Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 444/18.1BEFUN |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/20/2025 |
| Relator: | RUI PEREIRA |
| Descritores: | DEPUTADO REGIONAL SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DE PENSÃO INCOMPATIBILIDADE |
| Sumário: | |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL
I. RELATÓRIO 1. AA, com os sinais dos autos, intentou no TAF do Funchal contra a Caixa Geral de Aposentações uma acção administrativa, impugnando os actos praticados pela mesma, designadamente o despacho que lhe foi comunicado pelo ofício de 26-6-2018, pelo qual foi determinada a suspensão, a partir de Junho de 2018, do pagamento da pensão atribuída ao mesmo, e o despacho de 13-8-2018, que determinou a restituição do montante de € 89.187,06 relativo às pensões abonadas no período de 1-1-2014 a 31-5-2018. 2. O TAF do Funchal, por sentença datada de 1-4-2020, julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido. 3. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul, no qual formulou as seguintes conclusões: “I – Quanto à matéria de facto 1. Pelas razões que se referiram e aqui se dão por reproduzidas, propõe-se que o nº 3 dos factos provados passe a ter a seguinte redacção: “Em 5-1-2016 a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira comunicou à entidade demandada a lista dos ...s aposentados que auferiam a respectiva pensão, que se dá aqui por inteiramente reproduzida e na qual se incluía o autor”. II – Do Direito 2. De harmonia com o artigo 231º, nº 7 da Lei Fundamental: “o estatuto dos titulares dos órgãos do governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos”. 3. Em cumprimento daquele preceito constitucional, por Proposta de Lei da Assembleia Legislativa da Madeira, que tem a reserva de iniciativa estatutária, nos termos dos nºs 1 e 4 do artigo 226º da CRP, determinou-se, por via do nº 19 do artigo 75º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, o seguinte: “O regime constante do Título II da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, alterada pelas Leis nºs 16/87, de 1 de Junho, 102/88, de 25 de Agosto, e 26/95, de 18 de Agosto, aplica-se aos ...s à Assembleia Legislativa Regional e aos membros do Governo Regional”. 4. Ao considerar aplicável aos ...s regionais e aos membros do Governo Regional o regime constante do Título II do Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos (Lei nº 4/85, de 9 de Abril), o Estatuto Político-Administrativo da RAM fê-lo de forma a deixar claro que se reportava à versão vigente ao tempo em que, pela Lei nº 130/99, de 21 de Agosto (alteração ao Estatuto Político-Administrativo da RAM), procedeu a tal remissão, que tem, por isso, natureza estática (V. sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal juntas aos autos). 5. A própria Caixa Geral de Aposentações, conforme consta em Relatório de Auditoria nº ..., da Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, e a propósito de alterações introduzidas na Lei nº 4/85, de 9 de Abril, por exemplo, pelo artigo 10º da Lei nº 52-A/2005, expressou o seguinte: «O Presidente do Conselho Directivo da CGA, em sede de contraditório, argumentou que “a não inclusão dos titulares de cargos políticos das Regiões Autónomas no elenco do artigo 10º da Lei nº 52-A/2005 exprime a intenção do legislador de não lhes aplicar a revogação do regime da ..., por receio de desrespeito da reserva de Estatuto Político-administrativo, fundamento, aliás invocado desde então para inviabilizar sucessivas tentativas de alteração daquela norma, ensaiadas pelo Governo em sede de leis do OE”». 6. O certo é que, tais tentativas de fazer aplicar, contra normas expressas da Constituição e do Estatuto Político Administrativo, aos membros dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas (alterações à Lei nº 4/85, de 9 de Abril, e, indirectamente, alterações à Lei nº 52-A/2005), não pararam, vindo mesmo a concretizar-se, por via do artigo 78º da Lei nº 83-C/2013 (que aprovou o Orçamento de Estado para 2014), ao incluir, ilegal e inconstitucionalmente, no elenco do artigo 10º da Lei nº 52-A/2005, os ...s regionais e os membros dos Governos das Regiões Autónomas. 7. Ora, a reserva constitucional de estatuto proíbe, de todo, que quaisquer outros actos normativos regulem a matéria incluída nessa reserva, como decorre dos artigos 112º, nº 3, 168º, nº 6, alínea f), e 226º da CRP, cabendo à Caixa Geral de Aposentações, que de tal não se pode demitir, equacionar o normal princípio da hierarquia das leis e, em função disso, aplicar, por natural prevalência, o nº 19 do artigo 75º do Estatuto Político Administrativo da RAM. 8. É preciso deixar claro que, em nada releva a circunstância da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, não ter sido alterada, neste particular, pela Lei nº 52-A/2005, cujo artigo 10º, na sua versão inicial não incluía no elenco dos titulares de cargos políticos, os titulares dos órgãos de Governo próprio das Regiões Autónomas. 9. E não incluía, como assinala o Presidente do Conselho Directivo da CGA, no Relatório da Auditoria ... da Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, pela razão simples de que a matéria regulada nos artigos 9º e 10º daquela Lei se incluíssem os titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, violariam o nº 7 do artigo 251º da CRP e o nº 19 do artigo 75º do EPA RAM. 10. Tal violação, porém, veio a verificar-se, com a redacção dada pelo artigo 78º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ao incluir nos artigos 9º e 10º da Lei nº 52-A/2005, os titulares os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, inconstitucionalidade e ilegalidade que se suscitou e a sentença recorrida, ignorou de todo, enfermando assim de nulidade por omissão de pronúncia. 11. A ré, recorrida, no ofício que dirigiu ao autor em 2018-04-26 (doc. 8 junto com a PI, a fls. 35) não invoca os artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, como refere a douta sentença recorrida, mas antes o artigo 9º das Leis nº 52-A/2005, nº 64-B/2011 e nº 83-C/2013, que criaram um regime próprio para os titulares de cargos políticos que se encontrassem na situação de aposentados, impedindo a acumulação da pensão com a remuneração do cargo exercido. 12. Todavia, no que diz respeito aos titulares de órgãos de governo próprio das Regiões, aquelas disposições (artigos 9º e 10º da Lei nº 52-A/2005, com a redacção dada pelo artigo 78º da Lei nº 83-C/2013) violam o nº 19 do artigo 75º do EPARAM, e os artigos 50º, 120º, 161º, alínea b), 226º e 231º, nº 7, da CRP, ilegalidades previstas nos artigos 280º, nº 2, alíneas a) e b) e 281º, nº 1, alíneas b) e c), da Lei Fundamental, razão pela qual a sentença recorrida ao decidir, como decidiu, obrigou a que se suscitasse para todos os legais efeitos a ilegalidade e a inconstitucionalidade daquelas citadas disposições legais. 13. Isso não obstava a que a sentença recorrida tivesse apreciado a ilegalidade e a inconstitucionalidade dos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, porquanto haviam sido suscitadas pelo autor, uma vez que a ré havia aplicado aquelas disposições, pois, em parte alguma, a Lei nº 83-C/2013 e a Lei nº 53-A/2005 determinavam a restituição das pensões pagas, o que estava previsto no nº 5 do artigo 79º do Estatuto da Aposentação, verificada a inobservância do nº 4 da mesma disposição, o que não acontecia no presente caso. 14. Verifica-se, assim, neste particular, que a douta sentença recorrida enferma de assumida nulidade por omissão de pronúncia (alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil). 15. É manifesto que a douta sentença recorrida decidiu mal a suscitada questão de abuso de direito, uma vez que ignorou e não tirou consequências dos factos dados como provados nos pontos 1 a 7 da matéria assente, ou seja, que durante mais de dois anos continuados e consecutivos, a ré CGA pagou a pensão em causa, em coerência, aliás, com a posição que assumira no Relatório da Auditoria do Tribunal de Contas, sendo assim manifesto o abuso de direito que não pode deixar de proceder sob pena de violação do artigo 334º do Cód. Civil. 16. A douta sentença recorrida violou, entre outras, as seguintes disposições legais: artigos 2º, 18º, 50º, 51º, 168º, nº 6, alínea f), 112º, nº 3, 204º, nºs 1 e 4 do artigo 226º, nº 7 do artigo 231º, artigos 280º, nº 2, alíneas a) e b), 281º, nº 1, alíneas b) e c), todos da Constituição da República; nº 19 do artigo 75º do Estatuto Político-Administrativo da RAM, artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, artigos 615º, nº 1, alínea d) do CPCivil, e artigo 334º do Cód. Civil”. 4. A CGA apresentou contra-alegação, na qual concluiu que o recurso não merece provimento. 5. O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste TCA Sul, devidamente notificado para o efeito, não emitiu parecer. 6. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projecto de acórdão aos Exmºs Juízes Adjuntos, vêm os autos à conferência para julgamento. II. OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR 7. As questões a apreciar no presente recurso estão delimitadas pelo teor da alegação de recurso apresentada pelo recorrente e respectivas conclusões, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 a 3, todos do CPCivil, não sendo lícito ao tribunal de apelação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. 8. E, face ao teor das conclusões exaradas na alegação do recorrente, importa apreciar e decidir se a decisão sobre o ponto iii. do probatório deve ser alterada, se a sentença recorrida padece, ou não, das nulidades invocadas e, finalmente, se a mesma padece de erro de julgamento de facto e de erro de julgamento de direito, ao ter julgado improcedente a acção. 9. Relativamente à alteração do ponto iii. do probatório, no qual se deu como assente que “em 5-1-2016 a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira comunicou à entidade demandada a lista dos ...s ..., que aqui se dá por integralmente reproduzida, e da qual consta o autor”, é manifesto que o que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira comunicou à CGA naquela data foi “(…) a lista dos ...s aposentados que auferiam a respectiva pensão, (…), e na qual se incluía o autor”. Deste modo, defere-se o pedido de alteração do ponto iii. do probatório, o que se fará no lugar próprio infra. III. FUNDAMENTAÇÃO A – DE FACTO 10. A sentença recorrida deu como assente a seguinte factualidade: i. O autor exerceu as funções de ... e de ... da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira desde 10-11-1992 até 18-10-2018. ii. Em 11-4-2014, a entidade demandada atribuiu ao autor a pensão definitiva de aposentação, no montante de € 2.581,82, corrigido em 20-2-2015 para o montante de € 2.589,93. iii. Em 5-1-2016 a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira comunicou à entidade demandada a lista dos ...s aposentados que auferiam a respectiva pensão, que se dá aqui por inteiramente reproduzida e na qual se incluía o autor (alterado nos termos referidos no ponto 9. supra). iv. Em 1-2-2016, a entidade demandada solicitou informação à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira sobre a data a partir da qual o autor é remunerado pela mesma. v. Em 18-2-2016, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira comunicou à entidade demandada que o autor auferia remuneração pela mesma desde 10-11-1992. vi. Por ofício de 26-4-2018, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o autor foi notificado pela entidade demandada para o exercício do direito de audiência prévia relativamente à suspensão do pagamento da pensão em virtude do artigo 9º da Lei nº 52–A/2005, de 10 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 83–C/2013, de 31 de Dezembro, vedar a acumulação da pensão com remuneração. vii. Em 21-5-2018, o autor exerceu o direito de audiência prévia, referido em vi. supra, que aqui se dá por integralmente reproduzido. viii. Em 22-8-2018, o autor foi notificado do ofício com a referência..., de 13-8-2018, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta, entre o mais: “(…) informo V. Exª de que, deverá regularizar perante a Caixa Geral de Aposentações o montante de € 89.187,06, relativo às pensões indevidamente abonadas no período de 2014-01-01 a 2018-05-31, utilizando para o efeito a guia em anexo e dentro do prazo nela indicado”. ix. Em 22-8-2018, o autor foi notificado do ofício nº ..., com a referência ..., de 13-8-2018, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta, entre o mais: “(…) reitera-se que a titularidade de cargo político por aposentado, reformado ou equiparado encontra-se regulada no artigo 9º da Lei nº 52–A/2005, de 10 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 83–C/2013, de 31 de Dezembro. De acordo com aquela norma, não é possível a acumulação da pensão com a remuneração auferida, determinando a suspensão do pagamento da pensão. Considerando esta Caixa que tal normativo vigora imperativa e soberanamente para todo o território nacional, incluindo as Regiões Autónomas”. B – DE DIREITO 11. Como se viu, o autor/recorrente impugnou junto do TAF do Funchal dois actos praticados pela CGA, designadamente o acto que determinou a devolução do montante de € 89.187,06, relativo a pensões de aposentação indevidamente recebidas no período 1-1-2014 a 31-5-2018, e o acto que determinou a suspensão do pagamento da pensão de aposentação que o mesmo auferia, tendo a sentença recorrida julgado improcedente a pretensão do autor, tendo para tanto entendido que a suspensão do pagamento da pensão auferida pelo recorrente era obrigatória, tal como o havia entendido a recorrida CGA, por força do disposto no artigo 9º da Lei nº 52–A/2005, de 10/10, com as alterações introduzidas pela Lei nº 83–C/2013, de 31/12, que vedavam a acumulação da pensão com a remuneração auferida, nomeadamente enquanto ... regional. E afigura-se-nos que acertadamente. 12. O recorrente começa por sustentar que a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia (alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil), uma vez que não apreciou a ilegalidade e a inconstitucionalidade dos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, as quais haviam sido suscitadas pelo autor, uma vez que a ré tinha aplicado aquelas disposições, pois, em parte alguma, a Lei nº 83-C/2013 e a Lei nº 53-A/2005 determinavam a restituição das pensões pagas, o que estava previsto no nº 5 do artigo 79º do Estatuto da Aposentação, verificada a inobservância do nº 4 da mesma disposição, situação que não acontecia no caso dos autos. Mas não tem razão. 13. Como salientou a sentença recorrida, “o autor alegou a inconstitucionalidade dos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, considerando que se o aposentado for eleito para o Parlamento Regional, fica em desigualdade com outros candidatos (não aposentados), é sancionado com a perda do direito à sua pensão, não obstante o artigo 50º (Direito de acesso a cargos públicos) da Constituição da República Portuguesa dispor que «1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos. 2. Ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na sua carreira profissional ou nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos»”. 14. Porém, é manifesto que o disposto nos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo DL nº 498/72, de 9/12), não era aplicável à situação do autor, uma vez que este é (era) titular de um cargo político. Ora, sendo assim, a incompatibilidade das prestações recebidas pelo autor a título de pensão de aposentação não resultam directamente do disposto nos artigos 78º e 79º do EA, mas sim do disposto no artigo 9º, nºs 1 e 2 da Lei nº 52-A/2005, de 10/10, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 78º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12, pelo que, mostrando-se prejudicado o conhecimento da questão suscitada, ela não tinha de ser conhecida pelo decisão recorrida que, deste modo, não enferma da apontada nulidade por omissão de pronúncia. 15. Relativamente ao acerto da decisão, sustenta o recorrente que, no que respeita aos titulares de órgãos de governo próprio das Regiões, o disposto nos artigos 9º e 10º da Lei nº 52-A/2005, com a redacção dada pelo artigo 78º da Lei nº 83-C/2013, viola o nº 19 do artigo 75º do EPARAM, e os artigos 50º, 120º, 161º, alínea b), 226º e 231º, nº 7, da CRP, ilegalidades previstas nos artigos 280º, nº 2, alíneas a) e b) e 281º, nº 1, alíneas b) e c), da Lei Fundamental. Mas sem razão, adianta-se já. 16. Com efeito, tal como salientou a sentença recorrida, e agora se reitera, o regime jurídico instituído pelos artigos 9º e 10º da Lei nº 52-A/2005, com a redacção dada pelo artigo 78º da Lei nº 83-C/2013, não contraria nem viola a remissão (seja ela estática, seja material) efectuada pelo artigo 75º, nº 19º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, pela simples razão de que o disposto na Lei nº 4/85, de 9/4, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 16/87, de 1/6, 102/88, de 25/8, e 26/95, de 18/8, não conferia (nem confere) aos titulares de cargos políticos o direito à cumulação entre a pensão de aposentação, de que eventualmente fossem titulares, e a remuneração pelo exercício de funções políticas que desempenhassem. 17. O que sucede, verdadeiramente, é que a suspensão do pagamento da pensão atribuída ao autor pela CGA decorre inequivocamente da lei (cfr. o disposto no artigo 9º, nºs 1 e 2 da Lei nº 52-A/2005, de 10/10, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 78º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12, após a respectiva entrada em vigor, que ocorreu em 1-1-2014), a qual veio regular, “ex novo”, a incompatibilidade entre as duas prestações e a respectiva aplicação aos ...s da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, pelo que a mesma não podia deixar de ser aplicada ao recorrente, tal como decidiu a sentença recorrida. 18. Finalmente, sustenta o recorrente que a sentença recorrida decidiu mal a suscitada questão de abuso de direito, uma vez que ignorou e não tirou consequências dos factos dados como provados nos pontos 1. a 7. da matéria assente, ou seja, que durante mais de dois anos continuados e consecutivos, a ré CGA pagou a pensão em causa, em coerência, aliás, com a posição que assumira no Relatório da Auditoria do Tribunal de Contas, sendo assim manifesto o abuso de direito que não pode deixar de proceder sob pena de violação do artigo 334º do Cód. Civil. Mas, também aqui lhe falece razão. 19. A expectativa do autor continuar a auferir os montantes devidos a título de subvenção mensal vitalícia durante o exercício remunerado de cargos políticos, ou de outras funções públicas legalmente equiparadas, não encontra justificação na natureza ou teleologia próprias dessa prestação, nem na vigência duradoura de qualquer disposição legal que acautelasse essa possibilidade com previsível estabilidade. Muito menos o facto da CGA, durante mais de dois anos continuados e consecutivos, ter continuado a pagar a pensão em causa. 20. Com efeito, a Lei nº 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2011, procedeu, no respectivo artigo 172º, à alteração do artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, substituindo a regra de redução em 2/3 de uma das prestações cumuladas, ali prevista, pela da impossibilidade da sua cumulação: ou seja, de acordo com o nº 1 do artigo 9º da Lei nº 52-A/2010, na redacção que lhe veio a ser conferida pelo artigo 172º da Lei nº 55-A/2010, nos casos em que os titulares de cargos políticos em exercício de funções se encontrassem na condição de aposentados, pensionistas, reformados ou reservistas deveriam optar ou pela suspensão do pagamento da pensão ou pela suspensão da remuneração correspondente ao cargo político desempenhado, aplicando-se tal opção aos beneficiários de pensões de reforma da Caixa Geral de Aposentações e da segurança social e de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de institutos públicos, de entidades administrativas independentes e de entidades pertencentes aos sectores empresariais do Estado, regional e local (cfr. o nº 2 do artigo 9º da Lei nº 52-A/2010, na redacção conferida pelo artigo 172º da Lei nº 55-A/2010). 21. E, a par da referida substituição, o artigo 172º da Lei nº 55-A/2010 estendeu a obrigatoriedade de opção aos beneficiários de subvenções mensais vitalícias que exercessem quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas, nomeadamente em quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrassem o sector empresarial municipal ou regional e demais pessoas colectivas públicas, impondo-lhes o dever de optar ou pela suspensão do pagamento da subvenção vitalícia ou pela suspensão da remuneração correspondente à função política ou pública desempenhada (cfr. o nº 4 do artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, aditado pelo artigo 172º da Lei nº 55-A/2010). 22. Não existe qualquer controvérsia sobre o facto da CGA ter atribuído ao autor o direito à aposentação e, em conformidade, ter procedido ao pagamento das pensões de aposentação devidas. Acontece, porém, que após ter sido informada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira da relação dos ...s que auferiam remuneração paga pela mesma, a CGA deu início ao procedimento relativo a aferir da situação concreta do autor, tendo em conta os limites à acumulação impostos pela lei. 23. Esse procedimento foi demorado, até pelo melindre e pelas implicações jurídicas envolvidas, tendo continuado com um pedido de informação à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, no sentido desta informar a data a partir da qual o autor vinha auferindo a correspondente remuneração e, após obtida essa informação, a CGA notificou o autor para o exercício do direito de audição prévia tendo em vista a suspensão do pagamento da pensão que vinha auferindo. 24. Ora, tendo em atenção todo o procedimento mencionado, não se pode concluir que o tempo decorrido significasse o protelamento do pagamento da pensão de aposentação ou, muito menos, que a CGA tivesse renunciado ao exercício do direito de suspender o pagamento da aludida pensão e de reposição das pensões indevidamente abonadas. 25. Tal como entendeu a sentença recorrida – entendimento que ora se reitera – não existiu qualquer incremento de confiança por parte da CGA relativamente à manutenção da pensão de aposentação durante o período em que o autor auferiu em simultâneo a pensão de aposentação e a remuneração pelo exercício de cargo político, pelo que inexistia qualquer elemento objectivo que permitisse concluir que a CGA havia criado uma expectativa séria para o autor sobre a manutenção da sua pensão de aposentação. 26. E, a ser assim, afigura-se que a CGA, ao notificar o autor/recorrente para proceder à devolução do montante de € 89.187,06, relativo a pensões de aposentação indevidamente recebidas no período 1-1-2014 a 31-5-2018, e a determinar a suspensão do pagamento da pensão de aposentação que aquele vinha auferindo, não excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, não incorrendo, por isso, no apontado abuso de direito (cfr. artigo 334º do Cód. Civil), tal como acertadamente concluiu a sentença recorrida. 27. Improcedendo todas as conclusões do recurso, conclui-se que a sentença recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe são apontados, merecendo por isso ser confirmada. IV. DECISÃO 28. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCA Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. 29. Custas a cargo do recorrente (artigo 527º do CPCivil). Lisboa, 20 de Novembro de 2025 (Rui Fernando Belfo Pereira – relator) (Luís Borges Freitas – 1º adjunto) (Ilda Maria Pimenta Coco – 2ª adjunta) |