Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:98/21.8BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:INIMPUGNABILIDADE DA DECISÃO ARBITRAL
PRONÚNCIA INDEVIDA
RECURSO DE REVISÃO
CASO JULGADO
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:I - Infere-se do teor literal do normativo 27.º do RJAT, e da sua ratio legis, que a expressão “decisão arbitral” visa, tão-só, integrar, a decisão final e não uma decisão interlocutória.
II - É admissível a impugnação da decisão arbitral que põe termo ao recurso extraordinário de revisão por falta de verificação dos pressupostos legais atinentes ao efeito, porquanto é uma decisão final passível de subsunção normativa no artigo 27.º do RJAT, e abstratamente enquadrável no fundamento da “pronúncia indevida”, previsto na 1.ª parte da alínea c), do artigo 28.º, n.º 1 do RJAT.
III - O erro de julgamento está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal. A propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma.
IV - Se o Tribunal Arbitral se reconstitui para apreciar um pedido de revisão com fundamento em oposição da decisão arbitral revidenda já transitada com jurisprudência do TJUE, mas decide que o pedido não apresenta fundamento válido de revisão, tal consubstancia eventual erro de julgamento, assente numa desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, donde radicada no mérito e, portanto, cerceada a este Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Impugnante), deduziu impugnação ao abrigo dos artigos 27.º, e 28.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), dirigida a este Tribunal visando a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo no âmbito do processo 454/2017-T, que indeferiu o requerimento de Recurso de Revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA).


***

A Impugnante formula as seguintes conclusões:

“A. A decisão que indeferiu o Recurso de Revisão apresentado pela agora Impugnante é nula por configurar uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial, e por assentar numa interpretação inconstitucional dos normativos aplicáveis.

B. E, nessa medida, é impugnável, nos termos do disposto na primeira parte da alínea c) do artigo 28.º do RJAT, por pronúncia indevida.

C. Está jurisprudencialmente assente que a questão da incompetência dos tribunais arbitrais integra-se no conceito de “pronúncia indevida”, enquanto fundamento para a dedução de Impugnação de Decisão Arbitral, a título meramente exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do TCAS, proferido em 03/12/2020 no âmbito P. 123/19.2BCLSB, e 177/2016 do TC, proferido em 29/03/2016.

D. Pelo que o conceito de “pronúncia indevida” previsto no artigo 28.º/1-c), 1.ª parte, do RJAT, abrange os casos em que, por via da impugnação, se pretende a sindicância de questões referentes à competência do tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD.

E. As questões referentes à competência tanto podem dizer respeito aos casos em que o tribunal arbitral não podia sequer decidir, por vício na sua constituição; conheceu de questões que não podia conhecer; conheceu de questões que podia conhecer, mas excedeu a sua competência; conheceu de questões que podia conhecer, mas excedeu o prazo para as conhecer; ou, como interessa para os presentes autos e para esta impugnação, os casos em que o tribunal arbitral não se considera ele próprio competente para apreciar a questão.

F. A decisão ora em crise, de indeferimento do requerimento de Recurso de Revisão, afigura-se como um colocar-se à margem das competências que a lei processual lhe comete em matéria do excecional Recurso de Revisão.

G. E tal é manifesto quando afirma que a AT “(…) nem sequer explica qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado ‘uma instância de recurso”.

H. Ainda que tal correspondesse à verdade, o que não se concede, é inquestionável que não cabe à Impugnante explicar a um órgão jurisdicional as noções básicas de organização judiciária portuguesa, até porque foi invocado todo o arsenal legal, doutrinário e jurisprudencial necessário para a formação de tal juízo.

I. A decisão ora colocada em crise consubstancia uma evidente “pronúncia indevida”, na dimensão negativa do conceito, isto é, na recusa do CAAD em cumprir as competências que a lei lhe comete, com o culminar de uma decisão de natureza exclusivamente processual pela qual o Tribunal Arbitral se coloca, ilegalmente, à margem do sistema jurídico, enveredando, para tanto, numa “pronúncia indevida”.

J. Consubstanciando a sua posição no facto de, alegadamente, o TJUE não ser uma “instância internacional de recurso” para efeitos da legislação processual portuguesa, de o acórdão proferido pelo STA, no âmbito do processo 0360/13, não ser aplicável ao caso vertente, e, por fim, por nos processos de Reenvio Prejudicial, o TJUE não funcionar enquanto instância de recurso, mas sob as vestes de colaboração de juízes.

K. Porém, e salvo o devido respeito, nenhum dos argumentos apresentados pode proceder.

L. O primeiro, e como se deixou bem expresso na presente Impugnação, não é verdadeiro, e, inclusive, é contrariado pela doutrina e pela jurisprudência, o “(…) TJUE é uma instância internacional vinculativa para o Estado português”, pois ainda que não integre a organização judiciária nacional, constitui, a par do TEDH, uma instituição judicial cujas decisões, em resultado dos tratados internacionais de que o Estado Português subscreveu e se obrigou a cumprir não deixam de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa.

M. É, precisamente, neste sentido que deve ser interpretado o conceito de “instância internacional de recurso”, e não na dimensão redutora empregue pelo Tribunal Arbitral.

N. Também não colhe o argumento segundo o qual o acórdão do STA, invocado pela Impugnante, não é aplicável à situação em apreço pelo facto de ali estar subjacente uma ação por incumprimento e aqui um Reenvio Prejudicial.

O. Em primeiro lugar porque o Tribunal Arbitral não logrou fundamentar as motivações que subjazem a tal conclusão.

P. Seja como for, certo é que, estando em causa a interpretação de normas comunitárias (como é o caso do IVA), obviamente que nem a espécie processual, nem o autor da ação poderiam (e poderão), por si só, constituir fatores determinantes para o acesso, ou não, ao instituto do Recurso de Revisão.

Q. Não se vislumbra uma razão objetiva e válida que justifique uma diferença de tratamento recursório entre uma ação por incumprimento e um Reenvio Prejudicial para efeitos do acionamento do artigo 696.º-f) do CPC.

R. Antes pelo contrário, a doutrina produzida sobre esta matéria não tem dúvidas quanto à aplicação do artigo 696.º-f) do CPC, independentemente de a decisão do TJUE ser o culminar de uma ação por incumprimento ou de um Reenvio Prejudicial.

S. Também a jurisprudência está alinhada com a posição doutrinal, conforme decidido pelo TCA Norte, em 03/12/2020, no âmbito do P. 00036/11.6BEPNF-A.

T. Quanto à afirmação de que o TJUE apenas funciona sob as vestes de colaboração de juízes, e tomando por base tudo o que se disse anteriormente, naturalmente também este argumento não tem sustentação.

U. Não existem dúvidas que a União Europeia não constitui uma federação e tão-pouco possui um tribunal federal, assim como não possui um sistema de tribunais próprios, com vista à aplicação exclusiva do seu direito.

V. E que na ausência de tal sistema, a arquitetura jurisdicional da União Europeia assenta nos tribunais nacionais existentes nos Estados-Membros.

W. Entre o TJUE e os tribunais nacionais existe uma relação de cooperação horizontal, o que, como se viu, não invalida que o TJUE seja instância internacional vinculativa para o Estado Português, designadamente nas situações de Reenvio Prejudicial, ou seja, quando perante um órgão jurisdicional nacional foi suscitada uma questão de interpretação nova e que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia, como, aliás, já se pronunciou o TC no Acórdão n.º 422/2020, de 15/07/2020.

X. Assim, é evidente que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia.

Y. O que se traduz na circunstância de os tribunais nacionais, incluindo os constituídos sob a égide do CAAD, ficarem vinculados à interpretação decidida pelo TJUE, não só nos respetivos reenvios prejudiciais, mas também nas situações em que estão reunidos os pressupostos de que depende o recurso extraordinário de Revisão, como in casu, pois o que aqui está em causa não é mais do que a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da União Europeia e a garantia do primado do direito europeu.

Z. Razão pela qual se entende que o argumento invocado pelo Tribunal Arbitral configura uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial.

AA. Acresce ainda referir que o artigo 696.º-f) do CPC, em articulação com o artigo 293.º/1 do CPPT e o artigo 29.º/1-e) do RJAT, é inconstitucional, na interpretação normativa de que o TJUE não constitui uma “instância internacional de recurso”, designadamente nas situações em que profere um acórdão em resultado de um Reenvio Prejudicial, por violação dos artigos 8.º/4, 204.º, 3.º e 20.º/1 e da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

BB. A forma como o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou as citadas normas é, desde logo, atentatória do dever de observância do Direito Europeu (artigo 8.º/4 da CRP) e, nessa medida, inconstitucional (artigo 204.º da CRP), uma vez que, tal como tem sido reiteradamente referido pela jurisprudência nacional e é corolário do Reenvio Prejudicial (previsto no artigo 267.º do TFUE), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia.

CC. E colocou em causa a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da União Europeia, a par da garantia do primado do Direito Europeu.

DD. A interpretação e aplicação efetuadas pelo Tribunal Arbitral viola os princípios da legalidade e da tutela jurisdicional efetiva, pois negou à Impugnante o exercício de meios de reação legais expressamente consignados na lei e cujos pressupostos estão reunidos.

EE. E dessa forma está a colocar-se à margem de normas de Direito Europeu e à jurisdição comunitária, pese embora saiba que o nosso sistema jurídico está obrigado a acolhê-las, olvidando, por completo, o papel que cabe a todos os órgãos jurisdicionais de zelarem e aplicarem o Direito da União Europeia, de que o IVA é clássico exemplo.

FF. Por todo o exposto conclui-se que a decisão que rejeitou o Recurso de Revisão é nula, devendo ser substituída por decisão que admita o Recurso e analise os fundamentos ali aduzidos.

GG. Aqui chegados e, tendo em conta que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia e, bem assim, que as decisões prejudiciais têm efeito «EX-TUNC» (e não «EX-NUNC»), pelo que a interpretação veiculada é obrigatoriamente aplicável com efeitos retroativos, isto é, desde que a(s) normas(s) interpretada(s) vigora(m) no ordenamento jurídico,

entende a Impugnante que um interpretação conjugada dos artigos 696.º-f) do Código de Processo Civil, 293.º/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário e 29.º/1-e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que resulte na não admissão de recurso de revisão, com base no entendimento de que o Tribunal de Justiça da União Europeia não é uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, viola os artigos 8.º/4, 204.º, 3.º e 20.º/1 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que é contrária ao Primado do Direito da União e ao Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, sendo assim inconstitucional, inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


***

A Impugnada Health Clube – C…, Unipessoal, Lda, devidamente notificada, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“1. No processo 454/2017-T, o Tribunal Arbitral CAAD julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela sociedade, ora Impugnada.

2. O Tribunal Arbitral CAAD deu razão à sociedade, ora Impugnada, e proferiu sentença, datada de 2 de Abril de 2018, onde anulou as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2015 e 2016, juros compensatórios e moratórios.

3. A referida decisão transitou em julgado não tendo sido objeto de recurso nos 30 dias que precederam a decisão.

4. Mais tarde, em 7 de Abril de 2021 – 3 (três) anos volvidos do trânsito em julgado, encontrando-se a decisão proferida já consolidada na ordem jurídica, veio a Autoridade Tributária, ora Impugnante, não se conformando com a decisão acima proferida, interpor recurso de revisão extraordinária.

5. Alegando, em suma, que havia sido proferido sobre a mesma matéria de direito, decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE), a 2021-03-04, no âmbito do processo nº C-581/19, invocando portanto a alínea f) do artigo 696º do CPC como fundamento do recurso;

6. No que respeito à impugnação da decisão arbitral, labora em erro a Autoridade Tributária quando refere no artigo 1º da sua impugnação da decisão que foi proferido um Acórdão do TJUE, no processo C-581/19, que teve por objeto a mesma questão fundamental de direito, com uma decisão alegadamente “inconciliável” com a que havia sido proferida pelo Tribunal Arbitral.

7. Ora, mais uma vez o Tribunal Arbitral-CAAD, deu razão à sociedade, ora Impugnada, e julgou o referido recurso de revisão extraordinária interposto pela Autoridade Tributária, ora Impugnante, como improcedente, de forma liminar.

8. Ainda assim a Autoridade Tributária não se conformando com a referida decisão de indeferimento liminar do recurso de revisão por si interposto veio impugnar a decisão arbitral junto do Tribunal Central Administrativo Sul, secção de contencioso tributário.

9. Ora como bem sabe, a Autoridade Tributária, ora Impugnante, as decisões arbitrais são, em regra, insuscetíveis de recurso, exceção feita aos artigos 28º e 29º do RJAT, não preenchendo a Autoridade Tributária, ora Impugnante, nenhum dos requisitos dos artigos em questão.

10. Mui douto foi o despacho proferido pelo Tribunal Arbitral CAAD, ao não admitir o recurso de revisão interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Impugnante.

11. O indeferimento do recurso de revisão da decisão arbitral foi liminar com os fundamentos, em suma, de que, em primeiro lugar, não há motivo para a revisão da decisão arbitral, uma vez que o TJUE não é órgão de recurso dos tribunais nacionais, em processos de reenvio prejudicial.

12. E, em segundo lugar, com base em que os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696.º do CPC, aplicável por remissão do n.º 1 do artigo 293.º do CPPT e da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, são taxativos, não se enquadram, portanto, no que concerne ao fundamento invocado pela Autoridade Tributária, ora Impugnante, em nenhuma das alíneas indicadas no n.º 1 do artigo 293º do CPPT.

13. No fundo, não sendo o TJUE um órgão de recurso das decisões dos tribunais nacionais, onde se inclui a CAAD, na qualidade de Tribunal Arbitral, e não preenchendo a Autoridade Tributária nenhuma das alíneas do CPC, nem do CPPT, para que fosse julgado admissível o recurso de revisão intentado, só poderia o Tribunal Arbitral -CAAD indeferir o recurso interposto pela Autoridade Tributária, ora Impugnante.

14. A decisão de indeferimento liminar refere ainda que o entendimento de que o TJUE não é um órgão de recurso dos tribunais nacionais, em caso de reenvio prejudicial, é também esse o entendimento do próprio TJUE, conforme decisão proferida pelo TJUE nesse sentido, nomeadamente, no Acórdão do TJUE, datado de 10-01-2006, proferido no processo n.º C-344/04.

15. A decisão do TJUE invocada de que o TJUE não é uma instância internacional de recurso, para além de ser o entendimento do próprio TJUE como o acórdão acima citado, é também esse o entendimento adotado pela doutrina e jurisprudência nacionais.

16. Conclui-se assim, que o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE não tem por finalidade revogar decisões, sendo que é isso que pretende a Autoridade Tributária, ora Impugnante, com a presente impugnação da decisão de indeferimento do recurso de revisão, que o recurso de revisão seja admitido e consequentemente que a decisão proferida em 1ª instância pelo Tribunal Arbitral-CAAD seja revogada.

17. Diz a decisão de indeferimento do recurso no presente processo principal 454/2017-T que o reenvio prejudicial não se confunde com as ações de incumprimento abrigo do artigo 258º do TFUE, e de acordo com a decisão arbitral ora proferida de indeferimento do recurso de revisão, de que o TJUE não é órgão de recurso nos processos de reenvio prejudicial.

18. Diz o Acórdão, em suma: “As intervenções do TJUE em processo de reenvio não são assumidas na veste de instância de recurso, mas sim de colaboração entre juízes, como tem afirmado, inclusivamente, o próprio TJUE.”

19. Conclui-se assim que os órgãos de reenvio, tribunais nacionais, onde se inclui o Tribunal CAAD, não estão hierarquicamente abaixo do TJUE e funcionam na base da cooperação e não da subordinação jurídica, nos processos de reenvio.

20. Não se pode confundir o pedido de reenvio para o TJUE com um recurso para a instância europeia.

21. Não há, portanto, nenhuma subversão da natureza do TJUE, nem do instituto do reenvio prejudicial, logo também não há, ao contrário do alegado pela Autoridade Tributária, qualquer nulidade da decisão arbitral a declarar.

22. Pelo que, o Tribunal Arbitral só poderia julgar e bem improcedente o recurso de revisão com este fundamento.

23. Sendo certo que, no presente caso, cumpre esclarecer que não houve lugar ao reenvio prejudicial.

24. Cumpre esclarecer que a decisão arbitral tributária tem o mesmo valor que uma decisão do tribunal judicial e vincula ambas as partes, quer a Autoridade Tributária, ora Impugnante, quer a sociedade, ora Impugnada.

25. A decisão arbitral proferida tem, pois, força de caso julgado e força executória.

26. De facto, esta força vinculativa da decisão arbitral resulta desde logo do preâmbulo do diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, bem como do artigo 24° do RJAT.

27. No Preâmbulo do Diploma é referido o seguinte: "Alínea l) a atribuição à sentença arbitral, que não tenha sido objeto de recurso ou de anulação, da mesma força executiva que é atribuída às sentenças judiciais transitadas em julgado."

28. Conforme transcrição do n° 1 do artigo 24° do RJAT: "A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente."

29. Ora, a Autoridade Tributária, ora Impugnante, notificada que foi da decisão arbitral, que lhe foi desfavorável, não deduziu impugnação, não interpôs recurso ou requereu a reforma ou retificação da decisão, nem tão pouco a aqui impugnada.

30. Logo a decisão arbitral aqui proferida transitou em julgado.

31. Assim, produziram-se os efeitos do caso julgado relativamente ao mérito da decisão arbitral proferida de que a Recorrente recorre, não sendo admissível, portanto,a presente impugnação com fundamento neste motivo.

32. Nos termos e para os efeitos tidos na alínea i) artigo 577° do código de processo civil, aplicável por força do artigo 29° do RJAT, o caso julgado é uma exceçãodilatória, que implica a improcedência da presente impugnação da decisão de indeferimento do recurso, verificando-se a exceção de caso julgado.

33. Ao abrigo do n° 2 do artigo 576° do CPC, também aplicável ex vi artigo 29° do RJAT, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância.

34. Sendo que a exceção dilatória é uma exceção de conhecimento oficioso do Tribunal, o que desde já a sociedade, ora Impugnada, requer que seja mui respeitosamente conhecida por V. Exas., Exmos. Senhores Drs. Mmos. Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 578° do CPC, aplicável por força do artigo 29° do RJAT.

35. Outra vertente do efeito material do caso julgado, ou seja, como autoridade a respeitar, o que se pretende é que as situações que já foram consolidadas não sejam novamente perturbadas, o que é manifestamente este o caso, porquanto, a presente decisão transitou em julgado e volvidos 3 (três) anos do trânsito em julgado, veio a Autoridade Tributária, ora Impugnante, interpor recurso de revisão e face ao indeferimento do recurso de revisão, veio agora impugnar a decisão de indeferimento, impugnação que não deve ser admitida, por inconstitucional e legalmente inadmissível.

36. O presente princípio da inatingibilidade do caso julgado encontra-se constitucionalmente consagrado nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 282° n° 3 da Constituição da república Portuguesa.

37. A norma constitucional proclama categoricamente o princípio da ressalva dos casos julgados, apenas admitindo as exceções previstas nessa norma (todas elas ligadas ao domínio do direito penal e do direito sancionatório público), e, nessa medida, insuscetíveis de aplicação analógica a outras áreas do ordenamento jurídico.

38. Insuscetível de aplicação analógica ao direito tributário.

39. Tal princípio decorre do princípio da certeza e segurança jurídicas das decisões judiciais, onde se inclui a decisão arbitral.

40. O outro relativo ao princípio da subsidiariedade, que nos diz que apenas ficam reservadas ao Tribunal da Justiça da União Europeia as competências insuscetíveis de serem atribuídas aos tribunais nacionais.

41. Como resulta claro no processo que correu termos no CAAD sob o n.° 159/2019-T. Decisão acompanhada no processo n.° 181/2019-T e bem assim em tantas outras citadas.

42. Ou seja, quando for suscitada uma questão de interpretação nova e que tenha um interesse geral para aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento para lidar com uma nova situação jurídica, o que não é o caso.

43. Não se trata, pois, de uma situação nova, nem de uma situação que não estivesse já esclarecida.

44. Porquanto existem inúmeros Acórdãos comunitários, que responderam diferentemente do entendimento da Autoridade Tributária, quanto à interpretação a dar ao artigo 9.° do CIVA, no sentido da isenção.

45. Acórdão Unterpertinger, C-212/01, n.°s 40 e 41, que se transcreve parte: "Embora desta jurisprudência decorra que as «prestações de serviços de assistência» devam ter objetivo terapêutico, isto não implica necessariamente que a finalidade terapêutica de uma prestação deva ser entendida num sentido demasiado estrito.

46. Também conforme os termos do n. ° 40 do acórdão Kügier, C-141/00, resulta da jurisprudência do TJUE que as prestações médicas efetuadas para efeitos de prevenção podem beneficiar de uma isenção ao abrigo do artigo 13. °. A. n.° 1, alínea c). da Sexta Diretiva e "[m]esmo quando se revele que as pessoas que se submeteram a exames ou a outras intervenções médicas com carácter preventivo não sofrem de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações no conceito de «prestações de serviços de assistência» está em conformidade com o objetivo de redução do custo dos cuidados de saúde, que é comum tanto à isenção prevista no artigo 13. °. n. ° 1. alínea b). da Sexta Diretiva como à prevista no mesmo número, alínea c) (v acórdãos, já referidos, Comissão/França, n. ° 23, Kügier, n.° 29, Dornier C- 45/01, n.° 43)" Ac. TJUE Unterpertinger, C-212/01, n.°s 40 e 41 (parte transcrita);

47. E ainda do acórdão Fruytier, C-334/14, n.° 21, que também se transcreve parte: "Daqui resulta que as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas beneficiam da isenção prevista no artigo 13. °, A, n. ° 1, alíneas b) e c) da Sexta Diretiva. Por conseguinte, ainda que esta disposição tenha campos de aplicação distintos, o seu objeto é regulamentar a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito (v acórdão Kiinikum Dortmund, C-366/12, EU:C:2014:143, n. °s 30, 31 e jurisprudência referida)";

48. Veja-se o acórdão Kiinikum Dortmund, C-366/12, n.° 30, "Daqui resulta que as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas beneficiam da isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alíneas b) e c), da Sexta Diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 20 de novembro de 2003, Unterpertinger, C-212/01, Colet., p. I-13859, n.°s 40 e 41; D'Ambrumenil e Dispute Resolution Services, C-307/01, Colet., p. I-13989, n.°s 58 e 59; e L.u.P.,

49. E ainda o acórdão Küglei, C-141/00, n.° 40, mais uma vez e de forma categórica dispõe que, "Segue-se que apenas podem beneficiar de isenção ao abrigo do artigo 13.°. A. n. ° 1, alínea c). da Sexta Diretiva as prestações de serviços de assistência efetuadas, fora do âmbito hospitalar, no exercício de profissões médicas e paramédicas, para fins de prevenção, de diagnóstico ou de cuidados, com exclusão das outras atividades relativas aos cuidados gerais e às prestações de economia doméstica.

50. Também já existem decisões, de direito interno, inclusive do CAAD, que interpretam de forma diferente o entendimento da Autoridade Tributária.

51. Vejam-se as decisões arbitrais da CAAD proferidas nos processos n°s 373/2018-T; 181/2019-T e 179/2019-T.

52. Não existiram dúvidas para o Tribunal Arbitral da decisão acima citada, que por sua vez cita outras decisões de igual sentido, proferidas pela CAAD igualmente, quanto ao direito comunitário a aplicar no presente caso e consequentemente quanto à isenção de IVA a aplicar aos serviços de nutrição prestados em health clubs.

53. Não existindo dúvidas de interpretação do direito comunitário, não há lugar ao reenvio, não havendo lugar ao reenvio prejudicial, cabe ao Tribunal Arbitral aplicar o direito nacional.

54. Como bem refere a Autoridade Tributária a decisão do TJUE seria vinculativa para o juiz nacional que procede ao reenvio.

55. Não procedendo o Juiz nacional ao reenvio não há qualquer vinculatividade ao Acórdão proferido pelo TJUE até porque existem outros Acórdãos do TJUE em sentido diverso e ainda poderão ser proferidos outros no futuro divergentes do agora invocado.

56. Sendo nesse caso, sempre em última instância, o Tribunal Arbitral o último órgão de decisão e não o TJUE.

57. Não há assim qualquer inconstitucionalidade, ao contrário do alegado pela Autoridade Tributária.

58. Não há qualquer violação do artigo 8° n° 4, ou do artigo 204° n° 3 ou ainda do artigo 20° n° 1 da Constituição da República Portuguesa.

59. Não há qualquer violação do primado do direito europeu pois é precisamente o direito europeu que estipula o que é o reenvio prejudicial no seu artigo 267° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

60. O artigo 267° do Tratado diz: "O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

61. "Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie."

62. Face ao teor da cláusula quando refere esse órgão "pode", quer isto dizer, que o referido órgão, neste caso o tribunal arbitral- CAAD pode ou não submeter a questão ao TJUE.

63. No presente caso o Tribunal Arbitral considerou, ser desnecessário, dado que considera que não há dúvidas sobre a interpretação da norma em questão- artigo 9° do CIVA.

64. Como referido também nas recomendações, o Acórdão do TJUE não substitui qualquer decisão arbitral proferida, porquanto, é o órgão jurisdicional nacional, neste caso o Tribunal Arbitral-CAAD, caso entenda proceder ao reenvio, que deve tirar as conclusões sobre a decisão do TJUE.

65. Pelo que a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça é vinculativa para o Juiz nacional que procede ao reenvio e, a contrario, não é vinculativa para o Juiz que entendeu não proceder ao reenvio prejudicial.

66. Igualmente, não há qualquer violação do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, pois é expressamente aceite, de forma unânime e, portanto, admitido em todas as legislações, em termos de direito comparado, que legislaram sobre a arbitragem, a regra da irrecorribilidade das decisões arbitrais, com raras exceções.

67. Não constituindo em si mesma essa regra uma violação do direito ao acesso à justiça.

68. As partes quando submetem uma questão para ser decidida pelo Tribunal arbitral assumem expressamente, apenas um grau de jurisdição em compensação de uma decisão mais célere, pelo que, renunciam ao direito ao recurso, casos excecionais que se ressalvam.

69. Não há qualquer denegação de justiça, pois foi decisão do contribuinte optar pela Arbitragem, bem sabendo da irrecorribilidade da decisão, tendo a Autoridade tributária, quando o Estado aderiu à Portaria de Vinculação perfeito conhecimento disso mesmo.

70. A constituição da República Portuguesa consagra o princípio que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

71. Também o artigo 9° da Lei geral Tributária concretiza o referido princípio da tutela jurisdicional efetiva no contencioso tributário.

72. No que respeita à irrecorribilidade das decisões arbitrais é hoje pacifico que tal princípio não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

73. Dada a opção de escolha do contribuinte em recorrer aos tribunais judiciais ou à arbitragem, bem sabendo o contribuinte, assim como a Autoridade Tributária, que quando o contribuinte opta pela Arbitragem o recurso ou impugnação da decisão proferida é limitado.

74. Por outro lado, sendo este o segundo fundamento do indeferimento do recurso de revisão, também conforme decisão arbitral que foi proferida no presente processo, o recurso de revisão é extraordinário e portanto excecional, conforme decisão: " tratando-se, neste artigo 696. ° do CPC, de normas excecionais que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral a ela constitucionalmente associada (n. ° 2 do artigo 205.° da Constituição da República Portuguesa), elas não podem ser aplicáveis analogicamente a situações não previstas (artigo 11. ° do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional e da União Europeia, proferidas por «instâncias de recurso."

75. Pois, o recurso extraordinário de revisão é, como o nome indica, um expediente extraordinário de reação contra uma decisão já transitada em julgado.

76. Sendo um, expediente extraordinário só é admitido quando preenche uma das alíneas do artigo 696° do CPC, pois, a Autoridade Tributária, ora Impugnante, não preencheu nenhuma das alíneas do artigo 696° do CPC.

77. Como referido a alínea f) do artigo 696° do CPC não é de aplicar ao presente processo, como acima melhor explicado, dado que o TJUE não é órgão de recurso.

78. Além de não ser órgão de recurso em processos de reenvio prejudicial, especificamente no presente processo não houve lugar a reenvio.

79. Entende, ainda, a sociedade, ora Impugnada, que nem sequer é de aplicar o artigo 696° do CPC.

80. Pois entende, a sociedade, ora Impugnada, que é de aplicar a norma especial, que é a que se encontra prevista no artigo 293° n° 2 do CPPT.

81. Ora na norma especial, artigo 293° no 2 do CPPT, não existe a alínea f) do artigo 696° do CPC, alínea invocada como fundamento do recurso de revisão interposto pela Autoridade Tributária, ora Impugnante, que veio a ser indeferido liminarmente.

82. Dispõe o artigo 293° n° 2 do CPPT, o seguinte: "Apenas é admitida a revisão em caso de decisão judicial transitada em julgado declarando a falsidade do documento, ou documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita, ou a falta ou nulidade da notificação do requerente quando tenha dado causa a que o processo corresse à sua revelia."

83. Pelo que, apenas podem ser fundamento de pedido de recurso de revisão, em processo tributário, os fundamentos acima mencionados, previstos no artigo 293° n° 2 do CPPT (caso o mesmo fosse aplicável às decisões arbitrais) e não os mencionados no artigo 696° n° 1 do CPC, aplicáveis ao processo civil.

84. A saber apenas são fundamentos de recurso de revisão em termos tributários, os seguintes:

85. A decisão judicial transitada em julgado declarando a falsidade do documento; o que não é o caso;

86. Documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita;

87. O que também não é o caso, as decisões judiciais não podem ser consideradas documentos novo, aliás, essa é a interpretação dada pela jurisprudência maioritária em comentário ao Código de Processo Civil anotado quanto à alínea c) do artigo 696° n° 1 do CPC.

88. Falta ou nulidade da notificação do requerente quando tenha dado causa a que o processo corresse à sua revelia, também não se verifica.

89. Pelo que, forçosamente se conclui que os fundamentos de revisão previstos no artigo 293° n° 2 do CPPT são mais restritos dos que os previstos no artigo 696° n° 1 do C.P.C.

90. Sendo legalmente inadmissível o fundamento invocado pela Autoridade Tributária, ora Impugnante, para efeitos de interposição do recurso de revisão, por não ter fundamento em nenhuma das alíneas previstas no artigo 293° do CPPT, único artigo aplicável ao caso (e não o artigo 696° CPC).

91. Existindo, assim, norma especial- artigo 293° CPPT- não há razão para que o recurso de revisão interposto se fundamente em norma geral, nomeadamente, se fundamente no artigo 696° n° 1, alínea f) do CPC: "Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativas para o Estado Português”, como fez a Autoridade Tributária no presente processo.

92. Efetivamente aplica-se o princípio de que a norma especial derroga a norma geral, é de aplicar a norma especial em detrimento da norma geral.

93. Não existindo no artigo 293° do CPPT igual norma correspondente à alínea f) do n° 1 do artigo 696° do CPC, como se constata, não pode o presente recurso ser admitido por falta de fundamento legal, devendo como tal V. Exas. julgar a presente impugnação improcedente já que o indeferimento do recurso de revisão verifica-se por falta de fundamento legal previsto na norma especial aplicável ao processo tributário.

94. Nesse sentido ver Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.11.2016, cuja relatora é a Mma. Juiz, Exma. Sra. Dra. Catarina Almeida e Sousa, disponível em ww.dgsi.pt,

95. Verifica-se uma tensão entre dois direitos fundamentais, o da segurança jurídica e o da justiça, sendo que o caso julgado da decisão arbitral proferida só pode ser derrogado em casos excecionais e legalmente previstos, o que não é caso.

96. Considera a Impugnante verificar-se uma situação de pronúncia indevida, em virtude de, na sua perspetiva, o tribunal arbitral se ter colocado à margem das competências que a lei processual lhe acomete, em matéria de recurso de revisão.

97. Nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, a decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma.

98. Assim, nos termos desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em: “a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; b) oposição dos fundamentos com a decisão; c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia; d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”.

99. Atento o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT].

100. Assim, um dos fundamentos que podem sustentar uma impugnação de decisão arbitral é a existência de pronúncia indevida.

101. No âmbito do contencioso impugnatório de decisões arbitrais o conceito de pronúncia indevida é mais amplo do que o de excesso de pronúncia, nele se incluindo designadamente as situações em que é suscitada a incompetência material dos tribunais arbitrais.

102. A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 29.03.2016, no qual foi julgada inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT, na interpretação normativa de que o conceito de “pronúncia indevida” não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral. Sublinhou-se neste aresto que “as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco”.

103. No caso concreto, como resulta da factualidade assente, o tribunal arbitral indeferiu o recurso de revisão apresentado pela ora Impugnante, em virtude de ter considerado que o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)invocado pela AT “não consubstancia um fundamento válido de recurso de revisão, uma vez que não é proferido por uma ‘instância internacional de recurso’”.

104. O recurso de revisão é um recurso extraordinário, que visa “combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto”, sendo considerado como um recurso de reparação. É essa especial gravidade que admite a cedência da certeza e da segurança jurídica conferida pelo princípio do caso julgado.

105. Em termos de enquadramento legal, no âmbito do contencioso tributário, é desde logo de atentar no disposto no art.º 293.º do CPPT, nos termos do qual: “1 - A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão, com qualquer dos fundamentos previstos no Código de Processo Civil, no prazo de quatro anos, correndo o respetivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida. (…) 3 – O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária”.

106. Na sua redação originária, o n.º 2 do art.º 293.º do CPPT continha um elenco dos fundamentos suscetíveis de sustentarem um recurso de revisão (ainda que complementado pelo elenco constante do CPC, subsidiariamente aplicável).

107. Com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, passou o n.º 1 a remeter diretamente para o regime do CPC nesse aspeto.

108. Assim, nos termos do art.º 696.º do CPC: “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções; b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida; c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida; d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou; e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior; f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português; g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude. h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte”.

109. O recurso de revisão deve ser apresentado no prazo de 30 dias (cfr. art.º 293.º, n.º 3, do CPPT) e dentro do prazo de quatro anos a contar do trânsito em julgado da decisão revidenda (cfr. art.º 293.º, n.º 1, do CPPT), no tribunal que proferiu tal decisão (cfr. art.º 697.º, n.º 1, do CPC).

O mencionado prazo de 30 dias é contado nos termos das três alíneas do art.º 697.º, n.º 2, do CPC. Trata-se de um prazo de caducidade, contado atendendo ao disposto no art.º 279.º do Código Civil.(8)

O recurso de revisão pode ser liminarmente indeferido, como resulta do disposto no n.º 1 do art.º 699.º do CPC. Esse indeferimento liminar pode, desde logo, resultar da falta legitimidade ativa, da circunstância de a decisão não ter transitado em julgado e de terem sido excedidos os prazos previstos.

110. Por outro lado, nos termos do n.º 1 do art.º 699.º do CPC, o recurso pode ser imediatamente indeferido, caso não tenha sido instruído nos termos exigidos (cfr. art.º 293.º, n.º 3, do CPPT, e art.º 698.º do CPC) ou quando de imediato se reconheça que não há motivo para revisão.

111. Ora, in casu, o que resulta da decisão impugnada foi que o tribunal arbitral considerou que não havia motivo para a revisão, com os fundamentos já expostos (entender que o TJUE não é instância de recurso na concreta situação alegada).

112. Ou seja, o tribunal arbitral considerou-se competente para apreciar o recurso de revisão, mas, no entanto, bem ou mal, não nos cumpre nesta sede apreciar, indeferiu-o. Pronunciou-se sobre o requerido, mas considerou não se verificarem os respetivos pressupostos.

113. Portanto, o invocado pela AT não consubstancia qualquer pronúncia indevida, consubstanciando, na verdade, um alegado erro de julgamento, matéria arredada da apreciação deste TCAS.

114. Neste sentido já se pronunciou o TCAS, em Acórdão de 27.10.2022 (Processo: 79/21.1BCLSB),

115. Ora, assim como o recurso de revisão é um meio excecional também a impugnação da decisão arbitral só é admitida em casos excecionais, dada a regra geral da irrecorribilidade das decisões arbitrais em matéria tributária.

116. Porquanto, o legislador quis expressamente limitar os recursos admissíveis das decisões proferidas por tribunais arbitrais aos recursos previstos nestes artigos 25° a 28° do RJAT, essencialmente, por questões de celeridade processual.

117. Veja-se nesse sentido o D. Lei n° 10/2011 de 20 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124° da Lei n° 3-B/2010, de 28 de Abril (orçamento do Estado para 2010), na versão introduzida pelos artigos 228° e 229° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de Dezembro (orçamento de estado para 2013), diploma que refere o seguinte, conforme transcrição parcial do texto: (...) "Em quarto lugar, acolhe-se como regra geral a irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais."

118. O legislador gizou a arbitragem como um direito potestativo dos contribuintes, dando-lhes assim duas hipóteses de escolha: processo arbitral ou impugnação judicial. Caberá ao contribuinte medir e pesar os riscos e consequências da sua opção, sendo a regra da irrecorribilidade do mérito da decisão arbitral um deles. Não se vislumbra, pois, qualquer inconstitucionalidade, ou sequer injustiça, na consagração desta regra."

119. Conclui-se que o recurso da decisão arbitral é excecional e encontra-se tipificado expressamente, não há lugar a aplicações ou interpretações extra legem, dado que não foi essa a opção do legislador.

120. Sendo o recurso da decisão arbitral excecional e não se encontrando prevista a alínea f) do artigo 696° do CPC no artigo 293° nº 2 do CPPT, não pode ser legalmente admissível.

121. Também a impugnação da decisão de indeferimento do recurso de que a Autoridade Tributária, ora Impugnante, lança mão, tem de estar expressamente prevista e preencher as alíneas a que se reporta, o que não se verifica no presente caso.

122. Consagrou o legislador apenas dois mecanismos de reação/controlo das decisões arbitrais tributárias, a ação de impugnação (artigo 27 RJAT) e o recurso (artigos 25° e 26° do RJAT).

123. Assim, a ação de impugnação da decisão arbitral, apesar se ser encarada com uma exceção à regra da irrecorribilidade, é admitida, no entanto, esse controlo a efetuar sobre a decisão arbitral proferida será apenas e só restrito aos aspetos formais (procedimentais e/ ou processuais) que enfermam a decisão.

124. Não se trata assim de um meio processual em que há um controlo por um Tribunal superior do mérito da decisão, o que parece ser manifestamente a intenção e o que pretende a Autoridade Tributária, ora Impugnante, com a presente impugnação.

125. A intenção de controlar o mérito da decisão arbitral proferida pela CAAD não é legalmente admitida, por um lado, pela regra geral de inadmissibilidade do recurso, e por outro lado, admite-se a impugnação da decisão arbitral, a título excecional, mas apenas e só relativamente a aspetos formais processuais e procedimentais e não a aspetos substantivos. 126. Tratam-se apenas de vícios formais, aqueles que são apreciados na impugnação da decisão e não de vícios de mérito, no caso da impugnação anula-se a decisão e no recurso substitui-se a decisão.

127. Sendo certo que, esses aspetos procedimentais e/ou processuais que alegadamente enfermaria a decisão arbitral proferida, encontram-se tipificados no artigo 28° n°1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

128. Ora, artigo 28° n° 1 do RJAT exige que a Impugnante, neste caso, a Autoridade Tributária, preencha taxativamente como fundamentos da impugnação da decisão de indeferimento, um dos seguintes fundamentos: 1- Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; 2-Oposição dos fundamentos com a decisão;3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia; 4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no art°.16, do diploma.

129. Ora, não houve pelo Tribunal arbitral-CAAD na decisão de indeferimento do recurso de revisão interposto pela Autoridade Tributária, decisão agora impugnada, qualquer falta de fundamentação de facto e de direito da decisão; Não houve oposição dos fundamentos com a decisão e; Não houve qualquer pronúncia indevida ou omissão de pronúncia. Tão pouco houve violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes.

130. Sendo que os fundamentos elencados na norma são apenas e só seis e são como referido taxativos.

131. Desses seis fundamentos invocou a Autoridade Tributária, ora Impugnante, para efeitos de admissibilidade da presente impugnação a alínea c) do n° 1 do artigo 28° do RJAT, nomeadamente, a alegada "pronúncia indevida".

132. Ora, esta alínea prende-se com o disposto no artigo 22° do RJAT, relativo aos poderes de cognição do tribunal arbitral.

133. Para haver pronúncia indevida o Tribunal Arbitral-CAAD terá de ter-se pronunciado para além dos seus poderes de pronúncia.

134. Efetivamente, o Tribunal arbitral só pode e deve conhecer de factos alegados pelas partes, ao abrigo do princípio do dispositivo, ou de factos de conhecimento oficioso ou de factos instrumentais, que resultem da instrução da causa.

135. Consubstanciando-se no fundo em uma nulidade da sentença, o que não se verifica.

136. Sendo certo que, no que concerne especificamente à pronúncia indevida, aqui invocada como fundamento da presente impugnação com base na alínea c) do n° 1 do artigo 28° do RJAT, cumpre esclarecer que não houve excesso de pronúncia, não condenou o Tribunal Arbitral- CAAD para além do pedido, limitou-se o CAAD a não conhecer de um recurso, por entender, e bem, ser o mesmo legalmente inadmissível.

137. Também não houve omissão de pronúncia, já que o Tribunal conheceu do recurso, julgando de indeferir, por vício de forma, obstaculizando o conhecimento posterior do mérito.

138. Não há qualquer incompetência do Tribunal Arbitral-CAAD em termos de competência material em conhecer da admissibilidade do recurso encontrando-se a inadmissibilidade bem fundamentada e justificada.

139. Confirma-se a improcedência do recurso, julgando-se a presente impugnação como inadmissível por que não se fundamentar em vício de forma.

140. Assim, não é de aplicar ao presente processo o artigo 28° n° 1 c) do RJAT dado que não há qualquer pronúncia indevida.

141. Na tese de Mestrado de Vasco Mirante Garante, página 41, é referido, citando Carla Castelo Trindade, que acompanha Lopes de Sousa, "a pronuncia indevida corresponde a uma noção mais abrangente, que poderá ocorrer em dois casos.

142. O primeiro, ocorre quando o Tribunal arbitral se pronuncia relativamente a questões sobre as quais não se poderia pronunciar, ultrapassando, pois, os limites do princípio do dispositivo a nível decisório, condenando além do pedido-situação em que estamos perante um excesso de pronúncia. O segundo verifica-se quanto o tribunal não poderia decidir, na medida em que ocorreu um vício que inquinou a sua constituição."

143. Conforme também referido na obra de Vasco Mirante Garante, página 41, invocando a autora Carla Castelo Trindade, são 4 os leques de situação em que o Tribunal não podia decidir e decidiu: "A) o caso de um árbitro legalmente impedido, B) Casos de incompetência arbitral; C) Casos em que o litígio não era arbitrável porque excecionado pela Administração na sua Portaria de Vinculação. D) Casos em que o Tribunal arbitral decida por recurso à equidade que lhe está vedado nos termos do disposto no artigo 2° n° 2 do RJ AT"

144. A presente impugnação não versa sobre nenhuma das situações a) a d) acima mencionadas.

145. Existe um conceito amplo de pronúncia indevida mas não nos termos em que é alegado e invocado pela Autoridade Tributária no presente processo.

146. Não há qualquer incompetência da CAAD no conhecimento que fez do pedido de revisão extraordinária, sendo legitimo o seu conhecimento e cabendo tal conhecimento nas suas atribuições, de acordo com a o Regime Jurídico da Arbitragem voluntária e de acordo com a Portaria de Vinculação.

147. De facto, trata-se somente de um "expediente" utilizado pela Autoridade Tributária, ora Impugnante, para obviar o trânsito em julgado da decisão proferida e para obter uma decisão de mérito sobre uma decisão arbitral transitada em julgado.

148. Sendo a regra como referido junto dos tribunais arbitrais da irrecorribilidade das decisões até para que a arbitragem possa ter sucesso.

149. O controlo do mérito de uma decisão arbitral é limitado, pois a impugnação da decisão cinge-se apenas e só aos aspetos formais da decisão e não ao mérito (esse foi já o mecanismo prévio utilizado-recurso de revisão pela Autoridade Tributária, ora Impugnante).

150. Coloca-se agora a questão de saber se a decisão proferida no processo n° C- 581/2019 é inconciliável com a decisão arbitral proferida, sendo que a sociedade, ora Impugnada, entende que não é inconciliável, atendendo a que o Acórdão do TJUE deixa ao órgão do reenvio a apreciação in casu e in loco.

151. E a segunda questão, se a decisão proferida deve considerar-se ou não vinculativa para o Estado Português, sendo que a Recorrida também entende que não, pelos motivos já mencionados, uma vez que cabe em última instância ao órgão de reenvio decidir se a isenção é aplicável ou não.

152. Nesse sentido, diz a decisão proferida pelo TJUE no processo c- 581/2019, agora junta e invocada, nomeadamente, o seguinte: "cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132° n° 1 alínea c) desta Diretiva."

153. Forçosamente conclui-se que em última instância cabe ao Tribunal Arbitral verificar e decidir se as prestações de serviço de nutrição prestadas pela Recorrida estão ou não abrangidas pela isenção.

154. Quer isto dizer que a decisão proferida no processo C-581/19, Acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária, ora Impugnante para o recurso de revisão, que foi indeferido, não faz caso julgado para todas as decisões, quer as que tenham transitado em julgado, como é o caso do presente processo, quer as que venham a ser proferidas.

155. Sendo que a vinculação à decisão do órgão jurisdicional, se fosse pedido o reenvio prejudicial, seria nos exatos termos em que o Acórdão do TJUE proferiu e não nos termos em que a Autoridade Tributária com o recurso de revisão apresentado pretendia que fosse proferida.

155. Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 34°, reforçado no artigo 50°, do citado Acórdão do Tribunal de Justiça Europeu, proferido a 4 de Março de 2021, no processo C-581/19 em que é parte e Requerente a Frenetikexito- Unipessoal, Lda. E Requerida a Autoridade Tributária, caso se conclua como o Tribunal neste processo veio a concluir, o que apenas se concede a título de precaução de patrocínio, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132° n° 1 alínea c) desta Diretiva.

156. Conforme expressão: "sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio".

157. Expressão aliás reiterada na declaração do supramencionado Acórdão: "A diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132° n° 1 c) desta diretiva.

158. Pelo que caberá sempre, em última instância, ao Tribunal a quo, neste caso ao tribunal Arbitral verificar se o serviço de acompanhamento nutricional prestado nas condições como as que estão em causa no processo principal, não é suscetível de entrar no âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132° n°1, alínea c) da Diretiva 2006/112.

159. Entende a sociedade, ora Impugnada, que o recurso não deve ser admitido porque julgou bem o Tribunal Arbitral ao isentar a sua prestação de serviços de nutrição.

160. Em face de tudo o quanto exposto, deve ser liminarmente indeferida a presente impugnação da decisão do indeferimento do recurso de revisão de decisão arbitral proferida no processo n° 454/2017-T, junto do CAAD, por legalmente inadmissível.

Nestes termos, e nos melhores de direito deve ser liminarmente indeferida a presente impugnação da decisão do indeferimento do recurso de revisão de decisão arbitral proferida no processo n° 454/2017-T, junto do CAAD, por legalmente inadmissível, caso v.exas. assim mui respeitosamente não entendam, a título de precaução de patrocínio, deve a presente impugnação ser julgada improcedente, com os fundamentos acima melhor especificados e fundamentados pela sociedade, ora impugnada, fazendo v.exa.s, exmos. Senhores drs., Mmos. Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul, a costumada justiça!”.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul, foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vêm os autos à conferência para decisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão arbitral impugnada possui o seguinte teor:

“A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida no presente processo, ao abrigo do artigo 696.º alínea f) do CPC, para que remete o artigo 293.º, n.º 1, do CPPT, que estabelece que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando «seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português».

Neste caso, a decisão que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como fundamento do recurso é uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferida em processo de reenvio prejudicial, no processo n.º C-581/19, junta aos autos.

Não estando prevista no CPPT a tramitação dos recursos de revisão, na fase anterior à sua admissão, será aplicável subsidiariamente o regime do processo civil, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Por isso, nos termos do artigo 699.º n.º 1, do CPPT, há que proferir uma decisão liminar sobre a admissibilidade do recurso: «o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão».

No caso em apreço, «não há motivo para revisão», pois é manifesto que o acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira não é proferido por «uma instância internacional de recurso».

Na verdade, desde logo, não há qualquer recurso que possa ser interposto para o TJUE de decisões judiciais portuguesas, pelo que não poder ser considerada uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, que é que está em causa aplicar.

Por outro lado, mesmo que se entenda que possam ser fundamento de recurso de revisão decisões proferidas pelo TJUE em acções de incumprimento instauradas pela Comissão Europeia contra Portugal ao abrigo do art. 258.º do TFUE (como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 02-07-2014, processo n.º 0360/13), no caso de acórdão do TJUE proferidos em reenvio não se está perante uma acção desse tipo, pelo que não há razão para aplicar essa jurisprudência.

O TJUE nos processos de reenvio prejudicial não é uma instância de recurso, pois a sua decisão é anterior à decisão final do processo nacional e nenhuma das partes no processo tem a possibilidade de apelar para o TJUE.

Aliás, para além de ser evidente, é pacifico na doutrina e na jurisprudência que as intervenções do TJUE em processo de reenvio não são assumidas na veste de instância de recurso, mas sim de colaboração entre juízes, como tem afirmado, inclusivamente, o próprio TJUE:

- 28 Note-se, a este respeito, que o artigo 234.º CE (1-Actual art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).) não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígo suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.º CE (2-Acórdão do TJUE de 10-01-2006, processo n.º C-344/04.)

- 9 Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de um juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (acórdãos do TJUE Kempter, de 12-02-2008, processo C-2/06, , n.º 41; Cartesio, C-210/06, n.º 90; e VB Pénzügyi Lízing Zrt., de 09-11-2010, processo C-137/08);

- “The relationship between national courts and the CJEU is reference-based. It is not an appeal system. No individual has a right of appeal to the CJEU. It is for national court to make the decision to refer. The CJEU will rule on the issues referred to it, and tha case will then be sent back to the national courts, wich apply the Union law to the case at hand” (3-Paul Craig e Gráinne de Búrca, EU Law, Text, Cases and Material, 6th ed, Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 464)

- «De acordo com o número 3 do artigo 4.º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da EU através de todo o seu território» (4-Luísa Lourenço, em REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE E OS PARECERES CONSULTIVOS DO TRIBUNAL EFTA, publicado em revista Julgar n.º 35, página 189.)

- «1 – Um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial;

2 – A decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais;

3 – Tal pretensão não tem como função afrontar qualquer interpretação alegadamente errónea de normas internas ou aferir da violação de normas constitucionais dos diversos Estados-Membros;

4 – Uma questão prejudicial corresponde a uma pergunta/pedido de solução orientada para a obtenção de uma resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária opara estear a solução de um litígio que lhe cumpra dirimir;

5 – O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde à interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito;

6 – No seio de um pedido de reenvio, o órgão jurisdicional nacional pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia que formule a adequada leitura de uma norma jurídica do Direito dessa União cuja interpretação seja relevante para a solução litígio que lhe cumpra concretizar» (5-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-07-2019, processo n.º 18321/16.9T8LSB.L2-6.)

De resto, Autoridade Tributaria e Aduaneira no requerimento que apresentou nem sequer explica qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado uma instância de recurso.

Os fundamentos de revisão de sentença previsto no artigo 696.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 293.º, n.º 1, do CPPR e 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT são taxativos, como resulta do teor expresso do corpo daquele artigo 696.º: «a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando …».

Tratando-se de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral que dela decorre (artigo 205.º, n.º 2, da CRP), elas não poder ser aplicáveis analogicamente a situações nelas não previstas (artigo 11.º do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional, «instâncias de recurso».

Pelo exposto, indefere-se o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributaria e Aduaneira, por ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso.

Sendo de indeferir o recurso com este fundamento fica prejudicada, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º2, do CPC), a apreciação de outros requisitos do recurso de revisão ao abrigo da alínea f) do artigo 696.º do CPC, designadamente as questões de saber se a decisão do TJUE proferida no processo no processo n.º C-581/19 é inconciliável com a decisão arbitral preferida no presente processo e se deve considerar-se vinculativa para o Estado Português para efeitos daquela norma.”


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo no âmbito do processo 454/2017-T, que indeferiu o requerimento de Recurso de Revisão apresentado pela ATA.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar:

Ø Se a presente impugnação não é admissível porquanto a decisão arbitral proferida no processo nº 454/2017-T transitou em julgado;

Ø Se a mesma é inimpugnável por consubstanciar uma rejeição liminar.

Ø Improcedendo o caso julgado, e a aduzida inimpugnabilidade, se a decisão recorrida padece de nulidade por Pronúncia Indevida.

Comecemos, então, pelo caso julgado.

Alega a Impugnada que a decisão arbitral proferida tem força de caso julgado, na medida em que a ATA notificada da mesma não interpôs o competente recurso ou requereu a reforma ou retificação da decisão.

Concluindo, assim, que se produziram os efeitos do caso julgado relativamente ao mérito da decisão arbitral de que a Impugnante recorre, não sendo, portanto, admissível a presente impugnação.

Mas, a verdade é que não lhe assiste razão, incorrendo, desde logo, a Impugnada em errada valoração conceptual, porquanto o aduzido caso julgado da decisão arbitral não tem, de todo, os efeitos por si aduzidos quanto à concreta decisão que constitui o objeto da presente lide, constituindo, de resto, o trânsito em julgado da mesma o mote para a interposição do Recurso Extraordinário de Revisão.

Com efeito, o Recurso de Revisão é um recurso extraordinário que visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto, renovando a instância extinta pelo trânsito em julgado da sentença (ou decisão arbitral), o qual assume características típicas de uma ação declarativa ou de reconhecimento de uma pretensão em sentido amplo.


Preceitua, neste âmbito, o artigo 293.º, nº3, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, nº1, alínea a), do RJAT, sob a epígrafe de “revisão de sentença”, que:

“1 - A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão, com qualquer dos fundamentos previstos no Código de Processo Civil, no prazo de quatro anos, correndo o respetivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida.
2 - (Revogado.)
3 - O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária.
4 - Se a revisão for requerida pelo Ministério Público, o prazo de apresentação do requerimento referido no número anterior é de três meses.
5 - Salvo no que vem previsto no presente artigo, a revisão segue os termos do processo em que foi proferida a decisão revidenda.”

Face à aludida remissão cumpre, desde logo, chamar à colação o consignado no artigo 696.º do CPC, aplicável, outrossim, artigo 29.º, nº1, alínea e), do RJAT, o qual regulamenta os fundamentos do recurso, conforme infra se transcreve:

“A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;
e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;
g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.
h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.

Mais importa ter presente o consignado no artigo 697.º, nº1, do CPC, o qual relativamente ao regime do recurso preceitua que:

“1 - O recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.
2 - O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:

a) No caso da alínea a) do artigo 696.º, do trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão;
b) No caso das alíneas f) e h) do artigo 696.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado;
c) Nos outros casos, desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.
3 - No caso da alínea g) do artigo 696.º, o prazo para a interposição do recurso é de dois anos, contados desde o conhecimento da sentença pelo recorrente, sem prejuízo do prazo de cinco anos previsto no número anterior.
4 - Nos casos previstos na segunda parte do n.º 3 do artigo 631.º, o prazo previsto no n.º 2 não finda antes de decorrido um ano sobre a aquisição da capacidade por parte do incapaz ou sobre a mudança do seu representante legal.
5 - Se, porém, devido a demora anormal na tramitação da causa em que se funda a revisão existir risco de caducidade, pode o interessado interpor recurso mesmo antes de naquela ser proferida decisão, requerendo logo a suspensão da instância no recurso, até que essa decisão transite em julgado.”

Ora, da interpretação conjugada dos normativos citados resulta, desde logo, que é condição de admissibilidade o trânsito em julgado da decisão.


Como doutrina António Santos Abrantes Geraldes (1-In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, 5ª edição.), “[o] recurso de revisão pode incidir sobre qualquer decisão judicial, independentemente da sua natureza ou objeto, e da categoria do tribunal de que emana, sendo mais vastos os fundamentos que poderão ser invocados. Comum a ambos os recursos é o facto de a decisão recorrida já ter transitado em julgado, o que, como decorre do art. 628.º, colide com a pendência de recurso ordinário ou de reclamação.”

Logo, inversamente ao sustentado pela Impugnada o trânsito em julgado da decisão arbitral não preclude a admissão da presente impugnação, bem pelo contrário. Note-se que, tal não obsta a que se entenda, em sede própria, que as alegações da presente impugnação configuram erro de julgamento em nada se subsumindo na arguida pronúncia indevida, mas, tal não implica, per se, a inadmissibilidade da presente impugnação por via do caso julgado.

Por outro lado, e se bem interpretamos o teor das contra-alegações da Impugnada, é, outrossim, convocada uma inimpugnabilidade da decisão, concatenada com o próprio teor da decisão de rejeição liminar, ou seja, a decisão Arbitral visada limitou-se a indeferir liminarmente a admissibilidade do Recurso de Revisão instaurado pela Impugnante em sede de arbitragem tributária, donde não é uma decisão arbitral sobre o mérito da causa, donde passível de integração no artigo 21.º do mesmo diploma sob a égide de decisão arbitral.

Neste âmbito, preceitua o artigo 27.º do RJAT, o qual sob a epígrafe de “impugnação da decisão arbitral” que:

“1 - A decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, devendo o respetivo pedido de impugnação, acompanhado de cópia do processo arbitral, ser deduzido no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão arbitral ou da notificação prevista no artigo 23.º, no caso de decisão arbitral emitida por tribunal coletivo cuja intervenção tenha sido requerida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º.
2 - Ao pedido de impugnação da decisão arbitral é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso de apelação definido no Código do Processo dos Tribunais Administrativos.
3 - A impugnação da decisão arbitral é obrigatoriamente comunicada ao Centro de Arbitragem Administrativa e à contraparte.”

Logo, atentando na letra do normativo 27.º supracitado verifica-se que o mesmo ao reportar-se a “decisão arbitral” visa, tão-só, integrar, a decisão final e não uma decisão interlocutória.

Note-se que esta é a interpretação que melhor se coaduna com a própria ratio e delimitação da recorribilidade. Com efeito, o RJAT consagrou a regra da irrecorribilidade da decisão arbitral em matéria tributária, porquanto não permite recurso de mérito da decisão arbitral nem para uma segunda instância arbitral, nem para os tribunais judiciais.

Aliás, este é, também, o entendimento já sufragado por este Tribunal, designadamente, no âmbito dos processos nºs 15/21.5 BCLSB, de 13 de maio de 2021, 83/18.7 BCLSB, de 05 de junho de 2019, 124/17, de 22 de março de 2018 e bem assim no processo nº 35/21, de 01 de junho de 2023.

Contudo, in casu, contrariamente ao advogado pela Impugnada, não se verifica a aludida inimpugnabilidade, na medida em que nos encontramos perante uma decisão final, rigorosamente uma decisão final que incide sobre o Recurso de Revisão, a qual, como visto e ora se reitera, visa “combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto (2-José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3, T. I, 2.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 222.), sendo considerado como um recurso de reparação. É essa especial gravidade que admite a cedência da certeza e da segurança jurídica conferida pelo princípio do caso julgado (3-Cfr., v.g., neste particular, o Acórdão do STJ, prolatado no âmbito do processo 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1, de 13.12.2017, convocado, desde logo, no Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 542/14, de 27.01.2022.)”.

Improcede, assim, a arguida inimpugnabilidade.

Analisemos, ora, a questão atinente à pronúncia indevida.

A Recorrente defende que a decisão de indeferimento do requerimento de Recurso de Revisão, afigura-se como um colocar-se à margem das competências que a lei processual lhe comete em matéria do excecional Recurso de Revisão, consubstanciando, assim, uma evidente “pronúncia indevida”, na dimensão negativa do conceito, isto é, na recusa do CAAD em cumprir as competências que a lei lhe comete.

Mais aduz que, nenhum dos argumentos apresentados pode proceder, na medida em que não é verdadeiro, e, inclusive, é contrariado pela doutrina e pela jurisprudência, que o TJUE ainda que não integre a organização judiciária nacional, constitui, a par do TEDH, uma instituição judicial cujas decisões, em resultado dos tratados internacionais de que o Estado Português subscreveu e se obrigou a cumprir não deixam de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa.

Existindo, outrossim, errada valoração no atinente ao acórdão do STA, invocado pela Impugnante, porquanto contrariamente ao evidenciado é aplicável à situação em apreço pelo facto de ali estar subjacente uma ação por incumprimento e aqui um Reenvio Prejudicial.

Sublinhando, para o efeito, que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia, donde o argumento invocado pelo Tribunal Arbitral configura uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial.

Dissente a Impugnada, relevando, para o efeito, que o invocado pela ATA não consubstancia qualquer pronúncia indevida, consubstanciando, na verdade, um alegado erro de julgamento, matéria arredada da apreciação deste TCAS.

Vejamos.

Preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que: “ 1 Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

De harmonia com o disposto no artigo 615.º alíneas d) e e) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, dispõe que é nula a sentença quando: “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” e bem assim quando “o juiz condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido”.

Dir-se-á, portanto, que o vício de excesso de pronúncia ocorre sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, ou seja, ele ocorre sempre que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, quando o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conheça de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (4-José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; vide, designadamente, Ac. TCA Sul, proferido no processo nº proc.6505/13, de 2 de julho de 2013.).

Nessa medida, se o juiz conhece de questão, que o Autor e Réu não lhe submeteram, ou condena em objeto diverso do pedido, a decisão enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua atividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum).

Note-se que, não obstante o Tribunal não estar sujeito às alegações das partes, no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, nº 3, do CPC), a verdade é que em ordem ao consignado no artigo 609.º, nº1 do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

Neste particular, importa relevar que o conceito de pronúncia indevida previsto na primeira parte da alínea c), do nº1, do artigo 28.º do RJAT como fundamento de impugnação da decisão arbitral é mais abrangente que o excesso de pronúncia previsto no citado artigo 615.º e bem assim do normativo 125.º do CPPT. O legislador pretendeu abranger duas situações, uma primeira que compreende as situações em que o tribunal arbitral conhece de questões de que não podia conhecer, ou seja, ultrapassando os limites do princípio do dispositivo a nível decisório, condenando além do pedido-excesso de pronúncia e outra sempre que o tribunal arbitral conhece sem o poder ter feito, por existir um vício que inquinou a sua constituição ou porque decidiu fora das suas competências (5-Vide Aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo nº 09286/16, de 28 de abril de 2016.):

Visto o direito, importa transpor o mesmo para o caso vertente, relevando, desde já, que a pretensão da Impugnante se reconduz a erro de julgamento, porquanto no seu entendimento a questão foi, erradamente, julgada padecendo de errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Aliás, se atentarmos no teor das suas alegações verifica-se que é a própria que acaba por concluir no sentido do erro de julgamento, no sentido que nenhum dos argumentos convocados pelo Tribunal Arbitral são aptos a proceder.

Ora, como é consabido, o erro de julgamento está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal.

Com efeito, a propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. Nessa medida, caso se verifique um fundamento de anulação, este Tribunal deve limitar-se a anular ou a cassar a decisão arbitral, não podendo substituí-la por outra (6-cfr. artigo 25.º, do RJAT; Acórdão T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, processo nº 8224/14; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seguintes.).

Dir-se-á, portanto, que, no sentido advogado pela Impugnada, o Tribunal Arbitral considerou-se competente para apreciar o Recurso de Revisão, mas, no entanto, -independentemente da bondade da decisão que não cumpre, ora, apreciar, porquanto cerceada-, indeferiu-o. Com efeito, pronunciou-se sobre o requerido, contudo entendeu que não se verificavam os respetivos pressupostos.

Neste particular, e uma vez que a questão foi tratada por este Tribunal, no Acórdão proferido no âmbito do processo 79/21.1BCLSB, datado de 27 de outubro de 2021 (7-No mesmo sentido, vide Arestos deste TCAS, proferidos nos processos nº 88/21, de 15.02.2024, 80/21, de 13.07.2023, 83/21, de 04.05.2023, , 46/21, de 19.01.2023 e 45/21, de 20.12.2022.), uma vez que a questão é, em tudo, idêntica à dos autos, com similitude inclusive no teor das respetivas alegações, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no citado Aresto, a cuja fundamentação se adere:
“Como também tem sido entendimento deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º09156/15.
Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em apreciação.
A questão dos autos afigura-se-nos simples face aos poderes de cognição do TCAS delimitados anteriormente e que constituem jurisprudência assente deste Tribunal.
Alega a impugnante que a decisão arbitral revidenda, transitada em julgado em 04/10/2020, decidiu a mesma questão de direito em oposição ao Ac. do TJUE proferido em 04/03/2021 (rectificado em 23/03/2021) e que corresponde ao entendimento por si preconizado na resposta que apresentara ao pedido de pronúncia arbitral.

Com esse fundamento, dirigiu ao CAAD um pedido de reconstituição do Tribunal Arbitral Singular com vista à admissão e provimento do Recurso de Revisão à luz do disposto no art.º 696.º, al. f) do CPC, a fim de se operar a revogação da decisão arbitral inicialmente proferida e o proferimento de nova decisão conciliável com o citado ac. do TJUE.
Como também alega a Impugnante e documentam os autos, reconstituído o Tribunal Arbitral Singular, veio o mesmo por decisão proferida em 24/06/2021 e notificada em 28/06/2021, indeferir o requerimento de Recurso de Revisão por considerar “… ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso”.
Pretende a impugnante – e a tanto se reconduz o fundamento da presente impugnação – que a decisão arbitral proferida se mostra contrária à Constituição e à lei, não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica.
Sucede que, se o Tribunal Arbitral foi reconstituído e decidiu, o mérito dessa pronúncia não pode ser sindicado por este TCAS por via de impugnação, ainda que com apelo a razões de ordem constitucional.
Este Tribunal não pode sindicar se o Tribunal Arbitral decidiu bem ou mal o pedido de revisão, pois tal equivaleria a sindicar erros de julgamento (“error in judicando”) da decisão de revisão, que mesmo pretensamente grosseiros, escapam aos poderes de cognição que a lei lhe confere, como acima deixamos explicado.
A impugnação não pode proceder com o fundamento invocado.”

Assim, face a todo o exposto e aderindo ao entendimento supra expendido, se a Impugnante, sob a invocação de nulidade por pronúncia indevida, argui um erro de julgamento, assente numa desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, tal questão já radica no mérito e nessa medida está cerceada a este Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição, razão pela qual a presente impugnação terá de improceder.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, e manter a decisão impugnada.
Condena-se a Impugnante em custas.
Registe. Notifique.


Lisboa, 16 de maio de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Ana Cristina Carvalho)

(Sara Loureiro)