Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 398/12.8BECTB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/06/2025 |
| Relator: | ANA CARLA TELES DUARTE PALMA |
| Descritores: | CONTRATO DE FORNECIMENTO E RECOLHA; ATUALIZAÇÃO DE TARIFAS. |
| Sumário: | I - Os critérios a levar em consideração na atualização das tarifas são os enunciados nos números 5 e 6 da cláusula 17.ª, de acordo com o previsto na cláusula 15.ª, em cujo número 1 se determina, quanto à fixação das tarifas ou montantes garantidos, que as tarifas ou valores garantidos serão fixados por forma a assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores, a gestão eficiente do sistema, o equilíbrio económico- financeiro da concessão e as condições necessárias para a qualidade do serviço durante e após o termo da concessão. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Contratos Públicos |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul. * Relatório Águas do Zêzere e Côa, S.A. intentou contra o Município de Pinhel, ação administrativa comum sob a forma ordinária, pedindo a condenação da demandada no pagamento da quantia total de €98 327,69, que inclui juros moratórios vencidos até à data de entrada da p.i., referente ao acerto de tarifas dos serviços de fornecimento de água e de saneamento, recolha e tratamento de efluentes por si prestados ao Município de Pinhel, nos meses de Janeiro a Agosto do ano de 2010, acrescido de juros vincendos até efetivo e integral pagamento. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco foi a ação julgada procedente e o réu condenado a pagar à autora a quantia de €85.774,12, acrescida de juros moratórios vencidos até à data de entrada em juízo (10/09/2012), no montante de €12.553,57, e ainda no pagamento de juros moratórios entretanto vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento Inconformado, o réu veio apelar para este Tribunal Central Administrativo, formulando, na alegação, as seguintes conclusões: «a) O tribunal a quo julgou procedente a acção, condenando o R., ora Recorrente no pagamento do valor das facturas peticionadas, sem contudo, apreciar qualquer meio de prova sobre os factos alegados pelo Recorrente na sua contestação que se expuseram supra, os quais a serem dados como provados, os valores das faturas peticionadas teriam, necessariamente de ser reduzidas no seu valor. b) Os factos que foram alegados pelo Recorrente não mereceram por parte do Tribunal qualquer juízo critico, nem houve necessidade de apurar a fundamentação da factualidade alegada pelo recorrente, o que se tivesse sucedido imporia uma decisão diferente. c) Foi proferida sentença sem que para o efeito tivesse sido produzida prova que sustentasse a alegação do Recorrente e por via disso, não tendo sido possível apresentar os elementos de prova que sustentassem os factos alegados pelo recorrente, a decisão proferida, sem cumprimento de tal formalidade, é nula. d) Na fixação das tarifas os valores mínimos a receber actualmente pela concessionária, têm como pressuposto uma condição do equilíbrio económico-financeiro da concessão e a garantia pelos utilizadores e devem resultar da aplicação aos caudais anuais que constam do anexo 4 da tarifa adoptada para o respectivo ano… . e) Sempre com respeito, na fixação do valor das tarifas, pelos princípios da protecção dos interesses dos utilizadores, gestão eficiente do sistema e equilíbrio económico e financeiro da concessão, ora a douta sentença entendeu nesta parte desvalorizar neste tipo de contrato os princípios referidos, considerando, que tal equilíbrio não tem de se verificar no caso concreto e por isso, julgou procedente a acção. f) Por outro lado, o Município como parte interessada deveria ser previamente ouvida sobre tais alterações de tarifa, o que não aconteceu. Pelo se reforça o entendimento de que a revisão da tarifa neste contrato deveria ter sido precedida de audiência do município, aqui recorrente, o que não aconteceu, desequilibrando e desvirtuando claramente o contrato de concessão e os princípios que lhe estão subjacentes e que levaram o R. a contratar. g) A falta da audiência prévia do recorrente, no caso dos autos, enquanto interessado, na decisão sobre a alteração do valor das tarifas deveria ter sido ouvido, o que não acontecendo, aquela decisão não lhe é oponível. h) A factualidade alegada pelo recorrente não mereceu por parte do Tribunal qualquer juízo critico, nem houve necessidade de apurar se a factualidade alegada pelo Recorrente corresponde à verdade, a fim de aquilatar das razões que assistem ao recorrente. i) Desta forma foi proferida sentença sem que para o efeito tivesse sido produzida prova que sustentasse a alegação do recorrente e por via disso não tendo sido possível apresentar os elementos de prova que sustentassem os factos alegados a decisão proferida sem cumprimento de tal formalidade é nula. j) A decisão de alteração das tarifas violou entre outras a disposição prevista no artº 100 do C.P.A.. Termos em que revogando a douta decisão proferida por outra que absolva o Recorrente do pedido, Vossas Exªs Farão Justiça.». * A recorrida, notificada, apresentou contra-alegação concluindo como segue: «I.O Recorrente discorda do julgado, invocando que os factos por si alegados em sede de contestação, a serem dados como provados, levariam à redução dos valores das facturas peticionadas, redução essa que nunca poderia ser levada a cabo devido ao facto de, por um lado, não serem discutidas na presente lide quaisquer facturas relacionadas com fornecimento de água e recolha de efluentes, mas antes notas de débito relacionadas com acerto de tarifa, e de, por outro, o próprio Recorrente entender, na sua contestação, que os valores devidos são unicamente os valores das facturas anteriormente emitidas, não existindo, assim, qualquer redução que deve ser apurada. II. O Recorrente não imputa, assim, qualquer vicío à decisão recorrida, pois esta, recorde-se, analisou a relação material controvertida objecto dos presentes autos e que se prendia com a modificação de tarifas, que levou à emissão pela Recorrida das notas de débito peticionadas na presente lide, onde não são discutidas quaisquer facturas relacionadas com fornecimento de água e recolha de efluentes, o que tanto basta para que, quanto à questão da redução do valor das facturas, se deva considerar excluída do objecto da apelação a decisão recorrida. III. Na verdade, os recursos constituem um meio de impugnação das decisões dos Tribunais inferiores, devendo o seu objecto cingir-se, em regra, à parte dispositiva destas (Cfr. art°.684, n°.2, do anterior C.P.C. - art. 635°, n° 2, do novo CPC), pelo que, não sendo apontado qualquer vício à parte dispositiva da sentença da 1a Instância, tanto basta para que se deva fique prejudicada a apreciação do mérito do recurso em análise quanto a tal questão, pelo que dela se não pode conhecer Cfr.arts. 700°, n°.l, al. h), e 704°, do anterior C.P.Civil - arts. 652° e 655° do novo CPC). IV. No entanto, ainda que assim se não entendesse, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre se dirá que a decisão proferida não é nula, uma vez que o estado do processo permitia conhecer imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, por os factos necessários para a resolução do litigio estarem já provados no processo, não carecendo de ulterior instrução ou actividade probatória. V. Com efeito, atendendo à causa de pedir e respectivo pedido, toda a matéria de facto relevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis, se encontra demonstrada nos autos, como sucede com a outorga do contrato de concessão e dos contratos de fornecimento e de recolha, cuja factualidade foi admitida pelo Recorrente no art. 1° da sua contestação, sendo indiferente o apuramento da pretendida redução do valor de facturas, por se tratar de factualidade não alegada, e, como tal, não pode ser provada, a qual, por isso, nunca poderia impor uma decisão diferente. VI. Importa ter presente que a revisão das tarifas constituem poderes-deveres contratuais conferidos às concessionárias dos sistemas multimunicipais para garantia do equilíbrio económico-financeiro da concessão (Cfr. Cláusulas 16.ª e I7ª, n.os 1 e 2, do Contrato de Concessão celebrado entre o Estado e a Águas do Zêzere e Côa, S.A., e Cláusula 3ª, n.°1, dos contratos de fornecimento e de recolha, celebrados, em 15 de Setembro de 2000, com o Município Réu). VII. Na verdade, a fixação de tarifas deve assegurar o equilíbrio económico-financeiro das entidades gestoras e assegurar, no período da concessão, a amortização do investimento a cargo da Concessionária (Cfr. art.° 15.° do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro). VIII. A Lei n.° 58/2005, de 29 de Dezembro, (Lei da Água) também impõe, no art.° 82.°, que no regime das tarifas a aplicar esteja assegurada a recuperação do investimento inicial e de eventuais novos investimentos de expansão, modernização e substituição, visando ainda uma adequada remuneração dos capitais próprios da Concessionária, nos termos do respectivo Contrato de Concessão, e o cumprimento dos critérios definidos na Lei e nas orientações do Instituto Regulador. IX. Acresce que, através do art. 4° do D.L. n° 195/2009, de 20 de Agosto, o n° 2 da base XV das bases do contrato de concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público, anexas ao D.L. n° 319/94, de 24 de Dezembro, e que dele fazem parte integrante, alterado pelo D.L. n° 222/2003, de 20 de Setembro, passou a ter a seguinte redacção:“2 - Os tarifários aplicados aos utilizadores produzem efeitos a partir do início do início do exercício económico a que respeitam, independentemente da data da sua aprovação (…)”. X. Por sua vez, através do art. 6° do D.L. n° 195/2009, de 20 de Agosto, o n° 2 da base XXIX das bases do contrato de concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de recolha e tratamento e rejeição de efluentes anexas ao D.L. n° 162/96, de 4 de Setembro, e que dele fazem parte integrante, alterado pelo D.L. n° 223/2003, de 20 de Setembro, passou a ter a seguinte redacção:“2 - Os tarifários aplicados aos utilizadores produzem efeitos a partir do início do início do exercício económico a que respeitam, independentemente da data da sua aprovação (…)” XI. Daí que, por imperativo legal - que prevalece sobre o contrato de concessão (Cfr. art. 10° do D.L. n° 195/2009, de 20 de Agosto) -, os tarifarios aplicados aos utilizadores - como é o caso do Recorrente - produzem efeitos a partir do início do exercício económico a que respeitam, independentemente da data sua aprovação. XII. A argumentação expendida pelo Recorrente, quer no recurso, quer na contestação, é manifestamente improcedente por via do que se encontra contratualmente estipulado e legalmente imposto quanto à modificação unilateral por parte do concedente em relação à revisão anual de tarifas, não havendo, assim, qualquer modificação imprevista, estando o tribunal recorrido perfeitamente habilitado a decidir com segurança como decidiu, uma vez que os autos continham todos os elementos necessários para o efeito, não havendo que mandar prosseguir o processo, pois tal prosseguimento se antevia garantidamente inútil face à inexistência de factos alegados que fossem susceptíveis de influir a decisão a tomar. XIII. Diz, ainda, o Recorrente que, enquanto interessado, devia ter sido ouvido na decisão de alteração valor das tarifas, o que não tendo acontecido, tal decisão não lhe é oponível. XIV. Contudo, não se mostra alegada tal argumentação na contestação apresentada em juízo para que o juiz a devesse considerar, estando, por conseguinte, a mesma subtraída do conhecimento do Tribunal de recurso, pois, além de não ser de conhecimento oficioso, também não foi alegada em 1a instância, não integrando a sentença recorrida e, consequentemente, o objeto do recurso. XV. No entanto, para o caso de assim não se entender, dir-se-á, por mera cautela de patrocínio, que no caso vertente, não se está perante um procedimento administrativo desencadeado por um ente público, mas perante contratos administrativos fruto de acordos de vontade, onde se encontra, expressamente, prevista, sem procedimento de audiência prévia, a revisão anual das tarifas, cuja alteração apenas está dependente da prévia aprovação do concedente, o que sempre levaria à improcedência da questão suscitada. XVI. A douta sentença recorrida não merece, pois, qualquer reparo, devendo, por conseguinte, ser mantida nos seus precisos termos, já que não violou nenhum preceito legal. Termos em que deverá julgar-se improcedente o recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se, consequentemente, a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, como é de JUSTIÇA.». * O Ministério Público foi notificado para os efeitos previstos no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA. * Sem vistos, nos termos do disposto no artigo 657.º, n.º 4, do CPC, foi o processo submetido à conferência para julgamento. * Questões a decidir O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações do recurso interposto, * Fundamentação O tribunal de primeira instância considerou provados os seguintes factos: «1 2 3. 4. 5. 6. Na mesma data, as duas entidades celebraram também um contrato de recolha, no qual a A. se obriga a recolher efluentes provenientes do sistema próprio do R., mediante o pagamento de tarifas devidas (DOC. 3).7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. «Quadro no original» (Doc. 5)
E referente ao serviço de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes, foi emitida, em 17 de Setembro de 2010, a nota de débito n° …………., no valor de 57.527,18 €, com IVA incluído à taxa de 6%, vencida em 16 de Novembro de 2010, relativa ao acerto de tarifa resultante da diferença entre caudais facturados, no período de Janeiro a Agosto de 2010, no volume global de 626.685 m3, à tarifa de 0,5776 €/m3, aprovada para o ano 2009, e a tarifa de 0,6642 €/m3, aprovada para vigorar no ano 2010, volume que se encontra discriminado nas facturas com os números e datas de emissão constantes do quadro seguinte:14. «Quadro no original» (Doc. 6)
No entanto, a A., devido a erro na aplicação da taxa de IVA nas notas de débito acima referidas, emitiu, em 18 de Novembro de 2010, as notas de crédito n°s ………… e ………….., no valor de 177,97 € e 450,93 €, respectivamente, relativas à correcção da taxa de 6% para 5% de IVA, (Docs. 7 e 8).».15. * Em litígio nos presentes autos está, apenas, a atualização/acerto das tarifas, correspondentes ao fornecimento de água e recolha de efluentes, operada por despacho da Ministra do ambiente e do ordenamento do território, de 28 de julho de 2010, que determinou que a tarifa a aplicar, nesse ano, fosse de 0,6909€/m3 para a atividade de abastecimento, e de 0,6642€/m3 para a atividade de saneamento. O tribunal a quo julgou a ação procedente, considerando que a revisão de tarifas se enquadra nos poderes de modificação unilateral do contrato pelo concedente, nos termos do disposto nas cláusulas 16.ª e 17.ª do contrato de concessão e da cláusula 3.ª dos contratos de fornecimento e de recolha, decorrendo, ainda, do DL n.º 195/2009, de 20.08, que a revisão, anual, coincide com o ano económico e produz efeitos a partir do início desse ano, nos termos do disposto no artº 4º e nº 2 da base XV por ele alterada, no que toca à matéria de fornecimento de água; artº 6º e nº 2 da base XXIX por ele alterada, no que toca a efluentes), o que verte sobre os contratos de concessão em vigor (art.º 10º). A recorrente insurge-se contra o assim julgado, invocando, por um lado, que a sentença é nula por não ter sido dada ao recorrente a possibilidade de apresentar elementos de prova que sustentassem os factos que alegou na contestação, que o tribunal incorreu em erro de julgamento por ter desconsiderado que na fixação das tarifas devem ser observados os princípios da proteção dos interesses dos utilizadores, gestão eficiente do sistema e equilíbrio económico-financeiro da concessão e, por fim que a decisão que procedeu à revisão das tarifas devia ter sido precedida de audiência prévia do município, nos termos do disposto no artigo 100.º do CPA, na redação vigente à data. Vejamos. i) Da nulidade da sentença O município recorrente veio alegar que o tribunal a quo não lhe facultou a possibilidade de apresentar elementos de prova que sustentassem os factos que alegou na contestação, quais sejam os referentes à circunstância de os medidores terem contabilizado quantidades de efluentes muito superiores aos que resultaram dos fornecimentos de água aos munícipes, na medida em que considera no caudal, designadamente as águas pluviais. Sucede, porém, que compulsado o teor da contestação apresentada, a factualidade vertida na alegação de recurso, relativamente à qual o recorrente sustenta ter sido quartado o direito à apresentação de elementos probatórios não consta daquele articulado. Na verdade, o município, aqui recorrente, limitou a defesa apresentada à questão da atualização/acerto das tarifas aplicáveis, sustentando que não foram observados os princípios da proteção dos interesses dos utilizadores, gestão eficiente do sistema e equilíbrio económico-financeiro da concessão, acrescentando ter sido omitido o acordo do réu, quanto aos valores respetivos. Na verdade, na sentença foram fixados os factos relevantes para a decisão do litígio, no qual, como o tribunal a quo bem identificou, apenas estava em causa o acerto das tarifas. Acresce que a alegação do recorrente não tem amparo nas causas de nulidade da sentença enunciadas no artigo 615.º, n.º 1, do CPC, senão vejamos. Nos termos daquela disposição, 1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. A alegação do recorrente não se reconduz a nenhuma das situações acima elencadas passíveis de determinar a nulidade da sentença, cuja arguição deve improceder, na totalidade. ii) Do erro de julgamento ii.i) O recorrente alegou que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por ter julgado a ação procedente, condenando o município no pagamento das faturas cujos montantes refletem a atualização das tarifas respeitantes ao ano de 2010, para o que alegou que o tribunal devia ter considerado que essa atualização não observou os princípios da proteção dos interesses dos utilizadores, gestão eficiente do sistema e equilíbrio económico-financeiro da concessão. A respeito da atualização das tarifas no âmbito do contrato de concessão, celebrado entre a aqui autora e o Estado Português, e dos contratos de fornecimento e recolha celebrados ao abrigo daquele, importa atentar ao clausulado respetivo. Nos termos da cláusula 3.ª dos contratos de fornecimento e recolha, o regime tarifário a aplicar ao Município reger-se-á pelo estabelecido no contrato de concessão. No contrato de concessão estabelece-se, a propósito, na cláusula 17.ª, que nos anos subsequentes ao arranque da medição, sem prejuízo do n° 1 da cláusula anterior, a alteração do preço do metro cúbico de água e de efluente depende sempre de prévia aprovação do concedente, cabendo à concessionária apresentar para o efeito um projecto devidamente fundamentado. No n.º 2 determina-se que o projeto de alteração deve respeitar os critérios definidos nos números 5 e 6 e inserir-se no orçamento anual submetido à aprovação do concedente, até ao final do mês de setembro do ano anterior, com detalhe de proveitos e custos de exploração previsionais, sendo acompanhado por parecer do auditor, aceite pelo concedente, sobre a respetiva razoabilidade. No tocante aos critérios enunciados nos números 5 e 6 da referida cláusula 17.ª, temos que aí se refere que 5. O cálculo da tarifa média anual de referência resultante da alteração, a propor à aprovação do concedente, englobará, de acordo com o disposto na cláusula 15a e em escrita conformidade com os planos e orçamentos previsionais aprovados, os -seguintes custos e encargos: a) A anuidade de amortização do capitai social investido, resultante da 'divisão do capital social pelo número de anos da concessão; b) A anuidade de- amortização do valor dos investimentos iniciais a cargo da concessionária cão financiados por capital social, deduzidos dos subsídios a fundo perdido recebidos; c) O custo de amortização anual de investimentos de expansão a cargo da concessionária, que tenham sido aprovados ou impostos pelo concedente; d) O montante do reforço anual do fundo de renovação, bem como outros custos aprovados pelo concedente inerentes a investimentos de substituição eventualmente superiores a sua mobilização: e) As despesas de manutenção e reparação de bens e equipamentos afectos à concessão; f) As despesas gerais anuais de exploração da concessionária diretamente relacionadas com o objecto da concessão; g) Os encargos financeiros anuais decorrentes do esquema de financiamento da concessionária por capitais alheios, bem como os decorrentes de garantias e avales a prestar a terceiros; h) Os encargos fiscais anuais presumíveis correspondentes à incidência da taxa do imposto (IRC) sobre os resultados antes de impostos; i) Outros encargos anuais correntes, nomeadamente os inerentes às servidões, conforme a cláusula 21.ª; j) Os encargos anuais resultantes do funcionamento do IRAR, nos termos da lei; l) A margem anual necessária à remuneração adequada dos capitais próprios, a qual corresponderá à aplicação, ao capital social e reserva legal, de uma taxa correspondente à rentabilidade das Obrigações do Tesouro portuguesas a 10 anos ou outra equivalente que a venha substituir, acrescida de 3 pontos percentuais a titulo de prémio de risco, sendo essa remuneração devida desde a data de realização do capital social. 6. Serão obrigatoriamente abatidos aos custos e encargos anuais os proveitos previsionais não decorrentes da própria cobrança tarifaria, nomeadamente proveitos suplementares, eventuais subsídios à exploração e proveitos financeiros exceptuando os referentes aos rendimentos do fundo de renovação. Resulta dos factos provados que por despacho de 28 de julho de 2010 da Ministra do ambiente e do ordenamento do território foram alteradas as tarifas a praticar pela autora, relativamente ao ano de 2010, para o valor de 0,6009€/m3 para a atividade de fornecimento e para o valor de 0,6642€/m3 para a atividade de recolha (cfr. 12 do probatório assente). Nos termos da disciplina enunciada acima, os critérios a levar em consideração na atualização das tarifas são os enunciados nos números 5 e 6 da cláusula 17.ª, de acordo com o previsto na cláusula 15.ª, em cujo número 1 se determina, quanto à fixação das tarifas ou montantes garantidos, que as tarifas ou valores garantidos serão fixados por forma a assegurar a protecção dos interesses dos utilizadores, a gestão eficiente do sistema, o equilíbrio económico- financeiro da concessão e as condições necessárias para a qualidade do serviço durante e após o termo da concessão. O recorrente veio alegar que a atualização das tarifas não observou os princípios da proteção dos interesses dos utilizadores, gestão eficiente do sistema e equilíbrio económico-financeiro da concessão. Mas essa alegação não foi concretizada, nem no recurso nem na ação. O recorrente limitou-se a alegar que esses princípios devem ser observados na fixação do valor das tarifas sem concretizar, minimamente, em que medida os referidos princípios foram violados com o acerto do valor tarifário que se operou através do despacho de 28 de julho de 2010 da Ministra do ambiente e do ordenamento do território. Não tendo sido sustentada a alegação recursiva não pode sobre ela incidir um juízo de procedência, como preconizado pelo recorrente, decaindo o recurso, também nesta parte. ii.ii) Por fim, veio o recorrente alegar que a decisão que procedeu à revisão das tarifas devia ter sido precedida de audiência prévia do município, nos termos do disposto no artigo 100.º do CPA, na redação vigente à data. A recorrida contra-alegou referindo que a questão não foi suscitada perante o tribunal de 1.ª instância, estando, por isso, o seu conhecimento subtraído ao tribunal de apelação. Com razão. Compulsada a contestação, verifica-se que o recorrente não suscitou a questão da alegada preterição da audiência dos interessados quanto à fixação do montante do tarifário atualizado. Alegou, no artigo 13.º da contestação, que tal aumento das tarifas não foi acorado com o R., alegação que não se confunde que a aludida preterição da audiência dos interessados, prevista nos artigos 100.º, e ss., do CPA vigente à data, a que não foi feita qualquer referência naquele articulado de defesa. Tratando-se de questão não suscitada, nem conhecida, pelo tribunal de 1.ª instância, configura uma questão nova, cujo conhecimento está vedado ao tribunal de apelação. Ao tribunal de apelação cabe apenas conhecer das questões que tenham sido colocadas perante o tribunal recorrido e sobre as quais este tenha tido oportunidade de tomar conhecimento, com exceção daquelas que sejam do conhecimento oficioso. Neste sentido, o vertido no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (P.º4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, 8.10.2020), em cujo sumário se referiu que: «I - Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido. II - As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida. (…)»; E particularmente esclarecedor se mostra o vertido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, (P.º 212/16.5T8PTL.G1, 8.11.2018), cujo sumário se reproduz: «1. Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova. 2. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido. 3. A única excepção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes. 4. Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objecto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer. É um caso de extinção do recurso por inexistência de objecto.». Assim, por a questão da preterição da audiência dos interessados nos termos do artigo 100.º do CPA não ter sido identificada nos articulados nem conhecida pela sentença recorrida, não será objeto de conhecimento por este tribunal de apelação. * Em face de tudo o que ficou expendido, deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida. As custas serão suportadas pelo recorrente em razão do decaimento, que foi total (artigo 527.º, do CPC). Decisão Por tudo o que vem de ser expendido, acordam em conferência os juízes que compõem a presente formação da subsecção de Contratos Públicos da secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente (artigo 527.º, do CPC). Registe e notifique. Lisboa, 6 de novembro de 2025 Ana Carla Teles Duarte Palma (relatora) Paula de Ferreirinha Loureiro Jorge Pelicano |