Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 171/25.3BCLSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 10/09/2025 |
| Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
| Descritores: | JUSTIÇA DESPORTIVA SISTEMA DE VIDEOVIGILÂNCIA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO |
| Sumário: | |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I F......., SAD, demandou, no Tribunal Arbitral do Desporto, a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, pedindo a revogação do acórdão proferido em 13.3.2025 pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, nos termos do qual foi condenada pela prática da infração disciplinar prevista no artigo 87.°-A/5 do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal (incumprimento de deveres de organização), tendo-lhe sido aplicada uma sanção de multa no valor de € 6.630.00. * Por acórdão de 16.7.2025 o Tribunal Arbitral do Desporto julgou a ação improcedente. * Inconformada, a Autora interpôs recurso dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: A. O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral em 16 de julho de 2025, na parte em que manteve a condenação proferida pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, no qual vem a Recorrente F......., SAD condenada pela prática de uma infracção disciplinar de incumprimento de deveres de organização, p. e p. pelo art. 87.°-A, n.° 5 do RDLPFP, tendo-lhe sido aplicada uma sanção de multa no valor de €6.630,00, por alegadamente não ter instalado e em funcionamento um sistema de videovigilância em perfeitas condições no seu recinto desportivo. B. Porquanto, julgou incorrectamente como provado o facto (4.°) segundo o qual: “As câmaras do sistema de videovigilância (CCTV) instaladas no túnel de acesso aos balneários (local dos factos descritos supra) não estavam a funcionar em perfeitas condições e a captar som.” C. Não corresponde à verdade que o sistema de videovigilância (CCTV) em funcionamento no Estádio do ......., em especial na zona do túnel de acesso ao balneário, não capte som, funcionando assim em violação dos normativos regulamentares aplicáveis. D. Sendo, pois, essa condenação pela prática da infracção p. e p. pelo art. 87.°- A, n.° 5 do RD — com a qual a Recorrente não pode conformar-se - que motiva o presente Recurso. E. Impondo-se, como melhor se demonstrará, que este Tribunal decida, a final, pela absolvição da Recorrente no que a este ilícito disciplinar concerne, assim revogando o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral. F. A factualidade imputada à Recorrente prende-se com o ocorrido no dia 16/12/2014, quando se disputou, entre a F......., SAD e a E......., SAD, o jogo a contar para a 14.ª jornada da Liga Portugal Betclic, o jogo oficialmente identificado sob o n.° 11408; G. O acórdão recorrido julgou como provado o facto (4.°) segundo o qual: “As câmaras do sistema de videovigilância (CCTV) instaladas no túnel de acesso aos balneários (local dos factos descritos supra) não estavam a funcionar em perfeitas condições e a captar som. ” H. Fundamentando essa decisão nos meios probatórios constantes das fls 10, 11 e 94 e 95 do processo disciplinar, designadamente no Relatório do Delegado e nos esclarecimentos prestados pelo Comandante do Policiamento. I. Elementos de prova que não têm, porém, a virtualidade de depor no sentido da responsabilização disciplinar da Recorrente nesta matéria! J. Por outro lado, o depoimento do Director de Segurança C.C....... [na sessão de dia 03/03/2025, minutos 00:08:00 a 00:57:44 (fls. 250-251 dos autos) conforme passagens infra transcritas], o envio da ficha técnica das câmaras de CCTV em questão [fls. 187], o relatório técnico que demonstra que as mesmas estiveram sempre operacionais e não foi registada qualquer anomalia [fls. 193] e ainda um vídeo que demonstra que durante aquele dia, hora e jogo aquelas específicas câmaras captavam som e imagem, impunham decisão diversa quanto ao facto dado como provado e aqui impugnado. Senão vejamos, K. A condenação operada pelo Acórdão Arbitral consubstancia uma decisão sem prova e contra a prova (!), tendo, naquilo que para aqui importa, sido feito tábua rasa dos elucidativos esclarecimentos prestados pela testemunha C.C......., Director de Segurança, ouvida em audiência disciplinar [na sessão de dia 03/03/2025, minutos 00:08:00 a 00:57:44 (fls. 250-251 dos autos) conforme passagens infra transcritas], e do Director-Adjunto de Segurança, A......., [sessão de audiência de dia 03/03/2025, minutos 00:59:00 a 01:20:40, a fls. 250-251 dos autos]; L. A Recorrente juntou uma ficha técnica das câmaras em questão, que demonstra que as aquelas câmaras em concreto têm a função da captação simultânea de som e imagem, pelo que estando em funcionamento e captando imagem, captam obrigatoriamente som; M. Juntou relatório técnico retirado do sistema de CCTV que demonstra e permite inferir que aquelas câmaras em específico estiveram a funcionar a 100% durante todo o período do jogo e após o fim do mesmo, não tendo sido registada qualquer anomalia; N. A Recorrente juntou aos autos um ficheiro vídeo contendo parte da gravação de som e imagem captada pelas câmaras em apreço no dia 16/12/2024. ou seja, um vídeo capturado pelas câmaras que alegadamente não captam som e imagem, que demonstra que durante aquele dia, hora e jogo aquelas mesmas câmaras captavam som e imagem O. Prova que não foi devidamente considerada pelo Tribunal Arbitral, que infirma o facto dado como provado, obrigando a conclusão diversa; P. O sistema de CCTV foi inspecionado e aprovado pela LIGA, que para aprovação concluiu que o mesmo obedece a todos os requisitos legais e regulamentares, designadamente que está munido de câmaras que captam som e imagem durante toda a extensão do túnel de acesso aos balneários: Q. Sendo esse sistema CCTV, ainda objecto de uma verificação na reunião preparatória do jogo por parte das entidades de policiamento, não tendo sido verificada qualquer anomalia. R. As câmaras que, em concreto, se pretendiam verificar são as que constam do relatório técnico que demonstra que estiveram sempre a funcionar a 100%. S. A prova indicada pelo Tribunal Arbitral de fls. 10 e 11 e fls 94 e 95, relatório do delegado e esclarecimentos do comandante de policiamento, não permitem concluir a veracidade do facto aqui impugnado. T. Não podendo aceitar-se que a decisão condenatória seja baseada, tão somente, numa valoração equivocada do relatado no Relatório do Delegado relativamente àquilo que foi comunicado pelo Sr. Comandante da PSP! Daí se inferindo — sem mais — uma situação de funcionamento do sistema de CCTV em violação do regularmente estipulado! U. Estabelece o art. 65.º2/d) do Regulamento de Competições que compete aos Delegados da Liga, nomeados para o jogo, “verificar a implementação e funcionalidade dos sistemas de controlo e contagem automáticos de entrada e de videovigilância”; V. Compulsado o Relatório do Delegado, a fls. 10-11 dos autos, temos que nada é reportado quanto a uma eventual falha do sistema de videovigilância ou sequer a uma instalação/ funcionamento desconforme com as exigências legais não há qualquer nota ou reporte referente a anomalias/ deficiências técnicas relevantes nesta matéria; W. E, mesmo no que concerne àquilo que foi transmitido aos Srs. Delegados pelo Sr. Comandante de Policiamento, ali aposto, cumpre realçar que não foi por este comunicada a constatação de qualquer irregularidade na operacionalização do sistema de videovigilância; X. Tudo o que consta do dito Relatório é a mera referência a que as imagens captadas pela CCTV na zona do túnel — a que se acedeu em virtude das ocorrências ali verificadas - foram visualizadas sem som! Y. Dos esclarecimentos prestados pelo comandante de policiamento consta que: “Dentro das limitações de tempo que as circunstâncias do policiamento impunham, foi efetuada uma visualização célere das imagens tendo em vista perceber se se impunha ação distinta daquelas que foram adotadas, verificando-se inclusive a presença do Sr. Delegado da Liga no local e ao qual foi igualmente por mim perguntado se teria algo de registo a informar relativamente ao sucedido, ao que nada reportou de extraordinário” Z. E o que consta do Relatório do Delegado é que: “o Sr. Comandante informou que relativamente à situação ocorrida após o final do jogo, na zona de acesso aos balneários, do que lhe foi transmitido e da observação das imagens, sem som, não resulta nenhum facto grave. Na mesma reunião, o Sr. Diretor de Segurança da equipa visitante, solicitou que fosse mencionado o comportamento de ARD’s que não consegue identificar, que na sua opinião em vez de uma atitude de contenção das pessoas optaram por empurrar elementos da equipa visitante. ” AA. O que gera a conclusão lógica que o que ali se pretendeu visionar de forma célere era se tinha havido algum comportamento fisicamente excessivo, designadamente por parte dos ARDs através de empurrões a elementos da equipa visitante. BB. Não tendo havido uma preocupação especial em concreto com o som, tendo aquele cumprido a sua obrigação de visionamento de imagens, que, por mero acaso, foi efectuada sem som: CC. Tanto assim é que, decorre das regras da experiência comum que, se fosse convicção do Sr. Comandante que essa ausência de som se devia a uma desconformidade do próprio sistema de captação, tal circunstância teria sido explicitamente comunicada nesses mesmos termos! DD. Não se bastando com uma simples referência à visualização de imagens sem som a propósito de uma distinta ocorrência! EE.Tal ausência de reporte - seja no Relatório do Delegado, seja no próprio relatório de Policiamento Desportivo elaborado por ocasião do jogo - só poderá conduzir à conclusão de que nenhuma ocorrência foi verificada, por quem de direito, quanto à instalação e funcionamento do sistema de som. FF. Sobretudo quando estamos a falar de uma pessoa que assume, pelo menos há um par de anos, as funções de Comandante de Policiamento na generalidade dos jogos realizados no Estádio do .......! GG. Sempre tendo atestado, em todas as reuniões de segurança realizadas previamente aos jogos, o correcto funcionamento do sistema de CCTV de acordo com a regulamentação legal aplicável. HH. Cumprindo não olvidar, a este respeito, que a factualidade que se encontra consignada no Relatório do Delegado não resulta sequer da sua percepção directa, pelo que não pode gozar do valor probatório reforçado resultante do art. 13.°, al. f) do RD. II. De todo o modo, a realidade é que, como vem de se ver, a concreta operacionalidade do sistema de videovigilância nunca foi sequer posta em causa, JJ. nem os Delegados presentes no jogo (a quem como se disse cabe a verificação “da implementação e funcionalidade dos sistemas”) sentiram necessidade de sindicar o que quer que fosse a este respeito! K.K.. Sendo lógica e decorrente das regras de experiência, que a conjugação de todos estes factos se possa concluir que se o Sr. Comandante da Polícia de Segurança Pública (PSP) visualizou as imagens sem som porque a sua preocupação não era o som, mas os relatados empurrões dos ARDS. sendo certo que se tivesse solicitado o som tal seria possível, como sempre o foi em situações anteriores. LL. Sendo, na realidade, prática comum a PSP solicitar, num primeiro momento - e porque o que faz é uma mera “visualização célere das imagens” - o acesso às imagens do sistema de videovigilância sem som, apesar do sistema gravar o som. MM. Porquanto no local de visionamento estão diversos ecrãs e câmaras em funcionamento simultâneo, não sendo possível a audição de som de todas elas em simultâneo por sobreposição do som. - [Cfr. - A......., afirmou que (sessão de audiência de dia 03/03/2025, minutos 00:59:00 a 01:20:40, a fls. 250-251 dos autos): “Apesar do sistema ter som normalmente não se põe, normalmente só temos as imagens a funcionar ... até porque estão lá várias pessoas, várias entidades, várias instituições que não é conveniente ouvirem o som”, esclarecendo, no entanto, que se alguém quiser ligar o som o mesmo é transmitido sem qualquer problema.] NN. O Relatório do Delegado vai apenas no sentido de que “Na reunião final de segurança, o Sr. Comandante informou que relativamente à situação ocorrida após o final do jogo, na zona de acesso aos balneários, do que lhe foi transmitido e da observação das imagens, sem som, não resulta nenhum facto grave.” OO. Nenhuma nota sobre falhas no sistema de CCTV foi lavrada no Relatório de Policiamento, pelo Sr. Comandante, por conta deste evento desportivo: PP. Na reunião de organização, prévia ao jogo, os Srs. Delegados, J....... e T......., questionaram o Sr. Comandante se atestava que o Sistema de videovigilância se encontrava em funcionamento de acordo com o exigido pela legislação em vigor e a resposta do Sr. Comandante foi afirmativa. QQ. Tudo o que não poderá deixar de ser, naturalmente, valorado a favor da Recorrente! Afinal se alguma anomalia a nível do sistema operacional se verificasse, com certeza essa informação teria sido levada aos competentes Relatórios de forma rigorosa e precisa. RR.Não existindo nos autos provas cabais e robustas que permitam a condenação da Recorrente à luz do disposto no art. 87,°-A, n.° 5 do RDLPFP. Antes se impondo a sua absolvição — o que, desde iá, se requer. SS. O que o Conselho de Disciplina fez inicialmente e que o Tribunal Arbitral corroborou, foi pretender censurar a não colaboração da recorrente com a justiça desportiva, por não juntar aos autos as imagens do incidente, infracção pela qual a recorrente já foi punida, concluindo sem sustentação que o sistema de CCTV não estava a funcionar correctamente. TT.Não podendo aceitar-se que a decisão condenatória seja baseada, tão somente, numa valoração equivocada do relatado no Relatório do Delegado relativamente àquilo que foi comunicado pelo Sr. Comandante da PSP! Daí se inferindo — sem mais — uma situação de funcionamento do sistema de CCTV em violação do regularmente estipulado! UU. O reportado pelo Comandante do Policiamento, levado ao Relatório do Delegado, e os ulteriores esclarecimentos por si prestados, estão longe de se mostrar suficientes para determinar a responsabilização da Recorrente em sede disciplinar. VV. É irrefutável que no âmbito do direito sancionatório disciplinar - como é o caso - se aplicam subsidiariamente os princípios processuais penais, mais precisamente, o princípio da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, pelo que não era - nem podia ser - o Tribunal Arbitral alheio às exigências de prova impostas pelo direito sancionatório disciplinar. WW. O princípio da presunção de inocência do arguido em processo disciplinar vem sendo, aliás, invariavelmente defendido pelo Supremo Tribunal Administrativo: "Também no âmbito do processo disciplinar vigora o princípio da presunção da inocência do arguido, que nesse processo tem direito a um "processo justo " o que, passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, como é o caso do citado princípio, acolhido no n° 2, do artigo 32° da CRP. " (Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-042002, Proc. 033881); “O princípio da presunção da inocência do arguido vigora, quer no âmbito do procedimento criminal, quer no âmbito do procedimento disciplinar, por ambos os procedimentos terem natureza sancionatório tal como resulta do n° 2 do art. ° 32. ° da CRP ’’ (Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/14, www.dssi.pt). XX. É igualmente indiscutível, na jurisprudência do STA, que do princípio da presunção de inocência resultam implicações várias quanto à valoração da prova, ao ónus da prova e ao in dubio pro reo em sede de processo disciplinar: “Tal qual como sucede em processo penal, também em processo disciplinar, o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção cabe ao titular do poder disciplinar (Ac. do STA de 18-02-1997, Proc. 033791, www.dgsi.pt); “[O princípio da presunção de inocência] significa que no processo disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos da infração cabe ao titular do poder disciplinar não podendo considerar-se como provados os factos integradores da infracção em que se funda a aplicação da pena disciplinar apenas porque o arguido não contesta a participação, antes se exigindo, independentemente da sua atitude, que os mesmos resultem da prova efetuada no procedimento" (Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/14, cit.). “- No âmbito do processo disciplinar vigora o princípio da presunção da inocência do arguido, acolhido no art. 3272 da CRP. II - No caso de um non liquet em matéria probatória, no processo disciplinar, funciona o princípio in dubio pro reo. III - A prova coligida no processo disciplinar tem que legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, para além de toda a dúvida razoável ” (Ac. do STA de 28-06-2011, Proc. 0900/10). “II - O mencionado princípio [da presunção de inocência] tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido, o que acarreta, designadamente, a ilegalidade de qualquer tipo de presunção de culpa em desfavor do arguido. III - Assim, o princípio da presunção de inocência assume-se, também em processo disciplinar, numa das suas vertentes, como uma regra válida em matéria probatória (princípio “in dubio pro reo ") ” (Ac. do STA de 18-042002, Proc. 033881, tirado em Pleno). YY. De modo que não se podia nestes autos deixar de aplicar a regra de que “quem acusa tem o ónus de provar”, nem o princípio da presunção da inocência, também aplicáveis no direito disciplinar (neste sentido o acórdão do TCA Norte de 02.10.2008, proc. n.° 01551/05.8BEPRT e o acórdão do TCA Sul de 23.02.2012, proc. n.° 03658/08, disponíveis em www.dgsi.pt). ZZ. Impunha-se pois, ao Tribunal Arbitral reunir prova efectiva que permitisse afirmar - ou, pelo menos, ultrapassar a dúvida razoável - que a factualidade vertida no ponto 4.° da acusação realmente ocorreu e, além do mais, que a sua verificação se deveu a uma actuação culposa da Recorrente! AAA. Isto porque, o princípio da presunção de inocência do arguido tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não podendo impender nunca sobre o arguido o ónus de reunir as provas da sua inocência. BBB. Sendo precisamente esse princípio de inocência que exigia ao Tribunal Arbitral formular um juízo de certeza sobre o cometimento da infracção para condenar a Recorrente, não se bastando com meras ilações como, porém, aconteceu! CCC. A Recorrente fez (contra)prova dos factos que lhe são imputados - o que se crê que cabalmente conseguiu. DDD. Os dois documentos juntos pela Recorrente com o memorial de defesa (a fls. 187 a 193 dos autos), em sede de processo disciplinar - que atestam as características técnicas dos aparelhos de videovigilância - demonstram que as câmaras instaladas e em funcionamento no Estádio do ......., concretamente no túnel de acesso aos balneários, têm o som “embutido” (pelo que a captação deste é indissociável da captação da própria imagem), EEE. sendo que o relatório de actividade das mesmas (relativo ao período do jogo em causa-) evidencia a ausência de qualquer anomalia nas câmaras em referência, o que, por seu turno, permite concluir que o sistema estava a funcionar correctamente, com captação de imagem e som. FFF. Note-se, que, ao contrário do que parece ser a percepção do Tribunal Arbitral, as câmaras identificadas em tal relatório são precisamente as que se encontram no túnel de acesso ao balneário e cujas imagens captadas foram visualizadas pelo Sr. Comandante de Policiamento logo após a ocorrência que ali teve lugar. GGG. Pelo que, dúvidas não subsistem, de que tais aparelhos se encontravam em pleno funcionamento (também) naquele dia e hora - conforme resulta cristalino do relatório de fls. 187. HHH. De igual modo, também a prova testemunhal produzida em sede de audiência disciplinar depõe neste mesmo sentido: não corresponde à verdade que as câmaras instaladas no local em apreço não captem som, nem disponham sequer dessa capacidade! III. Veja-se, a este respeito, as passagens mais relevantes do declarado pelo Director de Segurança da FC Porto SAD, C.C......., na sessão de dia 03/03/2025, minutos 00:08:00 a 00:57:44 (fls. 250-251 dos autos): "... temos a zona técnica, digamos assim, é coberta de acordo com a visita feita e com o enquadramento regulamentar da questão do som em zona técnica um bocadinho ao abrigo da Lei 39/2009 e respectivas actualizações, nós temos a zona técnica coberta quer com videovigilância em termos de imagem e de som também, portanto é esse o enquadramento regulamentar e é essa a garantia que temos aqui no Estádio do .......” (minutos 00:10:42 a 00:11:10); “...Sim, sim, sim, todas as câmaras de zona técnica têm quer a imagem quer o som” (minutos 00:14:51 a 00:15:01); “Todas as câmaras dentro de zona técnica captam som e imagem de acordo com aquela que é o regulamento da Liga e um bocadinho a reboque da Lei 9/2009. Todas as câmaras sem excepção. (...) Todas as câmaras dentro de zona técnica captam som e imagem em simultâneo” (minutos 00:32:40 a 00:33:27); “... deixe-me só a nível da legislação as câmaras não dizem que todas têm de ter som, têm é de captar som nas zonas nevrálgicas, isto é em termos daquilo que são as vistorias da Liga na altura foi obrigatório a implementação de câmaras na zona técnica (...) mas existe obviamente procedimentos internos que são os nossos procedimentos que inclusive vai em acta de segurança onde se diz que se faz uma verificação de segurança a todas as câmaras de CCTV e a todas as suas características técnicas, condições, neste caso condições técnicas e é o que nós fazemos no dia anterior ao jogo com recurso a quem, na questão som por causa da questão da protecção de dados somos nós que fazemos, nós departamento de segurança; na questão da imagem solicitamos à empresa de segurança privada que tem acesso a todas as câmaras do estádio do ....... que nos faça um levantamento das câmaras que eventualmente não estejam a funcionar. Todas as respostas nos últimos jogos graças a Deus é que não existe nenhuma anomalia em nenhuma das câmaras (minutos 00:44:44 a 00:46:19); JJJ. Por seu turno, também o Director-Adjunto de Segurança, A......., quando questionado acerca da visualização das imagens por parte do Sr. Comandante de Policiamento, afirmou que (sessão de audiência de dia 03/03/2025, minutos 00:59:00 a 01:20:40. a fls. 250-251 dos autos): “Apesar do sistema ter som normalmente não se põe, normalmente só temos as imagens a funcionar ... até porque estão lá várias pessoas, várias entidades, várias instituições que não é conveniente ouvirem o som”, esclarecendo, no entanto, que se alguém quiser ligar o som o mesmo é transmitido sem qualquer problema. KKK. Contrariamente ao que sucedeu, não podia o Tribunal Arbitral deixar de apreciar e valorar esta prova positiva produzida nos autos, concluindo no sentido de que à data dos factos se mostrava instalado e em pleno funcionamento o sistema de videovigilância no Estádio do ......., em especial na zona do túnel de acesso aos balneários. Destarte, LLL. E se dúvidas existissem quanto à efectiva operacionalidade do sistema de CCTV em conformidade com as disposições legais e regulamentares aplicáveis, a junção aos autos de ficheiro vídeo contendo parte da gravação de som e imagem captada pelas câmaras aqui em apreço no dia 16/12/2024 é só por si, demonstrativa, da captacão de som e imagem daquelas câmaras em concreto. MMM. Não se podendo olvidar que tal ficheiro foi capturado no dia, hora e local dos factos em discussão. NNN. E que conjugado com o relatório técnico, que constitui prova técnica não impugnada, confirma que as câmaras de CCTV, no dia, hora e local dos factos estavam em pleno e perfeito funcionamento. OOO. Assim, conjugada toda a prova produzida e aqui elencada: i) o depoimento do Director de Segurança C.C....... [na sessão de dia 03/03/2025, minutos 00:08:00 a 00:57:44 (fls. 250-251 dos autos) conforme passagens transcritas]; ii) o envio da ficha técnica das câmaras de CCTV em questão [fls. 187]; iii) o relatório técnico que demonstra que as mesmas estiveram sempre operacionais e não foi registada qualquer anomalia [fls. 193]; iv) o ficheiro de vídeo que demonstra que durante aquele dia, hora e jogo aquelas específicas câmaras captavam som e imagem; impunha-se decisão diversa quanto à matéria de facto, designadamente julgar o facto 4.° como não provado. PPP. Porquanto a mesma, conjugada globalmente e com base nas regras da experiência e do normal acontecer dos agentes e intervenientes desportivos, permite infirmar o facto erradamente dado como provado, demonstrando que o sistema de CCTV estava em perfeito funcionamento. QQQ. Sendo que a prova indicada pelo Tribunal Arbitral fls. 10 e 11 e fls 94 e 95, relatório do delegado e esclarecimentos do comandante de policiamento, não permitem concluir a veracidade do facto aqui impugnado. RRR. Pelo que se impõe revogar o Acórdão recorrido, alterando-se a resposta dada àquele facto, e consequentemente, concluir que nenhuma responsabilidade disciplinar poderá ser assacada à aqui Recorrente, reclamando-se a sua absolvição quanto à infracção de incumprimento de deveres de organização, p. e p. pelo art. 87.°-A, n.° 5 do RDLPFP. Termos em que se requer a V. Exas. Se DIGNEM JULGAR PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGAR O ACÓRDÃO ARBITRAL RECORRIDO, SUBSTITUINDO- SE O MESMO POR OUTRO QUE IMPORTE A ABSOLVIÇÃO DA RECORRENTE ATENTA A AUSÊNCIA DA PRÁTICA DE QUALQUER INFRACÇÃO DISCIPLINAR. * A Federação Portuguesa de Futebol apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem: 1. O presente recurso, interposto pela Recorrente, tem por objeto a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 15/2025, que negou provimento ao aí peticionado, confirmando a decisão impugnada proferida pelo Conselho de Disciplina, na íntegra; 2. A Recorrente foi condenada pelo Conselho de Disciplina (CD) pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 86.°-A, n.°s 1 e 3, do RDLPFP [Falta de colaboração com a justiça desportiva] na sanção concreta de multa equivalente a 22 (vinte e duas] UC, correspondendo ao valor de 6 2 244,00€ (dois mil duzentos e quarenta e quatro euros); 3. Em concreto, a Recorrente foi sancionada por incumprir a obrigação legal de manter em perfeitas condições de funcionamento o sistema de videovigilância no estádio onde se realizam jogos em que a Recorrente é promotora; 4. Entende a Recorrente que o facto provado n.° 4 não encontra arrimo probatório nos autos, completando que apresentou prova - ou mesmo contraprova - dos factos elencados no mesmo; 5. A referida factualidade encontra respaldo em diversos meios de prova que constam dos autos, desde logo, nos documentos de fls. 10 e 11, bem como 94 e 95 do processo disciplinar n.° 35 - 24/25; 6. Com efeito, no relatório do delegado da LPFP - a fls 11 - é descrito o seguinte: “Na reunião final de segurança, o Sr. Comandante informou que relativamente à situação ocorrida após o final do jogo, na zona de acesso aos balneários, do que lhe foi transmitido e da observação das imagens, sem som, não resulta nenhum facto grave. Na mesma reunião, o Sr. Diretor de Segurança da equipa visitante, solicitou que fosse mencionado o comportamento de ARD‘s que não consegue identificar, que na sua opinião em vez de uma atitude de contenção das pessoas optaram por empurrar elementos da equipa visitante"; 7. Em sede de esclarecimentos adicionais, referiram os elementos das forças policiais - a fls 94 e 95: “2. “As câmaras do sistema de CCTV instaladas naquele local captavam som?” Questionado o promotor logo que a situação foi percecionada, até no sentido de melhor perceber a natureza dos comportamentos adotados pelos intervenientes, foi informado que nenhuma das câmaras no local captava som. 3. Na eventualidade da resposta supra ser negativa, indique, caso tenha conhecimento, quais as razões para que as referidas câmaras não tenham captado som. Julga-se que as câmaras ali instaladas não dispõem dessa capacidade.” 8. Recentremos que o que está em causa nos presentes autos é o facto de, no âmbito de processo de inquérito instaurado pelo CD da Recorrida, a Recorrente foi notificada para remeter aos autos “cópia das imagens e som do sistema de videovigilância instalado no Estádio do .......", não tendo atendido a tal solicitação; 9. A única testemunha que se encontrava no interior da sala de comando onde se desenrolaram os factos em crise, era o Diretor de Segurança Adjunto; 10. A Testemunha Diretor Adjunto confirmou que a zona do túnel de acesso aos balneários - onde se verificaram os factos supra referidos - dispõe de diversas câmaras e que nem todas dispõem de "som embutido”. - cfr. 1h16m25s da audiência disciplinar; 11. Mais afirmou que não consegue confirmar que todas as zonas do túnel de acesso aos balneários estejam equipas com câmaras que captem som. - cfr. l:17m:42s da audiência disciplinar; 12. Como bem frisou o Conselho de Disciplina da Recorrida, sempre se diga que no que respeita ao documento n.º 1 junto com o memorial de defesa por parte da Demandante, a listagem de câmaras constante do mesmo, pode não cobrir toda a zona do túnel de acesso aos balneários, que terá algumas câmaras sem som, pelo que, "se nessa zona algumas câmaras não dispõem de som [como referido pela Testemunha Diretor de Segurança Adjunto), compreende-se que o relatório junto como doc. 1 não pode abranger todas as câmaras daquela zona." - cfr. acórdão do Conselho de Disciplina da Recorrida; 13. Sobre a credibilidade do depoimento da testemunha C.C......., sempre se diga que causa alguma estranheza que a mesma tenha afirmado que o Comandante de Policiamento Desportivo não solicitou a preservação de imagens CCT - aos 32m00s da audiência arbitral - quando consta do Relatório de Policiamento Desportivo “Foi elaborado o correspondente expediente e efetuada notificação para preservação de imagens"; 14. Dispõe o artigo 18.°, n.° 1 da Lei n.° 39/2009, de 30 de julho que “O promotor do espetáculo desportivo, em cujo recinto se realizem espetáculos desportivos de natureza profissional ou não profissional considerados de risco elevado de nível, sejam nacionais ou internacionais, instala e mantém em perfeitas condições um sistema de videovigilância que permita o controlo visual de todo o recinto desportivo e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, as quais visam a proteção de pessoas e bens, com observância do disposto na legislação de proteção de dados pessoais"; 15. Mais dispõe o n.° 2 do referido artigo 18.° da Lei n.° 39/2009, de 30 de julho que "A gravação de imagem e som, aquando da ocorrência de um espetáculo desportivo, é obrigatória, desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo, devendo os respetivos registos ser conservados durante 45 dias, por forma a assegurar, designadamente, a utilização dos registos para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional, prazo findo o qual são destruídos em caso de não utilização ” 16. Dispõe ainda o n.° 7 do artigo 18.° da Lei n.° 39/2009. de 30 de julho que “ O organizador da competição desportiva pode aceder às imagens e ao som gravados pelo sistema de videovigilância, para efeitos exclusivamente disciplinares e no respeito pela legislação de proteção de dados pessoais, devendo, sem prejuízo da aplicação do n.º 2, assegurar-se das condições de reserva dos registos obtidos. 17. Por outro lado, nos termos do artigo 35.°, n.° 1 do RCLPFP "Em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, constituem deveres dos clubes os estatuídos no artigo 8.º da lei n.° 39/2009, de 30 de julho que estabelece o Regime Jurídico da Segurança e Combate ao Racismo, à Xenofobia e à Intolerância nos Espetáculos Desportivos (RJSED) e no artigo 6. ° do Regulamento da Prevenção da Violência constante do ANEXO VI ao presente Regulamento; 18. De acordo com o estabelecido na alínea u) do artigo 6.° do ANEXO VI [Regulamento de Prevenção da Violência] do mesmo RCLPFP, são deveres do promotor do espetáculo desportivo instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis; 19. Tal obrigatoriedade de junção do registo de som e imagem, captado pelo sistema de videovigilância de uma sociedade desportiva, relativo a certo jogo, justifica-se por tal registo ser necessário “à investigação/instrução de um processo em curso ordenada nos termos regulamentares, até porque tais elementos são pré-existentes, independentes da vontade criativa ou cultural da arguida e obrigatórios, isto é, a existência de sistema de videovigilância a funcionar devidamente corresponde a um requisito prévio que todas as sociedades desportivas têm de demonstrar possuir sendo verificado até pelas forças policiais antes de cada jogo; 20. Isto dito, a Recorrente, ao não remeter à Comissão de Instrutores da LPFP - órgão competente pela instrução, para efeitos disciplinares - as imagens e som captados pelo sistema de videovigilância instalado no seu Estádio, pratica a infração disciplinar pela qual foi sancionada, por violação de dever legal e regulamentar, designadamente "por violação ao disposto no artigo 8B,°-A, n.° 1 do RDLPFP [Falta de colaboração com a justiça desportiva].” - cfr. acórdão do CD da Recorrida; 21. A Recorrente, ao não manter o sistema de videovigilância instalado no seu Estádio em perfeitas condições de funcionamento, “nomeadamente que não capta som em toda a extensão do túnel de acesso aos balneários no jogo em apreço, é disciplinarmente sancionável, enquanto incumprimento de um dever legal e regulamentar, em conformidade com o disposto no artigo 87.°-A, n.° 5 do RDLPFP [Incumprimento de deveres de organização].” - cfr. acórdão do CD da Recorrida; 22. Em conclusão, andou bem o Tribunal a quo ao decidir manter a sanção ao Recorrente, não merecendo o Acórdão recorrido, nenhuma censura. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido o Acórdão Arbitra! recorrido, ASSIM SE FAZENDO D QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA. * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer. II Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se existe erro de julgamento da matéria de facto por ter sido dado como provado o facto 4 (As câmaras do sistema de videovigilância (CCTV) instaladas no túnel de acesso aos balneários (local dos factos descritos supra) não estavam a funcionar em perfeitas condições e a captar som). III A matéria de facto constante do acórdão recorrido é a seguinte: 1) No dia 16/12/2024 disputou-se, entre a FC Porto, SAD e a E......., SAD, a contar para a 14.ª jornada da Liga Portugal Betclic, o jogo oficialmente identificado sob o n.° 11408; 2) L....... e V....... é Presidente do Conselho de Administração da Demandante; 3) No final do referido jogo, já no interior do túnel de acesso aos balneários, e quando a equipa de arbitragem estava a conversar com o jogador D....... e com o Vice-Presidente da CFEA - Club F......., SAD (M.......), V....... proferiu - de modo exaltado, repetidamente e na direcção dos dois agentes desportivos da CFEA - Club F......., SAD - a seguinte afirmação: ‘‘Saiam daqui esta não é a puta da vossa casa."; 4) As câmaras do sistema de videovigilância (CCTV) instaladas no túnel de acesso aos balneários (local dos factos descritos supra) não estavam a funcionar em perfeitas condições e a captar som; 5) Relativamente aos factos ocorridos aquando do referido jogo identificado, foi instaurado, por Deliberação da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, o Processo de Inquérito n.° 15 - 2024/2025; 6) No âmbito do mencionado processo de inquérito, por despacho datado de 23/12/2024 determinou-se que se procedesse à notificação da Demandante “para, no prazo de dois dias úteis, vir remeter aos presentes autos, sob pena da cominação p.p. no artigo no artigo 86°-A, do RDLPFP, cópia das imagens e som do sistema de videovigilância instalado no Estádio do ......., aquando do jogo oficialmente identificado sob o n.° 1 1408, disputado entre a FC Porto, SAD e a E......., SAD, a contar para a 14.° jornada da Liga Portugal Betclic, nomeadamente as imagens e som captados no final da partida no túnel e hall de acesso aos balneários": 7} Apesar de regularmente notificada no dia 23/12/2024, a Demandante não remeteu à Comissão de Instrutores naquele prazo, ou em qualquer outro, as gravações das imagens e som criado pelo sistema de videovigilância (vulgo CCTV) instalado no Estádio, aquando do referido jogo; II - Os factos essenciais alegados não incluídos no elenco anterior resultaram não provados, sendo de destacar os factos enunciados infra (reiterando-se que não se elenca matéria de direito, conclusões, repetições ou factos sem relevância para a decisão da causa ou meramente instrumentais). Note-se que a convicção negativa relativamente a estes factos foi determinada, sobretudo, por insuficiência da prova, como em alguns casos por prova do contrário (vejam-se, neste sentido, os factos anteriores dados como provados): 1) O Senhor Comandante da Polícia de Segurança Pública (Sub-Intendente M.M........) visualizou as imagens sem som porque assim o entendeu, uma vez que lhe havia sido expressamente comunicado que se quisesse aceder às imagens com som tal seria possível; e 2) No dia 16/12/2024, no jogo em causa nos presentes autos, o sistema de videovigilância da Demandante estava a funcionar (em perfeitas condições) e a captar som. IV 1. Como se viu, o acórdão recorrido deu como provado o seguinte facto: · As câmaras do sistema de videovigilância (CCTV) instaladas no túnel de acesso aos balneários (local dos factos descritos supra) não estavam a funcionar em perfeitas condições e a captar som 2. É a prova deste facto que a Recorrente coloca em causa, facto esse decisivo para a condenação de que foi alvo. Para o efeito invoca a prova que resulta, em especial, da conjugação dos seguintes elementos: «a) o depoimento do Director de Segurança C.C....... [na sessão de dia 03/03/2025, minutos 00:08:00 a 00:57:44 (fls. 250-251 dos autos) conforme passagens transcritas]; b) o envio da ficha técnica das câmaras de CCTV em questão [fls. 187]; c) o relatório técnico que demonstra que as mesmas estiveram sempre operacionais e não foi registada qualquer anomalia [fls. 193]: d) um vídeo que demonstra que durante aquele dia, hora e jogo aquelas específicas câmaras captavam som e imagem». 3. Vejamos, então. O primeiro elemento que importa reter é o Relatório de Delegado, do qual consta a seguinte menção: «Na reunião final de segurança, o Sr. Comandante [trata-se do Comandante do Policiamento] informou que relativamente à situação ocorrida após o final do jogo, na zona de acesso aos balneários, do que lhe foi transmitido e da observação das imagens, sem som, não resulta nenhum facto grave». 4. Temos, portanto, que as imagens foram observadas sem som. No entanto, daqui não se deve retirar imediatamente que o som não foi captado. Aceita-se, por ora, o que foi alegado pela Recorrente, ou seja, «o que se pretendeu ali visionar de forma célere era se tinha havido algum comportamento fisicamente excessivo, designadamente por parte dos ARDs através de empurrões a elementos da equipa visitante». Ou seja, não teria «havido uma preocupação especial em concreto com o som, tendo aquele cumprido a sua obrigação de visionamento de imagens, que, por mero acaso, foi efectuada sem som». Portanto, e como se disse, poderia aceitar-se ter sido normal o visionamento das imagens sem som, ainda que seja pouco aceitável que tal ocorresse por «mero acaso». Mas adiante, pois essa invocada obra do destino não é agora relevante. 5. Importante, sim, é o facto de o Comandante do Policiamento ter vindo a prestar, posteriormente, diversos esclarecimentos escritos sobre tal ocorrência. Ora, à questão «[a]s câmaras do sistema de CCTV instaladas naquele local captavam som?», respondeu o seguinte: «Questionado o promotor logo que a situação foi percecionada, até no sentido de melhor perceber a natureza dos comportamentos adotados pelos intervenientes, foi informado que nenhuma das câmaras no local captava som». Nada mais claro. E este tribunal – tal como o tribunal a quo – não tem dúvidas sobre a veracidade do declarado. 6. Por outro lado, e quanto ao que foi feito constar no Relatório de Delegado (que «[n]a reunião final de segurança, o Sr. Comandante informou que relativamente à situação ocorrida após o final do jogo, na zona de acesso aos balneários, do que lhe foi transmitido e da observação das imagens, sem som, não resulta nenhum facto grave»), ainda esclareceu que «tal não está totalmente de acordo com o que foi afirmado, pois aquilo que foi dito foi que, naquelas circunstâncias de tempo, tendo feito uma visualização célere das imagens do CCTV, não resultava a perceção de facto típico, ilícito, culposo e punível que justificasse outro procedimento que não o adotado, ou seja, participar a situação e assegurar os meios de prova (e.g. através da notificação para preservação das imagens do CCTV) de modo a que em sede de eventual inquérito pudessem ser, eventualmente, apuradas outras responsabilidades». 7. Portanto, já se vê que é de rejeitar a explicação da Recorrente, nos termos da qual apenas se pretendeu «visionar de forma célere (…) se tinha havido algum comportamento fisicamente excessivo». De resto, cabe perguntar: por que motivo o Comandante do Policiamento se desinteressaria do comportamento verbal? E como notou o acórdão recorrido, o som «era importante para apurar a existência de insultos (como se vieram a apurar) ou eventualmente de ameaças que pudessem ter ocorrido». 8. Assim como é de rejeitar a alegação da Recorrente nos termos da qual «decorre das regras da experiência comum que, se fosse convicção do Sr. Comandante que essa ausência de som se devia a uma desconformidade do próprio sistema de captação, tal circunstância teria sido explicitamente comunicada nesses mesmos termos!», «[n]ão se bastando com uma simples referência à visualização de imagens sem som a propósito de uma distinta ocorrência!». 9. A referência é simples porque não se lhe exige que tenha presente a existência de qualquer desconformidade regulamentar do sistema de captação. Cabe-lhe apenas descrever o que lhe foi dado a visionar. E foi o que fez, não tendo cabimento a alegação de que o visionamento teria sido feito a propósito de uma distinta ocorrência. De onde se retira essa distinção? 10. Diz ainda a Recorrente que é «evidente» que a «ausência de reporte - seja no Relatório do Delegado, seja no próprio relatório de Policiamento Desportivo elaborado por ocasião do jogo - só poderá conduzir à conclusão de que nenhuma ocorrência foi verificada, por quem de direito, quanto à instalação e funcionamento do sistema de som». O que o tribunal considera ser significativo é o facto de o Comandante do Policiamento ter feito expressa referência ao facto de a visualização das imagens ter sido feita sem som. Precisamente porque teve a consciência de que essa omissão não deveria ter ocorrido. Isso sim, é evidente. 11. Aliás, é essa mesma referência expressa que retira sentido à já referida alegação da Recorrente nos termos da qual apenas se procuravam comportamentos físicos. Restrição sem qualquer amparo nas respostas do Comandante do Policiamento, o qual pretendia apurar «a natureza dos comportamentos adotados pelos intervenientes» (comportamentos de qualquer natureza, portanto), ao que logo foi «informado que nenhuma das câmaras no local captava som». 12. Portanto, e neste momento, o que temos é o seguinte: de acordo com a informação prestada ao Comandante do Policiamento, «nenhuma das câmaras no local captava som». 13. Ora, ainda que não com a mesma latitude, no que de essencial releva vão no mesmo sentido as declarações do próprio Diretor de Segurança Adjunto, A........, cujo depoimento – e utilizando o adjetivo empregue pela própria Recorrente – foi «elucidativo». Na audiência preliminar foi-lhe perguntado o seguinte: «no túnel de acesso aos balneários, que é o que nos interessa aqui para este processo, todas têm imagem e som, ou algumas têm imagem, outras têm imagem e som?». A resposta foi claríssima: «Algumas têm imagem e outras têm imagem e som». Recorde-se: as declarações são do Diretor de Segurança Adjunto. E mais: ele próprio, na mesma audiência, afirmou que não foi a pessoa que prestou a informação ao Comandante do Policiamento de que «nenhuma das câmaras no local captava som». Portanto, já resulta do que vem escrito que são duas as fontes que comprovam que nem todas as câmaras no túnel de acesso captavam o som. 14. Não se desconhece que coisa diversa resultou do depoimento do Diretor de Segurança. No entanto, não é difícil descortinar de que lado deverá estar a verdade quando estão em causa depoimentos de duas testemunhas da própria Recorrente, e atuais seus trabalhadores. Ou seja, nada resulta dos autos – bem pelo contrário, aliás – que a testemunha A........ (Diretor de Segurança Adjunto) pudesse ter algum interesse em prejudicar a sua entidade patronal, sendo ainda relevante relembrar as seguintes palavras do acórdão recorrido: «Sobre a credibilidade da testemunha C.C....... (Director de segurança da Demandante), várias vezes referida na acção arbitral, partilhamos da estranheza manifestada pela Demandada, em particular na parte em que a testemunha afirma que o Comandante de Policiamento Desportivo não solicitou a preservação de imagens CCT quando consta do Relatório de Policiamento Desportivo a seguinte referência: “[f]oi elaborado o correspondente expediente e efetuada notificação para preservação de imagens”». 15. Em face destes elementos forma-se a clara convicção de que nem todas as câmaras do local em causa captavam igualmente o som. 16. E essa convicção não é abalada pelo envio da ficha técnica das câmaras de CCTV em questão, o qual demonstraria, segundo a Recorrente, que «aquelas câmaras em concreto têm a função da captação simultânea de som e imagem, pelo que estando em funcionamento e captando imagem, captam obrigatoriamente som». Assim como não é abalada pela junção do relatório técnico retirado do sistema de CCTV «que demonstra e permite inferir que aquelas câmaras em específico estiveram a funcionar a 100%, durante todo o período do jogo e após o fim do mesmo, não tendo sido registada qualquer anomalia». 17. Como se disse no acórdão arbitral, «a listagem de câmaras constante do [relatório] pode não cobrir toda a zona do túnel de acesso aos balneários». Por outro lado, está em causa uma «mera ficha técnica das câmaras, que não serve para demonstrar que as mesmas estivessem a funcionar (em perfeitas condições, conforme exigido nos termos da lei), no momento do incidente». De resto, nem há qualquer notícia nos autos quanto ao alegado facto de o sistema CCTV ter sido «objecto de uma verificação na reunião preparatória do jogo por parte das entidades de policiamento, não tendo sido verificada qualquer anomalia». 18. Quanto ao ficheiro vídeo enviado com o memorial de defesa, e que, segundo a Recorrente, «demonstra que durante aquele dia, hora e jogo aquelas específicas câmaras captavam som e imagem», apenas se poderá repetir o que consta do acórdão arbitral: «Trata-se, porém, de um vídeo: (i) curto, de apenas 51 segundos; (ü) no qual não se consegue perceber, minimamente, o diálogo que se estava a estabelecer com a equipa de arbitragem (…)». É exatamente assim. Não é audível uma única palavra das proferidas pelas duas pessoas (uma delas o árbitro) que as imagens mostram estar em diálogo. 19. Em suma, bem se vê – e ao contrário do alegado pela Recorrente – que «a decisão condenatória [não foi] baseada, tão somente, numa valoração equivocada do relatado no Relatório do Delegado relativamente àquilo que foi comunicado pelo Sr. Comandante da PSP», sendo «uma decisão sem prova e contra a prova», assim como não se poderá acompanhar a Recorrente quando conclui que «[c]onjugada toda a prova produzida e aqui elencada (…) impunha-se decisão diversa quanto ao facto dado como provado e aqui impugnado». Justifica-se, sim, a solução tomada, sendo de evidenciar que a (contra)prova que a Recorrente pretendeu fazer facilmente teria sido alcançada através da junção das gravações solicitadas (com imagem e som). V Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão arbitral recorrido. Custas pela Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil). Lisboa, 9 de outubro de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Maria Helena Filipe Rui Fernando Belfo Pereira |