previsto no n.º 2 do artigo 31.º do CIRS; D - E obtida procedência de outros fundamentos com que o autor litigou contra a Administração Tributária, assenta a dissidência quanto à determinação da matéria tributável em sede de Categoria B, pretendendo o autor a aceitação do apuramento por ele efectuado, de harmonia com as regras da contabilidade organizada, no que obteve acolhimento na douta sentença, ora sob recurso; E - Entendendo esta Representação, sempre com o devido e necessário respeito e em sintonia com as decisões da AT quer em sede de Reclamação Graciosa quer de Recurso Hierárquico, que tal sentido de decisão não se pode manter; F - Como referido em A e B, efectuando a AT a liquidação oficiosa vinculada ao principio da legalidade, é sobre o autor, sujeito passivo de imposto, que incide o ónus da prova dos fatos alegados e não à AT, como resulta da sentença proferida; G - Com efeito, assentando o procedimento de liquidação efectuado numa determinação legal, cumpre ao sujeito passivo fazer prova do erro da mesma e de quais os pressupostos em que esta deveria assentar, sendo que H - Os elementos apresentados relativamente ao apuramento de resultados por si efectuados, não são de molde a contrariar a liquidação efectuada; I - Porquanto, ao não trazer ao conhecimento da AT a inventariação quer das existências iniciais quer das finais, inviabiliza o apuramento concreto do custo das mercadorias vendidas, inviabilizando, também por essa via, o apuramento da matéria tributável do rendimento da categoria B, respeitante à actividade por si prosseguida; Termos em que, sempre o muito respeito devido, se mostra devida a revogação da sentença proferida e, consequentemente, a prolação de douto Acórdão que declare improcedente a impugnação deduzida, com a consequente manutenção da liquidação efectuada, como é de inteira Justiça.” *** Os Recorridos devidamente notificados para o efeito, optaram por não apresentarem contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público, promoveu a procedência do recurso, devendo a impugnação judicial ser julgada, em substituição, improcedente. *** Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. *** II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO “A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: A) O Impugnante marido encontrava-se registado, no ano de 2011, em sede de IRS e IVA pelo exercício da atividade de comércio por grosso de frutas e produtos hortícolas, excepto batatas, com o CAE 46311, e comércio por grosso de batata, com o CAE 46312, e ainda, a título secundário, comércio a retalho de frutas e produtos hortícolas, estabelecimento específico, com o CAE 47210; B) O regime de enquadramento, no ano em questão, era para efeitos de determinação do lucro tributável em IRS o regime geral de tributação com contabilidade organizada, por opção, e em termos de IVA o regime normal com periodicidade trimestral; C) Os Impugnantes não entregaram a declaração de rendimentos referente ao exercício de 2011 até ao final do prazo, ou seja, maio de 2012; D) Foram os mesmos notificados, através do ofício F3-…….., datado de 29/10/2012 para proceder à entrega da declaração de rendimentos, modelo 3 de IRS, do ano de 2011, no prazo de 30 dias; E) Decorrido tal prazo não procederam os Impugnantes à entrega da aludida declaração; F) Somente em 18/04/2013 os Impugnantes procederam à entrega da sobredita declaração com o nº 0264-………. acompanhada dos anexos A, C e H; G) Sucede que, em data não apurada, foi emitida pela AT a liquidação oficiosa nº 2013 ………, relativa ao IRS de 2011, respeitante ao Impugnante marido que apurou 16.325,74 € a pagar de imposto; H) Não se conformando com esta liquidação contra ela apresentou o Impugnante marido reclamação graciosa invocando que a mesma não reflecte o seu verdadeiro rendimento e não tem em conta o seu agregado familiar; I) Foi, assim, instaurada a reclamação graciosa nº 026……….; J) Nesta foi efetuada a seguinte apreciação das alegações do Impugnante: “(…) 4. Apresentou as Declarações Periódicas Trimestrais do IVA (DP) referentes ao exercício em causa e aí fez constar o valor total de 59.950,36 € a título de “Transmissões de Bens e Prestações de Serviços Efectuados pelo Sujeito Passivo”; 5. Porém, não entregou a declaração modelo 3 de IRS a que estava obrigado, nos termos do art. 57º do CIRS; 6. Face à omissão declarativa e dado a impossibilidade de determinação direta da matéria tributável, foi o SP tributado em conformidade com o disposto nos arts. 75º e 76º do CIRS; 7. Destafeita a título de “Outras Prestações de Serviços e Outros Rendimentos (incluindo Mais Valias) foi considerado o montante de 59.950,36 por ser o valor constante nas DP entregues pelo próprio SP; 8. Em sede de liquidação oficiosa, atendendo ao disposto nos arts. 76º, nº 2 e 31º, nº 2 ambos do CIRS, o rendimento deverá ser determinado de acordo com as regras do regime simplificado com a aplicação do coeficiente mais elevado, ou seja, 70%; 9. Nesta sequência foi tido em conta o rendimento de 41.965,26 € sem se atender ao mínimo de existência (art. 70º CIRS) e sendo apenas efetuadas as deduções previstas na al. a) do nº 1 do art. 79º (dedução pessoal do SP) e no nº 3 do art. 97º (retenção na fonte e pagamento por conta); 10. Por outro lado, em sede de categoria F verificou-se que o SP aferiu um rendimento de 7.182,72 € disponibilizado pela sociedade NIPC ………; 11. O que perfaz um rendimento global de 49.147,98 €; 12. Daqui resultou imposto a pagar na importância de 16.325,74 € conforme liquidação reclamada, notificada ao SP em 06/02/2013; (…) 16. Como elemento de prova junta aos autos cópias dos documentos de despesas que constam no anexo H. Ora, face à referida declaração são suscitadas três questões que passamos a analisar: 1ª Questão – Composição do Agregado Familiar 17. Alega o aqui Reclamante que é casado, sendo que, para efeitos daquela liquidação a AT a considerou como “Não casado”. 18. Defende ainda que o agregado familiar é composto por o dependente com o NIF ………; 19. Porém, verifica-se que o mesmo não oferece aos autos quaisquer documentos que comprovem o que ali faz constar. 20. Assim, será de concluir que deverá o Reclamante fazer a prova do alegado, nomeadamente através de certidão de casamento não certificada e cópia de documento de identificação do dependente sem as quais não poderão aqueles elementos ser considerados. 2ª Questão – Elementos Constantes do Anexo H da Declaração de Substituição 21. No que se refere aos benefícios fiscais que o SP mantém inscritos no anexo H, isto é, Despesas com Saúde no montante de 28,72 € verifica-se que o mesmo oferece aos autos os documentos que comprovam os valores ora declarados. 22. Assim, será de concluir que, em sede de reclamação e no que concerne às despesas de saúde diz respeito, o Reclamante faz prova do alegado pelo que poderão as mesmas ser fiscalmente aceites. 3ª Questão – Elementos Constantes do Anexo C da Declaração de Substituição 23. Tal como anteriormente referido, para efeito da presente liquidação oficiosa, em sede de Categoria B, foi tido em conta o rendimento que resulta da soma dos valores constantes nas DP e apurado segundo as regras do regime simplificado; 24. Porém, na declaração modelo nº 3 de IRS apresentada pelo Reclamante, o mesmo faz constar no respetivo campo 401 do anexo C um lucro fiscal de 13.225,56 €, apurado segundo as regras da Contabilidade Organizada; 25. Efetivamente, o IRS é um imposto direto que assenta na capacidade contributiva do SP, isto é, cada um deverá pagar imposto na justa medida dos rendimentos auferidos, devidamente comprovados; 26. Contudo, no caso em apreço, verifica-se que o Reclamante não oferece aos autos quaisquer documentos que comprovem cabal e inequivocamente o valor contabilístico apurado e que faz constar no supracitado anexo C; 27. Será de concluir que, em sede de reclamação, deverá o mesmo fazer a prova do alegado, nomeadamente, apresentando os seguintes documentos: - cópias dos balancetes analíticos, antes e após o encerramento; - cópias dos extractos das contas correntes de rendimentos, gastos e resultados. Conclusão Assim sendo, tendo em conta que a reclamação é legal, interposta em tempo, nos termos dos artigos 70º, nº 1 e 102º, nº 1 do CPPT e com legitimidade, vai esta proposta no sentido de deferimento parcial reconhecendo ao Reclamante o direito à revisão da liquidação oficiosa de IRS / 2011 (…); K) Foi o Impugnante notificado quanto ao projecto de decisão que acolheu estas conclusões para exercer o direito de audição; L) Não exerceu o Impugnante tal direito; M) A decisão assim projectada foi decidida em definitivo por despacho de 26/09/2013; N) Tal decisão da Reclamação Graciosa foi notificada ao Impugnante em 01/10/2013; O) Mantendo a sua inconformação apresentou o Impugnante Recurso Hierárquico em 30/10/2013; P) A este fez junção dos documentos que haviam sido invocados na Reclamação Graciosa; Q) Registado o Recurso Hierárquico foi o mesmo remetido para apreciação à Direcção de Serviços Do IRS onde foi efetuada a seguinte apreciação: “(…) 10 – Em sede de recurso hierárquico vem apresentar cópia de certidão de casamento, certidão de nascimento da filha, cópia dos balancetes analíticos antes e após encerramento, cópias de extractos das contas correntes de rendimentos, gastos e resultados, os quais iremos analisar. 11. Assim, e no que respeita à composição do agregado familiar e estado civil, face às cópias de certidão de casamento e certidão de nascimento apresentadas, deve ser considerado como fazendo parte do agregado familiar em dependente (Ana ………. – NIF ……….) e relativamente ao estado civil dever ser considerado como casado com o sujeito passivo Maria ……… – NIF ……….. 12 – No entanto, da consulta ao sistema informático – Anexo J / Modelo 10, verifica-se que no ano de 2011 o sujeito passivo Maria ……….. obteve rendimentos da categoria A no montante de 7.239,62 € sem qualquer retenção na fonte, pagos pela entidade com o NIPC ………. pelo que estes rendimentos devem ser englobados e declarados no anexo A da declaração de rendimentos, nos termos da al. b) do nº 2 do art. 63º do CIRS. 13 - Relativamente aos rendimentos da categoria B verifica-se que para comprovar os valores inscritos no Anexo C da declaração de rendimentos entregue o sujeito passivo entregou cópia dos balancetes analíticos antes e após encerramento, cópias de extractos das contas correntes de rendimentos, gastos e resultados, porém, sem virem suportados por quaisquer documentos comprovativos. 14. Ora, tendo em conta que os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo provêm da atividade de “comércio por grosso de frutas e produtos hortícolas, excepto batata”, CAE 46311, a título principal, e de “comércio por grosso de batata”, CAE 46312 e de “comércio a retalho de frutas e produtos hortícolas, estab. espec”, CAE 47210, a título secundário, para se conhecer de forma fidedigna o valor das existências, o custo das mercadorias vendidas e fazer um correto balanceamento entre os réditos e os gastos, era necessário apresentar um inventário das existências assim como o método de contabilização utilizado. 15. Efetivamente, através dos documentos apresentados pelo sujeito passivo não é possível apurar o custo das mercadorias vendidas uma vez que apenas nos é dado o valor das compras efetuadas no ano, desconhecendo-se o valor do inventário inicial e do final, assim como se é utilizado o sistema de inventário permanente ou o sistema de inventário periódico ou intermitente, o que, atendendo às atividades desenvolvidas pelo sujeito passivo se torna impossível determinar, sem margem para quaisquer dúvidas que os valores reflectem a realidade, tanto mais que a rentabilidade líquida das vendas é de apenas 4,8 % e a margem bruta das vendas é de 16%, abaixo dos rácios para o sector de actividade em que a média é de 18,06 % e a mediana de 20,90%. 16 – Pelo exposto, deve improceder o pedido quanto aos rendimentos da categoria B, devendo manter-se os valores constantes na liquidação oficiosa. R) Com fundamento nesta apreciação foi proferido despacho de deferimento parcial exarado em 04/07/2014; S) Este foi recebido em 25/07/2014; T) Em 05/09/2014 foi emitida a liquidação nº 2014………. que apurou o valor de imposto a pagar no montante de 13.679,64 € e ainda juros no montante de 340,60 €; U) Em 17/10/2014 os Impugnantes deram entrada à petição inicial que originou o presente processo de impugnação; V) O Impugnante marido desenvolve a sua actividade na localidade de ………, onde residem, efectuando algumas entregas a clientes fora da mesma; W) À data, 2011, o Impugnante adquiria a totalidade das mercadorias que posteriormente revendia; X) Na declaração de rendimentos apresentada pelos Impugnantes, referida em F), fizeram os mesmos constar como resultado líquido do período relativamente à actividade do Impugnante marido o valor de 13.225,56 €; Y) Fizeram ainda constar como total das vendas de mercadorias pelo Impugnante marido o valor de 139.802,51 €; Z) Valor esse que consta do balancete analítico respeitante ao ano de 2011 no que se refere a vendas de mercadorias; AA) No mesmo balancete consta como compras do ano o valor de 117.209,75 €; BB) O Impugnante marido tinha contratado um contabilista em 2012, L………, e para efeitos de organizar a sua contabilidade, entregando para o efeito todos os documentos relativos à sua actividade; CC) Estava o Impugnante convencido que o contabilista procedia à entrega das declarações de imposto que eram devidas; DD) Ficou o Impugnante surpreendido com a notificação para proceder à entrega da declaração modelo 3 de IRS por julgar que todas as suas obrigações estavam em ordem, cumpridas pelo contabilista; EE) Confrontou o contabilista com aquela notificação mas este não cumpriu a ordem nela contida; FF) O Impugnante viu-se forçado a contratar um novo contabilista que lhe concluísse as suas obrigações declarativas e fiscais respeitantes ao ano de 2011 pois somente de forma parcial estavam respeitadas; GG) O prazo concedido, de 30 dias, para apresentar a declaração em falta não foi cumprido pela nova contabilista entretanto contratada, S………., pela necessidade de tratamento dos documentos previamente; HH) Em 28/03/2013 foi instaurado no Serviço de Finanças de ….. o processo de execução fiscal com o nº 02……..; II) Este processo foi instaurado para cobrança do valor liquidado e referido em G); JJ) No âmbito deste processo foram efetuadas diversas penhoras de créditos fiscais; KK) O mesmo veio a ser extinto em 09/09/2014, quando alcançado o valor cobrado de 14.464,48 € e face ao deferimento parcial de processo gracioso instaurado pelos Impugnantes; LL) A contabilista entretanto contratada, S……… mantém-se como tal desde 2012; MM) Foi esta contabilista que elaborou o balancete analítico entregue conjuntamente com o recurso hierárquico com base nos documentos fornecidos pelo Impugnante e decorrentes da sua atividade; NN) O Impugnante foi objeto de acções inspectivas quanto aos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015 e não foram detectadas irregularidades na contabilidade; OO) Teve lugar uma falta de apresentação da declaração de rendimentos quanto ao ano de 2013, que mereceu idêntico tratamento por parte da ATA não aceitando os balancetes para considerar o volume real da matéria colectável; PP) Toda a documentação solicitada à contabilista pela ATA aquando da sua intervenção da reclamação graciosa e no recurso hierárquico foi por esta entregue, designadamente balancete e extractos de compras e de vendas relativos a 2011; QQ) A contabilista disponibilizou à ATA a entrega das pastas com a documentação em que se sustenta a contabilidade e balancetes de 2011, o que foi recusado por não ser necessário; RR) A reunião da documentação para entrega à contabilista foi demorada porque o anterior contabilista atrasou esse processo na parte em que estava na sua posse.” *** A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, designadamente no processo administrativo anexo e no depoimento das testemunhas na parte em que se mostrou directo e esclarecido.” *** A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “Não resultou provado o que resulta contrário ao demonstrado.” *** Atento o disposto no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.(1) . Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância: G) A 19 de janeiro de 2013, foi emitida a liquidação oficiosa nº 2013 ………. relativamente ao Recorrido JOSÉ ………., respeitante a IRS de 2011, no valor de € 16.325,74, a qual chegou ao seu conhecimento, em 06 de fevereiro de 2013 (cfr. fls. 10, 58 e 67 do PAT apenso; facto que se extrai da factualidade individualizada na informação instrutora de reclamação graciosa, ponto 12, não impugnada); H) A 18 de julho de 2013, o Recorrido JOSÉ ………, apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação oficiosa referido em G), com o seguinte teor: “Venho por este meio apresentar reclamação graciosa em virtude da declaração oficiosa efectuada pelos serviços não ter considerado o meu agregado familiar, e ter considerado o anexo B em vez de um anexo C. Pelo que solicito a revisão da minha situação e solicito que seja considerada a declaração enviada em 2013-04-18 com a identificação 153 ………” (cfr. fls. 2 do PAT apenso); *** Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade: SS) A liquidação oficiosa referida em G), computou como rendimento global o valor de €49.147,98, tendo por base o valor das “Transmissões de Bens e Prestações de Serviços Efectuados pelo Sujeito Passivo” constante nas Declarações Periódicas Trimestrais do IVA (DP) referentes ao ano de 2011, no valor de € 59.950,36 e bem assim do montante de €7.182,72 concernente a rendimentos da Categoria F ( facto não controvertido e que se extrai do procedimento de reclamação graciosa e recurso hierárquico); TT) A 17 de julho de 2013, foi entregue a Declaração Anual-IES, referente ao ano de 2011, constando no Anexo I, designadamente, os seguintes valores: Vendas e Serviços Prestados €139.802,51 Custo das Mercadorias Vendidas e Consumidas €117.209,75 Fornecimentos e Serviços Externos €15.211,60 Outros Rendimentos e Ganhos €7.182,52 Outros Gastos e Perdas €559,77 Resultado Líquido do Período €13.225,56 (cfr. fls. 48 a 55 do PAT apenso); *** Em conformidade com o preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, dá-se por não escrita a alínea PP) da factualidade assente, com o seguinte teor: “Toda a documentação solicitada à contabilista pela ATA aquando da sua intervenção da reclamação graciosa e no recurso hierárquico foi por esta entregue, designadamente balancete e extractos de compras e de vendas relativos a 2011”, por se entender que a mesma tem uma redação eminentemente conclusiva, sendo que o deve constar no probatório é a factualidade atinente aos procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico, mormente, as informações instrutoras e sua fundamentação, os elementos probatórios requeridos e os elementos juntos, para que da conjugação dessa factualidade se possa inferir pela junção, ou não, da globalidade de toda a documentação requerida. Factualidade que, in casu, e como resulta expresso das alíneas H) a R) consta no acervo probatório dos autos. *** III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação oficiosa de IRS respeitante ao ano de 2011, determinando a sua nulidade. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento de facto, por ter valorado erroneamente a prova produzida nos autos e erro de julgamento de direito por errónea apreciação dos pressupostos de direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, a Administração Tributária não cumpriu o ónus probatório a que estava adstrita, tendo erradamente desrespeitado os elementos apresentados pelos Recorridos conforme decidiu o Tribunal a quo, ou se ao invés atuou investida do princípio da legalidade não tendo os Recorridos demonstrado a realidade dos rendimentos que declararam, conforme defende a Recorrida. Apreciando. Comecemos pelo erro de julgamento de facto. Como se extrai com clareza do teor das alegações de recurso, a Recorrente não procede à impugnação da matéria de facto (em conformidade com o disposto no artigo 640.º do CPC), limitando-se a convocar de forma absolutamente genérica e sem fazer alusão a qualquer alínea do probatório porque motivo a prova constante dos autos foi erradamente valorada. Note-se que no caso dos autos, houve lugar à produção de prova testemunhal e a Recorrente nas suas alegações nem tão-pouco a convoca. Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (2). A Recorrente defende nas suas conclusões H) e I) que os elementos apresentados pelos Recorridos não são de molde a contrariar a liquidação efetuada, sustentando, para o efeito, que ao não trazer ao conhecimento da Administração Tributária a inventariação quer das existências iniciais quer das finais, inviabiliza o apuramento concreto do custo das mercadorias vendidas, inviabilizando, também por essa via, o apuramento da matéria tributável do rendimento da categoria B, respeitante à atividade por si prosseguida. Se bem interpretamos a alegação de recurso, ainda que a mesma seja totalmente genérica, e socorrendo-nos, desde logo, da posição do STA vertida na decisão sumária na qual se considerou hierarquicamente incompetente, a Recorrente, ao afirmar que os Impugnantes não apresentaram todos os documentos pertinentes para apurar a matéria tributável, designadamente os que respeitam aos inventários das existências iniciais e finais do exercício, pretende extrair errada valoração da matéria de facto dada como assente, dela pretendendo obter consequência de relevo, qual seja a irrelevância da declaração apresentada e a legalidade da liquidação. Do teor das aludidas alegações depreende-se, assim, errada valoração de facto quanto ao acervo fáctico respeitante aos procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, competindo, assim, aquilatar se o Tribunal a quo verteu no recorte probatório dos autos a aludida instrução dos procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico concretamente quais os documentos que foram apresentados e quais os que foram juntos e se existe alguma contradição com a demais factualidade dada como assente. Vejamos, então. Compulsado o teor das alíneas I) e J) do acervo fático dos autos resulta assente a apresentação de reclamação graciosa contra o ato de liquidação oficiosa referido em G), e ulterior informação instrutora dela constando a inerente apreciação do articulado e bem assim da documentação junta e da que se reputava em falta. Dimanando, outrossim, das alíneas K) a N) a respetiva tramitação da reclamação graciosa e decisão final. Mais resultando das alíneas O) e P) a interposição de recurso hierárquico e a documentação carreada nessa fase, estabelecendo-se na respetiva informação instrutora (alínea Q) a competente apreciação dessa mesma prova e as razões atinentes à sua insuficiência probatória. Ora, atentando no recorte probatório dos autos, extrai-se, na globalidade, a tramitação integral dos procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico, permitindo-nos discernir quais os documentos computados em falta, quais os documentos apresentados e ulteriores saneamentos, logo a factualidade pertinente para a presente lide. Pelo que, não se afigura qualquer erro de julgamento da matéria de facto, não padecendo a mesma de qualquer deficit ou contradição. Sendo certo que, o Tribunal ad quem, no âmbito dos seus poderes de cognição, deu como não escrita a alínea PP), por entender que o seu teor era eminentemente conclusivo. Quanto à demais factualidade assente, tendo presente que, por um lado, a Recorrente não procedeu, como era seu ónus, à concreta e idónea impugnação da matéria de facto, nada convocando, designadamente, quanto ao teor da prova testemunhal produzida e, por outro lado, que inexiste qualquer elemento documental nos autos que permita atestar o oposto da realidade fáctica constante do probatório, conclui-se que inexiste erro de julgamento da matéria de facto que careça e possa ser objeto de alteração pelo Tribunal ad quem e de acordo com os seus poderes de cognição. Questão diferente é se o Tribunal a quo extraiu as devidas ilações, mormente, em termos de ónus probatório, porém tal situação já radica em erro de julgamento de direito, o qual será apreciado em sede própria. Aqui chegados, encontrando-se estabilizada a matéria de facto, importa, então, apurar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por errada apreciação dos pressupostos de direito. A Recorrente defende que está vinculada ao princípio da legalidade e que se limitou a atuar em conformidade com o que resulta da lei. Concretizando, nesse particular, que não tendo a Recorrida apresentado declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2011, dentro do prazo legal, a Administração Tributária emitiu liquidação oficiosa em estrito cumprimento do preceituado no artigo 76.º do CIRS, socorrendo-se, para o efeito, dos elementos constantes nas Declarações Periódicas de IVA e por recurso ao regime simplificado de tributação. Aduz, assim, que cumpriu o ónus a que estava adstrita o mesmo não sucedendo com os Recorridos a quem competia demonstrar o excesso de quantificação. Sublinha, para o efeito, que os elementos carreados para o procedimento administrativo são insuficientes para a determinação da matéria coletável de acordo com os elementos constantes na declaração de rendimentos apresentada em 18 de abril de 2013 competindo-lhes, desde logo, demonstrar a inventariação quer das existências iniciais, quer das finais, o que não lograram fazer. O Tribunal a quo assim o não entendeu, considerando que a Administração Tributária havia incorrido em violação de lei, cominando o ato impugnado de nulidade. Com efeito, o Tribunal a quo ajuizou que a Administração Tributária não atendeu, erradamente, aos elementos que os Impugnantes apresentaram na sequência de solicitação para o efeito, mais relevando que as justificações apresentadas são débeis. No seu discurso fundamentador a decisão recorrida ajuíza que: “[t]endo sido, como foi, elaborada liquidação nos termos do disposto no nº 1, al. b) do art. 76º do CIRS foi-lhes aplicado o regime simplificado quanto ao exercício em questão mediante postergação dos elementos apresentados pelos Impugnantes quer na declaração de rendimentos que apresentaram quer nos elementos contabilísticos entregues a solicitação da própria ATA. Ora, apresentando-se os Impugnantes no prazo de caducidade a solicitar revisão da liquidação oficiosa por forma a que esta seja coerente com os rendimentos reais vertidos na contabilidade apresentada fazem-no ao abrigo do nº 4 do art. 76º do CIRS. Por outro lado o afastamento dos rendimentos apresentados pelos Impugnantes, constantes designadamente do recurso hierárquico, funda-se em frágil argumentação que não pode proceder face à apreciação que neste âmbito se levou a cabo.” Vejamos, então, se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento de direito. Importa começar por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos. De harmonia com o disposto no artigo 57.º, nº1 do CIRS: “Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, nomeadamente para os efeitos do artigo 89.º-A da lei geral tributária, devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante: a) Os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo”. Consignando, por seu turno, o artigo 60.º relativamente ao prazo de entrega da declaração que: “1 - A declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º é entregue: a) Em suporte papel: i) Durante o mês de março, quando os sujeitos passivos apenas hajam recebido ou tenham sido colocados à sua disposição rendimentos das categorias A e H; b) Por transmissão eletrónica de dados: i) Durante o mês de abril, quando os sujeitos passivos apenas hajam recebido ou tenham sido colocados à sua disposição rendimentos das categorias A e H; ii) Durante o mês de maio, nos restantes casos. 2 - A declaração a que se refere o número anterior é ainda apresentada nos 30 dias imediatos à ocorrência de qualquer facto que determine alteração dos rendimentos já declarados ou implique, relativamente a anos anteriores obrigação de os declarar, salvo se outro prazo estiver previsto neste Código.” No concernente à liquidação dispõe o artigo 75.º do CIRS que é competente para a liquidação de IRS a Direção Geral dos Impostos, processando-se a mesma nos termos consignados no artigo 76.º do mesmo diploma o qual, sob a epígrafe de “procedimentos e formas de liquidação” preceitua que: “1 - A liquidação do IRS processa-se nos termos seguintes: a) Tendo sido apresentada a declaração até 30 dias após o termo do prazo legal, a liquidação tem por objeto o rendimento coletável determinado com base nos elementos declarados, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 65.º; b) Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha; c) Sendo superior ao que resulta dos elementos a que se refere a alínea anterior, considera-se a totalidade do rendimento líquido da categoria B obtido pelo titular do rendimento no ano mais próximo que se encontre determinado, quando não tenha sido declarada a respetiva cessação de atividade. 2 - Na situação referida na alínea b) do número anterior, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n.º 2 do artigo 31.º. 3 - Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efetuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efetuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º. 4 - Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.” Da interpretação conjugada dos aludidos normativos resulta que, caso o sujeito passivo não cumpra o prazo legal de entrega da declaração periódica de rendimentos, a Administração Tributária está legitimada a emitir uma liquidação a qual terá por base os elementos de que a Direção Geral de Impostos disponha, determinando-se o rendimento líquido da Categoria B em conformidade com as regras do regime simplificado. De relevar, neste particular, que a Administração Tributária antes de estruturar a liquidação oficiosa está vinculada à notificação do sujeito passivo em incumprimento declarativo, para cumprir a obrigação no prazo de 30 dias, sendo que só após essa notificação, e caso a situação de incumprimento persista, é que pode ter lugar a tributação com base nos elementos que a Administração Tributária disponha. Não obstante o exposto, diz-nos, como visto, o citado artigo 76.º, nº4 do CIRS que a liquidação pode ser corrigida dentro dos prazos de caducidade do direito à liquidação e em conformidade com o preceituado nos artigos 45.º e 46.º da LGT. Visto o direito atentemos, então, no recorte probatório dos autos e comecemos por aquilatar se a Administração Tributária se limitou, conforme a mesma defende, a cumprir o preceituado na Lei. Do recorte probatório dos autos resulta que: Os Recorridos não procederam à entrega da declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2011, dentro do prazo consignado na lei, tendo sido notificados mediante ofício datado de 29 de outubro de 2012, para suprir a falta declarativa no prazo de 30 dias, não o tendo cumprido no prazo estipulado. Razão pela qual a Administração Tributária emitiu, em 19 de janeiro de 2013, a competente liquidação oficiosa nº 2013 ……….., no valor de €16.325,74. Mais dimanando assente que, em 18 de abril de 2013, os Recorridos apresentaram a declaração de rendimentos em falta, acompanhada dos anexos A), C) e H). Resultando, in fine, que, em 18 de julho de 2013, a evidenciada liquidação oficiosa foi objeto de reclamação graciosa e ulterior recurso hierárquico. Ora, em face do supra aludido impõe-se concluir que a Administração Tributária estava, efetivamente, legitimada a emitir o ato de liquidação oficiosa. Porém, se é certo que a Administração Tributária atuou com respeito pelo princípio da legalidade, a verdade é que após a declaração oficiosa os Recorridos fizeram uso atempado da possibilidade que lhe conferia o artigo 76.º nº 4 do CIRS e apresentaram a competente declaração de rendimentos. E a questão que, ora, se coloca é qual o enquadramento de tal declaração e qual o seu alcance. Importa, desde já, relevar que a mera apresentação da declaração de rendimentos fora do prazo legal mas dentro do prazo de caducidade não implica de per si a anulação da liquidação oficiosa, desde logo, porque não goza da presunção de verdade declarativa. Mas a verdade é que essa presunção não é estendida à contabilidade, desde que devidamente organizada. Com efeito, se atentarmos no artigo 75.º, nº1 da LGT “[o] mesmo parece dissociar a apresentação tardia (fora de prazo) da declaração legal do contribuinte, dos “ dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal” pois que contempla a palavra chave “apresentadas” por referência às declarações dos contribuintes e a palavra “organizadas” por referência à contabilidade ou escrita; o que parece poder conduzir à interpretação de que uma declaração de IRS apresentada tardiamente, mas com suporte em contabilidade imaculada, organizada de acordo com regras legais, não faz estender a não presunção da sua veracidade a esta contabilidade que uma vez apreciada em sede inspectiva poderá fazer reassumir a presunção de verdade da declaração apresentada fora de prazo.(3)" In casu, como visto, os Recorridos em data ulterior à emissão da liquidação oficiosa apresentaram a competente declaração de rendimentos, na qual fizeram constar no respetivo campo 401 do anexo C um lucro fiscal de €13.225.56, apurado segundo as regras da contabilidade organizada. Mais importa relevar que, ulteriormente, concretamente, em 18 de abril de 2013, o Recorrido apresentou reclamação graciosa contra a liquidação oficiosa referida em G). Ajuizando, porém, a Administração Tributária, em sede de apreciação da reclamação graciosa que os aludidos rendimentos não se encontravam suficiente e idoneamente provados, concretizando, nesse particular, que “[o] Reclamante não oferece aos autos quaisquer documentos que comprovem cabal e inequivocamente o valor contabilístico apurado e que faz constar no supracitado anexo C.” Concluindo, assim, que o mesmo teria de fazer prova do alegado “[a]presentando os seguintes documentos: cópias dos balancetes analíticos, antes e após o encerramento; cópias dos extractos das contas correntes de rendimentos, gastos e resultados.” E a verdade é que o Sujeito Passivo aquando a interposição do recurso hierárquico apresentou toda a documentação que a Administração Tributária reputou essencial para efeitos probatórios, ou seja, os evidenciados balancetes analíticos e os extratos das respetivas contas correntes de rendimentos, gastos e resultados. Porém, tal circunstância não acarretou a validação e consideração dos elementos constantes na Declaração Periódica de Rendimentos, vindo a Administração Tributária, ulterior e adicionalmente, a invocar insuficiência probatória, desta feita invocando que “[R]elativamente aos rendimentos da categoria B verifica-se que para comprovar os valores inscritos no Anexo C da declaração de rendimentos entregue o sujeito passivo entregou cópia dos balancetes analíticos antes e após encerramento, cópias de extractos das contas correntes de rendimentos, gastos e resultados, porém, sem virem suportados por quaisquer documentos comprovativos.” Concretizando, para o efeito, que “[t]endo em conta que os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo provêm da atividade de “comércio por grosso de frutas e produtos hortícolas, excepto bata”, CAE 46311, a título principal, e de “comércio por grosso de batata”, CAE 46312 e de “comércio a retalho de frutas e produtos hortícolas, estab. espec”, CAE 47210, a título secundário, para se conhecer de forma fidedigna o valor das existências, o custo das mercadorias vendidas e fazer um correto balanceamento entre os réditos e os gastos, era necessário apresentar um inventário das existências assim como o método de contabilização utilizado.” Mais sublinhando, para o efeito, que “[a]través dos documentos apresentados pelo sujeito passivo não é possível apurar o custo das mercadorias vendidas uma vez que apenas nos é dado o valor das compras efetuadas no ano, desconhecendo-se o valor do inventário inicial e do final, assim como se é utilizado o sistema de inventário permanente ou o sistema de inventário periódico ou intermitente, o que, atendendo às atividades desenvolvidas pelo sujeito passivo se torna impossível determinar, sem margem para quaisquer dúvidas que os valores reflectem a realidade, tanto mais que a rentabilidade líquida das vendas é de apenas 4,8 % e a margem bruta das vendas é de 16%, abaixo dos rácios para o sector de actividade em que a média é de 18,06 % e a mediana de 20,90%.” Mas a verdade é que, em sentido consonante com o decidido pelo Tribunal a quo, entende-se que tais razões não são de molde a manter a liquidação oficiosa, visto que se os Recorridos apresentaram a documentação que a Administração Tributária havia reputado como idónea e se a mesma atesta os valores declarados, então, existindo dúvidas quanto aos valores das existências e ao apuramento do custo das mercadorias vendidas e consumidas, a mesma não podia, sem mais, eximir-se da sua função fiscalizadora. Dito de outro modo, em ordem aos princípios da verdade material e do inquisitório competia-lhe aquilatar, com rigor, da adequação e suficiência dos elementos que suportam os balancetes e extratos de conta, desenvolvendo todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária, designadamente, lançado mão da ação de Inspeção Tributária. De resto, tal é o que, desde logo, dimana do artigo 63.º da LGT, nº1 alínea b), o qual preceitua que “Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente: b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos suscetíveis de esclarecer a sua situação tributária”. Note-se que, atentando nas alíneas X) a AA) e bem assim da TT), ora, aditada se aquilata absoluta simetria e identidade entre os valores declarados na respetiva declaração periódica de rendimentos e os respetivos suportes contabilísticos e competente declaração anual. Nessa medida, a Administração Tributária não só podia, como devia ter diligenciado, designadamente através de ação inspetiva-nada tendo sido alegado no sentido da sua realização, nem tão-pouco resultando dos autos qualquer elemento nesse sentido- no apuramento da matéria coletável do ano de 2011, de modo a, dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação, proceder às correções de natureza aritmética ou presuntivas que entendesse por pertinentes e à consequente emissão de liquidação adicional ou anulação da liquidação oficiosa. O que não pode é, após a colocação à disposição dos elementos que reputou necessários para avalizar os elementos declarados, sindicar, sem mais -entenda-se sem comprovar a realidade contabilística e toda a documentação que a suporta- e afastar, de per si, a realidade declarada pelos Recorridos. Acresce que, só recorrendo a uma ação de inspeção tributária se podia evitar a consideração essencialmente dos réditos, sem a quantificação das despesas efetuadas para os adquirir o que numa atividade de revenda, como sucede no caso dos autos, é absolutamente impossível de suceder.(4) Note-se que tal realidade se encontra espelhada, desde logo, na alínea W) da factualidade assente. In casu, tendo sido apresentada declaração de rendimentos após a emissão de liquidação oficiosa e mediante a faculdade consignada no artigo 76.º, nº4 do CIRS, o princípio da tributação pelo rendimento real impunha outras diligências, designadamente, a realização de ação inspetiva para aferição de todos os elementos que foram supervenientemente apresentados, pelo que não o tendo feito ocorre em evidente excesso de quantificação de rendimentos. Ademais, importa ter presente que tal foi o procedimento adotado nos anos 2012, 2013 e 2014 e 2015, resultando, outrossim, da alínea NN) da factualidade assente, não impugnada, que não foram detetadas irregularidades na contabilidade. Mais importa ter presente que da alínea QQ) da factualidade assente, não impugnada, resulta provado que a contabilista disponibilizou à Administração Tributária a entrega das pastas com a documentação em que se sustenta a contabilidade e balancetes de 2011, tendo a mesma sido objeto de recusa por desnecessária. De salientar, outrossim, que, in casu, em nada podem relevar as médias do sector para efeitos de afastamentos dos valores declarados pelo sujeito passivo. Com efeito, não releva a alegação de que a rentabilidade líquida é apenas de 4,8% e a margem bruta das vendas é de 16%, alegadamente, abaixo das rácios para o sector de atividade em que a média é de 18, 06% e a mediana de 20,90%, para efeitos de desconsideração dos valores declarados pelos Recorridos dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação. Assim, contrariamente ao evidenciado pela Recorrente (alíneas G e H das conclusões), o sujeito passivo fez prova do erro no procedimento de liquidação e dos procedimentos em que esta devia assentar, sendo os elementos apresentados pelos Recorridos de molde a contrariar a liquidação oficiosa efetuada. De resto, não se pode perder de vista e descurar que a liquidação oficiosa faz-se por definição com base num rendimento presumido por inexistirem, no prazo legal, elementos declarados pelo sujeito passivo, sendo certo que o conceito de rendimento tributário no CIRS adota a conceção de rendimento acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos. In fine ter-se-á de ter presente que a liquidação oficiosa efetuada pela Administração Tributária é por natureza uma declaração provisória. Neste particular, importa convocar os ensinamentos de RUI DUARTE MORAIS (5), ainda que expendidos em sede de IRC mas totalmente transponíveis para o caso vertente: “O art. 83º nº 1, al. b) e c)(6) , dispõe que, na falta de entrega da declaração periódica de rendimentos (grosso modo, a declaração em que se procede ao apuramento do resultado fiscal do exercício anterior), a administração fiscal procederá, oficiosamente, à liquidação, a qual terá por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada (e da qual não poderá resultar imposto em dívida de valor inferior ao “imposto mínimo” a que estão sujeitos os contribuintes abrangidos pelo regime simplificado) ou na falta de tais dados, os elementos de que disponha.Temos dúvidas quanto ao sentido desta liquidação oficiosa. Pensamos que o seu sentido mais não é do que prevenir uma eventual caducidade do direito à (a qualquer) liquidação.O montante assim fixado será, necessariamente, provisório (como de resto é também a autoliquidação, uma vez que fica sempre sujeita a uma eventual correcção posterior pela administração tributária). Na realidade, não faria qualquer sentido que a liquidação oficiosa feita em tais termos pudesse ser havida como adequado substituto da declaração a que o sujeito passivo não procedeu. Para além de tal poder redundar numa vantagem incompreensível do contribuinte faltoso (ao ser tributado com base no resultado de um exercício anterior poderia pagar menos do que aquilo a que estaria obrigado, por ter acontecido uma evolução positiva dos resultados do seu negócio), significaria abdicar de qualquer pretensão de basear a tributação em causa no lucro (no resultado) real ou, mesmo, normal, desse sujeito passivo. A falta de cumprimento pelo sujeito passivo parece impor à administração, para além de proceder oficiosamente a uma tal liquidação “provisória”, o dever funcional de, dentro do prazo de caducidade de tal direito, efectuar uma acção inspectiva visando determinar qual o lucro obtido por esse sujeito passivo no exercício em causa e, também, a sua situação actual”. Ora, em face de todo o exposto tudo visto e ponderado, tendo os Recorridos procedido à entrega de declaração periódica de rendimentos em data posterior ao termo do seu prazo legal mas em período temporal anterior ao decurso do prazo de caducidade, e tendo apresentado, após solicitação para o efeito, os respetivos suportes contabilísticos, os quais espelham os valores constantes na declaração de rendimentos entregue em 18 de abril de 2013 e respetiva Declaração Anual (vide alíneas X) a AA) e TT), dimana inequívoco que a liquidação oficiosa não pode manter-se por padecer de vício de violação de lei por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito e excesso de quantificação. Uma nota final apenas quanto à cominação jurídica. A decisão recorrida entendeu, de facto, que a liquidação enfermava de evidente excesso de quantificação, padecendo de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porém cominou-a com a nulidade. Mas a verdade é que o vício de violação de lei, por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito e excesso de quantificação, determina a anulabilidade do ato de liquidação e não a sua nulidade (artigo 123.º do CPA, à data em vigor, a contrario). Assim, mantém-se integralmente a decisão recorrida quanto à procedência do aludido vício de violação de lei, apenas se alterando a consequência extraída pelo Tribunal a quo, no sentido da nulidade da liquidação a qual não é de manter, nesta parte, o que se determinará no dispositivo. *** IV. DECISÃO
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: - NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, e em conformidade com a fundamentação exposta no ponto III, anular a liquidação oficiosa. Custas a cargo da Recorrente. Registe. Notifique.
Lisboa, 25 de junho de 2019
(PATRÍCIA MANUEL PIRES)
(CRISTINA FLORA)
(TÂNIA MEIRELES DA CUNHA)
____________________________________ (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286 (2) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.. (3) In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0220/11.2BEVIS, de 05 de dezembro de 2018. (4) Neste sentido, vide Aresto do STA já citado proferido no processo nº 0220/11.2BEVIS. (5) In Apontamentos de IRC, edição: Almedina, 2007, pp. 208 e 209. (6) Autor reporta-se ao CIRC na redação vigente até 31/12/2009 e antes da republicação pelo DL 159/2009 de 13/07 com efeitos a partir de 01/01/2010. |